PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO REGULAÇÃO SANITÁRIA Influência do marketing industrial na qualidade da prescrição médica e da dispensação de medicamentos. Karina Martiniana Nascimento Silva1 Larissa de Paula Gonzaga e Castro2 1 Farmacêutica. Aluna da Pós-Graduação em regulação Sanitária, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás/IFAR. 2 Orientadora. Mestre em Direito Internacional pela Universidad de Sevilla. Especialista em Saúde Global pela ENSP/FIOCRUZ. Advogada e professora de graduação e pós-graduação. Resumo O presente trabalho é uma revisão sobre o quanto o marketing realizado pela indústria farmacêutica pode influenciar na qualidade do que é prescrito por nossos profissionais de saúde e o quanto isso afeta a população em termos de saúde e economia. Pode-se perceber com este estudo que existe um grande domínio da indústria sobre os hábitos prescricionais e ainda sobre os hábitos de compra da população em geral. Dessa maneira, o lucro sobressai aos interesses dos pacientes formando assim uma associação pouco saudável. Por isso, propõe-se uma análise mais cautelosa das regulamentação do marketing industrial no Brasil. Palavras-chave: Indústria farmacêutica. Propaganda médica. Uso racional de medicamentos. Consumo. Saúde publica. Abstract This paper is a review of how the marketing done by the pharmaceutical industry can influence the quality of what is prescribed by our health professionals and how it affects the population in terms of health and economics. Can be seen from this study that there is a great field of industry on the habits of limitations and still on the buying habits of the general population. Thus, profit stands the interests of patients thus forming an association unhealthy. Therefore, we propose a more careful analysis of the regulation of the marketing industry in Brazil. Key-words: Pharmaceutical industry. Medical sales. Rational use of medicines. Consumption. Public health. 1 1 INTRODUÇÃO Até meados do século XIX, os profissionais farmacêuticos dominavam todo o processo de produção dos medicamentos. Com o advento da industrialização, a farmácia passou a abrigar, além da prática da manipulação de produtos magistrais, a venda das especialidades farmacêuticas. Dessa maneira, a farmácia também passou a ser alvo, juntos aos prescritores, do marketing utilizado pelas indústrias para venderem cada vez mais seus medicamentos e produtos relacionados à saúde (BARROS, 2000). O marketing, de maneira geral, tem o propósito básico de satisfazer as necessidades e os desejos de um público alvo. Com os medicamentos, esse propósito não se modifica e ainda define padrões tanto para o mercado farmacêutico, quanto para o comportamento e a conduta terapêutica de uma população (NASCIMENTO; SAYD, 2005). Os medicamentos passaram a ser vistos como bem de consumo e, dessa maneira, tornaram-se um símbolo que liga o profissional de saúde ao poder da cura de determinadas patologias ou até mesmo à promoção de um bem estar psíquico ou estético. Essa percepção de que o medicamento é a solução para os problemas do paciente faz com que, hoje, grande maioria da população tenha o ato da prescrição como momento mais importante em uma consulta médica (BARROS, 1983). A crescente expectativa pela prescrição médica promove a existência de um ciclo de submissão do paciente tanto em relação ao médico, quanto à indústria farmacêutica que tem o médico como ferramenta para induzir o consumo de marcas específicas. Assim, se o ponto de vista for exclusivamente mercadológico, podemos observar a proporcionalidade da ocorrência de quadros de doenças com o faturamento do setor industrial (BARROS, 1983). É perceptível o poder que a indústria exerce sobre os hábitos prescricionais dos profissionais de saúde. Para tal, essas empresas investem valores consideráveis de seus lucros em publicidade, a fim de permanecerem em um mercado aquecido que gira em torno do consumo da população. (SOARES, 2008). 2 Com o impacto gerado pelo marketing sobre as práticas terapêuticas, cresce então preocupação e a necessidade de regulamentação das peças publicitárias lançadas pela indústria farmacêutica. Dessa maneira, pretende-se melhorar a qualidade das informações que são direcionadas tanto ao paciente quanto ao prescritor que, normalmente, é quem inicia o processo de orientação ao paciente e também quem o apresenta ao medicamento e à marca que será utilizada em seu tratamento (NASCIMENTO; SAYD, 2005). O que reforça a necessidade da regulamentação das propagandas de medicamentos é o fato de que, muitas vezes, a orientação dada ao paciente surge da propaganda que foi direcionada ao seu prescritor e essa mesma informação pode ser reforçada pelos pontos de venda através das exposições de materiais fornecidos pelos fabricantes dos medicamentos. Assim, torna-se perigosa a exposição de informações que relacionem o uso de medicamentos, sejam eles quais forem, ao aumento da saúde, da beleza ou do condicionamento físico e psíquico (BARROS, 2000). Hoje, em nosso país, a regulamentação das peças publicitárias de produtos sob Vigilância Sanitária, é feita pela Lei nº 9.294/96, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de medicamentos e outros produtos relacionados à saúde da população, como produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, terapias e defensivos agrícolas (BRASIL, 2008). De maneira mais específica, a RDC Nº102 de 30 de novembro de 2000 e a RDC Nº 96, de 17 de dezembro de 2008, dispõe sobre a propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos, instrumentalizando a fiscalização das informações transmitidas através do marketing industrial, dentre outras providências. 2 METODOLOGIA 3 Revisão bibliográfica com base em artigos científicos e legislações existentes sobre o assunto abordado no presente trabalho. A pesquisa foi realizada no período de 06 de junho a 20 de setembro de 2012 e incluiu artigos científicos com datas de 1.983 a 2008 de endereços eletrônicos como Scielo, Bireme e o site do Planalto. Após o levantamento da literatura necessária, a montagem do presente trabalho foi iniciada em 10 de Setembro de 2012, seguida pela revisão do texto que se deu no período de 20 a 26 de Outubro de 2012. 3 DESENVOLVIMENTO A história dos medicamentos e do lugar que eles passaram a ocupar na prática médica está inteiramente relacionada à evolução do setor industrial que gerou inúmeras transformações nas maneiras de produção e consumo de medicamentos. (BARROS, J. A. C., 1983) Os medicamentos passaram a ser vistos como bem de consumo e, dessa maneira, passam a ser objeto de uma relação tipicamente comercial, na qual o paciente é visto apenas como um ser que exerce o papel de um potencial consumidor de produtos e serviços. Sendo assim, tornam-se alvo de um marketing altamente elaborado e sedutor, que tem como objetivo final o aumento das vendas de uma determinada marca. (SASS, H. M., 2003) No entanto, medicamentos não são mercadorias que possam ser livremente fornecidas e oferecidas como se fossem qualquer outro bem ou serviço. Sendo assim, ao se tornarem objeto de abordagens mercadológicas, os medicamentos e produtos relacionados á saúde passam a oferecer risco à população porque interferem diretamente sobre a motivação que um prescritor tem para indicar determinadas marcas e ainda sobre a motivação que o paciente tem para querer adquirir determinados produtos. (FAGUNDES, et al., 2007) 4 É notório o poder que a indústria exerce sobre as prescrições dos profissionais de saúde. Algumas indústrias chegam a investir 35% do valor de suas vendas em peças publicitárias com o intuito de promoverem seus produtos. (SOARES, 2008) O grande problema desse poder publicitário é o fato de que a indústria farmacêutica calcula bem a influência que exerce sobre os profissionais alvos, mas muitas vezes estes profissionais não dimensionam os impactos de suas prescrições em um âmbito populacional. Parece óbvia a importância do papel do médico no processo que envolve medicalização e lucros. Dessa maneira, além de chegar até a população através das diversas formas de mídia, torna-se de extrema importância para a lucratividade da indústria, que ela influencie os hábitos de prescrição dos profissionais de saúde. Para tal, a indústria usa ainda de mecanismos menos explícitos como a ingerência nas políticas de pesquisa, financiamento de jornais e revistas médicas e o relacionamento com médicos que possam representar um suporte. (BARROS, J. A. C., 1983) O investimento da indústria em marketing é mesmo crescente na medida em que o retorno dado pelos profissionais e pela população também o é. Prova disso é o estudo realizado por FAGUNDES, et al., que entrevistou 50 médicos (36 homens e 14 mulheres) e mostrou que 98% dos profissionais entrevistados recebem regularmente a visita de representantes comerciais e que desses, 68% acreditam na influência direta que a propaganda tem sobre os hábitos prescricionais. Ainda mais preocupante, é o fato de que 14% dos profissionais que participaram do estudo admitiram prescrever em função do recebimento de incentivos dados pela indústria. Ao considerarmos essa prática no âmbito da saúde e da assistência médicofarmacêutica, os problemas decorrentes da auto regulação assumem uma dimensão ainda mais significativa, pois vidas podem estar sendo decididas por motivos que, muitas vezes, passam ao largo da consciência dos médicos em razão das técnicas sofisticadas de propaganda e marketing e das relações estabelecidas entre esses profissionais e os representantes farmacêuticos. Nesse sentido, as consequências da propaganda podem se traduzir em danos àqueles que deveriam ser os beneficiários. (NASCIMENTO; SAYD, 2005) 5 As técnicas de propaganda e marketing influenciam as escolhas de indivíduos, e o uso dessas técnicas, associado ao poder econômico, pode gerar abusos e distorções das práticas comerciais. Por este motivo é que a sociedade, por intermédio das ações de governo e dos próprios publicitários, estabeleceu limites para as propagandas. (FAGUNDES, et al., 2007) O Estado então assume um papel controlador e regulador e tem a responsabilidade de regulamentar questões que vão desde a embalagem do produto a ser oferecido, até às informações que serão disponibilizadas aos prescritores e consumidores dos mesmos. (FAGUNDES, et al., 2007) O papel controlador do Estado torna-se pertinente se pensarmos que, no âmbito da saúde pública, é ele quem deve defender a população de qualquer ação que possa causar danos à saúde da mesma. (FAGUNDES, et al., 2007) A prescrição tendenciosa e a má qualidade das informações fornecidas pelas propagandas de medicamentos e produtos para a saúde geram impactos populacionais que vão desde o risco sanitário até à economia. (SOARES, 2008) Ainda em referência ao papel do Estado, existe a necessidade de proteger a população dos prejuízos a que é exposta através de propagandas enganosas, abusivas e incompletas. Os prejuízos podem terminar por agravar quadros de saúde, gerando, além do dano ao paciente, um gasto maior do próprio Estado com o tratamento de um quadro que poderia não ter se agravado se houvesse uso racional de medicamentos. (FAGUNDES, et al., 2007) Assim, se a indústria não cumpre sua obrigação de seguir rigorosamente as regulamentações criadas para a proteção do consumidor, acaba por gerar prejuízos financeiros tanto ao Estado quanto aos pacientes. (FAGUNDES, et al., 2007) Alguns estudos defendem a proibição da propaganda de medicamentos no Brasil, considerando os impactos supracitados e também a “ineficácia” da legislação vigente para a regulamentação desse tipo de publicidade. (NASCIMENTO; SAYD, 2005) 6 Basicamente, a justificativa para a proibição da propaganda de medicamentos no Brasil está no próprio cenário apresentado pela ANVISA. Os excessos do marketing industrial continuam muito evidentes esse fato leva à exposição dos pacientes brasileiros aos interesses de uma indústria que busca lucros. (NASCIMENTO; SAYD, 2005) Um estudo feito por BARROS, J. A. C., comparou as informações disponíveis no Dicionário de Especialidade Farmacêutica (DEF) para os produtos campeões de vendas, com as informações contidas em literaturas com o mesmo intuito informativo, porém publicadas e utilizadas em outros países, como, por exemplo, o Drug Information for the Health Care Professional (USPDI). No estudo em questão, ficou visível a ausência de informações e extrema importância como reações adversas, contra-indicações e interações no DEF. A ausência dessas informações foi constatada em mais de 50% dos produtos analisados. alusão aos efeitos adversos e mecanismos de ação, inexistentes em 50% dos produtos avaliados. (FAGUNDES, et al., 2007) Esse comportamento, considerando que quase todos os produtos são fabricados pelas mesmas empresas (multinacionais), corrobora a idéia de que há um duplo padrão de conduta dos fabricantes, conforme o país ou de acordo com a exigência ou não de maior rigor na regulamentação existente ou no grau de cumprimento efetivo da mesma. (BARROS, J. A. C., 2000) 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise de influência do marketing industrial na qualidade das prescrições é de extrema importância uma vez que, são notórios os desafios que nosso país ainda tem diante da regulamentação de tais peças publicitárias. Outro fator relevante é o impacto econômico, social e o risco sanitário gerado pelo consumo irracional de medicamentos e outros produtos para a saúde que terminam por aumentar os gastos da rede pública com o tratamento e a reabilitação de pacientes que cada dia mais têm medicamentos como um bem de consumo. 7 Podemos notar que ainda há uma defasagem muito grande quando o assunto é o controle da influência que a propaganda da indústria farmacêutica exerce sobre a saúde da população. Como descrito neste trabalho, muitos prescritores ainda têm como fonte de educação continuada as informações fornecidas pela indústria e esse é um fator preocupante uma vez que a indústria tem o poder de manipular os dados fornecidos de maneira a promover sua marca. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, José Augusto C. “Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos.” Rev. Saúde pública, São Paulo, vol.17, pp.377-86, 1983. BARROS, José Augusto C. “A (des)informação sobre medicamentos: o duplo padrão de conduta das empresas farmacêuticas.” Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol.16(2), pp.421-427, abr-jun, 2000. SOARES, Jussara Calmon Reis de Souza. “Quando o anúncio é bom, todo mundo compra. ”O Projeto Monitoração e a propaganda de medicamentos no Brasil.” Rev. Ciência & Saúde Coletiva [online], vol.13(Sup.), pp.641-649, 2008. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RE nº96, de 17 de dezembro de 2008, que trata sobre a propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos. NASCIMENTO, Álvaro César; SAYD, Jane Dutra. “Ao Persistirem os Sintomas, o Médico Deverá Ser Consultado”. Isto é Regulação? Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol.15(2), pp.305-328, 2005. BARROS, José Augusto C. One more case of the double standard: discrepancies between information provided to Brazilian and American physicians. Pharmaco – Epidemiology and Drug Safety 2000; 9:281-287. SASS, HM. Promover a educação em saúde para enfrentar a doença e a vulnerabilidade. In: Garrafa V, Pessini L, organizadores. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola/Sociedade Brasileira de Bioética; 2003. p. 79-86. 8