UM ESTUDO ACERCA DAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

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UM ESTUDO ACERCA DAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DO PROFESSOR
ALFABETIZADOR
HERNANDES, Maria Renata
Centro Universitário Toledo UNITOLEDO - Araçatuba-SP
[email protected]
Resumo
Este trabalho, em fase de conclusão, tem por objetivo investigar quais as diferentes visões sobre
alfabetização e também as diferentes práticas realizadas pelos professores, no momento atual do
ensino, com base principalmente nas experiências metodológicas de um grupo específico de
professores intitulado “Grupo de Vanguarda” que existiu no final da década de oitenta e na década
de noventa, na Secretaria Estadual de Educação de um município localizado na região Noroeste do
estado de São Paulo. As reuniões desse grupo eram voltadas para discussão sobre as novas
tendências metodológicas, bem como para avaliação e revisão de sua prática pedagógica. Eram
realizados estudos sobre a Psicogênese da Língua Escrita, obra de Emília Ferreiro, e assim ocorria
troca de experiências entre os professores que, a cada dia buscavam o aperfeiçoamento de sua
prática. A justificativa pela escolha deste tema se dá pela busca da compreensão dos diferentes
enfoques sobre alfabetização, dos métodos que são utilizados para chegar a uma melhor
aprendizagem e da prática “real” de alguns professores que integraram o “Grupo de Vanguarda”. O
Objetivo desta pesquisa é estudar as tendências relacionadas à alfabetização e verificar quais as
práticas de alfabetização realizadas por um grupo de professores, bem como suas concepções a
cerca da aquisição da leitura e da escrita. Assim, será possível observar se os professores estão
colocando realmente em prática as novas tendências metodológicas ou se ainda restam resquícios de
uma educação tradicional em que a alfabetização ocorre através de um sistema cumulativo de
aprendizagem (do mais simples para o mais complexo). Pretende-se perceber como tem sido a
aceitação dessas novas práticas depois de tantos anos.
Palavras-chave: ALFABETIZAÇÃO; PRÁTICA DE ENSINO; FORMAÇÃO DOCENTE.
Introdução
O presente trabalho busca investigar quais as diferentes visões sobre alfabetização, assim
como as diferentes práticas realizadas pelos professores, no momento atual do ensino, com base
principalmente nas experiências metodológicas de um grupo específico de professores intitulado
“Grupo de Vanguarda” que existiu no final da década de oitenta e na década de noventa, na
Secretaria Estadual de Educação de um município localizado na região Noroeste do estado de São
Paulo. Nesta mesma época, com a implantação do Ciclo Básico, foi promovido pela Fundação do
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Desenvolvimento da Educação - FDE, com assessoria da UNICAMP, um curso intitulado
“Alfabetização – Teoria e prática”. Na região Noroeste do estado de São Paulo, foram enviados
para realizar este curso um Supervisor de ensino e uma Assistente técnica do Ciclo Básico. Ao
retornarem do curso, estes convidavam professores da rede pública de ensino a realizarem estudos e
revisões de sua prática pedagógica. Eram realizadas reuniões para discussão sobre as novas
tendências, troca de experiências e estudos sobre a Psicogênese da Língua Escrita, obra de Emília
Ferreiro.
A escolha deste tema justifica-se pela busca da compreensão dos diferentes enfoques sobre
alfabetização, os métodos que são utilizados para chegar a uma melhor aprendizagem e a prática
“real” de alguns professores que integraram o “Grupo de Vanguarda”.
Existem várias mudanças sendo realizadas na área de alfabetização, mas ainda há muito a
ser revisto e repensado para que se sanem as dificuldades que a escola tem em ensinar a ler e
escrever.
O uso da cartilha, que por muito tempo foi o único meio de aprendizagem utilizado pelos
educadores, tem sido revisto dando prioridade ao ser cognoscente e não à simples memorização de
signos sem significados realmente compreendidos. A introdução de novas metodologias e novas
perspectivas de aprendizagem devem ser levadas em consideração preparando o educando para o
real uso daquilo que foi aprendido, tornando-o capaz de compreender, analisar e ser criativo em sua
construção do conhecimento.
Através deste trabalho, que tem por objetivos estudar as tendências relacionadas à
alfabetização e verificar quais as práticas de alfabetização realizadas por um grupo de professores,
bem como suas concepções a cerca da aquisição da leitura e da escrita, nos será possível observar se
os professores estão colocando realmente em prática as novas tendências metodológicas ou se ainda
restam resquícios de uma educação tradicional em que a alfabetização ocorre através de um sistema
cumulativo de aprendizagem (do mais simples para o mais complexo). Pretendemos perceber, após
tantos anos, como tem sido a aceitação dessas novas práticas.
O aprendizado da leitura e da escrita
A aquisição da leitura e da escrita é, principalmente nos dias de hoje, fundamental para a
sobrevivência da pessoa como cidadã que reconhece os seus direitos e sabe interpretá-los, para
poder assim melhorar suas condições de vida.
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Mesmo antes de ser iniciado o processo de alfabetização as crianças imprimem marcas,
elaboram hipóteses e criam idéias mesmo sem compreender o sistema escrito em toda sua
complexidade. Para aprender a ler a criança precisa construir conceitos, compreendendo não só o
que a escrita representa, mas como ela representa graficamente a linguagem. Este é um processo no
qual a criança precisa resolver problemas de natureza lógica até chegarem a compreender de que
forma a escrita alfabética representa a linguagem e, assim poderem escrever e ler por si mesmas. A
escrita se diferencia de outras formas de representação, porque além de induzir à leitura, torna essa
motivada, ou seja, quem escreve pede ao leitor que interprete o que está escrito. A leitura não deve
ser reduzida à somatória dos significados dos símbolos, mas obriga o leitor a enquadrar todos esses
elementos no universo cultural, social, histórico, em que o escritor se baseou para escrever.
Ao trabalhar com a alfabetização é necessário que se criem condições para o
desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça as necessidades pessoais e
coletivas de comunicação, à transmissão e busca de informações, ao exercício da cidadania. É
preciso ensinar a ler e escrever através das letras e com todas as letras, sabendo vivenciar e
compreender as relações sociais, lendo tanto as linhas quanto as entrelinhas. Em suas casas, por
exemplo, as crianças podem ter contato com a leitura e a escrita através de listas de compras,
agendas telefônicas, cadernos de receitas, cartas ou bilhetes e é a partir daí que ela percebe que a
leitura e a escrita fazem parte de sua vida e têm uma utilidade. Por muitas vezes, os educadores não
compreendem que nem todas as crianças têm acesso ao universo letrado em suas casas,
necessitando que a escola lhe apresente o que ela ainda não teve acesso.
É necessário preparar o cidadão para a leitura do mundo e da vida, resgatando o uso social
da escrita e dominando todos os conhecimentos necessários para utilizá-los no cotidiano.
Concebendo a alfabetização desta forma, podemos tê-la como um instrumento básico para o
conhecimento das ciências que compõem o currículo escolar, para o acesso à cultura universal, para
a sua inserção no mundo e não apenas a de um sistema convencional de comunicação.
Ferreiro (1999) analisa a importância de se considerar, por um lado, a escrita como
representação da linguagem (e não como código de transcrição gráfica sonora) e, por outro lado, a
criança que aprende como sujeito ativo, que interage de forma produtiva com o objeto de seu
conhecimento.
Segundo Ferreiro alfabetizar-se é:
•
Apropriar-se da língua escrita em toda sua complexidade;
•
Ter o direito de saber ler criticamente a palavra escrita por todos;
1423
•
Escrever seus próprios textos colocando suas hipóteses (palavras próprias);
•
Apropriar-se de um objeto de conhecimento que é produto social;
•
Ter a idéia da permanência do registro (o que se registra permanece, não se esquece, não
se perde e não se muda).
•
Estabelecer a correspondência de que tudo que se fala é possível registrar.
Ainda segundo Ferreiro (2003, p. 28), a alfabetização não é um estado, mas um processo.
Ele inicia bem cedo e não termina nunca.
Mesmo depois dos primeiros anos escolares, continuamos em constante aprendizado. Hoje
se fala em analfabetismo funcional e analfabetismo tecnológico. A cada dia os conceitos e
conhecimentos se ampliam, exigindo que estejamos sempre buscando por atualizações.
Como Alfabetizar
O modo como a criança deve ser alfabetizada no início de sua vida escolar tem sido tema de
reflexões de educadores que indagaram qual seria o caminho mais completo e de maior
produtividade e aproveitamento por parte do educando. Os modelos tradicionais de educação,
baseados em métodos silábicos de ensino, com utilização de cartilhas, têm sido criticados e novas
metodologias tomam espaço. Rocha refletiu da seguinte maneira sobre o ensino da língua:
“... Não mais tratada aos pedaços – como no ensino centrado nas sílabas, não mais tratada
aos bocados – como no ensino pautado nas palavras-chave; trata-se de apresentar a língua
por inteira, com sentido real e verdadeiro de forma como socialmente nos utilizamos e que
é, por sinal, a razão de sua existência.” (Rocha, 2000, pg 38)
Durante muitos anos, a prontidão foi considerada como pré-requisito para a alfabetização, e
entendida como treinamento de habilidades específicas de coordenação motora, de capacidade de
discriminação visual e auditiva, de lateralidade, sendo trabalhada isoladamente, sem um esforço no
sentido de levar a criança a compreender a relação da linguagem falada com a escrita.
Os estudos de Ferreiro e Teberosky foram de grande valia para a obtenção de um processo
de alfabetização qualitativamente melhor, com ênfase na relação cognitiva da criança com o sistema
de representação da escrita, contrapondo-a as visões anteriores que se voltavam quase que
exclusivamente aos pré-requisitos necessários à aprendizagem da escrita e aos diferentes métodos
de alfabetização, que não se diferenciavam substantivamente entre si, partindo dos mesmos
princípios. As estudiosas demonstraram através do estudo das hipóteses formuladas pela criança em
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seu processo de construção da escrita, que mesmo quando elas não sabem como a escrita representa
a fala, suas hipóteses apresentam uma lógica interna, uma razão a ser entendida pelos educadores,
não se constituindo em meras imitações ou reproduções sem significado. Ter acesso a esse sistema
simbólico complexo exige o entendimento das relações internas entre seus componentes, não
havendo sentido em colocar como pré-requisito para a sua compreensão o treinamento motor do
aprendiz ou o estado de prontidão para essa aprendizagem.
Isso não significa que a escola deve deixar de dar importância às atividades para o
desenvolvimento da coordenação motora, da capacidade de discriminação visual e auditiva, da
lateralidade, competências fundamentais para a interação /integração de todo o ser humano no
mundo e por esse motivo, necessariamente objeto de cuidadosa atenção da escola em programações
pedagógicas. Significa desvincular as relações de causa e efeito equivocadamente estabelecidas
entre o desenvolvimento das coordenações sensório-motoras e o domínio da leitura e da escrita.
(Referenciais Curriculares da Rede SESI- SP, 2000).
Outra questão que merece ser objeto de reflexão é o ensino baseado nas lições das cartilhas
que tem resistido há muitas gerações.
A utilização da cartilha tem recebido muitas críticas, pois muitos questionamentos
relacionados à sua eficácia, suscitaram conclusões nada animadoras. As cartilhas trazem em comum
o método de alfabetizarem através de palavras-chaves e sílabas geradoras. As lições são divididas
por famílias silábicas, organizando-se do mais fácil para o mais difícil. Podem aparecer pequenos
textos com palavras grafadas pela mesma família silábica, seguidos de atividades de cópia e ditado.
Essa estruturação e seqüência de atividades fazem do aprendiz um sujeito imbecilizado,
desrespeitando as suas capacidades e sua inteligência infantil, além de ser algo distanciado da
realidade. Aprendia-se o signo, construía-se o significante, deixando-se de lado o significado e suas
diversas interpretações e variações.
A escola substitui a vida, por explicações, regras e páginas impressas de uma cartilha.
Cartilha esta que se limita a um mero processo formal de ensino, uma vez que não se preocupa com
as palavras que escolhe, não estabelece a relação existente entre o significante e o significado...
Ensina-se uma linguagem por meios artificiais, dificultando a sua compreensão (Feil, 1986, p. 18).
O método tradicional acaba por menosprezar a leitura, visto que é não necessário obter uma
capacidade de leitor eficaz, se apenas pela memorização se é capaz de aprender. A criatividade da
criança é perdida, pois ela não tem espaço para desenvolvê-la dentro de suas hipóteses. As palavras
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são o que são, ou melhor, são famílias silábicas que depois de engolidas, tornam a criança uma
pessoa “alfabetizada”, mesmo que ela não saiba do que se trata.
A cartilha acaba tolhendo o prazer pela leitura quando a criança é forçada a ler “Eva vê a ave
voar” e coisas semelhantes. Muito diferente das criações espontâneas das crianças, o jogo de
palavras das cartilhas é algo chato, pois contem exercícios repetitivos, ofensivos à inteligência e
auto–estima da criança.
Quando o aluno não consegue aprender, o problema não está no modo como lhe é ensinado,
mas sim em sua capacidade. Se ele tem dificuldade em decorar, possui problemas de aprendizagem
e se não encontra sentido no que está aprendendo tem algum distúrbio. É mais fácil analisar o
problema da aprendizagem pelo educando, do que de se analisar a metodologia do professor.
As crianças apresentam diferentes níveis de amadurecimento da aprendizagem. Quando elas
conseguem ler palavras só pelo prazer de tê-las lido, ficam aguardando algo mais interessante em
sua seqüência. É necessário que o aprendiz tenha a consciência de que aquilo que lê acrescentará
algo à sua vida.
Se enquanto educadores, a intenção é tornar a criança um verdadeiro leitor, os métodos
utilizados devem condizer com a riqueza do vocabulário falado pela criança, com sua inteligência,
curiosidade natural, sua ânsia de aprender novas coisas, seu desejo de desenvolver a mente, de
compreender do mundo, com sua capacidade de imaginação, tornando essa atividade de interesse
intrínseco para a criança.
Com a psicogênese da escrita passaram a ser sugeridas atividades interessantes que trariam
para a sala de aula o real significado da escrita através dos mais diversos tipos de textos, tais como
poesias, textos jornalísticos, contos, parlendas, entre tantos outros, retratando assim suas funções
sociais. Entretanto, muitos alfabetizadores preferem continuar inflexíveis na utilização da cartilha,
por considerarem que esta lhes permite um maior controle sobre o processo de aprendizagem dos
alunos.
Concepções e práticas dos professores investigados
Na tentativa de encontrarmos respostas aos nossos questionamentos a respeito das diferentes
visões dos professores em relação aos métodos de alfabetização, iniciamos a pesquisa de campo
com cinco professoras que lecionaram nas primeiras séries do ensino fundamental nas décadas de
80 e 90. Estas professoras, que desde o início da carreira embasaram sua prática numa concepção
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tradicional, participaram de um grupo de estudos denominado “Grupo de Vanguarda”, ocorrido na
década de 1990 na antiga Delegacia de Ensino, onde predominavam discussões e aprofundamento
teórico-prático voltados à novas tendências construtivistas.
A pesquisa aconteceu por meio de entrevistas semi-estruturadas de maneira informal na casa
das professoras. Essa conversa foi gravada e transcrita posteriormente.
Ao perguntarmos como era o trabalho no início de suas carreiras, as respostas foram
unânimes: utilizavam cartilha que priorizava o período preparatório como pré-requisito para a
alfabetização.
Uma das professoras comentou que, em caso de dificuldade na alfabetização, não havia uma
preocupação cuidadosa para avaliar o que a criança já sabia, pois desconheciam como se dava a
aquisição do código alfabético e como as crianças construíam esse conhecimento. Portanto, voltavase novamente ao período preparatório e, muitas vezes, a criança era remanejada para uma classe
mais fraca, reiniciando todo o processo independente da fase em que se encontrava. Garcia (2001,
p.19), consolida sua idéia sobre a limitação do método tradicional quando diz:
“Subtraída a significação, avulta a importância da forma, o invólucro vazio. Ensinar a ler e
a escrever se reduz a uma seqüência de dificuldades crescentes: primeiro sons isolados (a
partir de IaI IeI IiI IoI IuI ) em correspondência com sinais gráficos – as letras (quase
sempre tratadas alegoricamente); depois desmontagem/montagem de palavras; palavras
relacionadas em frases, frases formando parágrafos, parágrafos finalmente integrando
textos. Em resumo: as partes somadas dariam o todo.”
As entrevistas apontam ainda que o aluno era considerado como “laudas brancas” a serem
escritas pelo professor. Segundo o que diz a professora Clara1, “O aluno era obrigado a memorizar
tudo, (...) o que o professor mandasse a criança tinha que fazer”. Cagliari (1998) menciona que o
método tradicional é voltado ao ensino e não a aprendizagem, de forma que não existia
aprendizagem sem ensino, o que fazia do aluno um sujeito passivo. A memorização era valorizada
e, sendo assim, acreditava-se que exercícios repetitivos possibilitavam a fixação do conteúdo
meramente transmitido. Garcia compactua dessa concepção, alegando:
“Trata-se de ministrar, gota a gota, frações mínimas de conhecimento ao sujeito passivo em
que a escola insiste em transformar o aluno... Nesse sentido, ensinar – como amestrar – se
reduz à conexão behaviorista de estímulo e resposta que fixa procedimentos mas,
necessariamente, não exige pensar.” (GARCIA, 2001, p.19)
O que mais surpreende é que todas as professoras entrevistadas mencionaram como o maior
empecilho do ensino tradicional a limitação da capacidade textual das crianças, pois os textos
1
Os nomes dos docentes dessa pesquisa são fictícios.
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“pobres” das cartilhas e o trabalho com “frases soltas” e sem significação dificultam a produção de
textos, atrapalhando a conexão de idéias, tolhendo assim a criatividade dos alunos.
Podemos inferir, portanto que as aulas seguiam sempre a mesma rotina, o que poderia tornálas monótonas e cansativas. A cartilha era como um “guia”, com todos aqueles exercícios de cópia,
repetição e memorização. As carteiras eram sempre dispostas de modo enfileirado, uma atrás das
outras, impedindo a comunicação dos alunos, e nenhuma atividade era desenvolvida fora do
contexto da sala de aula. Todo esse cenário era desestimulante tanto para as crianças quanto para os
professores, como demonstra o depoimento da professora Adélia e isso contribuiu
significativamente para alguns docentes buscarem por novas propostas:
“Eu já vinha a uma longa data trabalhando com o tradicional e aquilo vai cansando. Todo
ano a mesma coisa, a mesma coisa, aquela cartilha. O tempo vai passando e você vai
cansando, tanto a professora como os alunos, porque dentro daquilo você não tem como
criar coisas novas, não é? Aquilo vai ficando velho.”
Nesta mesma época pode-se perceber uma proliferação de pesquisas e artigos em relação à
psicogênese da língua escrita, em que todos os estudos se focavam de como se ensina para como se
aprende.
“No inicio dos anos 80, começaram a circular, entre educadores livros e artigos que davam
conta de uma mudança na forma de compreender o processo de alfabetização; deslocavam a
ênfase habitualmente posta em “com se ensina” e buscava descrever “como se aprende”.
Tiveram grande impacto os trabalhos que relatavam resultados e investigações, em especial
a psicogênese da língua escrita.” (PCN, 1997)
Ao perguntarmos como se deu a proliferação do construtivismo na região e como isso foi
encarado pelas escolas em relação ao apoio pedagógico, percebemos, de acordo com as respostas,
que houve uma liberdade disfarçada, onde quem não mudasse de postura, continuando o trabalho
tradicional, não era bem aceito pelos seus superiores.
“Não era obrigatório deixar a cartilha e “adotar” o construtivismo. Mas na verdade não dava
para continuar agindo de maneira tradicional pelo simples “olhar” da supervisão, pois
davam “preferência” de não usar cartilha. Com isso houveram muitos profissionais que
confundiram construtivismo com “deixar a criança à vontade”. Esses agiram como se
“cruzassem os braços” pra ver o que aconteceria e esse foi um grande erro.” (Professora
Flávia)
Outra professora comenta que tinha liberdade de trabalhar como quisesse desde que a
criança fosse alfabetizada. Mas, ao longo da entrevista, vemos que há controversas:
“...dizer que o primeiro ano foi uma maravilha: Não foi! Acho que vai muito da persistência
da professora, força de vontade e acreditar. E a gente fica meio balançada, no primeiro ano
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que eu comecei, eu recebi a visita do seu Valmir de Souza, ele era defensor perpétuo do
construtivismo, eu me lembro que recebia até críticas, mas críticas assim: construtivas; ele
me chamou, deu várias dicas “olha professora, não é bem assim”, depois fora da sala de
aula nós conversamos bastante. (Professora Adélia)
O senhor Valmir, comentado pela professora Adélia, era um incentivador da implantação do
construtivismo na região, para que não acontecerem “interpretações” equivocadas sobre o mesmo.
Os professores que não trabalhavam numa linha mais construtivistas, por vezes, sentiam-se um
tanto constrangidos pelo entusiasmo dos coordenadores do projeto. A professora Vilma reafirma
essa idéia quando diz:
“... eles procuravam mostrar para a gente que realmente valia a pena. Só que essa Emília
Ferreiro foi muito comentada. Nossa, falavam muito mal dela, achavam que como poderia
essas crianças estarem sendo alfabetizadas se escreviam tudo errado.”
Com certeza, esse foi um período muito difícil para todos os docentes da época que eram
estimulados a trabalhar com algo novo, o construtivismo, que desconheciam. A professora Vilma
refere-se também a falta de formação de professores, e de como isso prejudicou não apenas a
aprendizagem dos alunos, mas a motivação de continuar o trabalho com o construtivismo.
“(...) não foi muito bem passado pra gente, não foi muito bem preparado. Aqui ainda a gente
teve até que alguma coisa que nos ajudou, mas no geral eu sinto que fracassou um pouco.
Houveram muitos mal entendidos, as pessoas não entendiam como era. (...) Tem que ter
segurança, é uma busca, pois constantemente você tem que estar procurando coisas. Mexe
muito mais com o professor, não é aquela coisa prontinha como a gente vê.”
A professora Flávia também compartilha sobre o mesmo problema, dizendo que isso
acarretou em uma prática errônea e contrária ao construtivismo que conhecemos e, infelizmente,
deixando seqüelas em uma geração.
A culpa pelo insucesso foi atribuída ao professor e sua prática docente, quando na verdade,
existiu uma precipitação por parte das autoridades educacionais em implantar o construtivismo sem
antes oferecer formação necessária, com fim de que o docente pudesse perceber as vantagens e a
facilidade de explorar a nova proposta. As professoras referiram-se apenas a palestras de simples
apresentações e motivação, oferecidos pela Delegacia de Ensino, mas não houveram cursos de
formação e capacitação docente para tal.
Vemos, portanto, a importância do Grupo de Vanguarda: foi a oportunidade de conhecer o
construtivismo mais de perto, não baseado apenas nas teorias, mas, em especial, nas trocas de
experiências. Este acontecia quinzenalmente, para quem desejasse participar, como um grupo de
estudos, segundo o que diz a professora Flávia:
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“Haviam reuniões quinzenais com professores de pura troca de experiências e idéias, pois
não existia apostilas nem um “método” a ser seguido(...) Essas reuniões eram muito
produtivas pois cada um dava uma sugestão: “essa semana trabalhei assim e deu certo;
poderíamos trabalhar com músicas e revistas”... contribuindo para o trabalho de todos.”
As docentes observadas tiveram a oportunidade, através do Grupo de Vanguarda, de
aperfeiçoar seu conhecimento a respeito da prática construtivista e seus resultados benéficos. Outra
professora contou a experiência de participar do “Grupo de Vanguarda” como oportunidade de
conhecer não só a teoria, mas o funcionamento desta na prática. Relata esta experiência, dizendo
que gostaria de continuar o acompanhamento.
Para todas as professoras entrevistadas, o que as motivou a mudar de postura foi justamente
como o construtivismo explora a criatividade da criança e como os alunos entendem melhor com
um conteúdo significativo, podendo aprender ainda mais rápido.
Pode-se perceber também que os alunos manifestavam maior interesse durante as aulas,
podendo aprender até mais rápido com o construtivismo (respeitando o “ritmo” de cada um), pois o
ambiente alfabetizador e o papel do professor mediador despertavam na criança o desejo de
aprender.
Para Emília Ferreiro, os êxitos na aprendizagem devem ser atribuídos ao sujeito que aprende
e nunca ao método utilizado (FERREIRO,1999). A metodologia apenas estimula ou não a aquisição
de conhecimento. E uma ação que despertava na criança o desejo de aprender, segundo as
entrevistadas, era o ambiente modificado de sala de aula.
“Você colocava um ambiente alfabetizador dentro da sala de aula. (..) Então as crianças
viam coisas diferentes. Estavam em contato com o mundo.” (Professora Adélia)
O ambiente modificado trazia tanto entusiasmo aos alunos que muitos tradicionais
rotulavam de indisciplina. As crianças dialogando, formando opiniões, discutindo-as com o
professor, compartilhando com os colegas, sem copiar da lousa que não estava cheia dos “pontos”.
Isso tudo pode ter incomodado os professores que não conheciam muito bem o construtivismo,
como podemos perceber através da seguinte situação:
“Teve uma amiga minha que disse: Ah, eu vou trabalhar igual a Talita, porque assim eu vou
empurrar com a barriga”. (Professora Talita)
A satisfação dos professores que experimentavam os benefícios da nova proposta pode ter
aborrecido aqueles que não abriram mão do ensino de “tradição”. E a vontade dos professores
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construtivistas de mostrar os resultados talvez fosse visto como importuno aos demais docentes. È
possível observar esse ambiente escolar divergente daquela época no que afirma a professora
Vilma:
“Eu encontrei muito problema no meu ambiente de trabalho, pois ficava tão encantada que
eu peguei uns textinhos da primeira série (mas daquele jeito, né), aí eu levava pra turma ver
na hora do intervalo e todo mundo ficava rindo de mim, como se eu fosse louca, e eu ficava
encantada de ver que na primeira série estavam produzindo alguma coisa mesmo
escrevendo errado. Elas achavam que tinha que escrever certo, não importava o que
escreviam, tinha que escrever correto, então eu ouvia pelos cantos e nem dava bola.”
O erro também é encarado de maneira diferente de acordo com o construtivismo, pois passa
a ser uma tentativa de acerto da criança, como algo que precisa ser trabalhado e não como
antigamente, que deveria ser evitado. A professora Clara nos faz perceber certamente essa
concepção quando afirma que “Ninguém precisa ficar apontando quem errou”.
Assim, a correção acontece com os alunos juntamente, trabalhando com os erros comuns da
sala, permitindo a participação de todos, muitas vezes com correção coletiva das produções textuais
na lousa. Deste modo, as crianças tinham a oportunidade de refletir e discutir sobre seus próprios
erros, tornando a atividade muito rica.
Diante de uma aula tão diversificada, perguntamos como tem sido a indisciplina dos alunos de hoje
em dia e como corrigir essas crianças. As professoras responderam que é um dos fatores que mais
atrapalham a obter um resultado melhor.
“Ta muito difícil, viu. As vezes a gente planeja coisas assim tão legais e não consegue
porque as crianças hoje estão com muito problema, eu sinto porque estou a vinte anos e
antes não era assim. Eles respeitavam mais, agora eles acham que podem fazer o que bem
entendem. (...) Não precisa ser durona mas mantenha disciplina, façam eles perceber que
tudo tem limite, eles gostam disso.” (Professora Vilma)
Podemos observar, portanto, por meio das entrevistas, que a evolução da indisciplina dos
alunos conforme os anos têm várias causas não apenas metodológicas ou escolares, mas é
principalmente em decorrência de fatores externos, que são os “problemas”, a que se reporta a
professora Vilma.
Entretanto, todas as entrevistadas concordaram que o professor deve manter a disciplina dos
alunos, estabelecendo limites através de combinados, previamente elaborados de preferência junto
com as crianças. É preciso que os alunos tenham um certo respeito, e não medo, do professor. A
professora Flávia é bem precisa em sua colocação sobre o assunto abordado.
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“O interessante na alfabetização não é deixar à vontade. Existem diferenças entre liberdade
e libertinagem2 que não se podem confundir (...) É muito importante o respeito e o limite na
sala de aula, que o aluno tenha liberdade e saiba obedecer. No começo, o bom era não
corrigir, mas saber corrigir é importante, é o segredo do bom alfabetizador”
Muitos docentes, como afirma a professora Flávia no comentário anterior, confundiram o
construtivismo com “deixar a criança vontade”.
perguntamos às docentes o que acontece quando mistura construtivismo e tradicional, e com
que freqüência que essa mistura tem acontecido nas escolas atualmente.
Para a nossa surpresa, uma professora respondeu que essa mistura proporciona uma maior
facilidade para a criança aprender. Outra docente disse que, mesmo o trabalho “misturado” já é
melhor do que somente o tradicional. Para a professora Vilma, os professores misturam não porque
não aceitam o construtivismo, mas pela falta de condições e apoio que lhes são dispostos.
“O professor fala: pelo menos eu pego o que eu já sei e não corro o risco de não ensinar
nada (...) Quem se firmou um pouquinho mais no tradicional é pelo fato de não ter
segurança, não que o professor não queira mudar. Ele tem medo do resultado (...) Eu não
me sinto totalmente pronta pra ser como esse pessoal de São Paulo (...) mas também lá eles
tem um apoio totalmente diferente, são vários cursos e tem até uma coordenadora que
acompanha o trabalho direto, então é outro sistema, eu fico morrendo de inveja (risadas). Se
eu estivesse lá - meu Deus - era outro o meu trabalho. O material é outro, (...) eu fiquei
babando. E eu falo: como que a gente pode fazer um coisa assim aqui se a gente não tem o
apoio? O que eu sinto falta aqui é isso. Não que a gente não queira, mas que a gente faz o
máximo como a gente consegue.” (Professora Vilma)
Vemos que a falta de material, exposta pela professora, é outro fator que dificulta o
progresso do construtivismo, juntamente com a ausência de apoio pedagógico.
O “Grupo de Vanguarda” teve uma repercussão conveniente na região, proporcionando não
apenas conhecimento mas, o amparo necessário para o desenvolvimento eficaz de práticas e os
professores que dele participaram demonstraram agora uma postura profissional mais confiante,
concepções mais claras, práticas mais coerentes.
1. LIBERDADE: Estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral. B) Condição do ser que
não vive em cativeiro. C). Condição de pessoa não sujeita a escravidão ou servidão. D). Independência, autonomia.
E). Ousadia. F) Permissão. G). Imunidade. S. f. pl.
LIBERTINAGEM: Que abusa da liberdade; desregrado, desordenado. b) Contrário aos bons costumes.
1432
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Melhoramentos, 1999.
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