Anais da Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435 XX Semana de Pedagogia da UEM VIII Encontro de Pesquisa em Educação / I Jornada Parfor DESENVOLVIMENTO MORAL NA CRIANÇA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DEOLINDO, Karina Luciane Silva [email protected] CAETANO, Luciana Maria. (orientadora) [email protected] Universidade Estadual de Maringá – UEM Psicologia da educação INTRODUÇÃO O desenvolvimento moral se inicia na infância através das trocas que as crianças possuem em seu desenvolvimento com a família, escola e amigos, enfim nas relações sociais. Essas relações acabam por construir a sua moral que também vai se modificando a todo momento. Esse desenvolvimento moral perpassa toda a vida do ser humano. Esse artigo enfatiza a fase inicial do desenvolvimento moral que se da na infância, pois para que saibamos como agir com as crianças precisamos de inicio saber com elas se desenvolvem e como o processo de aquisição do conhecimento se dá na mesma. Com isso busca-se nesse artigo pontuar algumas considerações embasadas na teoria de Jean Piaget sobre a moralidade, com ênfase em seu livro “O juízo moral na criança”. Sabemos assim que toda ação humana é guiada por valores. Os princípios que cada ser humano tem para si sobre o que julga certo ou errado é o que os transformam em seres morais, pois suas ações são determinadas por esses julgamentos. Portanto agimos conforme esses princípios morais, que guiam nossas atitudes, que não são instintivas, mas sim intencionais. Podemos afirmar assim que as regras que muitas vezes seguimos não devem ser impostas a nós, e não devem estar à parte de nosso entendimento, elas devem ser internalizadas e acometidas de forma que o sujeito não as acate por obrigação mais sim por entendê-las e respeitá-las. Dessa forma o importante não são os valores morais, mas o porquê de aceita-los e segui-los, ou seja, o essencial é que possamos compreender e segui-los por vontade própria, e não por obrigação e dever (Piaget, 1994). Por isso fica claro que a moralidade é muito mais do que saber quais são as regras, leis e normas corretas, moralidade é saber refletir sobre elas, e a partir daí decidir se devemos ou não segui-las. É preciso anteriormente que exista um respeito por nós mesmos e pelos outros, para que assim as relações sociais possam ser embasadas no respeito mútuo. Dessa forma, as Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. regras que sustentam a sociedade devem ser construídas democraticamente, ou seja, em conjunto, e que privilegiem a maior parte da população, não sendo elas arbitrárias e autoritárias. O mesmo deve ocorrer nas famílias, escolas e nas relações pessoais, cooperar com o próximo é essencial para uma boa relação, que constituirá uma sociedade justa e harmônica. Com isso busca-se esse entendimento no decorrer do texto, que é somente a partir da cooperação que teremos relações saudáveis sem imposições e autoritarismo. Conhecer assim o desenvolvimento das crianças, suas dificuldades, processos de aquisição de conhecimento e ascensões fazem com que possamos intervir adequadamente e favorecer o seu desenvolvimento moral. PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO MORAL NA CRIANÇA Podemos dizer assim que um dos ambientes que devem proporcionar relações de cooperação é a escola, que deve garantir aos seus alunos momentos de reflexão e construção de regras, para que assim suas relações sejam constituídas da forma mais autônoma possível. As crianças devem estar inseridas em um ambiente propicio para o seu desenvolvimento moral, ambiente este que privilegie as relações pessoais, e conscientize sobre os direitos e deveres de cada um. Mas o que vemos muitas vezes nas escolas é o contrário disso, o que temos hoje pautado como bom comportamento é a obediência, onde as crianças devem ser submissas as ordens dos professores que se tornam autoritários dentro da sala de aula. O ambiente escolar se torna assim um local de conformismo, onde as ordens dos professores são leis para os alunos, e estes por fim não têm voz nem ação diante desse contexto. O autoritarismo dos professores faz com que os alunos se tornem cada vez mais passivos, e dessa forma fazem com que estes se comportem como marionetes que seguem ordens, muitas vezes por medo de castigos, ou outro resultado do autoritarismo é a revolta dos alunos, a violência com os colegas e outros comportamentos inadequados. Araújo (1996, p. 8), salienta que para Piaget, “o valor moral de uma ação não está na mera obediência às regras determinadas socialmente, mas no por que elas são obedecidas: no principio inerente a cada ação”. Piaget (1932/1994) afirma que, o que realmente importa não é a obediência cega, que muitos acham que devemos ter sobre as regras que regem nossa sociedade, o que devemos ter é o conhecimentos destas, e o porquê elas existem, e para que servem, para que possamos 2 refletir sobre cada ação, e assim concluir quais as verdadeiras “regras” que devemos seguir, se são as que estão exteriores a nós, ou as que construímos conforme nossos princípios. Piaget (1994) através de seus estudos e pesquisas apresenta o desenvolvimento moral como um processo de construção, ou seja, é preciso que a criança construa para si as regras, e que não adianta a acumulação de informações a respeito de regras e deveres, é preciso que cada um possa construir sozinho a partir de sua interação com o meio, seus princípios morais. A moralidade não é ensinada, é vivida e experimentada por cada um. Para tanto não devemos encarar a moralidade como ensino, efetivado através de histórias, sermões, cantigas dentre outros meios, possam traduzir para a criança o que certo ou errado dentro da nossa realidade. É preciso a ação e participação do sujeito para a construção do seu desenvolvimento moral. “É somente a partir da troca do sujeito com o meio no qual está inserido, que ele vai, aos poucos, construindo os seus próprios valores morais. Portanto, o sujeito não internaliza passivamente os valores como crêem os empiristas, quando afirmam que a autonomia moral é conseguida a partir da interiorização de regras, normas e valores exteriores. O individuo é ativo na construção de seu desenvolvimento”. (Vinha, 2000, p. 40-41) Piaget, pioneiro nos estudos de psicologia do desenvolvimento moral, desenvolveu suas pesquisas sobre moralidade e demonstrou que na criança há dois tipos de moralidade: a moral heterônoma, diz respeito à a coação dos mais velhos sobre a criança, e também diz respeito à coação dos mais velhos sobre a criança e quando o autoritarismo e a obediência cega se encontram, a criança obedece as regras por medo e não por compreender o porquê da existência delas. E a moral autônoma está ligada à cooperação e à responsabilidade subjetiva que considera além das aparências as intenções e motivos dos sujeitos, ou seja, se baseia no respeito mútuo, as regras são assim aceitas porque o sujeito as compreendeu e assimilou. O autor ainda explica que ao nascer o ser humano se encontra na anomia, que é ausência de regras, e depois passa para a heteronomia, no seu processo de evolução gradual como ser humano; que é como dito anteriormente, respeito às regras impostas por uma autoridade, e por fim chegamos à autonomia, que é o respeito às regras baseadas em princípios internos, esta por fim é a chegada do ser humano, a própria construção de sistemas que englobam seus princípios e valores. Piaget (1994) ainda define que a moral é o sistema de regras e que a moralidade é o respeito que o individuo adquire por essas regras. Piaget em suas pesquisas como dito anteriormente define o desenvolvimento moral em três estágios, que seriam momentos pelos quais podemos passar em nossa vida desde o nascer. 3 Estes estágios são o da anomia, que o autor caracteriza como pré-moralidade, que é a total ausência de regras; a heteronomia, que é a submissão de poder, e por fim a autonomia moral, que é fruto da relação de cooperação e respeito mútuo. Na pré-moralidade, encontramos desde os recém-nascidos, até criança 3 anos de idade. Nesse período não encontramos consciência moral nas crianças, pois elas estão na anomia, na ausência total de regras. Nessa fase o egocentrismo, que é característico da inteligência prática (sensório motora), vai diminuindo conforme a criança vai crescendo e se desenvolvendo com o contato com os adultos. Já na heteronomia notamos que o egocentrismo se encontra no plano das representações (pré-operatório), nesse período ocorrem às coações dos adultos para com as crianças, elas assim adquirem uma obediência cega por regras exteriores. Nesse momento a criança passa a ser governada pela família que a cerca. O egocentrismo está presente na vida da criança desde o seu nascimento, e vai até o período das operações concretas, mas há pessoas que permanecem egocêntricas durante toda a vida. Nesse período as crianças são incapazes de considerar o ponto de vista dos outros, de forma que não diferenciam o seu ponto de vista com os dos outros, elas acreditam que se elas sabem e conhecem é disponível a todos, ou seja, não admitem que os outros tenham desejos, sentimentos e vontades assim como elas. Um período bastante interessante é o sensório motor que vai de zero a dois anos de idade, que Piaget (1975) descreve como o período que a criança vivencia o como egocentrismo radical, no qual a criança não consegue diferenciar ela dos outros objetos, a mesma acredita que tudo é continuação dela, e que se os objetos ou pessoas não estão presentes, simplesmente não existem. Já no período pré-operatório que vai dos dois aos sete anos de idade, que é o estágio das representações, a criança não consegue diferenciar seu ponto de vista dos outros, ou seja, o que ela vê, sabe e sente, ela acredita que é compartilhado por todos. Um aspecto interessante é na questão do “monólogo coletivo”, que a criança fala sozinha, brinca sozinha, mesmo estando com outras crianças, é como se cada uma delas estivesse em seu próprio mundo. Vinha (2000, p. 57) afirma que, “o egocentrismo aparece nas relações entre as crianças e os adultos, pela dificuldade dos pequenos em entender o porquê das regras e em obedecêlas”. A criança assim não entende o porquê não deve fazer tais coisas, e o porque deve seguir tais regras, pois para ela o que ela vê e sente, é visto e sentido por todos. 4 Por isso é necessário que os adultos, professores saibam em que estágio a criança está, de forma que as ajude a compreender do porque seguir tais regras e normas. O adulto pode atuar nesse sentido ajudando a descentralizar o pensamento da criança, ajudando-a a coordenar os seus pensamentos e ações, de forma que não as obrigue, mas sim as possibilite momentos de mudança. Um parêntese importante nesse período, é que as crianças não agem assim com maldade, ou falta de educação, estas apenas agem com o instinto, não planejam e nem têm intenções para tais atitudes. Elas simplesmente agem conforme desejam. Parrat-Dayan (1998, p. 7) evidencia que, “A criança em idade pré-escolar não consegue estabelecer com clareza a distinção entre o seu ponto de vista e o de outras pessoas, nem entre seus pensamentos e a realidade física que interpreta. Em outras palavras, a criança não estabelece uma clara distinção entre o mundo exterior e o mundo interior, subjetivo. A criança pequena atribui suas intenções e seus desejos ao mundo físico, adota somente um ponto de vista sobre as coisas, acreditando que é o único, atribuindo um caráter de exterioridade e realismo a fenômenos subjetivos e é difícil dar-se conta de que outras pessoas veem, creem e pensam de modo diferente acerca da mesma realidade”. A partir dessa explicação dada pela autora, fica claro que a criança por si só, não consegue diferenciar objeto de sujeito, ela acredita que todos têm a mesma ideia sobre qualquer assunto, que a subjetividade dessa forma não existe. Piaget (1975) nos explica com o conceito de egocentrismo ontológico, características da representação do mundo pela criança, por meio do realismo, artificialismo, finalismo, animismo. Estes são artimanhas que as crianças criam para então explicar diversas ideias que se acometem a elas. No realismo, podemos ver que a criança atribui características subjetivas a fenômenos objetivos, onde tudo pode perpassar a sua ideia, e não que as coisas acontecem por outros motivos, que não são os reais. Tudo o que é dito, é aceito como verídico, até mesmo as figuras de linguagem, a criança não faz a analogia do que se pretende com o que disse. Há também nessa representação a ideia de forma e palavra, na qual o tamanho do objeto deve ser representado na palavra, como por exemplo, a palavra abelha, deve ser menor que a palavra girafa, pois os seres são de tamanhos diferentes, e suas palavras devem seguir o seu tamanho, Sendo que o que é grande (girafa) deve ser escrito por uma palavra grande, e o que é pequeno (abelha) deve ser escrito por uma palavra pequena. 5 Já no artificialismo, encontramos a ideia de que a natureza é produto da fabricação de alguém, como se alguém tivesse pintado as flores, folhas, arvores céu, e tudo mais. Como se tudo fosse planejado e executado anteriormente por alguém, a natureza assim é concebida como algo artificial, que foi modificada pelo homem para que ficasse como ele queria: suas cores, formas e tamanhos. No finalismo podemos compreender, que tudo o que existe é para algum fundamento, um exemplo seria que as flores existem para serem cheiradas, e para presentear alguém, ou seja, tudo tem uma finalidade, por isso a definição finalismo. Sempre há uma explicação para certo ocorrido, nada existe sem um fundamento prévio determinado por elas (crianças). Por fim o animismo é a consciência dada pelas crianças a coisas inanimadas, como cadeiras, mesas, o sol, as nuvens dentre outros, as crianças dão vida a coisas e objetivos que são inanimados, ou seja, acreditam que estes possuem “vida”. Uma característica importante do egocentrismo é “com relação ao aspecto cognitivo, o egocentrismo é decorrente da ausência de reversibilidade do pensamento”. (Vinha, 2000, p. 64) Piaget (1958, p. 11) ainda acrescenta que a criança “antes de interiorizar as leis do mundo social, considera que o grupo existe e funciona em torno dela própria, em vez de situar-se entre os outros em um sistema de relações recíprocas e impessoais”. Nessa passagem de Piaget, fica claro que a criança não tem a intenção de não se colocar na posição do outro, pelo contrário, ela não consegue fazer isso de forma, que o aspecto cognitivo dessa criança egocêntrica a faz ter a ausência de reversibilidade, ou seja, ela não entende o pensamento dos outros dissociados dos dela. Por fim Vinha (2000, p. 66) explica que, “(...) o egocentrismo inconsciente e espontâneo de toda criança está presente nos aspectos morais, intelectuais e afetivos, implicando em dificuldades de cooperação e de comunicação, todavia, não se opõe à sociabilidade. Não é que a criança esteja voltada para si mesma, pelo contrario, ela tem grande interesse pelo mundo e pelos outros, entretanto assimila-o de modo deformado”. Vinha (2000, p. 67) ainda acrescenta que “(...) Piaget utiliza o conceito de egocentrismo em dois sentidos diferentes, para demonstrar a indiferenciação entre o sujeito e o objeto e também para indicar a dificuldade de cooperação da criança”. Dessa forma é preciso trabalhar o desenvolvimento intelectual, conjuntamente com o desenvolvimento moral da criança, para que assim ela não tenha atrasos, decorrentes da falta 6 de estímulos adequados do meio, que se não ocorrerem poderão afetar também o desenvolvimento moral da criança. Piaget ainda acredita que é o pensamento racional que permite a socialização, e não a socialização que permite esse pensamento. De modo que a criança precisa assim ter um pensamento racional, descentralizado para então poder socializar-se de forma integral com outras crianças. Outra característica infantil bastante evidente é a responsabilidade objetiva. A criança se baseia no ato em si, e não na sua intencionalidade, quanto maior for à consequência, maior deve ser a punição, de forma que a sua intencionalidade não é colocada em foco nessa característica. Podemos notar que muitos adultos agem com as crianças dessa seguinte maneira, de modo que as punem com maior rigidez quando quebram um objeto grande ou de valor. Lukjanenko (1995, p. 16) cita que os adultos se utilizam “de muito rigor contra os desajeitamentos infantis, não compreendem as situações e punem em função da materialidade do ato, por isso a criança adota essa mesma maneira de ver e aplicar as regras ao pé da letra”. Vinha (2000, p. 72) ressalta que “só mais tarde, quando a responsabilidade objetiva vai transformando-se em subjetiva, é que a criança relaciona a mentira à intenção de mentir, (...)”. Vinha (2000), descreve que é na descentração que a criança operatória concreta, começa a substituir o jogo simbólico “de faz-de-conta”, característico da fase pré-operatório, pelo jogo de regras, em que são envolvidas as relações sociais. Essa descentração faz com que ocorra uma diminuição nos jogos simbólicos, e um aumento nos jogos de regras. Piaget utilizou-se dos jogos com regras para fundamentar suas pesquisas, mesmo o autor sabendo que as regras dos jogos não são em si morais, elas fazem com que as crianças às respeitem, de forma que assim podemos assimilar as normas morais que temos. Os jogos também são muito usados para então trabalhar a autonomia e a cooperação das crianças. Nesse momento em que a criança deixa de lado o jogo simbólico e passa para o jogo de regras, podemos ver “a evolução da prática e da consciência da regra, está muito ligada ao desenvolvimento da criança e às interações sociais que ela estabelece com seu mundo” (Lukjanenko, 1995, p. 14). Essa evolução ocorre, conforme a criança se desenvolve. Um exemplo disso é que as crianças que estão no estágio da pré-moralidade, não compreendem as regras e jogam como querem, ou seja, não se preocupam se estão jogando corretamente, elas apenas jogam. Nesse estágio a idade da criança varia de zero a três anos. 7 Já um pouco mais velhas com a idade de três a cinco anos, as crianças tentam imitar os mais velhos jogando, mas nesse período a criança é egocêntrica de forma que deforma o que vê, focando apenas nos seus desejos e vontades, com isso acaba por jogar sozinha, pois não vê muitas vezes a necessidade do outro em participar. Essa fase também é característica da ideia de que a regra é sagrada, e com isso imutável, as crianças costumam atribuí-la a uma autoridade, e a seres divinos. Podemos notar também características bem interessantes como a compreensão das regras ao pé da letra pelas crianças; como também a falta de generalização da regra. Nessa fase é importante que o professor possa conjuntamente com as crianças construir as regras da sala, regras de convivência, para que assim elas possam entender o porquê dessas regras, e possam segui-las porque realmente as entenderam. O planejamento coletivo entra nessa etapa como fonte de conhecimento, que privilegia o conhecimento da criança e sua opinião. Quando a criança adquire uma idade de em média sete ou oito anos de idade, podemos notar que elas tentam jogar conforme as regras, mas ainda possuem uma dificuldade, pois não às compreendem em seu contexto, e como acreditam que não podem modificar as regras, acabam por terem dificuldades em executar o jogo. Mas a partir dos 11 anos de idade, a criança passa a compreender as regras e com isso passa a cumpri-las de forma integral, com essa idade as crianças já aceitam mudanças e reformulações das regras, já não acreditam que estas sejam imutáveis e divinas, como anteriormente (Piaget, 1994). Menin (1996, p. 54) acentua que “(...) precisamos viver, também, relações de igualdade com os outros para que saibamos construir ou compreender regras já construídas, mais do que, somente, obedecer a regras impostas”. O que podemos entender com essa passagem é que, é preciso que saibamos viver em relação de igualdade com o nosso próximo, e construamos junto com estes nossas regras, e com estas compreendidas possamos viver em harmonia sem a obediência cega, que vivemos hoje. Ao falarmos de regras, temos também em mente a ideia de punição por não segui-las, dentre essas punições, Piaget (1994), elencou três noções de justiça, que são a justiça imanente, e a justiça retributiva, e justiça distributiva. Na justiça imanente, a criança costuma acreditar que sua desobediência ou infração será punida por um ser superior, como se isso fosse algo automático a sua ação. Ela acredita que após a sua desobediência irá sofrer alguma punição divina, como uma consequência. Um 8 exemplo seria: a criança acaba de bater em sua irmã mais nova e em seguida tropeça e cai e se machuca. Ela compreende que o cair e se machucar é uma punição automática por bater na irmã mais nova. Já na justiça retributiva, encontramos a ideia de que algo que a criança fez voltará na mesma intensidade: é a ideia de retribuição. A infração acarreta assim uma sanção que pode ser expiatória ou por reciprocidade. Por outro lado, a ideia que embasa a justiça distributiva é a igualdade de direitos e deveres de distribuição. Piaget (1994) determinou em suas pesquisas sobre o desenvolvimento da noção de justiça, que ela está divida em três períodos. Em primeiro encontramos neste período a noção de justiça retributiva, pois é a obediência que guia a noção da criança do certo ou errado. Nessa fase a criança é heterônoma de forma que associa a justiça à punição, e esta quanto mais severa, se torna mais eficaz para a criança. Já no segundo período, a noção de cooperação começa a ser utilizada, e as crianças se utilizam do igualitarismo, para resolver os problemas de infração, esse igualitarismo não vê a intenção de cada um, este se caracteriza pelo tamanho do delito. E no último período a ideia de punição ainda está presente como solução a infração ocorrida, mas nesse caso começam a levar em conta a intenção de cada um em cometer a infração, leva em conta a situação, e não somente o ocorrido. Dessa forma Vinha (2000, p. 83), afirma que, “é importante ressaltar que são as relações sociais entre as próprias crianças, entre os iguais, que constituem o meio mais apropriado ao desenvolvimento da justiça distributiva e as formas mais evoluídas da justiça retributiva, que é a equidade. Já nas relações dos adultos com as crianças geram as formas primitivas de justiça retributiva, que são as sanções expiatórias e as reações de vingança, tipo “olho por olho, dente por dente”’. Segundo Vinha (2000), nessa etapa de desenvolvimento da noção de justiça, a criança de inicio confunde essa com autoridade, depois com o igualitarismo progressivo, e por fim no último estágio a justiça se torna igualitária, e esta ainda caminha assim para a autonomia em forma de reciprocidade. Estes dados sobre as noções de justiça, descritos por Piaget, fazem com que assim possamos entender com mais clareza, o que as crianças esperam de punições para si, e para seus colegas ao cometerem uma infração. De modo que as punições devem ser determinadas 9 pelos professores e não pelas crianças, que deformam as situações com o seu ponto de vista egocêntrico. Com esses dados podemos transformar nossas práticas de professores, não agindo somente com o senso comum nessas situações, mas sim agir com sabedoria, nessas situações que merecem muito mais atenção do que qualquer outra, pois são elas que embasam na criança a noção de justiça, e dessa forma de moralidade. Vinha (2000, p. 87), esclarece que, “ao propiciar inúmeras oportunidades para que as crianças cooperem umas com as outras o educador está favorecendo muito mais a construção da autonomia do que quando ensina “as verdades”, demonstra a solução de um problema ou dá respostas prontas (...)”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, não adianta que os professores apenas trabalhem conteúdos morais, como histórias, cantigas, lendas e projetos, se estes não vivenciam dentro da sala de aula conjuntamente com seus alunos momentos de reflexão sobre as práticas que estes têm com seus colegas, a reflexão sobre infrações valem muito mais do que “respostas prontas” como cita Vinha (2000), vale muito mais para uma criança, vivenciar situações de conforto dentro das salas de aula, do que viver sofrendo castigos e punições para delitos cometidos. Essa oportunidade que o professor oferece ao seu aluno num ambiente saudável de cooperação, faz com que este transforme o seu sentimento de respeito unilateral em respeito mútuo. Somente quando a criança coopera entre os seus iguais e com os professores, em seu ambiente de ensino e fora dele, como também com seus familiares, é que a cooperação se dá de fato, cooperar não é aceitar regras, é poder questioná-las, criá-las, é poder ter a sua própria ideia sobre determinado assunto. A cooperação se dá, quando a criança aceita as regras por vontade própria e não por obrigação e imposição. A cooperação se dá quando a criança muda suas atitudes para manter uma boa relação com todos a sua volta por vontade própria, por entender que todos têm direitos e deveres e principalmente pontos de vista diferentes. Um ponto importante a se ressaltar, é que o individuo deve passar por todas as fases do seu desenvolvimento, ou seja, é preciso que esse passe pela heterônima, que seja heterônomo, para que assim possa chegar à autonomia, e possa viver na moral autônoma. Não podemos acreditar que para um bom desenvolvimento moral da criança, ela deva saltar da anomia (ausência de regras), para a autonomia (regras internalizadas), é preciso que ela vivencie a heteronomia (obediência a regras exteriores), para então se desenvolver efetivamente. 10 Todavia é necessário respeitar a criança acima de tudo, suas necessidades, sua inteligência, até mesmo suas vontades, por que entre elas, estão à vontade a aprender, conhecer, descobrir, que toda criança têm; somente com esse respeito por ela, é que esta irá se desenvolver plenamente. Com isso buscar uma boa educação que vise tudo isso, não é demais para nossa educação, o professor assim não deve ser autoritário dentro da sala de aula, ele deve ser a autoridade dentro da sala, mas não deve usar desta para então coagir seus alunos. Dessa forma Domingues de Castro (1993, p. 21) afirma que, “Piaget confia num ambiente que respeite a espontaneidade da criança, que permita o seu convívio com outras crianças (fonte da moral autônoma) e estimule tanto o jogo livre, quanto a exploração gradual do mundo. Mas não se exclui a intervenção do adulto, acreditando-se que esta deve acentuar fatores do convívio, justificar ordens e condutas, basear-se na honestidade e franqueza, enfim favorecer a descoberta e a construção do conhecimento por parte dos jovens”. O que se espera assim do professor é que este deixe apenas de “dar a sua aula”, e passe então a construí-la com seu aluno, que deixe apenas de reproduzir conteúdos, mas os construa na troca de que troque conhecimentos com seus alunos, e que estes não sejam vistos apenas como deposito de informações. O professor deve sim aprender sobre os conteúdos que irá ensinar em sala de aula, mas antes de tudo deve aprender sobre seu aluno, sobre como este se desenvolve, para que assim possa antes de tudo compreende-lo. Vinha (2000, p. 97) completa que, “Piaget considera que nem a autonomia, nem a reciprocidade (direitos e respeito pelas liberdades fundamentais a si e aos outros), podem se desenvolver em uma atmosfera de autoridade e opressão intelectuais e morais, pois ambas necessitam para sua própria formação da experiência vivida e da liberdade de pesquisa”. Podemos concluir assim que os professores necessitam de uma formação que os embasem teoricamente sobre as fases de desenvolvimento moral, para que assim possam construir em sala de aula um ambiente cooperativo, livre de coações e que também favoreça o pensar. REFERÊNCIAS ARAÚJO, U. F. de. Moralidade e indisciplina: uma leitura possível a partir do referencial piagetiano. Indisciplina na escola. São Paulo: Summus, 1996. 11 DOMINGUES DE CASTRO, Amélia, A. Egocentrismo e educação. Trabalho apresentado no X Encontro Nacional de Professores da Proepe, Águas de Lindóia, SP, 1993. LUKJANENKO, Maria F.S.P. Um estudo sobre a relação entre o julgamento moral do professor e o ambiente escolar por ele proporcionado. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP, Faculdade de Educação Unicamp, 1995. MENIN, Maria S. S. Desenvolvimento moral: refletindo com pais e professores, in Lino de Macedo (org). Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1996. PARRAT-DAYAN, Silvia. “Egocentrismo infantil: estructura y funcionamento de La conduta humana”, in: Zélia Ramozzi-Chiarottino, Orly Z. Mantovani de Assis e Mucio C. de Assis (orgs.). Anais do V Simpósio Internacional de Epistemologia Genética. Campinas, SP, USP/IP/LPG; Unicamp/FE/LPG, 1998. PIAGET, J.; HELLER, J. La autonomia en la escola. Buenos Aires, Editorial Losada (ed. org. 1944), 1958. PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. Tradução Elzon Lenardon. São Paulo: Summus, 1932/1994. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança :imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro : Zahar, 1975 VINHA, Telma Pileggi. O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista. Campinas, SP: Mercado da Letras; São Paulo: FAPESP, 2000. 12