PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ALMIR GRIGORIO DOS SANTOS As mudanças linguísticas nas crônicas do livro “amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas” de Arnaldo Jabor MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ALMIR GRIGORIO DOS SANTOS As mudanças linguísticas nas crônicas do livro “amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas” de Arnaldo Jabor MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA Dissertação Examinadora apresentada da Pontifícia à Banca Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em LÍNGUA PORTUGUESA, sob a orientação da Professora Doutora Dieli Vesaro Palma. SÃO PAULO 2013 Banca Examinadora ______________________________ ______________________________ ______________________________ Dedico esta dissertação a minha mãe, ao meu tio, a minha mulher, ao meu filho, a minha orientadora e a todos os colegas que acreditaram e colaboraram durante a elaboração deste trabalho. AGRADECIMENTOS A DEUS, por estar sempre ao meu lado, renovando minhas forças dia após dia durante a Especialização e agora durante o Mestrado. A minha mãe Sebastiana, pelo carinho, respeito e compreensão. A minha mulher Fernanda, por não separar de mim. Ao meu tio Geraldo, que desde cedo ensinou que devemos estudar. Aos advogados Dr. Paulo de Souza Campos, Dra. Hedila e Dr. Josué Albuquerque, por corrigirem meus deslizes de Língua Portuguesa, despertarem e incentivarem o gosto pela leitura. Ao meu chefe Paulo Rogério (Paulinho), por possibilitar minha participação nos eventos acadêmicos que acontecessem durante meu horário de trabalho. À minha orientadora e mentora professora Dieli Vesaro Palma, por acreditar nesse aluno que a ela se apresentou cheio de falhas e imperfeições, mas com vontade de aprender a pesquisar. À banca de qualificação, Jeni Silva Turazza e Elisa Guimarães pelas sugestões e observações enriquecedoras para a elaboração deste trabalho. À secretária do Programa de Língua Portuguesa, Lourdes pela disposição e gentileza para solucionar problemas e esclarecer minhas dúvidas. À secretária da professora Dieli, Tânia pela gentileza. Às professoras, Leonor Lopes Fávero e Neusa Barbosa Bastos (Neusinha) e ao professor Jarbas pelo apoio e o carinho. À Capes, pelo auxilio financeiro. RESUMO O tema desta dissertação é sobre as mudanças linguísticas nas crônicas do livro “amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas” de Arnaldo Jabor. Nesse contexto, chama a atenção os movimentos que ocorrem na língua em uso comum durante as interações comunicativas, mas não são abordados pelas gramáticas normativas e a habilidade que cada falante tem de interagir socialmente com a língua, pois, é o falante quem organiza o discurso. Dessa maneira, é um estudo que focaliza a língua em uso comum no dia a dia, questionando quais seriam as ocorrências de gramaticalização que o cronista usa em seus textos para manifestar suas intenções comunicativas com seus leitores e quais seriam os efeitos de sentidos que essas ocorrências, como marcas da língua em uso, possibilitam. Para isso, devemos considerar dois processos de criação linguística, a gramaticalização e a lexicalização, abordando o primeiro a mudanças dos itens lexicais nas construções linguísticas e o segundo é definido como um processo criador de novos elementos lexicais, modificando ou combinando os elementos já existentes. Conforme os resultados obtidos, pode-se afirmar que a maneira como o autor escreve seus textos é como se estivesse conversando com alguém, ele trás a língua em uso comum no dia a dia para os textos escritos com a intenção de construir sentidos e manter a interação comunicativa com o seu leitor, uma língua que não é abordada pelas gramáticas normativas. É a gramática de base funcionalista, a gramaticalização e a lexicalização que servem de fundamento para essa abordagem, por envolver as relações lexicais, semânticas, gramaticais, discursivas e estudo da língua em uso real de comunicação. PALAVRAS-CHAVE: Mudança Linguística, Gramaticalização, Funcionalismo e Discursivização. ABSTRACT The topic of this dissertation is about the linguistic change in the chronicles of the book "amor é prosa, poesia é sexo: crônica afetiva" by Arnaldo Jabor. In this context, it draws attention to the movements that occur in the language in common use during communicative interactions, but are not approached by normative grammars and skill that each speaker has to interact socially with the language because it is the speaker, who organizes the speech. Therefore, it is a study that focuses on the language in common use in day by day, questioning what would be the occurrence of grammaticalization the chronicler uses in his texts to express their communicative intentions with your readers and what are the effects of these occurrences meaning that, as language marks in use, enable. For this, we consider two processes of linguistics creation, grammaticalization and lexicalization, addressing the first to change the lexical items in the language constructs and the second is defined as a process of creating new lexical elements, modifying or combining existing elements. According to the results, it can be said that the way the author writes his texts is like talking with someone, it brings the language in common use in day by day to texts written with the intention of building senses and maintaining the communicative interaction with its reader, a language that is not approached by normative grammars. It is the functionalist basis grammar, the grammaticalization and lexicalization that fit the principles for this approach, for it involves lexical relations, semantic, grammatical, discursives and language study in real use of communication. KEY-WORDS: Grammaticalization, Discoursivization. Linguistic Change, Functionalism and SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 01 CAPÍTULO I. GRAMATICALIZAÇÃO................................................................. 08 1.1 HISTÓRICO E CONCEITO DE GRAMATICALIZAÇÃO.......... 10 1.2 PRINCÍPIOS DE GRAMATICALIZAÇÃO................................... 21 1.3 CARACTERÍSTICAS DA GRAMATICALIZAÇÃO.................... 24 CAPÍTULO 1.4 MECANISMOS DE GRAMATICALIZAÇÃO.............................. 28 1.5 CRITÉRIOS DE ANÁLISE............................................................. 33 II. FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO E LINGUÍSTICA COGNITIVA............................................................................................................... 36 2.1 CONCEITO DE LINGUÍSTICA FUNCIONAL.............................. 38 2.2 PRINCÍPIOS DA TEORIA DO FUNCIONALISMO...................... 40 2. 2. 1 GRAMÁTICA E COGNIÇÃO................................................. 47 2.3 CONCEITO DE LINGUÍSTICA COGNITIVA............................... 47 2.4 PRINCÍPIOS DA TEORIA DO COGNITIVISMO.......................... 52 2. 4. 1 CATEGORIZAÇÃO................................................................. 52 2. 4. 2 TEORIA DOS PROTOTIPOS................................................. 53 2. 4. 3 ICONICIDADE......................................................................... 54 2. 4. 4 FRAMES E SCRIPTS............................................................... 55 2. 4. 5 TEORIA DOS ESPAÇOS MENTAIS...................................... 56 2. 4. 6 LINGUAGEM CORPORIFICADA.......................................... 57 2.5 METÁFORA..................................................................................... 58 2.6 ENUNCIAÇÃO................................................................................. 60 CAPÍTULO III. ANÁLISE DO CORPUS.................................................................. 64 3.1 ANÁLISE.......................................................................................... 66 3.1.1GRAMATICALIZAÇÃO DOS SUBSTANTIVOS.................... 66 3.1.2 GRAMATICALIZAÇÃO DOS ADJETIVOS............................ 69 3.1.3 GRAMATICALIZAÇÃO DOS VERBOS................................. 71 3.1.4 GRAMATICALIZAÇÃO DOS ADVÉRBIOS.......................... 80 3.1.5 GRAMATICALIZAÇÃO DOS PRONOMES........................... 84 3.1.6 GRAMATICALIZAÇÃO DOS NUMERAIS............................ 85 3.1.7 GRAMATICALIZAÇÃO DAS PREPOSIÇÕES....................... 87 3.2 EXPRESSÕES LEXICAIS............................................................... 88 3.3 DISCURSIVIZAÇÃO....................................................................... 97 3.4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS............................................... 100 CONCLUSÃO........................................................................................................... 107 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 113 ANEXOS................................................................................................................... 118 1 INTRODUÇÃO O tema desse trabalho é as mudanças linguísticas nas crônicas do livro “Amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas” de Arnaldo Jabor. Ele insere-se na linha de pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa do Programa de Estudos PósGraduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Quando falamos em língua, imaginamos a fala de um grupo, às vezes dizemos que uma língua é mais difícil do que a outra, ou que a língua espanhola é mais fácil, pois é mais parecida com a língua portuguesa. Nosso conceito de fácil ou difícil é baseado sempre na gramática da língua, mas nunca no movimento que ocorre durante o processo de interação comunicativa. A gramática funcional define a língua como sendo um instrumento de interação social, cuja principal função é a comunicação. Dessa forma, a competência comunicativa é a habilidade que cada falante tem de interagir socialmente com a língua. As pessoas valorizam demasiadamente a norma culta, esquecendo-se de prestarem atenção ao meio social em que estão situadas, ao meio social do qual fazem parte. Elas não observam a língua em uso no dia a dia, cheia de expressões, funções e sentidos que fornecem a descrição do funcionamento da língua num dado contexto. A estrutura de uma língua é motivada pelas diversas situações comunicativas. O usuário é quem organiza seu discurso de acordo com a aceitação ou não de seu interlocutor. O objetivo do falante é, em geral, fazer com que o ouvinte mude seu ponto de vista em relação à informação que está sendo transmitida pelo falante, em outras palavras, nada mais é do que buscar convencê-lo em relação a algum ponto de vista, fazendo uso de meios criativos para alcançar seu objetivo, rompendo com as estruturas existentes e criando novas estruturas, para conseguir mudar o conhecimento do ouvinte. De acordo com Coseriu (2004, p. 101), “constitui aspecto fundamental da linguagem o manifestar-se ela sempre como língua: conquanto criação, isto é, produção contínua de elementos novos, e, portanto, neste sentido, „liberdade‟...” A língua em uso é um sistema que se adapta de acordo com as necessidades comunicativas, ou seja, ela sofre alterações continuamente. Este trabalho existe e está desenvolvido, por conta desses movimentos que existem na língua em uso, mas que a 2 maioria das pessoas os rejeitam, não lhes dão valor, valorizando em contra partida uma língua que existe, nos manuais de gramática normativa e no imaginário dos usuários, porque, nas situações quotidianas, o falante desconsidera as mudanças que ocorrem na língua em uso. Para Coseriu (1979, p. 33), “a língua não existe senão no falar dos indivíduos, e o falar é sempre falar uma língua. Como já dizia Platão, o falar é o ato que utiliza palavras postas à sua disposição pelo „uso‟. E é necessário acrescentar que o ato manifesta concretamente o uso e, ao manifestá-lo, supera-o e modifica-o.” Foi pensando nos movimentos que existem na língua em uso e que estão sendo transferidos para a língua escrita em diversos gêneros, como os anúncios publicitários, que, em 2004, foi elaborado por Amadora Fraiz Vilar, na PUC/SP, o trabalho A Multiplicidade de Usos do Numeral: Uma Abordagem Funcionalista. Esse trabalho teve como objetivo estudar o comportamento do numeral, mostrando como ele está sendo usado na língua em uso no dia a dia e na Propaganda. Os resultados da pesquisa mostram que ele distanciou-se muito da noção de quantidade, fato que não é apontado pela gramática tradicional, nem pelos professores de Língua Portuguesa que insistem em dizer que o numeral indica quantidade e não outro valor semântico ou outra função, conforme foi constatado quando cursei o Grupo de Pesquisa: Gramaticalização, Gramática Emergente, Construção de Sentidos e Ensino da Língua: Estudos de Alguns Casos de Gramaticalização, ministrado pela Profª. Dra. Dieli Vesaro Palma, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no segundo semestre de 2012. Na sala de aula, exceto eu, os demais alunos eram professores, porém, pelo fato de ter estudado os fenômenos de gramaticalização no Curso de Especialização em Língua Portuguesa na PUC/SP, em 2009, não me causou tanta estranheza quanto causou aos meus colegas que, mesmo sendo professores de Língua materna, detinham-se basicamente no ensino da norma padrão culta, deixando de lado questões particulares da língua em uso no dia a dia comum. Em síntese, esses profissionais da área educacional fazem parte de um determinado meio social, comunicam-se provavelmente de acordo com a língua em uso e não de acordo com as regras previstas pela gramática tradicional, mas desconhecem os movimentos que existem na língua em uso ou insistem em ignorá-los e, portanto, reiteradamente, ministram suas aulas de Português, enfatizando uma língua idealizada e irreal. 3 Nas palavras de Bechara (2004, p. 13), cada modalidade da língua tomada homogênea e unitariamente, ou em outros termos, toda língua funcional – como entende o lingüista Eugenio Coseriu – tem a sua gramática como reflexo de uma técnica lingüística que o falante domina e que lhe serve de intercomunicação na comunidade a que pertence ou em que se acha inserido. Continua o autor (2004), afirmando que antigamente o professor somente aceitava como língua a modalidade culta, não levava em consideração a língua que o aluno aprendia em casa com seus pais e familiares, repudiando o saber linguístico prévio do aluno. Conforme podemos observar nas palavras de Evanildo Bechara (2004), os professores de Língua Portuguesa devem saber que seus alunos têm conhecimentos prévios da Língua, que foram adquiridos em seus lares com sua família e que não devem ser deixados de lado, mas que deve, sim, ser respeitado e considerado nas aulas de Português. Nosso trabalho é mais abrangente do que o de Amadora Vilar Fraiz, pois tem como objetivo estudar todas as ocorrências de gramaticalização no nível da Morfologia no livro: Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas, de Arnaldo Jabor. Isso significa não somente estudar os numerais que sofreram o processo de gramaticalização, mas também estudar os substantivos, os pronomes, os verbos, os advérbios, as preposições que sofreram gramaticalização, além de expressões lexicais que sofreram os processos de gramaticalização e dos casos de discursivização encontrados nos textos de Aranaldo Jabor. A língua é renovada diariamente e esse é o objetivo deste trabalho, mostrar a renovação que ocorre na língua e que não é registrada pela gramática tradicional. As mudanças na língua acontecem com muita frequência, de forma gradativa e são o resultado de um longo e contínuo processo histórico. Elas estão ocorrendo, embora imperceptíveis aos falantes, somente são perceptíveis aos pesquisadores que dedicam horas e horas de pesquisa voltada para a língua em uso no dia a dia, em situação real de comunicação. De acordo com Luft (2008: 22), a verdadeira gramática, imanente à linguagem, é algo vivo, por isso flexível, dinâmico. Não assim a Gramática disciplina, código normativo, que tende à fixação e inflexibilidade, portanto à morte. A 4 Gramática completa de uma língua viva deveria registrar sua variabilidade e as tendências evolutivas das regras gramaticais. Gonçalves et alii (2007) dizem que a constante renovação do sistema linguístico – percebida, sobretudo, pelo surgimento de novas funções para formas já existentes e de novas formas para funções já existentes – traz à tona a noção de “gramática emergente” (Hopper, 1987), uma concepção assumida de modo explícito por diversos estudiosos da gramaticalização. Foi Antoine Meillet (1912) quem primeiro empregou o termo gramaticalização definindo esse processo como a atribuição de um caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma. Esse estudioso também observou em suas pesquisas que, em todos os casos de gramaticalização, era possível chegar-se à fonte primária de uma forma gramatical. Hopper (apud GONÇALVES 2007: 15), entende a gramática das línguas como constituída de partes cujo estatuto vai sendo constantemente negociado na fala, não podendo em princípio ser separado das estratégias de construção do discurso. Subjazem a esse entendimento uma concepção de língua como atividade em tempo real e a postulação de que, a rigor, não há gramática como produto acabado, mas sim em constante processo de gramaticalização. Para Martelotta (2011, p. 92), por sua vez, “a gramaticalização é definida como um processo de mudança linguística unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais”. Em face do exposto, vemos que a gramaticalização caracteriza-se como um tipo especial de mudança linguística que revela como unidades ou construções de base lexical, em determinados contextos linguísticos, passam a exercer funções gramaticais e, se já gramaticalizadas, podem vir a desenvolver funções ainda mais gramaticais. É importante destacar que há na língua um movimento constante que transforma os itens lexicais em palavras gramaticais, e esse movimento vai sendo constantemente negociado na fala, por meio do discurso e os falantes, sem se darem conta do que está acontecendo, vão renovando a língua dia após dia. A partir de 1980, os pesquisadores da linguagem adquirem novo fôlego aumentando o interesse pelas investigações sobre o processo de gramaticalização, suas motivações e desenvolvimento de forma gradual. 5 Nosso interesse pelo tema surgiu quando a elaboração da monografia no Curso de Especialização em Língua Portuguesa da PUC/SP. Nesse momento, estudamos o tema o processo de gramaticalização dos advérbios nas crônicas jornalísticas, que resultou no trabalho O Processo de Gramaticalização dos Advérbios no Gênero Jornalístico Crônica. No curso de Mestrado, demos continuidade a essa investigação, agora focalizando as ocorrências de gramaticalização na obra Amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas, de Arnaldo Jabor. As questões que direcionaram nosso estudo foram: - Nas crônicas de Arnaldo Jabor, na obra Amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas, quais seriam as ocorrências de gramaticalização de que ele faz uso para manifestar suas intenções comunicativas e que caracterizariam o gênero jornalístico crônica? - Quais seriam os efeitos de sentido que essas ocorrências, como marcas da língua em uso, possibilitam? Com base nessas questões, o trabalho tem como objetivos: - Aprofundar conhecimentos, com base nas crônicas de Arnaldo Jabor, sobre os diversos tipos de ocorrências de gramaticalização presentes no gênero jornalístico crônica. - Identificar as ocorrências de gramaticalização nas crônicas de Arnaldo Jabor, como marcas da língua em uso. - Analisá-las de acordo com os princípios de gramaticalização, propostos por Castilho (1997) e critérios de gramaticalização, levantados por Gonçalves et alii (2007), a fim de estabelecer um quadro tipológico dessas ocorrências. - Verificar qual a intenção comunicativa do autor ao utilizar essas ocorrências e qual o efeito delas na construção de sentidos do texto. Para que possamos entender melhor parte da mudança que ocorre na língua em uso, precisamos de um corpus para análise e o que melhor se enquadra na língua falada é a crônica. As crônicas são gêneros textuais que muito se aproximam da língua falada. Os textos que concretizam esse gênero geralmente são textos curtos, com linguagem 6 simples e espontânea, relatam fatos do cotidiano e o cronista tenta aproximar-se ao máximo possível da língua em uso comum no dia a dia. Quando lemos as crônicas do escritor Arnaldo Jabor às terças-feiras no jornal “O Estado de São Paulo”, no Caderno2, ou os livros que foram publicados pelo autor, por exemplo, a obra focalizada neste trabalho, que é uma coletânea de crônicas publicadas na imprensa escrita e que o autor resolveu reunir em um livro. Nessa obra, notamos que ele faz uso de um grande número de ocorrências de gramaticalização, mostrando a instabilidade da língua e as características próprias da língua em uso. Lembra a língua do dia a dia, da conversa de bar, da fala descontraída sem preocupações com correções gramaticais, ou seja, é uma linguagem livre das barreiras dos puristas. Assim, foi considerando essa quantidade de casos de gramaticalização que escolhemos o livro Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas como nosso corpus para análise. Não é nosso objetivo desenvolver um estudo aprofundado de cada ocorrência selecionada, mas, sim, descrevê-lo e a partir de sua descrição chegar ao ponto de alcançar os efeitos de sentido que a gramaticalização proporciona, explicando-os tendo como base teórica as teorias da gramaticalização, da linguística funcional e da linguística cognitiva. O autor frequentemente faz o uso da língua falada em seus textos escritos. Arnaldo Jabor assume posições diferentes nos textos, ou seja, não escreve sempre do mesmo jeito e, em decorrência do posicionamento que assume, vai escolher determinados elementos gramaticalizados que darão destaque à posição que ele assume como interlocutor, construindo, assim, os sentidos do texto. O cronista valoriza a expressão coloquial, livre de preocupações gramaticais, pois, no fim das contas, ele se comunica de acordo com a língua em uso e de acordo com o meio social com quem interage. Os textos de Arnaldo Jabor, apesar de conterem muitas expressões que são usadas na fala, são coerentes e coesos. Logo, as construções gramaticalizadas presentes em seus trabalhos não impedem que sejam produções textuais bem elaboradas. Elas tornam evidente que a língua não é uma realidade estática. Por estar na boca do povo, seus falantes inovam-na e renovam-na, a cada momento em que participam de situações comunicativas em interação social. A gramática normativa não dá importância para as diferenças que existem entre a língua falada e a língua escrita, não aborda a renovação, inovação, transformação e mudança do sistema linguístico e muito menos questões da fala e da língua em uso no dia a dia. Ela simplesmente registra o uso da norma padrão 7 da língua, prescrevendo como correto somente o que está nela, ou seja, aquilo que segue as regras de bom uso, sem levar em consideração que a língua é um instrumento vivo e que as pessoas estão sempre interagindo umas com as outras de forma espontânea. A gramática tradicional não reconhece esse caráter mutável da língua. Notamos, muitas vezes, que as classes gramaticais, em muitos textos escritos, não exercem de fato a sua função segundo a gramática normativa, ou seja, advérbios não exercem a função de advérbio, adjetivos não exercem a função de adjetivo e assim por diante. Esse caráter de instabilidade de uma língua viva, como veremos na análise, caracteriza um dos casos de gramaticalização, o dos advérbios, no gênero jornalístico “crônica”. Para atingirmos os objetivos propostos, este trabalho está organizado em três capítulos. No capítulo 1, caracterizamos a gramaticalização, abordando sua conceituação e seu percurso histórico. Tratamos também dos princípios de gramaticalização, das características da gramaticalização, dos mecanismos de gramaticalização e dos critérios de análise. No capítulo 2, focalizamos em primeiro lugar o funcionalismo linguístico, seu conceito e os princípios da teoria do funcionalismo, em segundo lugar a linguística cognitiva, seu conceito e os princípios da teoria do cognitivismo, a metáfora e, por último, focalizamos a enunciação. No capítulo 3, com base nos conceitos estudados nos capítulos 1 e 2, analisamos as crônicas jornalísticas do livro de Arnaldo Jabor, com o objetivo de discutir as ocorrências de gramaticalização presentes na obra citada. É importante lembrarmos que ao selecionarmos os textos para a análise, optamos por fazer uma análise no nível morfológico. Devido à quantidade de ocorrências de gramaticalização repetidas que encontramos ao longo de nossa leitura, selecionamos os exemplos que apareceram com maior frequência nos textos. A seguir apresentamos considerações sobre a gramaticalização. 8 CAPÍTULO I GRAMATICALIZAÇÃO É fato que todas as Línguas têm suas particularidades. A Língua Portuguesa tem suas particularidades, a Língua Inglesa tem suas particularidades, a Língua Espanhola também tem suas particularidades etc. e elas podem ser melhor observadas no seu uso comum, no dia a dia, nas situações de interação comunicativa em tempo real. Todas as línguas têm uma gramática que prescreve o uso da norma culta, entretanto podemos perceber que, na língua usada nas conversas diárias, nos bares, nas rodas de amigos, nas falas descontraídas, espontâneas e dinâmicas, nenhum usuário comunica-se como está prescrito na gramática normativa. Ele comunica-se de forma que o entendam, ou seja, na comunicação diária não existe a necessidade de falar de acordo com as regras gramaticais normativas, mas somente em determinadas situações comunicativas que assim o exijam, pois, fora desses casos especiais, o usuário não tem necessidade de fazer uso de um conjunto de regras gramaticais prescritivas para se comunicar. A gramática normativa, quando foi criada, ela tinha o objetivo de registrar o uso da língua, de preservá-la de alterações e de mostrar as regras para bem falar e escrever, com bases nos textos clássicos da Literatura. Essa tradição de se preservar o bem escrever encontra-se, por exemplo, em Machado de Assis e Olavo Bilac, pois esses autores brasileiros escreviam de forma conservadora, ou seja, eles idealizavam uma Língua Portuguesa que seria perfeita, sem alterações, sem variações no seu uso falado ou escrito, sem se preocuparem com o usuário. Hoje, estamos mudando essa visão, pois sabemos que a língua só existe por causa do usuário, do falante e é ele quem a muda, transforma e adapta de acordo com o contexto em que está inserido. O usuário da língua adapta sua maneira de falar de acordo com o meio social do qual faz parte para ser entendido e entender e compreender o que outros usuários estão falando, qual é a mensagem que eles pretendem transmitir. A partir do momento em que o pesquisador começa a prestar mais atenção no usuário da língua, na maneira como esse indivíduo comunica-se, no modo como faz uso dos elementos linguísticos e constrói sentido com suas sentenças que se adaptam de acordo com o ambiente em que ele está inserido, ele percebe que falar uma determinada língua não é simplesmente falar de acordo com o que está prescrito na 9 gramática normativa, mas sim fazer uso da língua de tal forma que seja compreendido por quem o está ouvindo. O falante durante um processo comunicativo faz adaptações praticamente o tempo todo para ser entendido, para que aquilo que está falando seja entendido, porque ele tem uma mensagem a ser transmitida e, por trás dela, há uma intenção que também deve ser percebida pelo ouvinte. Por isso, ele faz adaptações o tempo todo em sua maneira de falar. A gramaticalização tem por objetivo estudar essas mudanças, alterações e transformações que ocorrem na língua em uso no dia a dia, mas que não fazem parte e não são citadas em nenhum momento pelas gramáticas normativas, ou seja, elas ocorrem somente na língua em uso. Entretanto, essas ocorrências podem ser percebidas em alguns textos escritos, pois, de tanto aparecerem na língua falada, estão também começando a aparecer nos textos escritos, por exemplo, crônicas, tirinhas de jornal, ou seja, em quadrinhos e em anúncios publicitários. As mudanças e transformações da língua não acontecem da noite para o dia, elas levam algum tempo para fazer parte do uso comum de vários usuários para então serem consideradas de fato uma mudança linguística e poderem ser objeto de estudo, ou seja, após institucionalizada, aquela mudança linguística pode ser estudada por pesquisadores da linguagem que estão interessados em saber como determinada alteração se deu na língua em uso, o que motivou essa mudança e quando, ou melhor, em que época teve início determinada mudança linguística por meio de registros escritos. Nas palavras de Martelotta (2011, p. 92), a gramaticalização é definida como um processo de mudança linguística unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Seguindo esse processo, o elemento deixa de atuar no nível representacional, característico dos elementos que fazem referência a dados mais objetivos associados ao nosso mundo biossocial, para atuar no nível interpessoal, que engloba as expressões de valor processual, ou seja, aquelas cujas funções estão relacionadas aos processos através dos quais o falante elabora seu enunciado para um determinado ouvinte em um contexto específico de uso. Neste capítulo, abordamos a gramaticalização. Nosso objetivo é caracterizar a gramaticalização fazendo um percurso que a contemple em sua totalidade, ou seja, focalizamos o conceito de gramaticalização, seu percurso histórico, os princípios que dizem respeito a estágios da gramaticalização, algumas de suas características seus 10 mecanismos e sua contribuição para a construção de sentidos, propostos pelos estudiosos da Gramaticalização, Antonie Meillet (1948); Mário Eduardo Martelotta (1996, 2011); Sebastião Carlos Leite Gonçalves, Maria Célia Lima-Hernandes e Vânia Cristina Casseb-Galvão (2007); Maria Helena de Moura Neves (1997, 2000, 2009, 2012); Ataliba T. de Castilho (1997), entre outros. A seguir abordamos o histórico e o conceito de gramaticalização. 1.1. HISTÓRICO E CONCEITO DE GRAMATICALIZAÇÃO Até o ano de 1980, os estudiosos da linguagem não davam tanta importância para desenvolver os estudos linguísticos levando em consideração o falante, ou seja, a fala em tempo real e suas ocorrências espontâneas em função das necessidades comunicativas. Eles simplesmente acreditavam que a língua era homogênea, perfeita, a língua que, por exemplo, encontramos nos romances clássicos com sua linguagem rebuscada. Pensando dessa maneira esses pesquisadores deixavam de lado um elemento importante para a comunicação sem o qual ela não ocorre, o usuário, o falante. O falante é o elemento mais importante do processo comunicativo, sem ele não existe língua, não existe a fala, não podemos afirmar também que há interação, pois sabemos que a interação ocorre entre pessoas que se comunicam, compartilham informações e experiências vividas no dia a dia, e é isso que chamamos de interação. Nos dias atuais não podemos imaginar um estudo sobre a linguagem que não considere o falante. Somente a partir da década de 80, a gramaticalização passou a ser objeto de interesse de muitos estudiosos da Língua, algo que não acontecia até o momento, pois a Língua sempre foi vista de forma ideal, ou seja, os gramáticos e escritores da época praticamente idolatravam e cultuavam-na como um objeto valiosíssimo, um objeto que não apresentava falhas, algo perfeito, haja vista, a ideia que Chomsky tinha de Língua quando escreveu sua gramática gerativa, acreditando no princípio do inatismo, que diz “que existe uma estrutura inata, ou seja, existe um conjunto de princípios gerais que traça limites entre as línguas de forma universal, estão presentes em todas as línguas do mundo”. De acordo com Martelotta (2008, p. 60), outro aspecto importante para a caracterização da gramática gerativa está no fato de que Chomsky, o criador dessa tradição, propôs uma 11 distinção entre competência e desempenho. O autor define “competência” como a capacidade – em parte inata e em parte adquirida – que o falante possui de formular e compreender frases em uma língua e caracteriza o “desempenho” como a utilização concreta dessa capacidade. Apenas no conhecimento se encontra o “módulo de linguagem”, já que no desempenho (o único que é observável diretamente) podemos notar vários módulos em interação, como linguagem, memória, emoção, concentração, entre outros. Cabe mencionar que Chomsky assume uma posição semelhante à de Saussure ao sustentar que o objeto da linguística deve ser a competência, e não o desempenho. Isso significa que mais uma vez o sujeito, como usuário real da língua, e suas habilidades sociointerativas ficam de fora dos estudos linguísticos. Chomsky propõe, portanto, uma noção idealizada de competência, característica de um falante/ouvinte igualmente idealizado, que usaria de modo regular seu conhecimento linguístico, independente das diferentes situações reais de comunicação. A partir da década de 80 os estudiosos da linguagem começaram a observar que não existe língua ideal, língua perfeita, mas sim uma língua que se adapta e se adequa de acordo com as necessidades comunicativas, ou seja, a língua é produto do homem, ele é que a constrói, faz as adaptações e as divulga, sendo assim, com o passar do tempo determinados termos e expressões cristalizam-se e passam a fazer parte da língua de um povo, os estudiosos da linguagem começam a prestar mais atenção no papel desempenhado pelo falante durante o processo comunicativo. Quando determinados termos ou expressões que são usados constantemente pelas pessoas em situações cotidianas, ou seja, no uso real são registradas, elas passam a fazer parte daquela língua e merecem ser estudadas. A gramaticalização passou a ser objeto de estudo. A partir desse momento foi detectado um grande número de fenômenos que não estão registrados nas gramáticas tradicionais, mas que estão presentes em diversos textos orais e escritos, surge o interesse em pesquisar essas ocorrências e, entre elas, a gramaticalização. Ou seja, percebe-se que a gramática tradicional não era capaz de dar conta do grande número de fenômenos linguísticos que ocorrem na fala cotidiana, descontraída do dia a dia, em tempo real e que de uns tempos tem aparecido também nos textos escritos, como podemos constatar em análise que foram feitas nas crônicas do livro “Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas”, escrito por Arnaldo Jabor. Com base no que foi dito até agora percebemos que não existe Língua ideal e muito menos um falante ideal, um falante modelo, a Língua é viva, espontânea, dinâmica e está em constante transformação e que essas transformações se dão nas 12 situações reais de comunicação, ou seja, nas interações entre os falantes no dia a dia. Foi esse caráter espontâneo, dinâmico e mutável da Língua que levou ao aumento do interesse dos estudiosos da linguagem pelos estudos de gramaticalização nos estudos linguísticos mais recentes. Do ponto de vista histórico, Maria Helena de Moura Neves (2004) postula que as pesquisas e os estudos que foram feitos sobre gramaticalização tiveram seu início no século X na China e, a partir do século XVII, ocorreram na França, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. No século XX, foi Antonie Meillet (1912) o primeiro estudioso da linguagem a empregar o termo gramaticalização caracterizando esse processo como a atribuição de um caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma. Esse pesquisador da linguagem também observou em seus estudos que, em todos os casos de gramaticalização, era possível chegar-se à fonte primária de uma forma gramatical. De acordo com Moura Neves (2004), Meillet observou que, em todos os casos em que se podia conhecer a fonte primeira de uma forma gramatical, essa fonte era uma palavra lexical, e que a transição é sempre uma espécie de continuum. Segundo Poggio (2002), Meillet demonstrou, em seus estudos, que, além de procurar a etimologia da palavra, procurava também encontrar as transformações das formas gramaticais. Para o pesquisador, a gramaticalização pode afetar cada palavra, estendendo-se à sentença, inclusive podendo afetar também a ordem das palavras nas sentenças. Para ele, existiam três classes de palavras: as principais, as acessórias e as gramaticais e entre elas ocorre uma transição gradual. Continua Poggio (2002) afirmando que Meillet deu realce aos fatores de expressividade e uso. Cada vez que um elemento linguístico é empregado, seu valor expressivo diminui e a repetição torna-o desgastado. Devido à necessidade de falar com maior força expressiva, são criadas novas formas gramaticais, em decorrência do desgaste progressivo das palavras. A gramaticalização caracteriza-se como um processo de mudança linguística que revela o movimento que a Língua em uso no dia a dia faz nas diversas situações de interação comunicativa em momento real de comunicação, ou seja, ela não ocorre apenas em um determinado momento, mas sim, ao longo de um período de tempo de forma gradual. De acordo com Saussure (apud MARTELOTTA 2011, p. 16), “tudo quanto seja diacrônico na língua não o é senão pela fala. É na fala que se acha o germe de todas as modificações: cada uma delas é lançada a princípio por um certo número de indivíduos antes de entrar em uso”. Ela nos mostra como unidades ou construções de 13 base lexical, em determinados contextos linguísticos, passam a exercer funções gramaticais e, se já gramaticalizadas, podem vir a desenvolver funções ainda mais gramaticais. Para nomear esse processo e chegar finalmente a um consenso sobre qual nome seria o mais adequado para designar o que hoje conhecemos como “Gramaticalização”, não foi uma tarefa muito fácil conforme veremos a seguir. Alguns pesquisadores desse processo sugeriram vários nomes, inclusive nomes que são características do processo de gramaticalização, por exemplo, esvaziamento semântico e reanálise, que na verdade fazem parte do processo de análise das ocorrências de gramaticalização. Em outras palavras, para que possamos analisar as ocorrências de gramaticalização, devemos considerar alguns princípios de análise desse processo e entre os vários princípios e parâmetros de análise do processo de gramaticalização existem o esvaziamento semântico e a reanálise. A seguir veremos exemplos dos nomes que foram sugeridos para nomear esse processo. Neves (2004), afirma que não há um acordo para nomear esse processo: gramaticalização, gramaticização e gramatização. Poggio (2002), por sua vez, vai um pouquinho mais longe dizendo que há diversas perspectivas sobre a designação desse processo. Afirma haver uma confusão para nomeá-lo: gramaticização, gramatização, gramaticalização, apagamento semântico, condensação, enfraquecimento semântico, esvaimento semântico, morfologização, reanálise, redução e sintaticização. Apesar de toda essa discussão, a maioria dos teóricos parece concordar em utilizar o termo “gramaticalização” que foi empregado primeiramente pelo Linguista Francês Antoine Meillet em 1912. Outra questão que gera um pouco de desconforto entre os estudiosos da linguagem é saber definir o conceito de gramaticalização. A única informação referente a esse processo que é compartilhada por todos os pesquisadores das ocorrências de gramaticalização é a de que esse processo se dá e é renovado na língua em uso comum no dia a dia, ou seja, é fato comprovado por meio de pesquisas que é o falante o responsável pelas transformações que ocorrem na língua. Nos próximos parágrafos mostramos que não há consenso em relação à definição desse processo. Para Martelotta (2011), “a gramaticalização é um processo de mudança linguística é unidirecional segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez 14 gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Seguindo esse processo, o elemento deixa de atuar no nível representacional, característico dos elementos que fazem referência a dados mais objetivos associados ao nosso mundo biossocial, para atuar no nível interpessoal, que engloba as expressões de valor processual, ou seja, aquelas cujas funções estão relacionadas aos processos através dos quais o falante elabora seu enunciado para um determinado ouvinte em um contexto específico de uso”. Poggio (2002), com base em Castilho (1997b, p.31 e 32), define gramaticalização como o trajeto empreendido por uma forma, ao longo do qual, ela muda de categoria sintática (= recategorização), recebe propriedades funcionais na sentença, sofre alterações semânticas e fonológicas, deixa de ser uma forma livre e até desaparece como consequência de uma cristalização extrema. Em sentido mais amplo, o autor define gramaticalização como o processo de codificação de categorias cognitivas em formas linguísticas, aí incluindo a percepção de mundo pelas diferentes culturas e o processamento da informação. Para Moura Neves (op.cit.), o estudo da gramaticalização põe em evidência a tensão entre a expressão lexical, relativamente livre de restrições, e a codificação morfossintática, porém sujeita a restrições, não esquecendo de levar em consideração a indeterminação relativa da língua e o caráter não-discreto de suas categorias. É importante destacar que há na língua um movimento constante e dinâmico que transforma os itens lexicais em palavras gramaticais e que esse movimento vai sendo constantemente negociado na fala por meio do discurso. Em outras palavras esse movimento ocorre por conta da necessidade comunicativa de cada pessoa ou grupo de pessoas no meio social em que estão inseridos é o que chamamos de necessidade comunicativa ou de acordo com Maria Helena de Moura Neves (2004) pressão de informatividade e os falantes vão renovando a língua dia após dia, de forma intuitiva por meio de mecanismos cognitivos, concretizando o que já foi dito anteriormente, que a língua é dinâmica, espontânea e viva, os falantes percebem a necessidade comunicativa de forma intuitiva e o fato de eles perceberem toda essa necessidade comunicativa e isso dá oportunidades aos falantes para que façam suas criações, renovações e transformações. O fato de eles realizarem suas escolhas e criarem novas formas para poderem se comunicar de forma eficiente, não significa que eles não saibam a Língua, mas que simplesmente fazem adequações e constroem sentido em 15 suas falas de acordo com o meio em que estão inseridos, usando da criatividade para tal. Esse tipo de mudança linguística requer do pesquisador ou estudioso da linguagem uma concepção não-estática da gramática das línguas humanas. Nesse sentido, ele deve saber que o sistema linguístico está em constante renovação e não pode pensar que fazer uso ou bom uso da Língua significa saber falar e escrever da forma como prescreve a Gramática Normativa, pois, sabe-se que o usuário tem liberdade no emprego da Língua e que ele fala e escreve sem nenhum tipo de impedimento, mas, é obvio, fazendo as adequações para que não seja ignorado pelos outros falantes. Esse aspecto só serve para reforçar a afirmação de que os sistemas linguísticos passam por uma constante renovação. Desse modo, não podemos afirmar que existe gramática como produto acabado, finalizado e que as pessoas falam e escrevem de acordo com o que está prescrito nela, mas devemos entendê-la como em movimento constante de mudança, contribuindo para essa situação a gramaticalização. Assim, esse processo nos prova e mostra que a língua é viva, é espontânea e está em constante processo de transformação e evolução que se dá por meio do processo interacional entre as pessoas na convivência diária em sociedade. Viver em sociedade significa interagir a todo instante com pessoas, trocar ideias, informações, descontrair praticando algum tipo de atividade física etc. Nas palavras de P. Bange (apud KOCH 2006, p.75), “um ato de linguagem não é apenas um ato de dizer e de querer dizer, mas, sobretudo e essencialmente um ato social pelo qual os membros de uma comunidade inter-agem”. Todo esse movimento de renovação da Língua em uso no dia a dia pode ser explicado pela teoria da interação social da qual a gramática funcional faz parte porque seu objeto de estudo é a Língua em uso, ou seja, a língua em seu estado puro, espontânea, dinâmica sem estar presa ou ligada às regras e correções gramaticais que os gramáticos tanto prezam e cultuam. De acordo com Neves (2004, p. 15), por gramática funcional entende-se, em geral, uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social. Trata-se de uma teoria que assenta que as relações entre as unidades e as funções das unidades têm prioridades sobre seus limites e sua posição, e que entende a gramática como acessível às pressões do uso. Quando se diz que a gramática funcional considera a competência comunicativa, diz-se exatamente que o que ela considera é a capacidade que os indivíduos têm não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também de 16 usar e interpretar essas expressões de uma maneira interacional satisfatória. Essa modalidade de gramática concebe a língua como um instrumento de ação social entre as pessoas, entendendo que ela é usada principalmente para estabelecer relações de interação comunicativa entre os usuários nas diversas situações comunicativas. Ela possibilita estabelecer contato com diferentes pessoas que fazem uso de elementos linguísticos diferentes dos demais falantes para se comunicar e estes, por sua vez, aprendem outras formas da Língua em uso que eram desconhecidas, porém, por meio do contato, tornaram-se também conhecidas. Essa situação repete-se inúmeras vezes até que um número grande de falantes faça uso dessas formas linguísticas e passem a usá-las com frequência. No decorrer do tempo, esses novos usos institucionalizam-se, vindo a fazer parte dos dicionários e do Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa. Para Martelotta (2011), os usuários durante o processo de interação manipulam termos e expressões disponíveis em sua língua para usar as diferentes estratégias comunicativas, marcando sua posição subjetiva em relação ao conteúdo que querem transmitir e sua preocupação em relação à forma como será recebida esse conteúdo pelos seus ouvintes de acordo com as condições contextuais em que ocorre o processo comunicativo. De acordo com Brait (2003, p. 220, 222), o processo da interação é um componente do processo de comunicação, de significação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um fenômeno sociocultural, com características linguísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas. Os falantes não somente trocam informações e expressam ideias, mas também, durante um diálogo, constroem juntos o texto, desempenhando papéis que, exatamente como uma partida de um jogo qualquer, visam à atuação sobre o outro. Como interação e gramática apresentam estreita relação, para Martelotta (2011, p.64,65), a gramática é um fenômeno sociocultural, o que sugere que sua estrutura e sua regularidade vêm do discurso, sendo moldadas em um processo contínuo. Dominar a gramática de uma língua, então, significa não apenas dominar mecanismos de natureza sintática, mas também processos associados a organização textual (planos discursivos, coesão e coerência etc. e fenômenos interacionais (intenções e expectativas dos participantes, leituras de intenção, implicaturas conversacionais etc., há uma relação muito estreita entre esses dois pontos, já que o texto é organizado contextualmente, ou seja, para um interlocutor determinado em uma situação determinada. 17 Em face do exposto podemos afirmar que o texto é um lugar de interação com os próprios interlocutores negociando a todo o momento os sentidos de maneira interativa. Os falantes adaptam suas formas e maneiras de expressarem-se aos diferentes contextos textuais de acordo com sua intenção e com a aceitação e reação do ouvinte em relação a tudo o que está ouvindo do falante. Para que haja o caráter interacional, é necessário que haja essa troca, ou melhor, essa resposta ou reação do ouvinte em relação a tudo que é dito pelo falante. Somente dessa maneira, o locutor poderá alterar seu discurso, sempre de acordo com as reações expressas pelo ouvinte, mostrando que a fala se dá por meio do caráter interacional. Isso ocorre porque a Língua é um fenômeno sócio-histórico-cultural, ou seja, faz parte da cultura de determinado país ou nação, não podendo ser imaginada separada do usuário, pois é ele quem dá vida à língua, aos falares, às transformações e criações linguísticas, ou seja, é o falante que faz com que haja um grande movimento na língua. A gramaticalização é um processo que pode ser situado numa perspectiva sincrônica, diacrônica e também pancrônica as quais são maneiras de se estudar a língua. A sincronia refere-se a um recorte no tempo para estudo da língua, a diacronia refere-se ao eixo histórico e a comparação evolutiva da língua, a pancronia, corresponde à união da sincronia e diacronia. Por um lado, quando verificamos como determinado elemento linguístico é usado na língua em uso nos dias atuais, fazemos uma análise sincrônica, por exemplo, quando analisamos o uso da expressão “a gente” como pronome pessoal do caso reto “nós”, percebemos que, nos dias atuais, em situações de língua real, usada no dia a dia, o pronome pessoal do caso reto “nós” está sendo substituído na língua oral e também na escrita pela expressão “a gente”. Por outro lado, quando verificamos, por exemplo, determinados usos que fazemos nos dias atuais de alguns verbos, estamos fazendo uma análise diacrônica, ou seja, estudamos seu comportamento desde sua origem até seus sentidos nos dias atuais. Percebemos que os usuários da língua construíram outros sentidos, por exemplo, o verbo “tomar” significava em seu primeiro sentido – apossar-se de algo alheio, tirar e arrebatar – por exemplo: Tomou a fazenda para o MST, ou seja, tinha um sentido mais concreto, nos dias atuais seu sentido pode ser também mais abstrato – levar em consideração, considerar – por exemplo: Tomou as dores para si. Por meio dessa pequena análise comparativa entre os diferentes usos do verbo “tomar”, podemos constatar que seu comportamento assumiu diferentes sentidos ao longo dos anos e, nos 18 dias atuais, não podemos mais afirmar que esse verbo tem apenas o sentido original, pois ele adquiriu outros sentidos totalmente diferentes do primeiro. Nas palavras de Alencar (2009, p.35), o estudo de gramaticalização numa perspectiva sincrônica, objetiva estudar o fenômeno do ponto de vista de padrões fluidos do uso linguístico, já a linguística diacrônica incorpora a gramaticalização como um meio para analisar a evolução e reconstruir a história de uma determinada língua ou grupos de língua, além de relacionar as estruturas linguísticas do momento com padrões anteriores e de uso linguístico e por último a perspectiva pancrônica que nada mais é do que a união da sincronia e da diacronia mostrando que uma não pode ser entendida sem a outra, que a gramaticalização é impraticável se houver separação rígida entre sincronia e diacronia. A gramaticalização é um processo que faz parte da cognição humana, conforme afirma Givón (apud NEVES 2006), que a considera como um processo instantâneo, envolvendo um ato mental pelo qual uma relação de similaridade é reconhecida e é explorada. Por meio dele, um item primitivamente lexical gramaticaliza-se pelo uso como uma unidade gramatical em um novo contexto. Vê-se, portanto, que os atos mentais são capazes de criar e construir novas formas linguísticas para os elementos linguísticos nos mais variados contextos, ou melhor, nas diversas situações comunicativas. Para Alencar (2009), o estudo da gramaticalização, numa perspectiva histórica, tem como objetivo as origens das formas gramaticais, as transformações pelas quais passaram as línguas ao longo do tempo, bem como as mudanças típicas que as afetam nesse percurso temporal, pois nenhuma língua é estável, sempre sofre alterações e transformações em sua estrutura, daí todas as línguas serem mutáveis e sofrerem transformações com o passar do tempo. A. Meillet (apud ALENCAR 2009) afirma que, havendo gramaticalização em todos os casos em que se podia conhecer a fonte primeira de uma forma gramatical, essa fonte era uma palavra lexical e que a transição do lexical para o gramatical é sempre uma espécie de continuum. De acordo com as pesquisas desenvolvidas na área de gramaticalização, Moura Neves (2004) concluiu que, antes de Antonie Meillet, Wihelm Von Humboldt, filósofo e humanista alemão, publicou no ano de 1822 uma obra intitulada Sobre a gênese das formas gramaticais e a influência dessas formas na evolução das ideias na qual propunha um estágio de evolução da língua no qual só as ideias concretas podiam ser expressas pelo léxico, ou seja, as ideias abstratas não eram exprimidas lexicalmente, sendo assim, a estrutura gramatical das línguas humanas teria resultado da 19 gramaticalização de expressões de ideias concretas. Poggio (2002), a partir dessas ideias, mostra que a evolução da gramática ocorreu por diferentes estágios, a saber: pragmático, sintático, aglutinação e morfológico: 1º estágio: pragmático (sentido denotativo/ objetos concretos). 2º estágio: sintático (palavras oscilam entre sentido concreto e o formal). 3º estágio: aglutinação (palavras funcionais afixadas às palavras materiais). 4º estágio: morfológico (pares aglutinados fundem-se em uma só palavra/ raiz e afixos contêm significado material e gramatical). Antonie Meillet conseguiu com seus estudos, suas pesquisas mostrar, provar e demonstrar as transformações das formas gramaticais. De acordo com Poggio (2002, p. 66), para esse autor, as novas formas gramaticais surgem através de dois processos: a analogia e a gramaticalização. Já para autores contemporâneos como Mário Eduardo Martelotta (2011) e Sebastião Carlos Leite Gonçalves, Maria Célia Lima-Hernandes e Vânia Cristina Casseb-Galvão (orgs.) (2007), os principais motivadores da gramaticalização são o processo metafórico e o processo metonímico que serão abordados mais adiante. Enquanto a analogia renova as formas e deixa o sistema intacto, ou seja, sem criar novas formas, sem criar novas funções, não levando em consideração a gramática emergente da língua, a gramaticalização cria novas funções para formas já existentes e novas formas para funções já existentes, que nada mais é do que evidenciar a noção de gramática emergente, resultando em mudança no sistema de comunicação social, na fala em seu estado real de comunicação. A gramaticalização, por se tratar de um processo contínuo de mudança linguística, pode afetar a palavra, estendendo-se à sentença dando-lhes funções novas, formas novas e sentidos novos ocorrendo na interação cotidiana, na fala diária, livre, dinâmica e espontânea. Ainda de acordo com Poggio (2002, p. 59), “a gramaticalização tem sido um dos temas mais discutidos na investigação funcionalista, vem sendo considerada como um aspecto das mudanças que afetam a gramática e é vista como um processo de criação da gramática através da necessidade discursiva”. 20 O processo de gramaticalização objetiva mostrar que o sistema linguístico, por mais que os falantes e usuários não prestem atenção ao que estão fazendo com a língua, ela está em constante transformação, mudança e renovação que são negociadas na fala em momento real, ou melhor, em tempo real de comunicação. Nesse processo, as novas formas ou expressões linguísticas podem, em alguns casos conviver com as antigas sem que, necessariamente devam sumir ou ser apagadas do sistema linguístico. Ela é percebida, sobretudo pelo surgimento de novas funções para formas já existentes e de novas formas para funções já existentes, aspecto que está, em princípio, ligado às estratégias de construção do discurso e também que nos traz à tona a noção de gramática emergente da língua. Ainda, segundo Poggio (2002), há três grupos de conceitos de gramaticalização, a partir de épocas e perspectivas diferentes. O primeiro grupo trata do léxico e da gramática e a gramaticalização é vista como um processo por meio do qual uma unidade léxica ou uma estrutura lexical assume uma função gramatical. O item lexical vai de uma classe aberta para uma classe fechada. De acordo com a autora, os pesquisadores J. Kurylowicz, G. Sankoff e J. Bybee entendem que a gramaticalização é decorrente de alterações morfológicas. Essa concepção se estendeu até a década de 70. O segundo grupo trabalha com o discurso e a gramática: a partir de meados de 1970, o discurso pragmático foi considerado como um parâmetro para o entendimento da estrutura linguística e para o desenvolvimento de estruturas sintáticas e categorias gramaticais. Essa nova forma de se conceber a relação do usuário com a linguagem compreende a gramaticalização como reanálise dos moldes do discurso para os moldes gramaticais. O terceiro grupo que é o dos cognitivistas, desenvolvido por E. Sweetesr (1988), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), S. Svorou (1933), entre outros que vê a gramaticalização como um fenômeno externo à estrutura da língua e que pertence ao domínio cognitivo. Esses linguistas enfatizam também que a gramaticalização é proveniente de alterações semânticas. De acordo com Poggio (2002), depois de 1970, deu-se realce ao potencial que os estudos de gramaticalização oferecem para o entendimento sincrônico da gramática. Hopper e Traugott (apud POGGIO 2002), assinalam que o estudo da gramaticalização é também sincrônico, centrado no uso da linguagem, estando voltado para a investigação dos fenômenos sintáticos e pragmáticos-discursivos. Atualmente, a 21 gramaticalização pode ser encarada como um processo pancrônico que apresenta uma perspectiva diacrônica, porque envolve mudança, e uma perspectiva sincrônica, porque implica variação, podendo ser descrita como um processo em referência ao tempo. Em face do que foi exposto até agora, podemos verificar que a gramaticalização faz parte do nosso dia a dia nos processo de interação comunicativa com as pessoas de nosso convívio social. Constatamos esse movimento da língua quando fazemos adaptações, a fim de que entendamos e nos façamos entender por nossos ouvintes. Nesse trabalho, entendemos que o conceito de gramaticalização que está mais próximo das questões ligadas à língua em uso e que deve ser seguido ao longo dele é o proposto por Martelotta (2011). Não podemos esquecer que Martelotta (2011, p. 24) faz observações também sobre o processo de interação dos usuários como podemos observar na seguinte afirmação desse autor, “basicamente, a mudança língua, de acordo com a concepção centrada no uso, motiva-se a partir do ato de comunicação. Ou seja, é na interação que os usuários manipulam os termos e as expressões disponíveis em sua língua, a fim de veicular estratégias comunicativas, que marquem sua posição subjetiva em relação ao conteúdo que querem transmitir ou sua preocupação com a recepção desse conteúdo por seus interlocutores, dadas as condições contextuais em que se dá a comunicação”. A seguir abordamos os princípios de gramaticalização. 1.2. PRINCÍPIOS DE GRAMATICALIZAÇÃO Gonçalves et alii (2007) entende princípio como um preceito ou uma lei geral determinante da constituição/identificação de um fenômeno. Nesse sentido, parece que ao processo de gramaticalização só poderia ser atribuído um único e fundamental princípio: o princípio da unidirecionalidade, que ele ocorre de acordo com a seguinte escala de abstração crescente, sempre da esquerda para a direita, fazendo com que estruturas lexicais se tornem gramaticais e estruturas menos gramaticais se tornem mais gramaticais: pessoa > objeto > processo > espaço > tempo > qualidade, verificável, como hipótese, por meio da atuação de vários mecanismos, partes constitutivas do fenômeno da gramaticalização, que podem ser entendidas como suas causas ou motivações. 22 Poggio (2002) afirma que, entre os autores, não há unanimidade, no que se refere ao estabelecimento dos princípios de gramaticalização e apresenta aqueles apontados por C. Lehmann, P. J. Hopper e Ataliba T. de Castilho. C. Lehmann (apud POGGIO 2002, p. 72) aponta cinco princípios de gramaticalização: 1- Princípio da paradigmatização: há integração de construções sintáticas como formas perifrásticas em paradigmas morfológicos, o que as conduz a paradigmas pequenos e homogêneos. 2- Princípio da obrigatoriedade: a escolha entre os membros do paradigma submete-se a regras gramaticais. 3- Princípio da condensação: com a gramaticalização do signo, os constituintes, com os quais ele se pode combinar, tornam-se menos complexos. 4- Princípio da coalescência: junção de partes; vai da justaposição para uma alternância simbólica. 5- Princípio da fixação: quando os elementos se gramaticalizam, ocupam uma posição fixa, primeiro na sintaxe e depois na morfologia, como preenchedor de espaços gramaticais. P. J. Hopper (apud POGGIO 2002, p.72-73) também aponta cinco princípios de gramaticalização: 1- Princípio da estratificação: novas camadas emergem num domínio funcional amplo; há gramáticas que convivem, isso é a base e consequência da variação linguística; quando uma forma se gramaticaliza passa a coexistir com outras formas similares; assim, há formas diferentes para codificar o mesmo significado. Por exemplo, a expressão “a gente” que era inicialmente substantivo feminino e passou exercer a função de pronome pessoal do caso reto “nós”. 2- Princípio da divergência: trata-se da bifurcação de um item; quando uma forma lexical se gramaticaliza em clítico ou afixo, a original continua autônoma, sofrendo mudança como as demais formas. 23 3- Princípio da especialização: quando há gramaticalização, dá-se o estreitamento da variedade de escolhas formais com nuances semânticas diferentes; nesse caso, um menor número de formas assume significados semânticos gerais; há possibilidade de que um item se torne obrigatório. 4- Princípio da persistência: quando uma forma se gramaticaliza, alguns traços do significado lexical original aderem à nova forma gramatical; portanto, há permanência de vestígios do significado lexical original. 5- Princípio da descategorização: as formas podem perder ou neutralizar as marcas morfológicas e propriedades sintáticas das categorias plenas N e V e assumir os atributos das categorias secundárias (adjetivo, particípio, preposição etc). Há uma perda de marcadores opcionais e perda de autonomia discursiva, isto é, diminuição do estatuto categorial de itens gramaticalizados. Por exemplo, o adjetivo “claro” que além da função de adjetivo expressa valor de modalizador. Para Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002, p. 73-74), apenas quatro princípios podem dar conta dos processos e estágios de gramaticalização: 1- Princípio da paradigmatização e analogia: a analogia opera no eixo paradigmático. 2- Princípio da sintagmatização e reanálise: desenvolvimento de novas estruturas a partir de estruturas antigas. Por exemplo, o advérbio “aí” que de acordo com a perspectiva funcionalista está funcionando como conectivo no começo das orações, dando seqüência aos acontecimentos. 3- Princípio da continuidade e gradualismo: a gramatização tende à inovação da estrutura das línguas. Por exemplo o item lexical “bem” que do ponto de vista gramatical é um advérbio que nos dias atuais passou a desenvolver a função de marcador discursivo. 4- Princípio da unidirecionalidade: a gramaticalização é unidirecional, isto é, irreversível, desenvolvendo-se apenas da esquerda para a direita. 24 Neste trabalho, usamos como base para nossas análises os princípios de gramaticalização propostos por P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) que são: - Princípio da Estratificação; - Princípio da Divergência; - Princípio da Especialização; - Princípio da Persistência; - Princípio da Descategorização e os princípios propostos por Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002) que são: - Princípio da Paradigmatização; - Princípio da Sintagmatização e Reanálise; - Princípio da Continuidade e Gradualismo e o Princípio da Unidirecionalidade. Escolhemos esses autores, pois a nosso ver, são os que contemplam de forma mais concreta as ocorrências de gramaticalização que ocorrem na língua em uso no dia a dia e seus princípios estão muito ligados aos parâmetros de gramaticalização que aparecem no item seguinte. O pesquisador C. Lehmann (apud POGGIO 2002) teve uma contribuição muito importante para o desenvolvimento dos estudos de gramaticalização. Seus estudos visam a analisar os estágios já avançados de gramaticalização e parecem ser abstratos e sem relação com o início do processo das ocorrências de gramaticalização que encontramos na língua em uso no dia a dia em situação real de comunicação, ou seja, durante o processo de interação comunicativa entre os usuários da língua, e que nos dias atuais constatamos estarem presentes também na língua escrita. Por esse motivo, escolhemos os pesquisadores contemporâneos P. J. Hopper e Ataliba T. de Castilhos ao pesquisador C. Lehmann (apud POGGIO 2002). Com base em suas pesquisas, concluímos que eles lograram maior êxito propondo princípios para analisar as ocorrências de gramaticalização em seu início, ou seja, eles não analisam o estágio já avançado de gramaticalização, mas, sim, procuraram analisar todo o processo das ocorrências de gramaticalização desde seu estágio inicial tentando encontrar o que motivou esse processo e as mudanças na língua e também percebemos que seus princípios estão muito ligados aos parâmetros de análises que caracterizam os elementos de gramaticalização. A seguir abordamos as características de gramaticalização. 1.3. CARACTERÍSTICAS DA GRAMATICALIZAÇÃO Alguns autores adotam como parâmetros alguns elementos que caracterizam a gramaticalização, como por exemplo: 25 A- Manipulação conceitual: a gramaticalização implica alteração do significado da forma fonte; B- Unidirecionalidade: a direção da mudança se dá das formas lexicais para as gramaticais ou das menos gramaticais para as mais gramaticais e não no sentido contrário; C- Assimetria forma/significado: as formas fontes, isto é, os itens que deram origem à forma gramaticalizada não desaparecem necessariamente após o surgimento da nova forma. Isso leva a casos de polissemia com uma mesma forma passando a codificar dois ou mais significados. D- Descategorização: as formas em processo de gramaticalização passam de uma categoria para a outra, deixando de ser modificadas pelos processos morfossintáticos da classe original; E- Perda de autonomia: as formas acabam por perder sua autonomia morfossintática em consequência da fusão ou dependência de palavras vizinhas, causadas pelo enfraquecimento de tonicidade ou erosão fonética; F- Erosão: vai-se dando a perda do material fonético, o que torna as formas reduzidas. G- Recategorização: dá-se, então, a constituição de morfemas específicos, restaurando a simetria forma/significado. Heine e Kuteva (apud MARTELOTTA 2011) propuseram quatro parâmetros de gramaticalização demonstrando a tendência à unidirecionalidade, quando vistos atuando juntos no fenômeno da mudança. São eles: 1- Extensão (ou generalização de contextos): caracteriza-se pelo desenvolvimento de usos em novos contextos. É um fenômeno que ocorre de forma gradual. 26 2- Dessemantização (ou bleaching, redução semântica): caracteriza-se pela perda de conteúdo semântico. Os elementos envolvidos no processo de gramaticalização perdem valor representacional, e, ao assumir a nova função gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva. 3- Decategorização (ou mudança categorial): caracteriza-se pela perda de propriedades típicas das formas fontes, com aquisição de novas características morfossintáticas ou discursivas. 4- Erosão (ou redução fonética): caracteriza-se pela perda de substância fonética. O elemento tende a sofrer coalescência (fusão de formas adjacentes) e condensação (diminuição de formas). Não se pode deixar de considerar também outro aspecto na gramaticalização: são as suas diferentes fases. Deve-se caracterizar o início, seu desenvolvimento e seu término. Heine & Reh (apud NEVES 2004) mostram que os três níveis da estrutura linguística afetados pela gramaticalização – o funcional, o morfossintático e o fonético – em geral se organizam na gramaticalização, nessa mesma ordem cronológica: os processos funcionais (como dessemantização, expansão e simplificação) precedem os morfossintáticos (como permutação, composição, cliticização e afixação), que precedem os fonéticos (como adaptação, fusão e perda). Além disso, as alterações em um nível são acompanhadas de alterações em outros níveis, assim os autores Heine & Reh (apud NEVES 2004) destacam que quanto mais gramaticalizada uma forma se torna: A – mais perde a complexidade semântica, significação funcional ou valor expressivo; B – mais perde em significação pragmática e ganha em significação sintática; C – mais reduzido torna-se o número de membros que pertencem ao mesmo paradigma morfossintático; D – mais sua variabilidade sintática decresce, isto é, sua posição dentro da cláusula se torna mais fixa; 27 E – mais obrigatório torna-se seu uso em certos contextos e mais agramatical em outros; F – mais funde-se semântica, morfossintática e foneticamente com outras unidades; G – mais perde em substância fonética. Hopper (apud NEVES 2004) afirma que, se levarmos em conta o estudo de mais de uma língua, é possível chegarmos a regularidades emergentes que têm potencial para ser instâncias de gramaticalização: 1 – categorias como aspecto, número, tempo e caso, entre outras, ocorrem frequentemente, nas línguas, na morfologia afixal. Todavia podem ocorrer também sob formas livres, como, por exemplo, elementos adverbiais. 2 – certos tipos de itens lexicais evoluem, tipicamente, para clíticos gramaticalizados e para afixos. Alguns exemplos são os casos de verbos de cópula e de verbos de movimento que se tornam, eventualmente, afixos causais. Vilar (2004) afirma que Hopper e Traugot, ao focalizarem a gramaticalização, reconhecem que a reanálise e a analogia é que são responsáveis pelo processo de mudança morfossintática. Entretanto a reanálise é considerada por eles como o mais importante mecanismo na gramaticalização, ficando a analogia num plano secundário. Ainda segundo Vilar (2004), eles também concebem a reanálise como sendo um processo por meio do qual os falantes mudam sua percepção de como os constituintes de sua língua são ordenados no eixo sintagmático, isto é, novas estruturas são geradas a partir de estruturas antigas e a abdução é a operação mental que permite isso. De acordo com Andersen (1973), (apud Hopper e Traugott, 1997, p.39-40), a abdução provém de um resultado observado, invoca uma lei e infere, então, o que poderia ser o caso. Assim, dada a situação que Sócrates morreu, podemos correlacionar esse fato com a lei geral de que todos os homens são mortais, e, portanto, Sócrates era um homem. Mostra ainda a autora (2004) que Hopper e Traugott, analisando o exemplo de Andersen, observam que, nesse tipo de raciocínio, as premissas são sempre verdadeiras, 28 porém a conclusão a que se chega não precisa ser: uma das premissas pode competir para a conclusão errada de acordo com a lei. A afirmação “talvez Sócrates não seja um homem e, sim uma lagartixa”, é uma conclusão errada, porém é compatível com uma das duas premissas: a lagartixa também é mortal assim como o homem. Por meio da abdução os limites entre determinados constituintes são apagados, estabelecendo-se outros limites, sem alterar a manifestação superficial da unidade com a qual está se operando, desencadeando um processo em que, futuramente, surgirá uma nova categoria gramatical. A seguir abordamos os mecanismos de gramaticalização. 1.4. MECANISMOS DE GRAMATICALIZAÇÃO Para Martelotta (2011, 110-115), a gramaticalização apresenta alguns tipos de motivações, como a motivação comunicativa e a motivação associada ao contato linguístico. As motivações mais fortes não apenas para a gramaticalização, mas também para a mudança linguística de modo geral estão em fatores de natureza comunicativa, os quais, aliás, também se manifestam como motivadores da unidirecionalidade da mudança. São eles: 1- A necessidade de expressar domínios abstratos da cognição em termos de domínios concretos. 2- A negociação do sentido por falante e ouvinte no ato da comunicação. 3- A tendência dos ouvintes para selecionar estruturas ótimas. 4- A tendência dos falantes para usar expressões novas e extravagantes. 5- A iconicidade, a marcação e a frequência. A motivação associada ao contato linguístico mostra que a gramaticalização de um termo pode ser acionada pelo contato com outra língua. De acordo com Martelotta (1996, 53), não existe um consenso em relação aos mecanismos que veiculam o processo de gramaticalização. Ainda segundo o autor (1996), Heine et alii (1991), por exemplo, falam em transferência metafórica e Lehmann (1991) aponta a importância da analogia no processo, sobretudo, como influenciadora do modo como ele vai se alastrando na língua. 29 Heine, Claudi e Hünnemeyer (apud MARTELOTTA 2010) afirmam que os principais processos subjacentes à gramaticalização são metaforicamente estruturados, sendo a transferência metafórica uma das principais forças motoras do desenvolvimento das categorias gramaticais: para expressar funções abstratas, são recrutadas entidades concretas. Segundo os autores, a noção de metáfora, interpretada como uma estratégia cognitiva, ajuda a compreender – mas não a explicar – a gramaticalização ou o comportamento gramatical. Sendo assim, os autores propõem a noção de metáfora categorial, afirmando que muito do que acontece quando conceitos mais concretos se desenvolvem em conceitos mais gramaticais pode ser descrito em termos de algumas categorias básicas, que, de acordo com seu grau relativo de abstração metafórica, pode ser arrumado em uma escala com a seguinte configuração: PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE. Taylor (1989) (apud CARVALHO) 1 fez observações importantes para compreender a metáfora como um mecanismo de categorização e como muitos conceitos abstratos podem ser expressos por conceitos concretos. Essa rede de transferência metafórica é fundamentada na experiência dos falantes, que criam seus esquemas de imagens baseados nas experiências corporais básicas ou nas experiências culturais, o que contribui para a diversidade de metáforas nas línguas. Em Traugott e König (apud MARTELOTTA 1996), lê-se que o tipo de mecanismo que efetua a gramaticalização depende da natureza particular da função envolvida no processo. Os autores afirmam ainda que a inferência metafórica ocorre principalmente no surgimento de marcas de tempo, aspecto, caso, enquanto a inferência por pressão de informatividade, que é um mecanismo de natureza metonímica, predomina no surgimento de conectivos. Já em Hopper e Traugott (apud MARTELOTTA 1996), vê-se uma tendência de considerar a transferência metonímica, e não a metafórica, e a reanálise, e não a analogia, os mecanismos que predominam maciçamente na mudança por gramaticalização. Givón (apud MARTELOTTA 1996), por sua vez, ao analisar o grau de integração entre cláusulas, cita o processo de reanálise. 1 CARVALHO, Maria C. M. de “A Metáfora como Mecanismo Motivador da Gramaticalização”. WWW.simb,ueg.br/iconeletras/artigos/volume6/metafora-como-mecanismo-motivador.pdf, acessado em 19/04/2013, às 10:49h. 30 Martelotta (1996) não diminui a importância da metáfora no processo, pois considera que a gramaticalização envolve vários níveis: A – Nível cognitivo: a gramaticalização (pelo menos no que se refere ao nível morfológico) segue, como parece ocorrer com os processos de mudança metafórica em geral, a tendência de usar elementos do mundo concreto para o mundo abstrato. O elemento do léxico é mais concreto que a gramática: é mais fácil conceptualizar substantivos do que relações textuais. B – Nível Pragmático: a gramaticalização envolve uma intenção genérica do falante de usar algo conhecido pelo ouvinte para fazê-lo compreender melhor o sentido novo que ele quer expressar. Pode-se também ver nessa passagem concreto > abstrato uma intenção comunicativa de facilitar a compreensão do ouvinte a partir da utilização de conceitos mais concretos e mais conhecidos para a expressão de ideias novas que surgem no decorrer do processo comunicativo. C - Nível Semântico: a gramaticalização, como processo de mudança ocorrida no léxico, envolve o conhecimento por parte dos interlocutores dos significados de origem das palavras envolvidas; caso contrário, o sentido novo corre o risco de não ser detectado pelo ouvinte. D – Nível Sintático: a gramaticalização ocorre basicamente em contextos que a estimulem, o que significa que não só existem aspectos sintáticos que propiciam a gramaticalização, mas principalmente, que esses aspectos são responsáveis pelo fato de a mudança tomar efetivamente este e não aquele caminho. Baseados nessas considerações, podemos dizer que a gramaticalização ocorre por mecanismos de natureza metafórica e de natureza metonímica. A metáfora constitui um processo unidirecional de abstratização crescente, pelo quais conceitos que estão próximos da experiência humana são utilizados para expressar aquilo que é mais abstrato e, consequentemente, mais difícil de ser definido. A metonímia diz respeito aos 31 processos de mudança por contiguidade, no sentido de que são gerados no contexto sintático. O processo metafórico tem sua trajetória no espaço > discurso e, segundo Heine et alii (apud MARTELOTTA 1996), os conceitos espaciais são usados, por processo analógico, para designar pontos do texto já mencionados ou por mencionar. O elemento espacial é, nesses casos, o dado mais concreto, que serve de base para o surgimento de novos usos de valor menos concreto, que funcionam como elementos de organização interna do texto. A metáfora espaço > discurso constitui um dos primeiros passos dos circunstanciadores espaciais no sentido de se gramaticalizarem em operadores argumentativos. Hopper e Traugott (apud MARTELOTTA 1996) afirmam que apenas a reanálise é um fenômeno ligado ao processo cognitivo da metonímia. Ele pode criar novas formas gramaticais, embora não se deva deixar de lado o papel da analogia na gramaticalização. Seguindo a tradição, o termo metonímia é usado para designar mudanças por contiguidade no mundo extralinguístico. Com essa acepção, a metonímia constitui um processo que, de acordo com Dubois et alii (apud MARTELOTTA 1996), ocorre, quando uma noção é designada por um termo diferente do usual, sendo as duas noções ligadas por uma relação de causa a efeito (como por exemplo, a colheita pode designar o produto da colheita e não apenas a própria ação de colher), por uma relação de matéria a objeto ou de continente a conteúdo (por exemplo, beber um copo), por uma relação da parte ao todo (exemplo, uma vela no horizonte). Para Martelotta (1996, p. 54) a metáfora constitui um processo unidirecional de abstratização crescente, pelo qual conceitos que estão próximos da experiência humana são utilizados para expressar aquilo que é mais abstrato e, consequentemente, mais difícil de ser definido. A metonímia diz respeito aos processos de mudança por contiguidade, no sentido de que são gerados no contexto sintático. No que diz respeito aos mecanismos que fazem parte do processo de gramaticalização, o termo metonímia é usado para designar a mudança que sofre uma determinada forma em função do contexto linguístico e pragmático em que está sendo utilizada. A contiguidade a que nos referimos é uma contiguidade posicional ou sintática, no sentido de que a mudança não ocorre apenas com a forma em si, mas com a expressão toda da qual a forma faz parte. Um dos mecanismos ligados ao processo cognitivo da metonímia é a reanálise. Trata-se de um mecanismo que atua no eixo sintagmático, caracterizando-se por uma 32 reorganização da estrutura do enunciado, e uma reinterpretação dos elementos que o compõem. A reanálise é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem. A reorganização estrutural do enunciado que caracteriza o fenômeno da reanálise pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada. Outro mecanismo ligado à metonímia é o que Traugott e König (apud MARTELOTTA 1996) chamam de inferência por pressão de informatividade – o elemento é pressionado pelo contexto a admitir um sentido novo. Sendo um mecanismo que predomina na gramaticalização de operadores argumentativos, a pressão da informatividade constitui um processo em que, por convencionalização de implicaturas conversacionais, o elemento linguístico passa a assumir um valor novo, que emerge de determinados contextos em que esse sentido novo pode ser criado a partir do sentido primeiro, independentemente do valor textual das sentenças envolvidas no processo de gramaticalização. Gonçalves et alii (2007, p. 49) afirmam que, segundo a grande maioria dos pesquisadores, ao processo de gramaticalização subjazem processos metafóricos que envolvem inferências a partir de limites conceptuais. As transferências conceptuais decorrentes desse processo poderão seguir um percurso de alteração unidirecional com base na hierarquia funcional. Isso pode ser captado pelo comportamento do item/estrutura em face de estágios de gramaticalização. Para Gonçalves et alii (2007), os pontos diferenciadores de atuação da metáfora e da metonímia são: A - Metáfora: opera no eixo sintagmático, com inter-relação sintática dos constituintes, ou por reanálise (abdução) e envolve implicaturas conversacionais. B – Metonímia: opera no eixo paradigmático, na inter-relação de domínios conceptuais, opera por analogia e envolve implicaturas convencionais. A seguir abordamos os critérios de análise. 33 1.5 CRITÉRIOS DE ANÁLISE Além dos princípios, das características e dos mecanismos de gramaticalização já citados nos itens anteriores, temos também os critérios para análise do processo de gramaticalização das orações, identificando e classificando as sentenças complexas. C. Lehmann (apud GONÇALVES 2007) identificou seis parâmetros semânticosintáticos, que julga relevantes para o estudo da articulação das orações complexas: A – Rebaixamento hierárquico da oração subordinada. B – Nível sintático do constituinte ao qual a oração subordinada se vincula. C – Dessentencialização da subordinada. D – Gramaticalização do verbo principal. E – Entrelaçamento das duas orações. F – Explicitude da articulação. Ainda de acordo com o autor (op. cit.), esses parâmetros mostram a autonomia ou integração da oração subordinada, expansão ou redução da sentença subordinada ou da principal e o isolamento ou articulação das orações. Para o autor, a subordinação é um processo de gramaticalização e a perda de traços da oração é o que caracteriza a gramaticalização. Isso significa que a oração absoluta, com período simples e informação completa, tem total independência, a partir do momento em que temos um período composto por subordinação ou coordenação, ela sofre o processo de gramaticalização. Cada um dos parâmetros identificados por C. Lehmann (apud GONÇALVES 2007, p. 86) é analisado fazendo uma comparação entre dois polos extremos: máxima elaboração e máxima compressão de informação lexical e gramatical, representados no seguinte quadro: ELABORAÇÃO COMPRESSÃO Fraca Rebaixamento hierárquico Forte Parataxe da oração subordinada Encaixamento Alto Nível sintático Baixo Sentença Palavra 34 Fraca Dessentencialização Oração Forte Nome Fraca Gramaticalização do verbo Forte Verbo lexical principal Afixo gramatical Fraco Entrelaçamento Forte Orações de disjunção Máxima Orações de sobreposição Explicitude da articulação Síndese Mínima Assíndete Cada um dos extremos, elaboração e compressão, corresponde a um tipo de oração. No processo de combinação das orações, esses parâmetros não funcionam sozinhos, ou seja, sempre atuam dois ou três ao mesmo tempo, mas nunca sozinhos. C. Lehmann (apud GONÇALVES 2007, p. 87), postula que existem correlações entre esses parâmetros, que podem ser ilustradas da seguinte forma: A- Uma gramaticalização forte do verbo principal pressupõe uma dessentencialização avançada ou um forte grau de entrelaçamento. B- O entrelaçamento de orações por operação de alçamento de constituinte pressupõe rebaixamento hierárquico e, por conseguinte, integração da oração subordinada. C- O entrelaçamento de orações mediante controle do sujeito da sentença subordinada leva à dessentencialização dessa sentença, uma vez que esse controle de sujeito tende a favorecer um construção subordinada nãofinita, o que implica uma forte dessentencialização. Em face do exposto, consideramos que quanto mais uma oração está entrelaçada a outra oração, maior é o seu estágio de gramaticalização. Esse item foi exposto para exemplificar outra forma de análise, mas não o exploramos de forma profunda, uma vez que nosso foco é a morfologia e essa questão só poderia ser analisada considerando-se a sintaxe. Neste capítulo, foi caracterizada a gramaticalização, abordando seus conceitos, o processo de gramaticalização, seu percurso histórico, os princípios, as características e os mecanismos de gramaticalização. Na sequência, tratamos da Linguística Funcional e 35 da Linguística Cognitiva, traçando seus conceitos, seus princípios, falaremos um pouco sobre metáfora e, por último, abordamos também a enunciação. 36 CAPÍTULO II FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO E LINGUÍSTICA COGNITIVA Neste capítulo abordamos o funcionalismo linguístico e a linguística cognitiva. Apresentamos o conceito da linguística funcional e da cognitiva, focalizando também os princípios do funcionalismo e os do cognitivismo, não deixando de tratar da metáfora, e também da enunciação. Escolhemos abordar esses temas neste capítulo, pois o processo de gramaticalização ocorre primeiramente na língua em uso para somente depois aparecer nos textos escritos, porque os usuários fazem usos constantes de determinadas formas linguísticas e elas, com o tempo, institucionalizam-se, passando a se fazer presentes também nos registros escritos, podendo, então, ser objetos de análise e pesquisa. Falar de gramaticalização, é falar das mudanças e renovações que ocorrem no sistema linguístico, razão pela qual não podemos deixar de focalizar também a linguística funcional, que tem como objetivo verificar como se dá o processo comunicativo de determinada língua, por exemplo, a língua portuguesa, baseada no uso. Quando focamos a linguística funcional, observamos a forma como os usuários da língua fazem uso dela, quais transformações realizam e que tipos de renovações criam para ser melhor compreendidos pelos que os ouvem, para que possam atingir seus objetivos, haja vista que ninguém fala simplesmente por falar, mas usa a palavra com alguma intenção, algum objetivo e com a vontade de convencer alguém de alguma coisa. Para obter êxito, o falante faz adaptações na sua maneira de falar. A linguística cognitiva estuda a capacidade que os usuários da língua têm de processar informações, ou seja, de decodificá-las, compreendê-las e armazená-las na memória de longo termo, adaptando-se aos mais diversos e variáveis meios sociais nos quais eles estão inseridos. De acordo com Martelotta & Palomanes (2008, p. 179), em termos mais específicos, podemos dizer que, de um modo geral, a proposta cognitivista leva em conta aspectos relacionados a restrições cognitivas que incluem a captação de dados da experiência, sua compreensão e seu armazenamento na memória, assim como a capacidade de organização, acesso, conexão, utilização e transmissão adequada desses dados. É importante aqui registrar que esses aspectos somente se concretizam socialmente, ou seja, não refletem apenas o funcionamento de nossa mente como indivíduos, mas como seres inseridos em um ambiente cultural. Em outras palavras, segundo essa visão teórica há uma relação sistemática entre a linguagem, pensamento e experiência. Isso nos leva a um outro aspecto da 37 proposta cognitivista, que incorpora os fenômenos referentes à interação social. Esse outro aspecto de cunho social leva alguns autores a acrescentar ao vocábulo designativo dessa escola linguística o elemento sócio-, criando o termo sociocognitivismo. Esse termo enfatiza a importância do contexto nos processos de significação e o aspecto social da cognição humana. Mais do que isso, focaliza a linguagem como uma forma de ação, ou seja, através da linguagem comentamos, oramos, ensinamos, discursamos, informamos, enfim, enquadramo-nos nos milhares papeis sociais que compõem nossa vida diária. Não poderíamos deixar de abordar também a Metáfora que, de acordo com os autores que estudam a gramaticalização, é um dos motivadores desse processo. Ela é muito usada para que possamos entender conceitos abstratos, por exemplo, quando alguém nos diz que está quebrado, não significa que essa pessoa esteja de fato com os ossos partidos como um objeto que pode ser quebrado em vários pedaços, mas, sim, que ela está sem dinheiro ou cansada. Para Martelotta (2011, p. 80-81), começando a falar sobre metáfora, podemos definir esse processo como um mecanismo de transferência entre domínios de conhecimento, que tende a caminhar no sentido concreto para o abstrato. O princípio é relativamente simples: utilizamos conceitos mais concretos e mais fáceis de serem conceptualizados e transmitidos comunicativamente para a expressão de valores mais abstratos e, portanto, mais difíceis de serem conceptualizados. A metáfora constitui, portanto, uma estratégia cognitiva que permite que nosso pensamento caminhe por conceitos abstratos. O autor (2011, p. 81) cita ainda como exemplo, frases do tipo: Ele é um mala (mala = chato) ou Ele é o cabeça do grupo (cabeça = líder). Casos como esses são tradicionalmente relacionados à noção de metáfora, reproduzem o mecanismo segundo o qual um elemento de valor originalmente concreto é utilizado com sentido abstrato. No item a seguir abordamos o conceito de Linguística Funcional e os princípios do Funcionalismo, lembrando que não é nosso objetivo esgotar as possibilidades de exposição sobre esse assunto, mas, sim, destacar os aspectos necessários à análise do corpus, a língua falada no dia a dia em situação real de comunicação com suas motivações. Para Halliday (apud POGGIO 2002, p. 28), uma teoria funcional parte da investigação de como a língua é usada, buscando descobrir seus propósitos e como os falantes são capazes de alcançá-los. Além do mais, essa teoria busca a explicação da natureza da língua em termos funcionais, procurando observar se a língua tem sido moldada para o uso e como uma forma da língua é determinada pela função. 38 Em se tratando da língua em uso não podemos deixar de nos basear na teoria do funcionalismo para dar mais sustentação à pesquisa, que tem como objeto de análise um material com registros da língua em uso no dia a dia. A seguir abordamos o conceito de Linguística Funcional. 2.1 CONCEITO DE LINGUÍSTICA FUNCIONAL Para Poggio (2002), é muito complicado desenvolver um estudo sobre o funcionalismo em geral, devido à quantidade de abordagens existentes sobre o assunto. De acordo com essa autora (2002, p. 27), há funcionalistas direcionados ao estudo de um modelo abstrato de uso da língua, outros direcionados à língua tal como essa se manifesta em seu uso efetivo, alguns procuram estudar a variação translinguística, enquanto outros buscam a causa da variação intralinguística. Entretanto, há um denominador comum nos estudos existentes, podendo-se concluir daí o que é a teoria funcionalista da linguagem. Com o Círculo Linguístico de Praga e a Escola Britânica, representada por M. A. K. Halliday, inicia-se o funcionalismo. De acordo com Poggio (2002, p. 28), toda a abordagem funcionalista de uma língua natural tem como principal objetivo verificar como se processa a comunicação entre os usuários dessa língua, examinando, desse modo, a sua competência comunicativa. Isso leva à consideração de que as expressões linguísticas são configurações de funções e cada função leva a um modo diferente de significação no enunciado. Todas as vezes que pensamos em como os usuários utilizam a língua no dia a dia, o que motiva determinadas construções frasais, quais sentidos essas construções frasais têm ou quais sentidos os ouvintes constroem desses enunciados, devemos ter como base para análise os conceitos da linguística funcional, pois seu objeto de investigação é a língua em uso, o uso da linguagem e a produção de textos que é feita na interação comunicativa entre os usuários da língua. André Martinet (apud POGGIO, 2002, p. 28), destaca que é preciso partir da observação da comunicação na língua em sua primeira forma falada. A maneira como o mundo é percebido depende de processos, segundo os quais, o homem comunica sua experiência ao próximo e, ao funcionar, toda língua se impõe como um instrumento de comunicação da experiência. Para descrevê-la de maneira adequada, convém verificar o que contribui para a 39 comunicação. É, pois, a pertinência comunicativa que deve guiar o linguista. Esse deverá observar os diferentes segmentos do enunciado, guiado pela operação comunicativa, isto é, destacar as unidades significativas mínimas (monemas) e as unidades distintivas (fonemas). Para Gebruers (apud POGGIO 2002, p. 28), o que caracteriza a concepção de linguagem, nessa abordagem, é seu caráter não só funcional, mas também dinâmico. Ela é funcional porque mantém integrados o sistema linguístico e seus elementos com as funções que têm que preencher, e dinâmica porque vê, na variabilidade da relação entre estrutura e função, a força dinâmica subjacente ao constante desenvolvimento da linguagem. Outro aspecto que não podemos deixar de tratar é o caráter dinâmico das línguas. Todas as línguas são dinâmicas, o que somente é percebido na interação comunicativa, ou seja, na língua em tempo real. Essa dinamicidade nunca fez parte das gramáticas normativas, porque nelas não há espaço para a dinamicidade, pois nelas existem apenas normas que não são dinâmicas, mas sim, rígidas, rigorosas, que não podem ser mudadas, transformadas, alteradas. Só há espaço para alterações na língua em uso no dia a dia, que é onde percebemos toda a dinamicidade da língua. As pessoas falam e são compreendidas, independente do que estejam falando e da forma como estão falando, seja por meio de código, de metáforas, de apelidos, elas são entendidas, conseguem construir sentidos. De acordo com Poggio (2002), os temas discutidos na investigação funcionalista são: - Relação entre discurso e gramática; - Liberdade organizacional do falante dentro construcionais; - Distribuição de informação e relevo informativo; - Fluxo de informação e fluxo de atenção; - Gramaticalização; - Motivação icônica e competição de motivações; - Fluidez das categorias (protótipos); - Consideração do dinamismo da língua (mais geral). A seguir abordamos os princípios do funcionalismo. das restrições 40 2. 2 PRINCÍPIOS DA TEORIA DO FUNCIONALISMO O termo funcionalismo teve origem em 1926 no Círculo Linguístico da Escola de Praga e seu idealizador foi o linguista Tcheco Vilém Mathesius. Neves (2004, p. 17 – 18) afirma que a designação Escola Linguística de Praga se dá a um grupo que começou a atuar antes de 1930, para os quais a linguagem, acima de tudo, permite ao homem reação e referência à realidade extralinguística. As frases são vistas como unidades comunicativas que veiculam informações, ao mesmo tempo em que estabelecem ligação com a situação de fala e com o próprio texto linguístico. Nesse sentido, o que se analisa são as frases efetivamente realizadas, para cuja interpretação se atribui especial importância ao contexto, tanto verbal como não verbal. Concebe-se que, mesmo no nível do enunciado realizado, podem encontrar-se regularidades que licenciam tentativas de organização e descrição. A visão da Escola de Praga está na definição de língua, vista como um “sistema de meios apropriados a um fim” (Thèses, 1929; apud ILARI, 1992, p. 25), e um “sistema de sistemas” (ILARI, 1992, p.24), já que a cada função corresponde um subsistema. A Escola de Praga teve dois linguistas russos que com suas pesquisas conseguiram um lugar de destaque, Nikolaj Trubetzkoy e Roman Jakobson. As pesquisas de Trubetzkoy contribuíram para o desenvolvimento dos estudos de fonologia. Já Jakobson por meio de seus estudos introduziu a noção de marcação na morfologia. Ele acrescenta que ao emitir uma mensagem há seis funções da linguagem: - função referencial: ligada ao contexto; - função emotiva: ligada ao remetente; - função conativa: ligada ao destinatário; - função fática: ligada ao contato; - função metalinguística: ligada ao código; - função poética: ligada à mensagem. A base do funcionalismo está nas reflexões feitas pelos estudiosos da Escola de Praga haja vista que esses pesquisadores utilizavam muito os termos função/funcional e depois deles surgiram diversos grupos que foram um pouco mais além nos estudos funcionalistas do que os linguistas desse grupo. 41 De acordo com Cunha (2008, p. 159), embora frequentemente contrastado ao estruturalismo, o funcionalismo surge como um movimento particular dentro do estruturalismo, enfatizando a função das unidades linguísticas: na fonologia, o papel dos fonemas (segmentais e suprasegmentais) na distinção e demarcação das palavras; na sintaxe, o papel da estrutura da sentença no contexto. Com relação ao ponto de vista saussuriano, esses linguistas se opunham à distinção nítida entre sincronia e diacronia, assim como à noção de homogeneidade do sistema linguístico. Sua contribuição pode ser sintetizada no uso dos termos função/funcional, no estabelecimento dos fundamentos teóricos básicos do funcionalismo e nas análises que levam em conta parâmetros pragmáticos e discursivos. Para Neves (2006, p. 17), estão no centro das investigações funcionalistas questões como: - relações entre discurso e gramática (porque o discurso conforma a gramática, mas principalmente porque ele não é encontrável despido da gramática); - liberdade organizacional do falante, dentro das restrições construcionais (porque o falante processa estruturas regulares, mas é ele que faz as escolhas que levam a resultados de sentido e a efeitos pragmáticos); - distribuição de informação e relevo informativo (porque os diversos eventos têm, inerentemente, diferente importância comunicativa, mas é o falante que lhes confere relevo, segundo seus propósitos); - fluxo de informação e fluxo de atenção (porque no discurso há sempre uma informação que flui, mas é o falante que dirige, dentro de um ponto de vista, o fluxo de atenção que „empacota‟ a informação, para apresentá-la ao ouvinte); - gramaticalização e suas bases cognitivas (porque a atividade do discurso pressiona o sistema, chegando a reorganizar o quadro das estruturas linguísticas, embora dentro de regularidades previsíveis); - motivação icônica e competição de motivações (porque forças externas ao sistema interagem com forças internas, em contínua busca e manutenção de equilíbrio); - fluidez de categorias, e prototipia (porque, no lento processo de extensão de membros de uma categoria, há uma constante alteração de limites, com redefinição de protótipos). 42 Continua a autora (2006, p. 17), afirmando que, além das questões que estão no centro das investigações funcionalistas, são também considerados pontos centrais, numa gramática funcionalista: - O uso (em relação ao sistema); - O significado (em relação à forma); - O social (em relação ao individual). De acordo com Neves (2006, p. 18), rejeitada uma preocupação com a pura competência para a organização gramatical das frases, a reflexão dirige para a multifuncionalidade dos itens, ou seja, para uma consideração das estruturas linguísticas exatamente pelo que elas representam de organização dos meios linguísticos de expressão das funções a que serve a linguagem, que por natureza é funcional. Estruturas linguísticas são, pois, configurações de funções, e as diferentes funções são os diferentes modos de significação no enunciado, que conduzem à eficiência da comunicação entre os usuários de uma língua. Nessa concepção, funcional é a comunicação, e funcional é a própria organização interna da linguagem. Desse modo, o funcionalismo liga-se historicamente às propostas da Escola Linguística de Praga, que “concebiam a linguagem articulada como um sistema de comunicação, preocupavam-se com seus usos e funções, rejeitavam as barreiras intransponíveis entre diacronia e sincronia e preconizavam uma relação dialética entre sistema e uso” (Neves, Braga e Paiva, 1997, p. 6). Ainda mais se liga a essas propostas por assentar uma consideração dinâmica da linguagem, pela qual as relações entre estrutura e função são vistas como instáveis, dada a força dinâmica que está por detrás do constante desenvolvimento da linguagem (Gebruers, 1987). Dinamismo, afinal, é componente necessário de qualquer consideração dos componentes linguísticos (sintático-semânticos) vistos no uso real, ou seja, na interação verbal (componente pragmático). Como podemos verificar na citação acima toda a reflexão de base funcionalista objetiva verificar e analisar o movimento de multifuncionalidade dos itens, sempre levando em consideração a eficiência da comunicação entre os usuários de uma língua durante o processo de interação comunicativa que se dá na língua em uso em tempo real, revelando que, durante o desenvolvimento da linguagem, há uma força dinâmica constante, auxiliando a todo instante o seu desenvolvimento. Tudo isso porque o caráter dinâmico da linguagem é um componente necessário em toda situação de interação verbal. 43 Neves (2006, p. 18-19) cita quatro linguistas que se destacaram nos estudos funcionalistas, são eles: Michael Halliday, Talmy Givón, Eugenio Coseriu e Simon Dick. Michael Halliday, de acordo com Neves (2006), enfatiza a noção de „função‟, vendo-a como o papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servindo aos muitos e variados tipos universais de demanda. Ele assenta a sua gramática numa base sistêmica (e paradigmática), na qual o enunciado não parte de uma estrutura profunda abstrata, mas de escolhas que o falante faz quando o compõe para um propósito específico, com elas produzindo significado. Talmy Givón, segundo Neves (2006), destaca o postulado da não-autonomia do sistema linguístico, na concepção da estruturação interna da gramática como um organismo que unifica sintaxe, semântica e pragmática (sendo a sintaxe a codificação dos domínios funcionais que são: a semântica, proposicional; a pragmática, discursiva) e no exame dos aspectos icônicos da gramática. Ainda segundo Neves (2006), para Givón (1995), a língua não pode ser descrita como um sistema autônomo porque a gramática só pode ser entendida por referência a parâmetros como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução. Eugenio Coseriu, conforme Neves (2006), fixa-se particularmente na proposta estruturalista de estabelecer os significados gramaticais distinguidos na língua e as oposições entre os significados, entendendo a língua como estruturação de conteúdos, como sistema de funções, enfim, como um conjunto de paradigmas funcionais em que se estabelecem oposições funcionais. Bechara (1991, p. 11) aponta que a gramática de Coseriu veio “sanar” uma “lacuna na identificação, descrição e investigação” das “funções idiomáticas”. Para provar isso, o gramático brasileiro caracteriza alguns tipos de gramáticas existentes (as estruturais do tipo „bloomfieldiano‟, a da Escola de Praga, a glossemática, a gramática transformacional), e conclui qualificando a gramática funcional de Coseriu como “a própria paradigmática gramatical”. Apoiado em Gabelentz (1891), Bechara (1998, p. 17-18) diz que a gramática de Coseriu é estrutural e funcional. Para Neves (2006), Simon Dick focaliza particularmente a visão da interação verbal por via dos usuários, preocupando-se, entretanto, em valorizar o papel da expressão linguística na comunicação, e, por isso mesmo, dedicando-se a prover uma formalização generalizante da gramática. Esse pesquisador fazia os seguintes 44 questionamentos: como „opera‟ o usuário da língua natural? Ou, em outras palavras: Como os falantes e os destinatários são bem sucedidos comunicando-se uns com os outros por meio de expressões linguísticas? Ou ainda: Como lhes é possível, por meios linguísticos, fazer-se entender mutuamente, ter influência no estoque de informação (incluindo conhecimento, crenças, preconceitos, sentimentos), e, afinal, no comportamento prático um do outro? (Dick, 1997, p. 1). O que se propõe, afinal, é que a teoria da gramática constitui um subcomponente integrado da teoria do “usuário da língua natural” e que a descrição linguística inclui referência ao falante, ao ouvinte e a seus papeis e estatuto dentro da situação de interação determinada socioculturalmente. Poggio (2002, p. 33) afirma que “as funções da linguagem propostas por M. A. K. Halliday - função ideacional, função interpessoal e função textual - são extrínseca e intrínseca, pois a multiplicidade funcional é refletida na organização interna e o estudo da estrutura linguística nos mostra as necessidades da língua.” - A função ideacional serve para a expressão do conteúdo. O falante e o ouvinte organizam e incorporam sua experiência dos fenômenos do mundo interno e os atos linguísticos de se expressar e de entender. Essa função engloba duas subfunções: a experiencial e a lógica. - Por meio da função interpessoal, o falante emprega a linguagem como instrumento para participar do ato da fala, expressando seu julgamento e suas atitudes bem como as relações que mantém entre ele e o ouvinte. O elemento interpessoal extrapola as funções linguísticas, atuando num contexto mais amplo, no estabelecimento e manutenção dos papeis sociais, inerentes à linguagem. A referida função serve para organizar e expressar o mundo interno e externo indivíduo. - A função textual refere-se à criação do texto, e, por meio dela, a linguagem faz as unidades linguísticas operarem no contexto e na situação. O locutor produz o texto e o interlocutor pode reconhecê-lo, sendo ele uma unidade operacional. A função textual compreende a organização interna da frase, seu significado como mensagem em si mesma e na sua relação com o texto. Há diferenças entre o formalismo e funcionalismo que devem ser observadas e levadas em consideração quando desenvolvemos pesquisas funcionalistas. A seguir 45 mostramos um quadro com as diferenças existentes entre o formalismo e o funcionalismo que, para Neves (2004, p. 46), sintetiza o que Dik afirmou sobre o paradigma formal e o paradigma funcional, ou seja, no paradigma formal não se observam os modos de uso da língua, enquanto, no funcional, observam-se a língua em uso e suas funções, os aspectos determinantes na interação comunicativa humana. Como definir a língua PARADIGMA FORMAL Conjunto de orações. Principal função da língua Correlato psicológico Expressão de pensamentos. O sistema e seu uso O estudo da competência tem prioridade sobre o da atuação. As orações da língua devem descrever-se independentemente do contexto/situação. Língua e contexto/situação Aquisição da linguagem Universais lingüísticos Relação entre a sintaxe, a semântica e a pragmática Competência: capacidade de produzir, interpretar e julgar orações. Faz-se com uso de propriedades inatas, com base em um input restrito e não estruturado de dados. Propriedades inatas do organismo humano. A sintaxe é autônoma em relação à semântica; as duas são autônomas em relação à pragmática; as prioridades vão da sintaxe à pragmática, via semântica. PARADIGMA FUNCIONAL Instrumento de interação social. Comunicação. Competência comunicativa: habilidade de interagir socialmente com a língua. O estudo do sistema deve fazer-se dentro do quadro do uso. A descrição das expressões deve fornecer dados para a descrição de seu funcionamento num dado contexto. Faz-se com a ajuda de um input extenso e estruturado de dados apresentado no contexto natural. Explicados em função de restrições: comunicativas; biológicas ou psicológicas; contextuais. A pragmática é o quadro dentro do qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas; as prioridades vão da pragmática à sintaxe, via semântica. Halliday (1985) (apud NEVES 2004, p. 47-48) distingue as gramáticas funcionais das formais da seguinte forma: - As gramáticas formais: 46 1 – Interpretam a língua como uma lista de estruturas entre as quais, num segundo passo, podem ser estabelecidas relações regulares; 2 – Tendem a: - enfatizar os traços universais da língua; - tomar a sintaxe como base da língua (gramática arbitrária); - organizá-la, desse modo, em torno da frase. - As gramáticas funcionais: 1 – Interpretam a língua como uma rede de relações, entrando as estruturas como a realização das relações; 2 – Tendem a: - enfatizar variações entre línguas diferentes; - tomar a semântica como base (gramática natural); - organizá-la, desse modo, em torno do texto ou discurso. Dos quatro lingüistas apresentados terão maior importância para nosso trabalho Michael Halliday e Simon Dik: - Michael Halliday porque, fixando-se na noção de „função‟, entendeu-a como algo que é desempenhado na vida dos indivíduos pela linguagem humana e por isso serve aos muitos e variados tipos universais. - Simon Dick porque seu olhar está voltado para a interação verbal dos usuários, preocupando-se em valorizar o papel da expressão linguística na comunicação. Os seguintes questionamentos norteiam seu trabalho: - Como „opera‟ o usuário da língua natural? - Como os falantes e os destinatários são bem sucedidos comunicando-se uns com os outros por meio de expressões linguísticas? - Como lhes é possível, por meios linguísticos, fazer-se entender mutuamente, ter influência no estoque de informação (incluindo conhecimento, crenças, preconceitos, sentimentos), e, afinal, no comportamento prático um do outro? 47 Assim, foi pelo modo de esses pesquisadores enxergarem o funcionalismo que os escolhemos para fundamentar a análise de nosso trabalho. A seguir abordamos gramática e cognição. 2. 2. 1 GRAMÁTICA E COGNIÇÃO Para o funcionalismo, há uma relação entre gramática e cognição, pois quando falamos, nosso interlocutor pode compreender a mensagem que queremos transmitir, ou seja, por meio de nossa fala é possível que nossos ouvintes construam sentidos. Entretanto, não podemos dizer que nosso ouvinte que constrói sentidos de forma desorganizada e aleatória mas, ao contrário, ele constrói sentidos de forma organizada e é por isso que estabelecemos a relação entre gramática e cognição. Hengeveld (2003) (apud NEVES, 2006, p.22) diz que “o componente cognitivo representa o conhecimento (de longo termo) do falante, tal como sua competência linguística” (p. 4). Os três níveis da gramática (o interpessoal, o representacional e o da expressão, hierarquicamente organizados) interagem com esse componente cognitivo, assim como interagem com um componente comunicativo, que “representa a informação linguística (de curto termo) derivável do discurso precedente e a informação não-linguística, perceptual, derivável da situação de fala” (p. 4). A informação de curto termo pode ser selecionada para uma estocagem de longo termo e passar para o componente cognitivo. A seguir fazemos uma breve apresentação do conceito de linguística cognitiva, já que, quando estudamos a gramaticalização, devemos nos apoiar tanto na linguística funcional quanto na linguística cognitiva que está voltada para a conceitualização humana do mundo. Ela mostra como caracterizamos os seres e os objetos, o que acontece com nossa mente quando nos deparamos com determinada situação cotidiana, quais lembranças nos veem à memória e qual é nossa reação diante de tal situação. A seguir abordamos o conceito de linguística cognitiva. 2.3 CONCEITO DE LINGUÍSTICA COGNITIVA De acordo com o Dicionário de Linguagem e Linguística, 2008, p. 180 –181, a Linguística Cognitiva (cognitive linguistics) – é a abordagem da língua que se baseia na percepção da conceitualização humana do mundo, ou seja, de acordo com nossa 48 experiência de vida conceituamos tudo o que existe no mundo. No século XX, a abordagem mais influente no estudo da linguagem foi o estruturalismo: os linguistas se interessaram muito pelos aspectos meramente estruturais dos próprios sistemas linguísticos, tais como o sistema de sons e o sistema de gramática. Uma característica central do estruturalismo é que ele focaliza a estrutura interna da língua e não o modo como a língua se relaciona com o mundo não-linguístico. Contudo, a partir dos anos oitenta, um número cada vez maior de linguistas foi se interessando seriamente por um projeto mais ambicioso: o esclarecimento dos modos como os seres humanos percebem, categorizam e conceitualizam o mundo. A esse novo empreendimento dá-se o nome de Linguística Cognitiva. Ainda de acordo com o Dicionário de Linguagem e Linguística, 2008, p. 181, um dos primeiros linguistas que contribuiu para a abordagem cognitivista foi o linguista teórico americano George Lakoff, que escreveu amplamente sobre a importância da metáfora como um fator que dá forma às línguas. Os estudiosos da linguagem Lakoff e Jonhson (1980) por meio de suas pesquisas descobriram que a linguagem revela um grande sistema conceptual metafórico, que direciona e influencia os pensamentos e as ações desenvolvidas por cada pessoa durante suas expressões lingüísticas. Os pesquisadores comprovaram, quando analisaram expressões lingüísticas, que as pessoas compreendem o mundo por meio de metáforas, pois conceitos simples de tempo, quantidade, estado e ação são compreendidos metaforicamente. Para eles, a metáfora une razão e imaginação. Os estudiosos da linguagem descobriram que as pessoas compreendem o mundo por meio de metáforas, e que elas são construídas com base em nossa experiência corporal, ou seja, nosso corpo e nossa mente interagem para dar sentido ao mundo. Eles propõem também que nossas experiências constituiriam uma síntese, pela qual a metáfora, seria, por exemplo, uma racionalidade imaginativa, ficando, dessa maneira, evidente a união entre razão e imaginação. Partindo dessa premissa, Lakoff & Jonhnson (2002) usam o conceito de metáfora, como um conceito que existe para experienciar uma coisa em termos de outra. A expressão metafórica é usada para se referir às expressões linguísticas individuais. Para finalizar, os autores (2002) afirmam que a categorização reflete a cognição humana, ou seja, as pessoas manipulam símbolos formais vazios de sentido, mas usam esses mesmos símbolos porque eles foram construídos por meio da capacidade humana de categorização. E a metáfora faz parte da capacidade que o homem tem de produzir sentido por meio da categorização, ela é um instrumento de base cognitiva. 49 A linguística cognitiva está baseada na percepção de mundo que nós, falantes e usuários da língua, temos e que transferimos para nossa fala quando participamos de uma interação comunicativa. Todo processo comunicativo em que há interação face a face está baseado na percepção de mundo que o usuário da língua tem, pois ninguém fala simplesmente por falar. Em todo momento de comunicação, o usuário mostra como ele percebe, categoriza e conceitualiza o mundo. Por mais que não queiramos, sempre fazemos isso quando nos comunicamos e é esse modo de perceber, categorizar e conceitualizar o mundo que abordamos nesse capítulo. Para a Linguística Cognitiva, o contexto no qual o falante está inserido orienta a construção do significado, ou seja, é baseado no contexto que os falantes/ouvintes constroem significados, dando ênfase à experiência humana. A cognição mostra a capacidade que as pessoas têm para processar informações e adaptá-las às mais diversas situações comunicativas. Nas palavras de Martelotta & Alonso (2012, p. 95), o cognitivismo, ao contrário, adota uma perspectiva integradora, no sentido de que compreende a cognição como um conjunto de sistemas conectados, que envolve, além da linguagem, nossa percepção de mundo que nos cerca, nossa capacidade de armazenar as informações na memória, nossos sentimentos, as informações do contexto sociocultural em que nos inserimos. A linguagem está diretamente relacionada ao nosso pensamento e à nossa experiência de vida, ou seja, nosso conhecimento enciclopédico. Nossa capacidade de enxergarmos, sentir, ouvir e tocar em tudo o que está ao nosso redor, significa dizermos que nossas experiências são estabelecidas a partir de nosso corpo. Pensando dessa maneira, não podemos afirmar que nossa mente não tem nenhuma relação com nosso corpo, muito pelo contrário, ela é quem transmite todas as informações para nosso corpo e o pensamente é corporificado, ou seja, sua estrutura se relaciona à configuração de nosso corpo e suas restrições de percepção. Continuam os autores (2012, p. 95) afirmando que “é importante registrar que todo esse processo de significação se associa a rotinas comunicativas que são moldadas, mantidas e modificadas pelo uso (Langacker, 1986).” Isso acontece porque a comunicação é uma atividade compartilhada, as pessoas quando participam desse processo estão compartilhando informações e experiências por elas vivenciadas e o processo de produção de sentido ocorre quando o falante e o ouvinte entendem e compreendem uma ao outro no contexto de interação comunicativa, que prova o quanto 50 é importante a interação comunicativa os ambientes e os meios sociocultural para a compreensão da linguagem humana. Tal como a Linguística Funcional, a Linguística Cognitiva também adota uma perspectiva baseada no uso, tendo com ideia central que o contexto orienta a construção do significado e ela está relacionada ao conhecimento enciclopédico do usuário da língua. É por meio do seu conhecimento de mundo que o usuário constrói sentidos e significados para as diversas situações comunicativas até a convencionalização das formas linguísticas. Langaker (1987) (apud FERRARI 2011, p. 19-20), propõe quatro especificações, que acontecem geralmente correlacionadas a determinadas informações na rede enciclopédica: A - convencional: é a informação amplamente conhecida e compartilhada pelos membros de uma comunidade de fala, que tem, portanto, alta probabilidade de ser mais central para a representação mental de um determinado conceito lexical. Se eu souber que dois amigos meus são alérgicos a gato, por exemplo, esse conhecimento não passará a fazer parte do significado convencional de gato, embora possa enriquecer minha compreensão do conceito. Tendo em vista que a convencionalidade é uma questão de grau, esse conhecimento pode ser considerado periférico. Se, entretanto, a fama dos meus amigos começar a crescer e eles se tornarem figuras nacionalmente proeminentes, a simples menção da palavra gato poderá trazer de modo imediato à mente dos falantes de língua portuguesa o problema alérgico desses indivíduos. Teríamos que admitir, nesse caso, essa especificação como parte do significado convencional de gato. B – Genérica: diz respeito ao grau de generalização da informação. O fato de que meus amigos são alérgicos ao meu gato Mimi é bastante específico, enquanto o fato de que eles são alérgicos a gatos em geral é parcialmente genérico; já a informação de que algumas pessoas são alérgicas a gatos é ainda mais genérica. Os parâmetros convencional e genérico tendem a se superpor, já que quanto mais genérica for uma caracterização, maior sua probabilidade de ser convencional. Entretanto são parâmetros independentes. Na situação imaginada, se toda uma comunidade de fala souber da alergia de meus dois amigos ao meu gato de estimação, a informação passará a ser convencional, mas 51 nem por isso genérica. Seria o caso pouco usual, mas não impossível, de uma informação específica que adquire caráter convencional. C – Intrínseca: é a caracterização do significado que não leva em conta fatores externos. A forma, por exemplo, é uma propriedade altamente intrínseca, pois diz respeito às relações entre partes de um objeto e não requer interação ou comparação a outras entidades. O tamanho, por sua vez, implica comparação a outros objetos ou a determinada escala de medida, de modo que não é tão intrínseco quanto a forma. No caso de comportamentos, alguns são intrínsecos, como os miados emitidos pelo gato, e outros são mais extrínsecos, como caçar ratos ou arranhar os móveis. O fato de que os gatos possam ser associados às bruxas, por exemplo, é altamente extrínseco. D – Característica: é a informação suficiente para identificar o membro de uma classe, dado seu caráter único. A forma, por exemplo, costuma ser mais característica do que a cor: um gato pode ser reconhecido pela forma, mas a observação de que uma entidade é preta não seria suficiente para identificá-la como gato. Esses fatores constituem uma proposta do autor (1987) para o tratamento do significado na rede enciclopédica do usuário da língua. Lakoff (1987), de acordo com Ferrari (2011, p. 22), retoma a proposta filosófica de Putnam (1981) com relação à razão humana, adotando o termo realismo experiencialista. Assim, embora reconhecendo a existência da realidade externa, o realismo experiencialista estabelece que dada a forma e configuração de nossos corpos e cérebros, estabelecemos necessariamente uma perspectiva particular entre várias perspectivas possíveis e igualmente viáveis em relação ao mundo. Seus principais postulados são: A - O pensamento é enraizado no corpo, de modo que as bases de nosso sistema conceptual são percepção, movimento corporal e experiências de caráter físico e social. 52 B – O pensamento é imaginativo, de forma que os conceitos que não são diretamente ancorados em nossa experiência física empregam metáfora, metonímia e imagética mental, caracterizadas por ultrapassar o simples espelhamento literal da realidade. C – O pensamento tem propriedades gestálticas: os conceitos apresentam uma estrutura global não atomística, para além da mera reunião de “blocos conceptuais” a partir de regras específicas. Ainda conforme Ferrari (2011, p. 22), “para o realismo experiencialista, a razão humana é algo que surge em nossa rede enciclopédica por meio da natureza de nosso organismo e fatores que contribuem para nossa experiência individual e coletiva: a herança genética, as características do ambiente em que vivemos.” Nossa experiência de vida individual, coletiva e o meio social em que vivemos são fundamentais para nossa formação social. É ela que nos dá suporte para entendermos e compreendermos a diversas situações cotidianas para nos socializarmos, sem ela não conseguiríamos conceituar e caracterizar todas as situações cotidianas que presenciamos ao longo de nossa trajetória no mundo interagindo com as pessoas. A seguir abordamos os princípios que regem a teoria do cognitivismo, categorização, teoria dos protótipos, iconicidade, frames, teoria dos espaços mentais e linguagem corporificada. A seguir abordamos os princípios da teoria do cognitivismo. 2.4 PRINCÍPIOS DA TEORIA DO COGNITIVISMO 2. 4. 1 CATEGORIZAÇÃO A categorização nada mais é do que o agrupamento de entidades, sejam elas objetos, pessoas, lugares, animais etc. em classes específicas. É por meio da categorização que formamos conceitos e os organizamos formando dessa maneira nosso conhecimento e experiências de mundo. De acordo com Ferrari (2011, p. 31-32), com relação à linguagem, o processo de categorização é, de fato, essencial. Na verdade, para falarmos do mundo, agrupamos um conjunto de objetos, atividades ou qualidades em classes específicas. Assim, a um conjunto de objetos semelhantes (mas não 53 necessariamente idênticos atribuímos o nome árvore; fazemos referência a um conjunto de atividades com características julgadas similares usando expressões como trabalhar, brincar, e assim por diante. Da mesma forma, qualificamos as pessoas que compartilham determinadas características como calmas, engraçadas ou tagarelas. Nossas capacidades de categorização estão intimamente relacionadas à nossa capacidade de memória. Podemos agrupar objetos em categorias para falarmos do mundo, mas não podemos criar um número infinito de categorias, pois isso acarretaria em sobrecarga em termos de processamento e armazenamento de informações. A organização em categorias envolve representantes que servem de referência para os demais membros desses grupos. Esses participantes recebem o nome de protótipos. Por exemplo: cadeira, sofá, mesa e cama são indicados como mobília. Entretanto, deve se levar em consideração que devem ser considerados os traços característicos dos membros dessas categorias para poderem ser chamados de protótipos. Não podemos deixar de lado também o contexto, as experiências cognitivas locais, como registros compartilhados de uma conversa em andamento (contexto linguístico) ou parâmetros relacionados ao tipo de evento de fala (contexto social) caracterizam a noção de contexto, ou seja, contexto é todo o meio social em que o indivíduo encontra-se inserido no seu dia a dia na sua prática interativa. O contexto social mostra qual é o tipo de situação comunicativa de interação que os falantes participam e qual a relação social que existe e se estabelece entre eles, incluindo também as relações de poder existentes nos meios sociais. No item seguinte abordamos a teoria dos protótipos. 2. 4. 2 TEORIA DOS PROTOTIPOS A teoria dos protótipos mostra qual representante de uma determinada categoria apresenta um número maior de características e semelhanças entre si, revelando os atributos mais comuns entre seus representantes. Por exemplo: Na categoria dos pássaros poderíamos incluir o João de Barro, o Pintassilgo, já a galinha não poderia ser incluída de forma alguma, porque, apesar de ter asas, botar ovos, ela não consegue voar da maneira como o Pintassilgo, o João de Barro, sendo assim, a galinha não pode ser incluída com representante prototípico da categoria dos pássaros. 54 Abreu (2010, p. 24-25) afirma que a teoria dos protótipos tornou-se importante não só para o estudo da categorização, mas em grande parte para o estudo das línguas em geral, pois permite descrever mais adequadamente uma série de fatos gramaticais. Por exemplo, frases com as conjunções (mas e contudo) são adversativas, mas contudo é a única que pode ser posta em qualquer lugar da oração, com o mas é impossível fazer isso. Conclusão, como mas é a única que mantém a propriedade inerente à definição de conjunção que é a de ser elemento que liga uma oração à outra. Contudo, pelo fato de poder ficar em qualquer outra posição, não mantém essa propriedade. Podemos, pois, dizer que o mas é uma conjunção prototípica, mas contudo e outras como porém, todavia, entretanto, são não prototípicas, pois podem ocupar qualquer posição dentro da oração subordinada. No item seguinte abordamos a iconicidade. 2. 4. 3 ICONICIDADE A linguagem humana é um sistema de representações do mundo real ou de mundos possíveis. Os usuários da língua em sua prática diária de interação verbal fazem classificações, definições e categorizações de seu mundo real ou mundo possível a partir de suas percepções. Toda a vez que alguma palavra é criada, ela é criada por que houve algum tipo de motivação para a sua criação, que não ocorreu por acaso e esse processo resulta da necessidade. Existe uma relação entre as partes da estrutura linguística e as partes da estrutura do significado, pois a estrutura da língua é um reflexo da experiência de vida e de mundo de cada indivíduo, usuário da língua. Logo, há basicamente a relação existente entre a forma linguística e seu significado, seu referente. Abreu (1997, p. 18) afirma que “iconicidade é a correspondência entre a ordem de termos dentro de uma oração, ou de orações dentro de um período, e a ordem dos eventos no mundo real ou em mundos possíveis, por exemplo: João deu uma xícara de chá a Vanessa. existe iconicidade, uma vez que, em um „tempo 1‟, temos a xícara de chá nas mãos de João e, em um „tempo 2‟, ela está nas mãos de Vanessa. A ordem dos termos reflete essa sequência temporal.” 55 Martelotta (2011, p. 112) afirma que “podemos compreender iconicidade como uma motivação para os fenômenos linguísticos ocorrerem de uma forma ao invés de outra, ou seja, como uma inclinação oposta a uma outra tendência existente nas línguas: a arbitrariedade.” A seguir abordamos os frames e scripts. 2. 4. 4 FRAMES E SCRIPTS Todo evento social tem diversos momentos, palavras e ideias que estão ligadas ao seu significado, por exemplo: se um amigo nos convida para assistir sua defesa de mestrado, associamos essa informação a ideias como uma sala, nosso amigo fazendo a apresentação do trabalho, professores compondo uma banca examinadora fazendo pergunta sobre seu trabalho final e algumas pessoas assistindo prestigiando a defesa da dissertação. A mesma comparação podemos fazer em relação a outros eventos sociais, casamento, Natal, aula de português ou outra disciplina. Nas palavras de Kövecses (apud ABREU 2010, p. 37) “frames são construtos de nossa imaginação – e não representações mentais que se encaixam diretamente em uma realidade objetiva preexistente, frames são dispositivos imaginativos da mente”. Para Ferrari (2011), o termo frame designa um sistema estruturado de conhecimento, armazenado na memória de longo prazo e organizado a partir da esquematização da experiência. Os frames são as imagens, as fotografias que temos guardadas em nossa memória de determinados eventos que acontecem ao longo de nossas vidas, fazendo com que sempre possamos construir sentidos, fazendo associações ao que ouvimos ou lemos para que saibamos o conjunto de informações que acompanhará determinada informação. Podemos seguir a mesma linha de raciocínio em relação à interpretação das palavras, pois sua interpretação requer do usuário o acesso a estruturas que relacionam o conhecimento de estruturas que relacionam elementos e entidades que fazem parte da experiência humana, levando em consideração as questões sócio-culturais dessa experiência. Por exemplo, quando pensamos nos seguintes verbos gastar, comprar e cobrar ativamos o frame de evento comercial para poder interpretar e compreender o sentido dessas palavras. Os scripts são as sequências dos eventos culturais. Voltando ao exemplo da defesa de dissertação de mestrado, quando pensamos em uma defesa de mestrado, 56 sabemos que o professor orientador fará as considerações iniciais, explicando também quanto tempo cada professor que compõe a banca terá para fazer suas considerações e quanto tempo o aluno terá para responder aos questionamentos. Após as considerações de cada um dos professores e da defesa do aluno, o presidente da banca, no caso o professor orientador, solicitará aos presentes que, juntamente com o mestrando, saiam da sala para que os professores cheguem a um consenso em relação à aprovação ou não do aluno e qual nota darão. Em seguida, o professor orientador chamará todos que estão fora da sala para fazer a deliberação, pede que todos fiquem de pé e diz se o aluno foi aprovado ou não e qual nota a banca decidiu dar ao trabalho do aluno. Portanto, como propõe Abreu (2010, p. 40), “um script descreve uma situação em uma cultura – uma situação em que eventos se desenrolam através do tempo”. A seguir abordamos a teoria dos espaços mentais. 2. 4. 5 TEORIA DOS ESPAÇOS MENTAIS A teoria dos espaços mentais diz respeito ao nosso arquivo pessoal de informações cotidianas, ou seja, para que possamos construir sentidos para o que ouvimos, precisamos resgatar em nossa memória de longo prazo conhecimentos enciclopédicos de mundo que adquirimos ao longo de nossa vida. Recuperamos informações em nossa memória de longo prazo para construir sentidos ao que ouvimos ou lemos a todo o tempo, pois, quando lemos ou ouvimos alguma informação nova fazemos a sua decodificação e, durante esse processo recorremos à nossa memória de longo prazo para construirmos sentidos para o dado novo. De acordo com Turner (apud ABREU 2010, p. 81), expressões linguísticas não significam; elas são propostas de significação para que nós construamos os significados trabalhando com processos que já conhecemos. De maneira alguma o significado de [uma]...enunciação está “diretamente nas palavras”. Quando nós entendemos uma enunciação, nós, de maneira alguma, estamos entendendo “exatamente o que as palavras dizem”; as palavras por si mesmas não dizem nada independentemente do conhecimento magnificamente detalhado e dos eficientes processos cognitivos que trazemos com suporte. Para Fauconnier (1997 apud FERRARI 2011, p. 109), “a linguagem visível é a ponta do iceberg da construção do significado que tem lugar enquanto falamos e pensamos”. 57 Essa teoria propõe que espaços mentais são criados à medida que o discurso se desenvolve. Eles são domínios conceptuais que contêm representações parciais de entidades e relações em um cenário percebido, imaginado ou lembrado. Assim, o espaço mental que dá suporte para desenvolver o discurso na interação comunicativa, vale dizer que, durante o desenvolvimento do discurso, outros espaços mentais são criados para guardar informações que não dizem respeito ao contexto imediato de comunicação, mas estão presentes porque lembramos de situações do passado, hipóteses, arte, música, ou seja, cenários que fazem parte somente de nossa imaginação. Ferrari (2011) afirma que os espaços mentais são, portanto, domínios conceptuais locais que permitem o fracionamento da informação, disponibilizando bases alternativas para o estabelecimento da referência. Tais espaços são criados a partir de indicadores linguísticos, tecnicamente denominados construtores de espaços mentais (space builders), entre os quais se incluem sintagmas preposicionais, morfemas modo-temporais e orações temporais e condicionais. A seguir abordamos a linguagem corporificada. 2. 4. 6 LINGUAGEM CORPORIFICADA Nós, seres humanos, construímos nossa percepção de realidade pela forma de nosso corpo, como ele se movimenta, como percebemos a realidade ao nosso redor e a forma como interagimos com o mundo que nos cerca com seus objetos e seres. Em outras palavras, a realidade que vivenciamos faz com que construamos nossa percepção de realidade, essa é a linguagem corporificada. Por exemplo, existem elementos que não podem ser contados, como alguns ingredientes de receitas de bolos, farinha, açúcar, etc., então o ser humano aprendeu a medir uma parte desses elementos para depois contá-los, açúcar é medido por meio de colher, pois geralmente encontramos em uma receita de bolo a seguinte explicação: duas colheres de açúcar. Nas palavras de Abreu (2010, p. 30), é a partir de nosso corpo que criamos conceitos como frente, trás, esquerda, direita, alta e baixo. Como somos seres bípedes, temos de nos manter em equilíbrio constante e, como somos seres móveis, podemos deslocar-nos continuamente. Nos tempos primitivos, dirigíamo-nos para onde havia frutos que podíamos coletar ou animais que podíamos caçar e, modernamente, em direção ao nosso trabalho ou a locais de lazer. Durante nossos trajetos ou interação com seres e objetos, enfrentamos muitas vezes obstáculos que temos de remover, quando temos capacidade física para isso, ou dos quais temos de 58 desviar, em caso contrário. Em tempos remotos, morávamos dentro de cavernas; hoje, em casas ou apartamentos. A partir desses tipos de interação física entre nossos corpos e o ambiente em que vivemos, Lakoff e Jonhson propuseram um modelo chamado de esquemas de imagem. Segundo eles, esses esquemas são padrões estruturais recorrentes em nossa experiência sensório-motora que, quase sempre, servem para estruturar conceitos complexos. Levando em consideração que a realidade que vivenciamos faz com que construamos nossa percepção de realidade, abordamos no item seguinte a metáfora que é considerada uma ferramenta cognitiva, podendo também ser uma figura de linguagem ou recurso estilístico. 2.5 A METÁFORA A metáfora constitui um processo unidirecional de abstratização crescente, pelo qual conceito que estão próximos da experiência humana são utilizados para expressar aquilo que é mais abstrato e, consequentemente, mais difícil de ser definido. Ela é fundamentada na experiência dos falantes, pois eles criam seus esquemas de imagens baseados nas experiências corporais básicas ou nas experiências culturais, o que contribui para a diversidade de metáforas nas línguas. A metáfora faz uso de conceitos que estão mais concretos para expressar conceitos mais abstratos, ou seja, conceitos mais difíceis de serem entendidos, compreendidos e definidos. É uma estratégia cognitiva que auxilia na compreensão da gramaticalização e do comportamento gramatical. Para Lakoff & Johnson (2002), o cotidiano é construído por meio de metáforas. As metáforas conceituais orientam os falantes a organizarem conceitos por meio de analogias e da transferência das características de um domínio mais estabilizado para um domínio com pouca estabilidade. Os autores (2002) ainda usam o termo metáfora como um conceito que consiste em experienciar uma coisa em termos da outra. Berber Sardinha (2007, p. 30-31), afirma que os pesquisadores Lakoff &Johnson foram os responsáveis pela formulação da teoria da metáfora conceptual e apresenta os principais conceitos dessa teoria: - Metáfora conceptual: é uma maneira convencional de conceitualizar um domínio de experiência em termos de outro, normalmente de modo inconsciente. Por 59 exemplo, O AMOR É UMA VIAGEM. Uma metáfora conceptual é assim chamada porque conceitualiza alguma coisa. No caso acima, a metáfora fornece um conceito de amor. Segundo esse conceito, amor seria uma viagem. Esse é o conceito metafórico. - Expressão metafórica: expressão linguística que é uma manifestação de uma metáfora conceptual. Por exemplo, „nosso casamento está indo muito bem‟, é uma expressão que advém da metáfora conceptual O AMOR É UMA VIAGEM. - Domínio: área do conhecimento ou experiência humana. No exemplo acima, os domínios são AMOR e VIAGEM. - Mapeamento: são as relações feitas entre os domínios. No exemplo anterior, temos os seguintes mapeamentos, entre outros: A - viajantes: amantes ou marido e mulher. B – destino da viagem: relação feliz a dois. C – mapa da viagem: planos futuros da vida a dois. - Desdobramentos (entailments): as inferências que podemos fazer a partir de uma metáfora conceptual. Por exemplo, dado que O AMOR É UMA VIAGEM, então: A – Se uma viagem longa e repetitiva é monótona, então um casal que vive há muito tempo junto pode achar o relacionamento monótono. B – Se uma viagem longa é cansativa, então um casal que vive junto há muitos anos pode se cansar do relacionamento. E para finalizar, a metáfora é uma representação mental, é cognitiva, existe na mente e atua no pensamento, por isso, é também abstrata. A seguir por necessidade de aprofundamento da análise apresentamos brevemente a teoria da enunciação e as funções enunciativas de acordo com Eni Pulcinelli Orlandi (2008). 60 2.6 ENUNCIAÇÃO De acordo com o Dicionário de Lingüística da Enunciação (2009), o termo enunciação apresenta várias definições, tais como: é o campo heterogêneo do conhecimento em que se articulam língua, fala e sujeito; é a materialização da interação verbal de sujeitos históricos; é o ato do falante de utilizar os meios de expressão comuns a todos os indivíduos de uma comunidade lingüística para expressar suas idéias e sua subjetividade; é a colocação da língua em funcionamento por um ato individual de utilização; é o modo de constituição dos enunciados pelo qual se dá a construção de sentido; é o acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado; é a instância lingüística que permite a passagem da organização virtual do discurso à sua realização; é a atividade pela qual se manifesta a presença codificada do falante naquilo que é falado; e, por fim, pode também designar o acontecimento dotado de significação que ocorre em um local determinado e em um certo momento. O enunciado, por sua vez, é a manifestação particular de uma frase; unidade argumentativa de sentido, composta de um segmento-argumento e um segmento-conclusão; manifestação da enunciação, produzida cada vez que se fala; produto resultante do ato enunciativo, independentemente da dimensão sintagmática e, por fim, é o ato do discurso que é dito em um local e em um momento determinado. Conforme podemos observar nas várias definições de enunciação e enunciado, verificamos que a enunciação é o processo e que o enunciado é o produto. Mas, para que ocorra a enunciação, sempre será necessária a presença de um falante para produzir algum discurso, e, na medida em que esse falante produz seu discurso, o resultado dessa produção é o enunciado, que é o que a pessoa disse e em que momento e para quem essa pessoa disse. Em todos os enunciados sempre haverá o “EU”, o “TU”, o “AQUI” e o “AGORA”. Os dois primeiros dizem respeito às pessoas do discurso; o “AQUI” trata do lugar, indicando a posição que as pessoas do discurso ocupam e o “AGORA” é o tempo em que acontece o discurso. Todo ato de fala tem implicações que decorrem do ato individual de utilização da língua. Toda frase é a fala de determinado usuário da língua e revela um pensamento materializado desse falante, mostrando uma atitude do sujeito, um posicionamento dele durante aquela situação de interação comunicativa, ou seja, durante a enunciação, a qual, vale lembrar, sempre será única. 61 De acordo com Flores (2008, p. 68), a frase, por expressar eu – tu – aqui - agora, é fugaz. Assim que a palavra é tomada por aquele a quem a frase se dirige, a frase se renova: renovando-se a situação enunciativa, a idéia que se apresenta é outra. Assim, a frase é sempre nova e não-repetível. Mesmo que, por sua constituição, a frase pareça ser a mesma, as circunstâncias não são as mesmas, daí a frase ser diferente. A frase ou enunciado é sempre singular, particular, reveladora de quem a expressa e da situação que, na e pela enunciação, se constitui. Conforme verificamos na citação acima, cada pessoa se expressa de uma maneira e constrói seus enunciados de forma particular, a qual ela releva, por meio do ditos, uma determinada situação vivida pelo falante. Dessa forma, fica evidente que o sentido é relativo à enunciação, ao momento da fala. Ainda nas palavras de Flores (2008, p. 72), “o sentido é relativo à atividade do sujeito com a língua. É o sujeito que „organiza‟ as palavras de uma certa maneira, porque há uma idéia que é sua, que diz sua atitude e que diz a situação enunciativa.” Para Eni Orlandi (2008), o discurso é o desmembramento de vários textos e o texto é o desmembramento do sujeito, sendo assim, o sujeito no texto é um sujeito heterogêneo, pois ele pode ocupar várias posições no texto, por exemplo, autor, narrador, interlocutor, enunciador e locutor. O texto sempre revelará o posicionamento do sujeito no discurso, pois o discurso é uma prática e com tal ocorre na interação entre pessoas. Continua a autora (2008, p. 58), “a formação discursiva é, enfim, o lugar da constituição de sentido e identificação do sujeito”. Ainda afirma a autora (2008, p. 58), o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas tiram seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada determina o que pode e deve ser dito. As palavras recebem seu sentido da formação discursiva na qual são produzidas. Da mesma maneira que isso ocorre com o sentido, também ocorre com os indivíduos, que são interpelados em sujeitos falantes, sujeitos de seus discursos pelas formações discursivas que representam as formações ideológicas que lhes correspondem. A palavra recebe seu sentido na relação com as outras na mesma formação discursiva do sujeito falante. Os sentidos das palavras estão diretamente ligados à posição que o sujeito falante ocupa no momento da enunciação como podemos constatar na citação acima. É o posicionamento do usuário da língua que dará o sentido ao que ele quer dizer, ao seu dito, ou seja, é ele quem faz as escolhas lexicais que melhor se enquadrem ao sentido que quer transmitir, já que o usuário da língua utiliza o léxico como fundamento ou 62 âncora dos enunciados, que é o que trata a classe da lexicologia das formulações 2. Para Eni Orlandi (2008), “há uma relação dinâmica entre sujeito e discurso. E o sujeito e autor se relacionam de diversas maneiras.” Diz a pesquisadora (2008, p. 61) podemos pensar as várias funções enunciativas do sujeito falante, como segue, e nessa ordem: locutor, enunciador e autor. Onde o locutor é aquele que se representa como „eu‟ no discurso, o enunciador é a perspectiva que esse „eu‟ constrói, e o autor é a função social que esse „eu‟ assume enquanto produtor da linguagem. O autor é, das dimensões enunciativas do sujeito, a que está mais determinada pela exterioridade (contexto sócio-histórico) e mais afetada pelas exigências de coerência, não-contradição, responsabilidade etc. Em um discurso o enunciador assume algumas perspectivas, ou seja, são os papéis diferentes assumidos pelo sujeito que nada mais é do que o agente no ato de fala, podendo ser considerado o locutor e o alocutário. Para Orlandi (2008, p. 62), o locutor é aquele que se representa como “eu” na enunciação, representando-se, internamente ao discurso, como o responsável pela enunciação realizada: o locutor é uma figura constituída internamente e marcada no texto pelas formas gerais do paradigma do eu. O alocutário é o “tu” do discurso, e o correlato do locutor. Por outro lado, temos o nível da relação entre enunciador e destinatário. O enunciador é a posição do sujeito que estabelece a perspectiva da enunciação. Esta perspectiva pode ser a do próprio locutor; pode ser ao contrário, a do alocutário, e neste caso o locutor constitui um recorte enunciativo como se ele fosse enunciado da perspectiva de seu alocutário. Mas é necessário observar que o locutor pode ocultar-se na impessoalidade representando-se como responsável da enunciação. O corpus deste trabalho são crônicas e seu autor, no papel social de cronista, ao produzir seus textos, assume diversas posições para construir os sentidos desejados para manter a interação com o leitor. Assim, concluímos que seria importante tratarmos brevemente da enunciação, que aborda a questão das relações e posicionamentos entre enunciador, autor e locutor com diferentes papéis sociais. Neste capítulo, foi caracterizada a Linguística Funcional e a Linguística Cognitiva, traçando seu conceito, seus princípios, a metáfora e também a enunciação. 2 De acordo com Turazza (2005, p. 59), “a classe das formulações implica que as lexias gramaticais veiculam as intenções de um locutor, ou seja, o léxico exerce um papel fundamental para a elaboração dos enunciados.” 63 No capítulo seguinte abordamos o Gênero Textual Crônica e fazemos a análise de algumas ocorrências de gramaticalização encontradas no livro “Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas” do escritor Arnaldo Jabor. Não apresentamos todos os casos selecionados devido ao volume de ocorrências de gramaticalização presentes nos textos de Arnaldo Jabor e, ao final do trabalho, trazemos um quadro síntese indicando a quantidade e o tipo de cada ocorrência de gramaticalização encontrado no corpus analisado. 64 CAPÍTULO III ANÁLISE DO CORPUS Na análise, usamos como pilares de sustentação teórica os princípios de gramaticalização propostos por P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) que são: - Princípio da Estratificação; - Princípio da Divergência; - Princípio da Especialização; - Princípio da Persistência; - Princípio da Descategorização e os princípios propostos por Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002) que são: - Princípio da Paradigmatização; Princípio da Sintagmatização e Reanálise; - Princípio da Continuidade e Gradualismo e o Princípio da Unidirecionalidade. Escolhemos esses autores, por acreditarmos que são os que contemplam, de forma mais próxima da situação real de comunicação, as ocorrências de gramaticalização, que estão presentes a todo o momento no processo de interação comunicativa, ou seja, na língua em uso no dia a dia. Outro fator que contribuiu para a escolha desses autores e suas teorias para realizar nossa análise foi o fato de que seus princípios têm uma relação muito próxima com os parâmetros de gramaticalização. O livro “Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas” é composto por 36 crônicas que foram publicadas em jornais. Desse conjunto foram selecionadas 33 crônicas para compor o corpus, pois nelas encontramos exemplos de ocorrências de gramaticalização. Para analisarmos as ocorrências de gramaticalização nas crônicas de Arnaldo Jabor, é importante apresentarmos esse gênero textual. As crônicas são gêneros textuais que muito se aproximam da língua falada. Os textos que concretizam esse gênero geralmente são textos curtos, com linguagem simples e espontânea, relatam fatos do cotidiano e o cronista tenta aproximá-los o máximo possível da língua em uso comum no dia a dia. Quando lemos as crônicas de Jabor às terças-feiras no jornal “O Estado de São Paulo”, no Caderno2, percebemos que ele faz uso de um grande número de ocorrências de gramaticalização, evidenciando a instabilidade da língua e as características próprias da língua em uso. É possível percebemos quais os movimentos que a língua faz no dia a dia por conta da criatividade e das motivações dos usuários em entender e compreender o que as pessoas falam, fazendo com que os outros também entendam e 65 compreendam a mensagem que estão transmitindo, independentemente se estão ou não fazendo uso da norma culta. A crônica brasileira trilhou um longo caminho até finalmente se tornar no texto que conhecemos como crônica. Uma de suas principais características foi registrar fatos cotidianos da realidade social, uma vez que ela sempre priorizou o circunstancial. Desde o período medieval, podemos constatar que os cronistas tinham com função registrar os fatos cotidianos. O primeiro documento que podemos chamar de crônica escrita no Brasil foi a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel. Nela, o autor descreve com entusiasmo as paisagens brasileiras e constatamos que ele fica entusiasmado com tudo o que vê na terra descoberta. Segundo Sá (1985), o relato de Caminha é tão fiel às circunstâncias que os elementos se tornam decisivos para que o texto transforme a pluralidade dos retalhos em uma unidade bastante significativa. A crônica nos dias atuais nada mais é do que uma soma de jornalismo e literatura. As pessoas que leem crônicas, no geral, são pessoas que gostam de ler jornal que é o suporte em que elas são publicadas. Paulo Barreto foi jornalista e um dos precursores da crônica no Brasil. Viveu no final do século XIX e início do século XX e foi quem primeiro percebeu a velocidade da modernização pela qual a cidade do Rio de Janeiro passava, fato que exigia uma transformação de comportamento por parte daqueles que escreviam a história da cidade. Então, diante dessa situação, ele teve a seguinte ideia: ir às ruas para ver o que realmente estava acontecendo e como se davam essas transformações. Ele não ficou parado nas redações à espera de matéria não, mas foi aos bairros em busca de informações. Nesse sentido, subia os morros, frequentava as rodas de malandros do Rio e os lugares refinados também, ou seja, ele teve um contato com as pessoas ricas e com as pessoas menos favorecidas. Construiu uma nova sintaxe com base na sua vivência com as pessoas que tinha um maior grau de instrução e as que tinham um menor grau de instrução, fazendo com que seus colegas de trabalho passassem a pensar de outra forma. A crônica, a partir desse momento, foi escrita sempre pensada na velocidade com que a vida passa, modernizou-se, passou a ser escrita da maneira como as pessoas se comunicavam, com sua sintaxe própria. Podemos notar que a crônica é um gênero textual que se constitui socialmente pela participação dos falantes, ocorrendo processos de variação das suas formas linguísticas, pois, como já foi abordado, a língua não é 66 uma realidade estática e ela muda com a mesma velocidade com que a sociedade se moderniza. Esse foi o motivo pelo qual escolhemos os textos, as crônicas de Arnaldo Jabor. Neste capítulo foram selecionados apenas os trechos das crônicas em que encontramos as ocorrências de gramaticalização. Organizamos os exemplos para a análise em dez blocos, na seqüência de importância morfológica das palavras, assim divididos: substantivos, adjetivos, verbos, advérbios, pronomes, numerais, preposições, conjunções, além de expressões gramaticalizadas e dos casos de discursivização. Os textos na íntegra encontram-se no final do trabalho, nos anexos. Em seguida apresentamos os trechos das crônicas que contêm ocorrências de gramaticalização que serão analisadas seguindo a ordem acima apresentada. 3. 1. ANÁLISE Nos exemplos selecionados das crônicas analisadas, constatamos que o autor usa substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, pronome, numeral, preposição, conjunção, expressões lexicais, além de alguns casos de discursivização, ou seja, ele constrói sentidos diferentes do original para as formas já existentes. A seguir mostramos exemplos de gramaticalização dos substantivos. 3.1.1GRAMATICALIZAÇÃO DOS SUBSTANTIVOS Neste item apresentamos exemplos de substantivos que sofreram o processo de gramaticalização: EXEMPLO 01: - Há um sentimento difuso de que não podemos fazer nada, o que gera o sucesso dos evangélicos tipo Igreja Universal e o perigo de populismos fascistóides. (As Celebridades Fervem No Caldeirão Da Loucura, p. 96) - TIPO: nesse exemplo o autor usa a palavra “TIPO” que, de acordo com os dicionários, é um substantivo que era inicialmente usado com o significado de objeto ou coisa, porém o uso cotidiano, principalmente nas interações comunicativas diárias entre os jovens fez com que essa palavra adquirisse outra função e outro sentido, passando a exercer a função da expressão “por exemplo”. Esse uso está se estendendo também às 67 pessoas que não são mais jovens nas situações de interação comunicativa diária. Sofreu um processo de descategorização, tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002), o Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perdeu sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização. Ainda de acordo com Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que ocorreu também o Princípio da Sintagmatização e Reanálise, pois houve o desenvolvimento de novas estruturas a partir de estruturas antigas, ou seja, é o que chamamos de processo metonímico, operando no eixo paradigmático por analogia, envolvendo implicaturas convencionais e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez essa inovação na estrutura da língua, por meio da interação durante o processo de comunicação, ocorreu gradualmente. Percebemos também que, nesse exemplo, existe um locutor representa que o “eu” na enunciação, ele é o responsável pelo discurso, pois é uma figura constituída, ou seja, marcada internamente no texto, porém, além do locutor representado pelo “eu” do discurso existe também a representação de um locutorenquanto-pessoa, ou seja, é uma pessoa que faz parte do mundo real e que aparece no discurso fazendo com que acreditemos que esse discurso é seu, ou seja, é de sua origem. (ORLANDI 2008, p. 64) EXEMPLO 02: - Sim; a gente ia à floresta e ia cada um com um pau na mão. - Isso, filhinho, a gente ia subindo a pé. - Era um cheiro horroroso e aí não adiantava nem bater nele, a gente gritava. - Aí, quando o gambá saía, zangado, porque estava dormindo e ia atacar a gente, o Albertinho Fortuna pegava um vidro de perfume Coty e tocava nele e aí o gambá gigante ficava cheirosinho e ficava amigo da gente. (Antigamente, Quando Eu Era Pequenino, p. 146) - A GENTE; - DA GENTE: a expressão “a gente” era inicialmente um substantivo feminino, porém o uso cotidiano, nas situações de interação comunicativa, fez com que essa expressão adquirisse outra função e outro sentido, passando a exercer a função de pronome pessoal do caso reto, equivalente à 1ª pessoa do plural “nós”. Sofreu um processo de descategorização, tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002), o Princípio da Estratificação, pelo qual novas formas surgem num domínio funcional amplo, ou seja, quando uma forma se gramaticaliza, ela passa a 68 coexistir com formas similares. Além desse princípio, verifica-se também a presença do Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perde sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização. Ainda de acordo com Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que ocorreu também o Princípio da Sintagmatização e Reanálise, pois houve o desenvolvimento de novas estruturas a partir de estruturas antigas, ou seja, é o que chamamos de processo metonímico, operando no eixo paradigmático por analogia, envolvendo implicaturas convencionais e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez que a língua passou por inovação em sua estrutura por meio da interação durante o processo de comunicação, a qual ocorreu gradualmente. Esse processo trouxe modificações no paradigma pronominal que passa a ser assim constituído: eu, tu, ele/ela, nós / a gente, eles/elas. Não incluímos a 2ª pessoa do plural, porque ela está fora de uso, como já mostrava Mattoso Câmara (2006, p. 105), considerando as 6 pessoas gramaticais, não levamos em conta que a 5ª, ou 2ª do plural, é de um rendimento mínimo, pois está circunscrita a certos registros especiais da língua escrita. Também nos abstraímos da circunstância de que a 2ª pessoa só esporadicamente aparece na fala coloquial culta da área do Rio de Janeiro. No dialeto geográfico e social, que é a base deste livro, o ouvinte, no singular e plural, como sujeito, leva o verbo para a 3ª e a 6ª pessoa respectivamente. Em vez dos pronomes de 2ª e 5ª pessoa gramatical, usam-se, conforme os graus de intimidade ou distanciamento social, para sujeito, os nomes você(s) e (o, a) (s) * senhor e (a) (s) com o verbo morficamente na 3ª ou na 6ª pessoa, segundo se trate de um ouvinte apenas ou mais de um. Percebemos nesses exemplos, além da presença do enunciador, que não é uma pessoa que pertence ao mundo real, a presença de um locutor-enquanto-pessoa representado por uma pessoa do mundo real na enunciação. Nos exemplos 02 acima, constatamos que a expressão “A GENTE” que exercia a função de substantivo feminino passou a exercer a função de pronome pessoal do caso reto “NÓS”, alterando, portanto, a estrutura gramatical da Língua Portuguesa. A seguir mostramos exemplos de gramaticalização de adjetivo. 69 3.1.2 GRAMATICALIZAÇÃO DOS ADJETIVOS Neste item apresentamos alguns exemplos de adjetivos que sofreram o processo de gramaticalização: - Escrevendo agora, percebo que aquela sensação de profundo “sentido” que tive aos seis anos pode ter marcado minha maneira de ser e de amar pelos tempos que viriam. Senti a presença de algo belíssimo e inapreensível que, hoje, velho de guerra, arrisco dizer que talvez seja essa a marca do amor: ser impossível. Calma, pessoal, claro que o amor existe. (Um Rosto Inequecível, p. 11) - A mulher pensa por metáforas. O homem pensa por metonímias. Entenderam? Claro que não. Digo melhor, a mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico misterioso, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim. (O Mundo Hoje é Travesti, p. 16) - Uma vez, já mais tarde, eu namorava uma moça lindíssima e virgem (claro) mas burrinha. Reclamei com ele. Resposta: “Ah, é burrinha? Você quer inteligência? Então vai namorar o Santiago Dantas!” (Meu Avô Foi Um Belo Retrato Do Malandro Carioca, p. 25) - Que diriam os vagabundos mirins que assolavam as ruas do Rocha, se me vissem rodando nas rodinhas femininas? Claro que berrariam: “Viado! Viado!” – supremo xingamento da época, terrível pecha que poderia destruir a reputação de qualquer um de nós. (Nunca Acreditei Em Papai Noel, p. 100) - Nós é que somos extensões das coisas. Fulano é a extensão de um banco, sicrano comporta-se como um celular, beltrana rebola feito um liquidificador. Assim como a mulher deseja ser um objeto de consumo, como um eletrodomético, um “avião”, uma máquina peituda, bunduda. Claro que as mulheres lindas nos despertam fantasias sacanas mas, em seguida, pensamos: “E depois? Vou ter de conversar...e aí?” Como conversar com um “avião” maravilhoso, mas idiota? (Aliás, dizem que uma das vantagens do Viagra é que, esperando o efeito, os homens conversam com as mulheres 70 sobre tudo, até topam “discutir a relação”.) (A Felicidade é a Empada do “Bigode”, p. 190) - CLARO: de acordo com os dicionários a palavra “claro” é um adjetivo, significando que há luz, claridade, mas percebemos que, nos exemplos acima, o autor atribuí uma nova função ao adjetivo, que expressa um novo valor semântico, o de modalização de certeza, pois mostra o conhecimento ou opinião do falante. Tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perde sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização, o que não significa anular completamente seu sentido, mas perder parte de sua autonomia, por se tornar um advérbio assertivo, vindo a obter outro sentido, indicando a atitude do falante ao marcar que o fato enunciado é digno de crédito.O processo cognitivo que fundamentou a agramaticalização neste caso foi a metonímia, dado que a mudança que a forma lingüística sofreu foi em função do contexto lingüístico e pragmático (MARTELOTTA et alii, 1996), sendo essa alteração resultado da reanálise, cujo fundamento é a metonímia. Segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que, nestas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, uma vez que a reanálise é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez que a língua passou por inovação em sua estrutura por meio da interação durante o processo de comunicação, a qual ocorreu gradualmente. Essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada. Percebemos também que nesses exemplos existe um locutor que representa o “eu” na enunciação, é o responsável pelo discurso, pois, é uma figura constituída, porque marcada internamente no texto e há também a representação de um locutorenquanto-pessoa, representado pela pessoa do mundo que se apresenta no discurso aparece no discurso como sendo sua origem. (ORLANDI 2008, p. 64) Esses exemplos mostram o caráter dinâmico e o movimento que acontece constantemente na língua em uso no dia a dia. O adjetivo “claro”, nesses casos, perdeu seu caráter de adjetivo e passou a ter a função de modalizador, inserindo-se na classe dos advérbios, o que nos remete à gramática emergente da língua, passando por um processo de gramaticalização. Assim, a palavra perde o valor semântico de caracterizador e passa a indicar o ponto de vista do locutor no momento da enunciação 71 de seu pensamento. Esse tipo de função modalizadora do adjetivo não é abordada pela gramática normativa, sendo tratada somente na gramática de usos, embora esse fenômeno seja frequente nas trocas comunicativas. Arnaldo Jabor em seus textos, ou melhor, em suas crônicas consegue mostrar o caráter dinâmico e o movimento que acontece constantemente na língua em uso no dia a dia, ou seja, ele consegue atribuir um novo sentido a uma forma já existente, mostrando dessa maneira o conhecimento do usuário da língua. Nesses exemplos podemos constatar que existe uma negociação do sentido pelo falante e ouvinte no ato da comunicação, pois, fica explícita a liberdade organizacional do falante, porque ele é o responsável pelo processamento das estruturas regulares, de uso comum no dia a dia e é ele que faz as escolhas que levam a construção de sentidos e a efeitos pragmáticos nas interações comunicativas. A seguir mostramos exemplos de gramaticalização dos verbos. 3.1.3 GRAMATICALIZAÇÃO DOS VERBOS Neste item apresentamos exemplos de verbos que sofreram o processo de gramaticalização: - A música veio mesmo a calhar, pois ando com uma fome de arte, ando com saudades da beleza, ando com saudades de tudo... Ando meio desesperançado. (Um Rosto Inesquecível, p. 09) - ANDAR: indica uma ação, mas, ao lermos os exemplos acima, constatamos que o autor emprega o verbo andar expressando outros sentidos nas construções linguísticas, não indicando, portanto, o deslocamento no espaço, mas mostrando o estado de espírito em que se encontra o locutor. Assim, ele perde seu caráter de verbo de ação e passa a funcionar como verbo de ligação com o valor semântico de estado. - É terrível quando a mulher cessa de te amar. Você vira um corpo sem órgãos, você vira também uma mulher abandonada. (O Mundo Hoje É Travesti, p. 16) - VIRAR: indica uma ação e significa colocar-se em direção ou posição oposta à anterior. No exemplo, o autor usa o verbo virar com o sentido de transformar-se totalmente, mostrando uma mudança radical e não simplesmente a alteração de posição 72 de um objeto ou pessoa, refletindo o estado de espírito do locutor no momento da enunciação. Assim, ele perde seu caráter de ação e passa a funcionar como verbo de ligação com o valor semântico de estado. - O homem quando conquista, acha que não tem mais de se esforçar e aí, dança. (O Mundo Hoje É Travesti, p. 17) - DANÇAR: é um verbo de ação, significando movimentar o corpo seguindo um ritmo. Nos dias atuais é muito comum ouvir alguém dizendo que outra pessoa dançou, ou seja, não conseguiu o que queria, fracassou, portanto as pessoas usam o verbo dançar com o sentido de insucesso. Logo, esse dançar é figurado e a “ação” realizada pelo locutor é de ordem intelectual. - Nos meus 20 anos, meu ídolo era o James Bond, bonito, corajoso, entendendo de vinhos e de aviões supersônicos, comendo todo mundo, de smoking. Mundano? Sim, mas mesmo o Bond se esforçava, pois tinha a missão de salvar o ocidente. Era um trabalhador que merecia as louras que papava. (Nosso Macho Feliz É Casado Consigo Mesmo, p. 20) - COMER: este verbo de ação, no sentido literal, indica ingerir alimentos. No exemplo, o autor não o emprega com o sentido de pôr alimento na boca, mastigar e em seguida engolir, mas, sim, de praticar o ato sexual, tendo, portanto, um valor metafórico. O mesmo sentido é atribuído ao verbo papar que também não é usado com o sentido de ingerir ou comer alimentos, como usualmente ocorre na fala infantil. Esse deslocamento do sentido dos verbos revela o ponto de vista do enunciador sobre a personagem James Bond, herói de filmes de aventura, como o garanhão que tinha grande sucesso com as mulheres. - Meu homem feliz intui confusamente que a aventura da verdadeira solidão é apavorante. Daí, ele evita que qualquer profundidade existencial possa pintar, que a ideia de morte e finitude apareça à sua frente, senão sua “liberdade” ficaria insuportável. (Nosso Macho Feliz É Casado Consigo Mesmo, p. 22) 73 - PINTAR: indica uma ação e significa representar figuras com traços e tintas, colorir, mas tem sido muito utilizado com outro sentido informal de acontecer ou ocorrer. O autor utiliza-o com o sentido mostrando uma mudança em seu valor semântico refletindo alguma coisa que possa acontecer para o locutor no momento da enunciação. Assim, ele perde seu caráter de “ação” e passa a funcionar como verbo de ligação com o outro valor semântico de acontecimento, surgimento de algo para o locutor. - Confesso, Juliana, com todo o respeito, que imaginei cenas eróticas comigo mesmo, com outros e nada senti... Pensei: “Estou decadente, ou as uvas estão verdes...” Mas, não, não era isso. Bateu-me mesmo uma certa tristeza. (Meditações Diante do Bumbum de Juliana, p. 30) - BATER: indica uma ação que significa dar pancadas ou golpes em algo ou alguém. No exemplo, o autor utiliza o verbo bater com o sentido de surgir em sua consciência de forma repentina, não indicando, portanto, aplicar golpes em alguém, mas mostrando o estado de espírito em que se encontra o locutor. Assim, ele perde seu caráter de verbo de ação e passa a funcionar como verbo de estado, com o valor semântico de entristecerse ou tornar-se triste. - E agora tem outro rolando, chamado “Faz parte”, onde o falso “eu” humilha aquele rapaz que ganhou o Big Brother. (O Chato É Antes De Tudo Um Forte, p. 44) - ROLAR: é um verbo de ação, significa fazer girar, rodar, mas nas conversas diárias é comum ouvirmos as pessoas utilizando esse verbo com o sentido informal de acontecer, ocorrer, realizar-se que é o sentido utilizado pelo autor e que faz parte do uso comum no dia a dia. Logo, esse rolar é figurado e a “ação” realizada pelo locutor é de ordem intelectual. - Eu sou do tempo em que as namoradas não davam. (O Amor Nos Anos 60, p. 67) - DAR: é um verbo de ação que significa entregar, presentear, colocar à disposição, mas o autor o emprega com o sentido de entregar-se sexualmente, tendo, portanto, um valor 74 metafórico. Esse deslocamento do sentido do verbo revela o ponto de vista do enunciador em relação à prática sexual que hoje acontece descompromissadamente. - Namorávamos em qualquer buraco: terrenos baldios, cantos da praia da noite; eu confesso que já “amassei” uma namorada dentro de uma grossa manilha encalhada na praia de Ipanema. (O Amor Nos Anos 60, p. 68) - AMASSAR: este verbo de ação, no sentido literal, significa transformar em massa, dar pancadas, bater, achatar por pressão ou esmagamento, encher de dobras, rugas, amarrotar. Mas o autor utiliza-o com o sentido de ligar-se a alguém intimamente por meio de atos voluptosos, ou seja, bolinar, com valor metafórico. Esse deslocamento do sentido do verbo revela a concepção que o enunciador tem do ato sexual. - Um comuna amigo meu traçou um funcionária do Consulado americano, a quem ele obrigava a chamá-lo de Fidel Castro (esse nome já foi até ministro...) (O Amor Nos Anos 60, p. 70) - TRAÇAR: este verbo ação, no sentido literal, significa descrever, desenhar, representar por traços, projetar, planejar. No exemplo, o autor não o emprega com nenhum desses sentidos, mas, sim, com o de praticar o ato sexual (copular), tendo, portanto, um valor metafórico. Esse deslocamento do sentido do verbo revela um ponto de vista depreciativo do enunciador quanto às relações sexuais. - Estamos todos gozando sem fruição, um gozo sem prazer, quantitativo. Antes, tínhamos passado e futuro; agora tudo é um “enorme presente”, na expressão de Norman Mailer. E esse “enorme presente” nos faz boiar no tempo parado, mas incessante, num futuro que “não pára de não chegar”. Antes tínhamos os filmes em preteo-e-branco, fora de foco, as fotos amareladas, que nos davam a sensação de que o passado era precário e o futuro seria luminoso. (Nossos Dias Melhores Nunca Virão?, p. 74) - BOIAR: esse verbo de ação significa flutuar no líquido prendendo-se ou não em uma bóia, pode inclusive ser usado com o sentido informal de não entender nada ou de não perceber algo, que é o sentido que o autor atribui ao verbo boiar no exemplo, ou seja, o 75 autor emprega o verbo com valor metafórico, refletindo o estado em que do locutor encontra-se no momento da enunciação. - ... vi a precariedade de minha pobre família da classe média, tentando exibir uma felicidade familiar que até existia, mas precária, constrangida; e eu ali, menino cumprido feito um bambu no vento, já denotando a insegurança que até hoje me alarma. (Nossos Dias Melhores Nunca Virão?, p. 75) - FEITO: é o particípio passado do verbo de ação fazer, mas o cronista usa-o com o sentido de comparação. Logo passa a funcionar como conjunção comparativa, com o valor de “como”. Nessa ocorrência, temos a passagem de um elemento lexical que se torna gramatical, sofrendo, portanto, a descategorização. - Meus amiguinhos lutavam contra essa desilusão, mais ou menos como hoje os velhos comunas não desistem do socialismo e vivem acusando o Lula de ter ficado “neoliberal”. (Nunca Acreditei Em Papai Noel, p. 100) - LUTAR: é um verbo de ação, significando combater, pelejar, brigar e também despender forças para atingir um certo objetivo como ocorre no texto sob análise. As crianças buscavam superar uma experiência desagradável. Logo, esse lutar é figurado e a “ação” realizada pelo locutor é de ordem intelectual. - Inventaram uma figura tropical que nunca colou: O Vovô Índio. (Nunca Acreditei Em Papai Noel, p. 101) - COLAR: é um verbo de ação que significa grudar com cola, copiar de outro. Nessa passagem, o autor usa o verbo colar com o sentido de aceitar. É usado no sentido metafórico. Logo, esse colar é figurado e a “ação” realizada pelo locutor é de ordem intelectual. - Meu avô, malandro e macho, pegou a bengala e cobriu-os de porrada. (A Casa De Minha Mãe Nunca Ficou Pronta, p. 106) 76 - COBRIR: é um verbo de ação que significa encobrir alguma coisa, alguém ou a si mesmo, mas, ao lermos o exemplo acima, constatamos que o autor emprega o verbo cobrir ligado à palavra „porrada‟, expressando outro sentido nessa construção linguística, e indicando, surrar ou bater com muita intensidade usando algum objeto. Assim, o locutor, no momento da enunciação, discute e dá uma surra com a bengala em outra pessoa. Assim, o verbo cobrir ganha outro valor semântico, qual seja, o de bater intensa e fortemente em alguém com um objeto. A escolha dessa expressão, por parte do locutor, reforça a macheza da personagem. - Quando peguei coqueluche, ele me levou num avião bimotor a quatro mil metros de altura. (Meu Pai Foi Um Mistério Em Minha Vida, p. 121) - PEGAR: é um verbo de ação que verbo significa segurar, agarrar, prender, mas o autor faz uso do verbo pegar com o sentido de contrair, não indicando, portanto, pegar, segurar ou agarrar alguma coisa, mostrando uma ação realizada pelo locutor de maneira abstrata, ou seja, com sentido metafórico. Assim, ele perde seu caráter de verbo de ação e passa a funcionar como verbo de estado com o valor semântico de contrair uma doença. - Queriam-me diplomata? Ah... hoje eu poderia ser um pobre itamarateca alcoólatra... Fui ser nada, maluco, comuna da UNE; depois, por acaso, acabei cineasta... - Um dia, nasceu-me a primeira filha. Foi um momento de vida e luz mas, logo depois, meu pai caiu doente, com uma enigmática infecção pulmonar, que não passava. (Meu Pai Foi Um Mistério Em Minha Vida, p. 123) - ACABAR: é um verbo de ação que indica chegar ao fim, terminar. Constatamos que o autor emprega o verbo acabar expressando outro sentido nessa construção linguística, não indicando, portanto, o termino de alguma coisa, mas significando tornar-se. Assim, ele perde seu caráter de verbo de ação e passa a funcionar como verbo de ligação com o valor semântico de estado. - CAIR: é um verbo de ação uma ação, que significa ir de cima para baixo, ir ao chão. No texto, porém, constatamos que o autor emprega esse verbo não mais indicando, essa ação mas, com o sentido de ficar. Assim, ele perde seu caráter de verbo de ação e passa a funcionar como verbo de ligação com o valor semântico de estado. 77 - “Antigamente, quando eu era pequenino...” – com essa frase mágica eu corto qualquer choro de meu filhinho. (Antigamente, Quando Eu Era Pequenino, p. 145) - CORTAR: é um verbo de ação que significa separar, dividir. Porém, o locutor usou o com o sentido de interromper, parar ou cessar. Foi empregado com sentido metafórico. Logo, esse cortar é figurado e a “ação” realizada pelo locutor é de ordem intelectual. - De repente, explode uma briga no fundo. (Vamos Beber No Passado Para Esquecer O Presente, p. 157) - EXPLODE: é um verbo que significa causar explosão, detonar, estourar, portanto é um verbo de ação. No texto, foi usado com o sentido de começar, iniciar uma manifestação súbita, ou seja, a briga começou repentinamente. Logo, esse explodir é figurado e o locutor utilizou-o para mostrar que a briga “estourou” subitamente. - O travesti nu em Copacabana desafia todos os pudores. Quem está nu ali na esquina, o homem ou a mulher nele? Ninguém está nu, pois ele viaja na identidade e se disfarça o tempo todo; por isso, pode ficar nu na rua – ele não é ninguém, ele não aspira a um “eu” fechado, ele é um “eu” contemporâneo, ele é descentrado, movente, ele é “sujeito” moderno. (O Travesti Está Na Terceira Margem Do Rio, p. 172) - VIAJAR: este é um verbo de ação que significa fazer uma viagem, transitar por um caminho, mas o autor o emprega com o sentido sofrer alucinações, tendo, portanto, um valor metafórico, não indicando, portanto, o deslocamento no espaço, mas mostrando que a personagem pode transitar entre dois lados o do homem e o da mulher, ou seja, ora ele esta de um lado, ora está do outro lado. Assim, ele não perde seu caráter de verbo de ação, mas ele adquire novo valor semântico. Esse deslocamento do sentido do verbo revela o ponto de vista do enunciador. - Aproxima-se a hora da liberdade, a hora em que vou quebrar todos os recordes e pular para outra vida. (O Grande Sucesso Do Herói Sem Coração, p. 174) 78 - QUEBRAR: é um verbo que significa fragmentar, despedaçar, romper, portanto é um verbo de ação. Mas, no texto, foi usado com o sentido de superar, ultrapassar. É usado com sentido metafórico. Logo, esse quebrar é figurado e a “ação” realizada pelo locutor mostra sua determinação em realizar algo. - Osama e seus asseclas não “esquentam”; têm o rosto suave e frio dos loucos sem dúvida. (Um Asteróide De Deus Caiu Sobre O Ocidente, p. 185) - ESQUENTAR: esse verbo significa aumentar ou fazer aumentar o calor. Mas constatamos que o autor emprega o verbo esquentar expressando estar preocupado ou angustiado com alguma coisa, não indicando, portanto, o aumento de calor, mas mostrando o estado de espírito em que se encontram as pessoas a quem o locutor faz referência. Assim, ele perde seu valor semântico de aumentar o calor e passar a significar não se preocupar. - Osama fraturou a globalização. Interrompeu um eufórico processo de uniformização. (Um Asteróide De Deus Caiu Sobre O Ocidente, p. 188) - FRATURAR: é um verbo que significa partir, produzir rachadura, portanto é um verbo de ação, mas, no texto, foi empregado com o sentido de produzir uma rachadura na globalização. Foi usado em sentido metafórico, uma vez que essa expressão indica a forma figurativa de se referir ao abalo causado pelo presidente americano. Nas ocorrências analisadas, verificamos que os verbos sofrem constantes mudanças em suas funções e em seus sentidos originais, ou seja, constatamos que alguns verbos plenos assumem a função de conjunção, de verbos de ligação ou de verbos auxiliares e essa inovação de funções e produção de sentidos constantes se dá na língua em uso no dia a dia na interação comunicativa. Por exemplo, a forma verbal feito é o particípio passado do verbo fazer, mas, no caso analisado desempenha a função de conjunção comparativa, com o valor de “como”, tendo sofrido portanto, o processo de gramaticalização. De acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002), o Princípio da descategorização está presente nessa mudança, ou seja, a palavra perdeu sua categoria original, passando do nível lexical para o gramatical. Com base em Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirmar que, também o Princípio da 79 sintagmatização e reanálise está presente, pois o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpreta os elementos que o compõem e essa reorganização estrutural do enunciado implicou uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez que a língua passou por inovação em sua estrutura por meio da interação durante o processo de comunicação, a qual ocorreu gradualmente. Nos exemplos em que aparecem os verbos de ação: andar, virar, dançar, pintar, bater, boiar, acabar, cair, viajar e esquentar verificamos que tornaram-se verbos de ligação. Assim, eles perderam seus valores semânticos originais e passaram a indicar outros valores semânticos, conforme verificamos em nossa análise. Tendo ocorrido, portanto, em todos os exemplos de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da descategorização, ou seja, a palavra perde sua autonomia, por conta do processo de gramaticalização, no caso dos verbos podemos dizer que eles perderam sua autonomia, vindo a obter outros sentidos além do seu sentido original. Segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que, nestas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, pois a reanálise é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e o Princípio da Continuidade e do Gradualismo, pois a gramaticalização inovou a estrutura das línguas durante o processo de comunicação na interação entre os usuários. E por fim, nos exemplos em que o autor faz uso dos verbos: fraturar, cortar, explodir, comer, dar, rolar, amassar, quebrar, traçar, lutar, colar, cobrir e pegar, constatamos que o autor utiliza-os com o sentido metafórico, com o sentido que é comum ouvirmos em conversas informais, portanto podemos dizer que são verbos que indicam uma ação figurada realizada pelo locutor. Tendo ocorrido, portanto, em todos os exemplos de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da descategorização, ou seja, a palavra perde autonomia, por conta do processo de gramaticalização, no caso dos verbos podemos dizer que eles perderam sua autonomia, vindo a obter outros sentidos além do seu sentido original e o Princípio da Persistência, pois, quando uma forma se gramaticaliza, alguns traços do significado lexical original aderem à nova forma gramatical, ou seja, há a permanência de vestígios do significado lexical original. Segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma 80 que, nestas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, pois a reanálise é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e o Princípio da Continuidade e do Gradualismo, pois a gramaticalização inovou a estrutura das línguas durante o processo de comunicação na interação entre os usuários. O autor, conhecedor do funcionamento da língua para mostrar todas essas transformações faz o seguinte movimento: transfere-se da sua posição, da sua condição de conhecedor da norma padrão da língua, logo, assume-se como um enunciador não letrado, projeta como é que ela é nos meios em que as pessoas não têm domínio da norma padrão e, por fim, apresenta-se como um locutor, que tem um comportamento semelhante às pessoas que não têm o domínio da norma padrão da língua. Fazendo esse movimento, o autor consegue mostrar nos textos escritos todas as mudanças existentes na língua em uso comum no dia a dia, todas as transformações pelas quais a língua está passando, utilizando formas lingüísticas que circulam em sociedade. Percebemos também que nesses exemplos existe um locutor que representa o “eu” na enunciação, é o responsável pelo discurso, ou seja, é uma figura constituída marcada internamente no texto e há também a representação de um locutor-enquantopessoa, representado pela pessoa do mundo que se apresenta no discurso como sendo sua origem. A seguir mostramos exemplos de gramaticalização dos advérbios. 3.1.4 GRAMATICALIZAÇÃO DOS ADVÉRBIOS Neste item apresentamos alguns exemplos de advérbios que sofreram o processo de gramaticalização: EXEMPLO 01: - Hoje há os corpos malhados, excessivamente nus, montanhas de bundas competindo em falsa liberdade, pois ninguém tem tanto tesão assim, ninguém é tão livre assim. (De Camisa Amarela, Volto Aos Grandes Carnavais, p. 60) 81 - ASSIM: de acordo com as gramáticas é um advérbio que significa desse, deste ou daquele modo. De acordo com o dicionário Houaiss, esse item lexical pode ser uma conjunção e também funcionar como um marcador discursivo indicando a retomada de palavra por um dos participantes da interação comunicativa, mas, da maneira como está sendo usado no exemplo, tem valor anafórico, pois o elemento faz alusão a um fato mencionado anteriormente no texto. Ocorreu, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perdeu sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização, adquirindo, dessa forma, um outro sentido, o que não significa dizer que ela perdeu ou anulou completamente seu sentido, mas perdeu sua autonomia, vindo a obter outro sentido além do original. Segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que, nessas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, que é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem e essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada. Também o Princípio da Continuidade e do Gradualismo está presente, pois a gramaticalização inovou, gradualmente, a estrutura das línguas durante o processo de comunicação na interação entre os usuários. EXEMPLO 02: - Mas, você pode me perguntar, ingênuo sessentista, por que, então, eles não mudam o mundo? Bem, primeiro eles não são burros e sabem que a sociedade hoje, com sua delirante complicação, não se presta a oposições simplistas ou otimistas fáceis. (Onde Estão Os Hippies, Agora Que Precisamos Deles, p. 90) - BEM: do ponto de vista gramatical “bem” é advérbio de modo; porém, de acordo com a visão funcionalista, essa palavra pode marcar o início de uma conversa, passando a desenvolver a função de marcador discursivo, servindo para organizar as informações e estabelecer a interação entre os falantes. Isso quer dizer que ela deixou de exercer a função de advérbio de modo e passando a exercer a função de marcador discursivo. O autor usa o bem para indicar que iniciará o discurso a partir daquele ponto. Nesse caso, a expressão indica que o falante vai retomar a fala e está indicando isso ao seu interlocutor, é uma marca de sua discursivização e não mais de um advérbio de modo, conforme podemos verificar no exemplo. Seu percurso de discursivização mostra que 82 “bem” passou de advérbio (nível lexical) a marcador discursivo (nível do discurso). Tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perdeu sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização, adquirindo dessa forma uma outra função e um outro sentido, e perdeu sua autonomia, vindo a obter outros sentidos além do seu sentido original. Segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que, nessas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, pois a reanálise é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem e essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e ocorreu também o Princípio da Continuidade e do Gradualismo, pois a discursivização inovou a estrutura da língua os processos comunicativos na interação entre os usuários, ao longo do tempo. EXEMPLO 03: - Era um cheiro horroroso e aí não adiantava nem bater nele, a gente gritava. - Aí, quando o gambá saía, zangado, porque estava dormindo e ia atacar a gente, o Albertinho Fortuna pegava um vidro de perfume Coty e tocava nele e aí o gambá gigante ficava cheirosinho e ficava amigo da gente... E pronto... E aí, todo mundo ia dormir feito você, agora. (Antigamente, Quando Eu Era Pequenino, p. 146) - AÍ: gramaticalmente, o item lexical “aí” é um advérbio que indica um lugar, próximo ao ouvinte, lugar ao qual se faz referência, tendo, portanto um valor dêitico espacial. De acordo com a perspectiva funcionalista, as ocorrências de “aí” no exemplo acima tem um valor sequencial, funcionando como conectivos no início das orações, tendo, portanto, a função de dar sequência a acontecimentos passados. Nesse caso, a expressão tem um valor temporal, marca de sua gramaticalização e não mais de um advérbio de lugar, conforme podemos verificar no exemplo 04. Seu percurso de gramaticalização mostra que “aí” passou de advérbio (nível lexical) a conjunção (nível gramatical, tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002), o Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perdeu sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização, adquirindo dessa forma uma outra função e um outro sentido, e perdeu sua autonomia, vindo a obter outros sentidos além do seu sentido original. Com base em Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma 83 que, nessas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, pois a reanálise é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem e essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e ocorreu também o Princípio da Continuidade e do Gradualismo, pois a gramaticalização inovou a estrutura da língua em processos de comunicação na interação entre os usuários, de forma gradual. Esses exemplos retirados do livro do Arnaldo Jabor mostram-nos que os advérbios estão sujeitos a mudanças linguísticas determinadas pelas escolhas que o falante faz durante a fala, ou seja, o usuário da língua durante o processo de interação comunicativa negocia o sentido com o ouvinte e tende sempre a usar expressões novas. Esse fato acontece porque existe o falante que tem liberdade na construção de seus enunciados, porque é ele quem faz escolhas que levam a resultados de sentidos e a efeitos pragmáticos. Da mesma forma que é o falante que faz suas escolhas e com elas contrói sentidos, não podemos deixar de dizer que ao fazer determinadas escolhas que melhor se encaixem na interação comunicativa, o falante o reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem para alcançar o sentidos desejado, afim de que seu interlocutor o compreenda. Podemos destacar que nesses exemplos existe um locutor que representa o “eu” na enunciação, é o responsável pelo discurso, pois, é uma figura constituída, porque marcada internamente no texto e há também a representação de um locutor-enquanto-pessoa, representado pela pessoa do mundo que se apresenta no discurso aparece no discurso como sendo sua origem. (ORLANDI 2008, p. 64) A reorganização estrutural do enunciado que caracteriza o fenômeno da reanálise pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada. Ao optar por determinadas mudanças, o falante vai criando novas funções para formas já existentes e novas formas para funções já existentes, é a noção de gramática emergente, mostrando que o sistema linguístico está em constante transformação. De acordo com Saussure (apud MARTELOTTA 2011, p. 16), “É na fala que se acha o germe de todas as modificações: cada uma delas é lançada a princípio por um certo número de indivíduos antes de entrar em uso”. A seguir mostramos exemplos de gramaticalização dos pronomes. 84 3.1.5 GRAMATICALIZAÇÃO DOS PRONOMES Neste item apresentamos exemplos de pronomes que sofreram o processo de gramaticalização: EXEMPLO 01: - Isso mesmo: a canção me trouxe uma cena, que há mais de 50 anos, me volta sempre. (Um Rosto Inesquecível, p. 10) EXEMPLO 02: - Isso: felicidade e medo, a sensação de tocar por instantes um mistério sempre movente, como um fotograma que pára por um instante e logo se move na continuação do filme. Sempre senti isso em cada visão de mulheres que amei: um rosto se erguendo no meio da praia, uma mulher fingindo não me ver, mas vendo-me de costas num escritório do Rio. (Um Rosto Inesquecível, p. 12) EXEMPLO 03: - Meu homem feliz pode ter todas as mulheres, mas é casado consigo mesmo. Não pensem que estou criticando isso; estou com inveja desta leveza de ser, dessa ligeireza. (Nosso Macho Feliz É Casado Consigo Mesmo, p. 20) EXEMPLO 04: - “NATAL, NATAL – bimbalham os sinos!” Sempre tive vontade de começar um artigo assim. - Eu acho que isso se deve ao hábito de meu pai cultivava de forjar uma carta que Papai Noel me enviava junto com os presentes. (Nunca Acreditei Em Papai Noel, p. 99) - ISSO: gramaticalmente, a unidade lingüística “ISSO” é um pronome demonstrativo indicando algo e substituindo o nome de alguma coisa, mas, da maneira como o autor a usa nos textos, podemos verificar que, além de substituir alguma coisa, ele pode também fazer referência a algum assunto mencionado anteriormente no texto ou indicar que um assunto novo será introduzido. Portanto, ele pode ter sentido anafórico ou catafórico. Temos nos exemplos 02, 03 e 04 “ISSO” com valor anafórico, ou seja, ele 85 faz referência ao assunto mencionado anteriormente no texto, sendo assim, ele chama a atenção do leitor para o que já foi dito. Nos exemplos 01 e 02, temos “ISSO” com valor catafórico, ou seja, ele introduz informações novas no texto. Tendo ocorrido, portanto, em todos os exemplos de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da Descategorização, ou seja, a palavra perde sua categoria e autonomia, por conta do processo de gramaticalização, adquirindo um outro sentido, valor anafórico ou catafórico e uma nova função, como operador argumentativo, tendo posição mais fixa nos enunciados e o papel de organizar internamente o uso da língua, indicando a orientação argumentativa do discurso. Essa mudança não significa dizer que ela deixou ou anulou completamente seu sentido, mas perdeu sua autonomia, vindo a obter outros sentidos além do seu sentido original. Nesse caso, ainda segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirmar que aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, pois esta última é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, fenômeno ligado ao processo cognitivo metonímico. Essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada, além de apontar também para o Princípio da Continuidade e do Gradualismo, pois a gramaticalização inovou a estrutura da língua nas trocas comunicativas interativas, em um processo que não foi instantâneo. A seguir abordamos a gramaticalização dos numerais. 3.1.6 GRAMATICALIZAÇÃO DOS NUMERAIS Neste item apresentamos exemplos de numerais que sofreram o processo de gramaticalização: - Uma bola de borracha voou em minha direção e bateu em meu peito. Olhei e vi uma menina morena, de tranças, com olhos negros, bem perto, me pedindo a bola e, nesse segundo, eu me apaixonei. (Um Rosto Inesquecível, p. 10) - Nunca integrei o primeiro time de nada no colégio de padres, nunca recebi uma taça, nunca arranquei poeira do chão com chuteiras masculinas e ferozes que rangiam em disputadas partidas, nunca conheci a alegria dos aplausos suados, descabelados, nas manhãs dos padres jesuítas. (Pelé Eterno Me Trouxe A Infância De Volta, p. 49) 86 - Sessenta e quatro criou um abismo, um vazio, e nos tirou a esperança de que ia surgir uma sociedade original, mesmo num futuro nevoento cheio de urubus. (Antigamente, Quando Eu Era Pequenino, p. 148) - Ninguém vai nos julgar mais. Esses intelectuais de quinta querem que eu deixe as maiores reservas de petróleo do mundo com o Saddam? (Espelho Meu, Quem É O Imperador Do Mundo?, p. 161) Os exemplos de numerais que encontramos nos textos são os seguintes: Segundo; - Primeiro; - Sessenta e quatro; - Intelectuais de quinta. Gramaticalmente, os numerais indicam quantidade, ordem de elementos, fração de uma unidade e a multiplicação de uma unidade, mas o autor utiliza os numerais com outro sentido. Nos exemplos apresentados, segundo indica o momento em que um fato ocorre, exercendo, portanto, a função de substantivo; primeiro mostra o time que é o melhor em qualidade, indicando qualidade no papel de adjetivo; sessenta e quatro representa o ano em que houve, no Brasil a Revolução que implantou a ditadura e não uma ordem dos elementos, logo funcionando como substantivo, tendo a função de nomear um fato da realidade e, por fim, quinta que significa a má qualidade de alguns intelectuais que não conseguem desempenhar de forma competente uma atividade, perdendo, assim, seu papel de numeral e passando a exercer a função de adjetivo, atribuindo qualidades a um ser. Constatamos com esses exemplos que os numerais estão perdendo sua função e seu sentido pleno, ou seja, eles na língua em uso no dia a dia estão deixando de indicar quantidade e exercendo outra função com outros sentidos que são institucionalizados pelos falantes no uso da língua. Houve um processo de degramaticalização uma vez que essas palavras deixam o nível gramatical, sua origem, e passam ao nível lexical, ganhando, dessa forma, autonomia. Assim, nos atos comunicativos, há uma negociação do sentido entre falante e ouvinte, para conseguirem entender e compreender o que cada um está dizendo e qual é o sentido de determinados elementos linguísticos. Tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002) o Princípio da descategorização, ou seja, a palavra perdeu sua categoria e sua dependência, adquirindo sua autonomia, por conta do processo de degramaticalização, porque, nesses casos, as unidades lingüísticas passaram de palavras gramaticais para palavras lexicais. De acordo com Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirmar que, nessas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, pois o falante 87 reorganizou a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e na escrita e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez que a língua passou por inovação em sua estrutura por meio da interação durante o processo de comunicação, a qual ocorreu gradualmente. A seguir mostramos exemplos de gramaticalização das preposições. 3.1.7 GRAMATICALIZAÇÃO DAS PREPOSIÇÕES Neste item apresentamos exemplos de preposições que sofreram o processo de gramaticalização: EXEMPLO 01: - A mulher de bunda bonita vive angustiada: quem é amada? Ela ou sua bunda? Algumas bundas até parecem ter pena de suas donas e quase dizem: “Olhem para ela também, ouçam suas opiniões, sentimentos... Ela também é legal...” (Meditações Diante do Bumbum de Juliana, p. 32) EXEMPLO 02: - Este crime horrorizou todo mundo. Até os assassinos na cadeia se chocaram. (Suzane, 19 Anos, Bela E Rica, Matou Por Amor, p. 63) EXEMPLO 03: - Hoje, podemos tudo, podemos casar até com jacarés ou macacas. (O Amor Deixa Muito A Desejar, p. 86) - ATÉ: de acordo com os dicionários o item lexical “até” é uma preposição que indica limite no espaço, no tempo, na ação, na quantidade ou na qualidade. Porém nos textos analisados, ele apresenta o sentido de “inclusive”, ou seja, exerce a função de advérbio de inclusão. Está passando por um processo de degramaticalização, pois constatamos que está deixando de exercer a função de preposição e passando a ter um papel de advérbio. Vê-se, assim, que surge uma nova função para uma forma já existente, o que nos remete à gramática emergente da língua, tendo ocorrido, portanto, de acordo com P. 88 J. Hopper (apud POGGIO 2002), o Princípio da Descategorização, pelo qual a palavra perde sua categoria e assume outra classe gramatical e, consequentemente, ganha maior autonomia por conta do processo de degramaticalização, pois a unidade lingüística saiu do nível gramatical (preposição) e passou para o nível lexical (advérbio). Neste caso, ainda, segundo Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, uma vez que esta última é um mecanismo de mudança pelo qual o falante reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, baseado na metonímia, e essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e na escrita e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez que a língua passou por inovação em sua estrutura por meio da interação durante o processo de comunicação. Nos exemplos acima podemos constatar que a maneira como o autor faz uso da preposição “até” bastante criativa, mostrando o modo como as pessoas comunicam-se no uso comum da língua. A preposição “até” está passando por um processo de degramaticalização na língua em uso e essa mudança está migrando para a língua escrita, e é a pressão comunicativa que se sobrepõe às regras já estabelecidas no sistema linguístico, dando a ele novas configurações. A seguir mostramos exemplos de expressões lexicais. 3.2 EXPRESSÕES LEXICAIS As expressões lexicais mostram a maneira como o falante constrói o enunciado de maneira entenda e que seja entendido pelos seus ouvintes em sua comunidade linguística. Dessa maneira, o falante constrói os sentidos de sua fala no momento da interação comunicativa. Os usuários da língua no momento da fala podem assumir vários papeis, dentre eles, o de locutor, alocutário, narrador, interlocutor etc. Sendo assim, podemos afirmar que em todo o discurso existe o desdobramento de sujeitos ocupando várias posições no texto, auxiliando na construção de sentidos dos textos, que é o que veremos nos exemplos seguintes. É importante observar que o sentido de cada palavra ou expressão está ligado à posição ocupada pelo falante no ato da comunicação e as escolhas lexicais estão relacionadas ao conhecimento prévio dos falantes. Neste item apresentamos exemplos de expressões lexicais que sofreram o processo de lexicalização: 89 - Eu era fanático pelo Ipiranga, de uniforme verde e vermelho, que eu almejava ostentar um dia, de preferência se Silvinha, moreninha de olhos verdes, estivesse na amurada me vendo driblar adversários, dando-lhes chapéus sucessivos e entrando triunfalmente pelo gol do Lá Vai Bola, temido time do Leme. (Pelé Eterno Me Trouxe A Infância De Volta, p. 47) - DANDO-LHES CHAPÉUS: é um exemplo de lexicalização, não significa dar chapéu a alguém para que esse alguém possa colocar em sua cabeça, ou melhor, cobrir sua cabeça para proteger do sol, chuva etc. É uma expressão idiomática típica do futebol. Durante uma partida de futebol o jogador jogou a bola por cima de seu adversário fazendo com que ela passasse por cima de sua cabeça e ele jogador a pegasse do outro lado para continuar jogando. Nesse exemplo além do locutor na enunciação há o locutor-enquanto-pessoa, ou seja, é a pessoa do mundo que se apresenta no discurso como sendo de sua autoria. Ou seja, ele locutor-enquanto-pessoa daria vários chapéus em seus adiversários. - Até hoje sinto o arrepio, quando vi que meu destino de perna-de-pau estava traçado, não só no futebol mas talvez na vida, pois percebi com pânico que, enquanto todo mundo na arquibancada olhava o jogo, eu olhava os torcedores olhando o jogo. (Pelé Eterno Me Trouxe A Infância De Volta, p. 49) - PERNA DE PAU: é um processo de lexicalização que significa quem não tem habilidade para jogar futebol. Existe um locutor-enquanto-pessoa no texto contando sobre sua falta de habilidade para o futebol. - Mas não posso me queixar de nada, casei várias vezes, tive duas filhas e um filho maravilhosos, chorei muitas vezes de dor-de-corno e de desentendimento, mas não posso me queixar, pois, além do que vivi, vejo hoje que as memórias são tão sólidas quanto as realidades. (Resposta A Uma Moça 50 Anos Depois, p. 57) - DOR DE CORNO: é um exemplo de lexicalização que significa que uma pessoa que é traída pelo seu companheiro(a) e é mais utilizado para os homens do que para as mulheres. O locutor-enquanto-pessoa sabe que sua mulher o traiu e por isso ele narra no texto seu sentimento, descontentamento com a situação. 90 - Depois da queda do muro de Berlim, a arrogância dos EUA, em sua crença de que uniriam o mundo todo numa grande “mcdonaldização” da vida também caiu por terra. (Onde Estão Os Hippies, Agora Que Precisamos Deles, p. 88) - CAIU POR TERRA: é um exemplo de lexicalização que significa que algo acabou, cessou. Nesse exemplo o locutor-enquanto-pessoa conta o que aconteceu com um país. - E, enquanto meu filhinho começa a dormir, pensando no gambá cheiroso, eu vou pensando em sua pergunta profunda: “Papai, o que que tinha antigamente? Bem, respondo para mim mesmo, antigamente, tinha eu, outro “eu”, diferente do cascagrossa de hoje. (Antigamente, Quando Eu Era Pequenino, p. 147) - CASCA-GROSSA: é um exemplo de lexicalização, não é usado com o sentido concreto de casca, mas sim com o sentido de uma pessoa que é difícil de conviver com as outras em sociedade. Nesse exemplo o locutor-enquanto-pessoa está contando um comportamento que ele tinha. - Eu queria desbundar feito eles, mas meu pai não deixava e, aí, eu só enchia a cara de Jack Daniels. (Espelho Meu, Quem É O Imperador Do Mundo?, p. 160) - ENCHIA A CARA DE JACK DANIELS: é um exemplo de lexicalização que significa beber muito. O locutor pensou em beber muito, pois não conseguiu realizar determinada atividade, porque seu pai não deixava, então como forma de minimizar uma frustração, ele bebia bastante. - E se a barra pesar muito, pau nos chineses que virão, e nos russo e árabes. (Espelho Meu, Quem É O Imperador Do Mundo?, p. 163) - SE A BARRA PESAR MUITO: é um exemplo de lexicalização que significa uma situação ou momento difícil. Há um locutor no texto que relata que se a situação piorar será pior para os chineses. - ...e todo mundo vai me respeitar e gostar de mim, porque eu vou ser legal com quem for legal comigo, mas, se não for legal comigo, será esculachado, porque eu não 91 vou dar colher de chá para traidor e porque nunca mais vou ser humilhado. (O Grande Sucesso Do Herói Sem Coração, p. 175) - COLHER DE CHÁ: é um exemplo de lexicalização e não é usado com o sentido concreto de uma colher de chá, mas sim com o sentido de facilitar algo para alguém. O locutor não facilitará nada para ninguém. - No fim de ano todo mundo começa a falar: “Feliz Natal, feliz ano novo!” Mas, ser feliz, como? O sujeito passou o ano todo quebrando a cara, reclamando da mulher, batendo nos filhos, lutando contra o desemprego, sendo humilhado pelos patrões, e aí chega o fim do ano e todo mundo diz: “Seja feliz!” E aí o sujeito tem de estampar um sorriso alvar no rosto. (A Felicidade É A Empada Do Bigode, p. 189) - QUEBRANDO A CARA: é um processo de lexicalização que significa fazer coisas pensando que darão certo, que sairão da maneira como pensamos que sairão e ao final não acontecer da maneira com imaginávamos que fosse acontecer. O locutor-enquantopessoa no texto mostra que as pessoas sempre ao final de cada ano, por questão de costume, ou tradição desejam sempre, Feliz Natal e Feliz Ano Novo para todas as pessoas sem saberem se essas pessoas tiveram ou não um ano próspero e por isso, torcem para que o próximo ano seja melhor do que foi o passado. - Estou de saco cheio; vou telefonar para o Nelson Rodrigues para ver se ele me dá uma luz, lá do céu. (A Humanidade Sempre Foi Uma Ilusão À Toa, p. 193) - ESTOU DE SACO CHEIO: é um processo de lexicalização que significa não agüentar mais determinada situação ou momento pelo qual está passando. Nesse exemplo o locutor expressa um sentimento, demonstrando uma inquietação em relação a algo que aconteceu de maneira errada, não esperada pelo locutor. Podemos observar que essas expressões são de base metafórica, ou seja, todas estão ligadas às experiências de vida das pessoas, fazem parte do seu conhecimento enciclopédico e o autor, para mostrar a maneira como elas usam a língua, tentou trazer o mais próximo possível de seu leitor essa linguagem. Todos os exemplos sofreram o processo de lexicalização. 92 Conforme já foi mencionado, de acordo com Martelotta & Palomanes (2008, p. 179), em termos mais específicos, podemos dizer que, de um modo geral, a proposta cognitivista leva em conta aspectos relacionados a restrições cognitivas que incluem a captação de dados da experiência, sua compreensão e seu armazenamento na memória, assim como a capacidade de organização, acesso, conexão, utilização e transmissão adequada desses dados. É importante aqui registrar que esses aspectos somente se concretizam socialmente, ou seja, não refletem apenas o funcionamento de nossa mente como indivíduos, mas como seres inseridos em um ambiente cultural. Em outras palavras, segundo essa visão teórica há uma relação sistemática entre a linguagem, pensamento e experiência. Isso nos leva a um outro aspecto da proposta cognitivista, que incorpora os fenômenos referentes à interação social. Esse outro aspecto de cunho social leva alguns autores a acrescentar ao vocábulo designativo dessa escola linguística o elemento sócio-, criando o termo sociocognitivismo. Esse termo enfatiza a importância do contexto nos processos de significação e o aspecto social da cognição humana. Mais do que isso, focaliza a linguagem como uma forma de ação, ou seja, através da linguagem comentamos, oramos, ensinamos, discursamos, informamos, enfim, enquadramo-nos nos milhares papeis sociais que compõem nossa vida diária. É importante observar que, nos casos de expressões que estão passando pelo processo de lexicalização, o posicionamento do autor é muito parecido com o que ele exerce nos exemplos de verbos que estão passando pelo processo de gramaticalização e também nos exemplos de discursivização, ou seja, é nesses casos que fica mais evidente a mudança de posicionamento do autor, os movimentos que o cronista realiza. Nesses exemplos, ela faz o seguinte movimento: em primeiro lugar, ele transfere-se da sua posição, da sua condição de conhecedor da norma padrão da língua; em segundo lugar, projeta como é que essas pessoas não conhecedoras da norma linguística padrão língua se comunicam de forma interativa, e, por fim, em terceiro lugar, o cronista designa-se como tal, ou seja, denomina-se como um usuário qualquer da língua em uso no dia a dia em tempo real de comunicação que não têm o domínio da norma padrão da língua. Fazendo esse movimento, o autor consegue colocar nos textos escritos mudanças existentes na língua em uso comuns no dia a dia e as transformações pelas quais a língua está passando que só podem ser verificadas na interação comunicativa, nas conversas descontraídas de amigos, nas falas espontâneas, que não são abordadas nas gramáticas normativas. Quando o autor faz a transferência, projeta e designa-se pelo outro, ele faz as escolhas lexicais que são mais adequadas a esse campo, o campo do outro, o campo da coloquialidade, ou seja, o cronista faz uso do léxico como fundamento ou âncora para o 93 enunciado configurado pelas modalidades da enunciação, revelando dessa maneira o uso bem coloquial do autor. De acordo com Turazza (2005, p.59) as lexias são descritas por Pottier como a combinação de dois signos mínimos: o lexical e o gramatical, compreendendo a formalização de um plano semântico que está à disposição do falante. As lexias lexicais compreendem a classe das designações e as lexias gramaticais compreendem das relações e a classe das formulações, que implica que essas lexias gramaticais veiculam as intenções de um locutor, ou seja, ela exerce um papel fundamental com âncora para a elaboração dos enunciados. Continua a autora (2005, p. 59), em síntese, as lexias da classe de designação são as que representam os referentes antropo-socio-culturais, geradores e refletores da visão de mundo do grupo; as lexias da classe de relação e de formulação têm a função de articular as relações entre as primeiras no universo discursivo, manifestando, de certa forma, a intenção do locutor, através de mecanismos de modalidades, explícitos ou implícitos, no enunciado. Verificamos que, nesse momento, o falante e o ouvinte negociam os sentidos, mostrando, assim, a liberdade organizacional do falante, dentro das restrições construcionais, pois os falantes fazem suas escolhas que levam a resultados de sentidos e efeitos pragmáticos diversos. No ato da comunicação, o falante tem tendência de sempre usar expressões novas, com sentidos novos que chamem atenção das outras pessoas. É o que podemos chamar de reanálise, ou seja, o usuário da língua reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem. Esse fenômeno implica uma modificação entre os elementos do léxico na língua falada que pode ser registrada na língua escrita para preservar a maneira de falar das pessoas na interação comum do dia a dia. Essa mudança no léxico na língua falada ocorre também por causa da inferência por pressão de informatividade – o elemento é pressionado pelo contexto a admitir um sentido novo. Constatamos que, nesses exemplos, existe o locutor que é representado pelo “eu” na enunciação, é o responsável pelo discurso, e existe também a representação de um locutor-enquanto-pessoa, representado pela pessoa do mundo que se apresenta no discurso com sendo de sua autoria. Nesses exemplos, constatamos que, apesar de estarem em textos escritos, é muito frequente a forma como os usuários da língua fazem uso dela, uma vez que as transformações, adaptações e renovações que são realizadas e criadas pelos falantes para 94 serem melhor compreendidos pelos que os ouvem, para que possam atingir seus objetivos, que é o foco de estudo da linguística funcional. Sendo assim, nessas ocorrências, podemos constatar o que foi mencionado anteriormente que, no processo de gramaticalização, a metáfora é uma das motivações mais importantes, pois, Martelotta (1996) considera que a gramaticalização envolve vários níveis: A – Nível cognitivo: a gramaticalização (pelo menos no que se refere ao nível morfológico) segue, como parece ocorrer com os processos de mudança metafórica em geral, a tendência de usar elementos do mundo concreto para o mundo abstrato. O elemento do léxico é mais concreto que a gramática: é mais fácil conceptualizar substantivos do que relações textuais. B – Nível Pragmático: a gramaticalização envolve uma intenção genérica do falante de usar algo conhecido pelo ouvinte para fazê-lo compreender melhor o sentido novo que ele quer expressar. Pode-se também ver nessa passagem concreto > abstrato uma intenção comunicativa de facilitar a compreensão do ouvinte a partir da utilização de conceitos mais concretos e mais conhecidos para a expressão de ideias novas que surgem no decorrer do processo comunicativo. C - Nível Semântico: a gramaticalização, como processo de mudança ocorrida no léxico, envolve o conhecimento por parte dos interlocutores dos significados de origem das palavras envolvidas; caso contrário, o sentido novo corre o risco de não ser detectado pelo ouvinte. D – Nível Sintático: a gramaticalização ocorre basicamente em contextos que a estimulem, o que significa que não só existem aspectos sintáticos que propiciam a gramaticalização, mas principalmente, que esses aspectos são responsáveis pelo fato de a mudança tomar efetivamente este e não aquele caminho. Essas mudanças sempre ocorrem de forma gradual e estão relacionadas aos níveis cognitivo, pragmático, semântico e sintático conforme explicados acima. É importante lembrar que a linguagem está diretamente relacionada ao nosso pensamento e à nossa 95 experiência de vida, ou seja, nosso conhecimento enciclopédico. Ela faz parte da cognição humana, é um processo que ocorre de maneira instantânea, envolvendo um ato mental, ou seja, é por meio dos atos mentais que os usuários da língua criam e constroem novas formas linguísticas para os elementos linguísticos nos mais variados contextos, ou melhor, nas diversas situações comunicativas. Por meio de seu conhecimento de mundo, o usuário constrói sentidos e significados para as diversas situações comunicativas até a convencionalização das formas linguísticas. Verificamos também que os usuários da língua têm capacidade de processar informações, de decodificá-las, de compreendê-las e armazená-las na memória, adaptando-se aos mais diversos e variáveis meios sociais nos quais eles estão inseridos. Ou seja, nos exemplos observamos que quando o falante participa de uma interação comunicativa, ele transfere para a fala todo seu conhecimento de mundo e esse processo está relacionado a linguística cognitiva, pois, todo processo comunicativo em que há interação face a face está baseado na percepção de mundo que o usuário da língua tem, pois ninguém fala simplesmente por falar. Em todo momento de comunicação, o usuário mostra como ele percebe, categoriza e conceitualiza o mundo. Por mais que não queiramos, sempre que nos comunicamos estamos revelando o modo como percebemos, categorizaramos e conceitualizamos o mundo. E o contexto no qual os falantes/ouvintes estão inseridos orienta a construção do significado, na construção de sentidos, dando ênfase à experiência humana. Mostrando dessa forma a capacidade que as pessoas têm para processar informações e adaptá-las às mais diversas situações comunicativas. Nos casos de lexicalização verificamos que os falantes, em certos contextos linguísticos, usam uma construção sintática ou uma formação de palavras com uma nova forma significativa, contendo propriedades formais e semânticas que não são completamente deriváveis ou previsíveis a partir dos constituintes da construção. Ao longo do tempo, pode ocorrer mais perda da constituição interna e o item pode se tornar mais lexical. É uma mudança diacrônica, logo gradual, como ocorre com a gramaticalização, sendo seus itens mais idiomáticos e menos composicionais. Esse fenômeno caracteriza as expressões idiomáticas, como diálogo de surdos, colher de chá e casca grossa. O ponto de partida dessa construção é um item lexical que faz parte do léxico da língua e deve ser aprendido pelos falantes. De acordo com Martelotta (2011, p. 121-122), lexicalização e gramaticalização apresentam similaridades: 96 A- Perda de fronteira – nos dois processos há perda de fronteiras: junção e coalescência (redução de segmentos fonológicos, conseqüente da fusão de itens, por exemplo: em boa hora > embora. B- Perda de composicionalidade – nos dois processos há perda de motivação com o desaparecimento do sentido composicional. C- Unidirecionalidade – nos dois processos há uma unidirecionalidade que acarreta morfossintaticamente mais > menos fronteiras, assim como semanticamente mais > menos composicional; e não o contrário. Os exemplos de substantivos estão assumindo novos sentidos na língua em uso e o falante é o responsável por essa aquisição de novos sentidos para palavras já existentes. Estão passando pelo processo chamado de lexicalização na medida em que adquirem novos sentidos para palavras já existentes. Constatamos que existe uma negociação do sentido por falante e ouvinte no ato da comunicação e que os falantes têm uma tendência para usar expressões novas. Esses novos sentidos atribuídos a formas já existentes ocorrem por conta da pressão de informatividade que se dá em função do contexto na interação comunicativa, mostrando, dessa maneira, que os elementos são pressionados pelo contexto de uso para admitir um novo sentido, ou seja, é a liberdade organizacional do falante no momento da elaboração de seu enunciado, pois é ele quem faz as escolhas que levam a novos efeitos de sentidos. Sendo assim, constatamos que a língua é viva e está mudando à todo o instante dependendo do processo criativo do usuário da língua na interação comunicativa. O cronista mostra-nos o movimento que ele faz para adequar-se à norma coloquial. Ele evidencia que, na língua em uso, ocorre sempre um processo de reanálise, e que o usuário faz as escolhas lexicais que mais se adaptam aos seus objetivos comunicativos, deixando evidente que existe negociação de sentidos na comunicação e que o locutor tem forte tendência para usar expressões novas que chamem a atenção do interlocutor, mostrando, assim, toda a liberdade organizacional do falante. Nos casos analisados, portanto, de acordo com P. J. Hopper (apud POGGIO 2002), o Princípio descategorização, ou seja, a palavra assume nova categoria, ganha autonomia, por conta do processo de lexicalização. Para Ataliba T. de Castilho (apud POGGIO 2002), podemos afirma que, nessas ocorrências, aconteceu o Princípio da sintagmatização e reanálise, uma vez que esta última é um mecanismo de mudança pelo qual o falante 97 reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, baseado na metonímia, e essa reorganização estrutural do enunciado pode implicar uma modificação das fronteiras entre elementos do léxico na língua falada e na escrita e o Princípio da Continuidade e Gradualismo, uma vez que a língua passou por inovação em sua estrutura por meio da interação durante o processo de comunicação, a qual ocorreu gradualmente. A seguir mostramos alguns exemplos de discursivização. 3.3 DISCURSIVIZAÇÃO Discursivização é o processo que faz com que um elemento linguístico perca suas propriedades gramaticais e tenha propriedades exclusivas do discurso, ou seja, são expressões com valor semântico indeterminado, impreciso, genérico e também ambíguo que somente fazem sentido no discurso, fora dele elas não tem nenhuma significação. A seguir apresentamos os exemplos de ocorrências de discursivização encontrados nas crônicas analisadas. - E por aí vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte. Ou não; sei lá... e-mails de que souber para o autor. (Amor É Prosa, Sexo É Poesia, p. 39) - Não quero bancar o famosinho mas, veja bem (como dizem os chatos). (O Chato É Antes De Tudo Um Forte, p. 42) - Passam uns andares. “Ele não vai aguentar”, eu penso. Não dá outra. “Você não é aquele cara da TV? (O Chato É Antes De Tudo Um Forte, p. 43) - A sensação é o mesmo êxtase de ver uma exposição de Picasso ou, sei lá, Shakespeare. (Pelé Eterno Me Trouxe A Infância De Volta, p. 51) - O carnaval deixou de ser vivido para ser olhado, virou uma horda de exibicionismos sexuais, uma suruba iminente sem o sensual perfume do passado. Carnaval sempre foi sexo – tudo bem – mas, antes, havia a suave caretice. (De Camisa Amarela, Volto Aos Grandes Carnavais, p. 60) 98 - Pois é; as namoradas não davam. (O Amor Nos Anos 60, p. 67) - Pois bem, dava para ver nos corpinhos dançantes do carnaval sem som. (Nossos Dias Melhores Nunca Virão?, p. 75) - Na boa? Acho que teremos os terrorismos islâmicos, bombas de destruição em massa que cabem nos bolsos, escassez econômica, extermínios e um vaivém de fascismos nas nações emergentes. (Onde Estão Os Hippies, Agora Que Precisamos Deles, p. 90) - É isso aí. E ao fechar este texto, me assalta a dúvida: estou sendo hipócrita e com inveja do erotismo do século XXI? (Os Homens Desejam As Mulheres Que Não Existem, p. 143) - Estou sendo filosófico, mas...tudo bem...não perguntaram? (O Amor Impossível é o Verdadeiro Amor, p. 166) - A prostitutinha tem lá o seu amante, seu cafetão. E o travesti? Ele é só. O travesti nu em Copacabana desafia todos os pudores. (O Travesti Está Na Terceira Margem Do Rio, p. 172) - Durante a Guerra Fria, a América sempre criou embaraços para governos seculares e reformistas do oriente. Nasser, por exemplo. A América sempre deu força aos seus fundamentalistas para enfraquecer os comunistas ou os terceiro-munditas. Deu no que deu: agora só lhe resta a aceitação de uma fatalidade que veio para ficar. (Um Asteróide De Deus Caiu Sobre O Ocidente, p. 188) - E POR AÍ VAMOS; - SEI LÁ; - VEJA BEM; - NÃO DÁ OUTRA; - SEI LÁ; TUDO BEM; - POIS É; - POIS BEM; - NA BOA; - É ISSO AÍ; - TEM LÁ; - DEU NO QUE DEU: são expressões que fora do discurso não significam nada, que têm valor semântico vago, ou seja, elas fazem parte da interação comunicativa e fora da interação comunicativa, daquele momento, não têm valor nenhum, mas são expressões que representam com muita propriedade a língua em uso comum no dia a dia. Mostram 99 o uso bem coloquial que o locutor faz da língua para comunicar-se no dia a dia nas diversas interações comunicativas. Nesses exemplos notamos a preocupação do autor em registrar o uso real da língua. Ele não quer registrar a língua rebuscada, polida, sem falhas e imperfeições, a língua correta de bom uso, ele quer registrar a língua que circula socialmente nos processos de interação comunicativa, a língua que não é valorizada, a língua que o falante tem liberdade para organizar o seu enunciado e que tem seus sentidos negociados pelo falante e pelo ouvinte na comunicação diária. São exemplos que mostram a liberdade organizacional do falante, pois ele faz suas escolhas que levam a resultados de sentidos e efeitos pragmáticos diversos, ou seja, a negociação do sentido pelo falante e ouvinte no ato da comunicação. Mostram também a tendência que o falante tem, de no ato da comunicação, sempre usar expressões novas, com sentidos novos que chamem atenção das outras pessoas, ocorrendo a sua aceitação de forma gradual. Sendo assim, verificamos que o usuário com sua liberdade organizacional realiza escolhas lexicais que levam a resultados de sentidos e efeitos pragmáticos diversos. Constatamos que nos exemplos existe um locutor que representa o “eu” na enunciação, é o responsável pelo discurso, e um locutor-enquanto-pessoa, representado pela pessoa do mundo que se apresenta no discurso aparece no discurso como sendo sua origem. Da mesma maneira como o autor se comportou nos exemplos anteriores, percebemos que ele se comporta nos casos de discursivização, ou seja, fazendo o seguinte movimento: transfere-se, projeta e designa-se pelo outro, a fim de mostrar todas essas transformações que ocorrem na língua em uso no dia a dia. Quando o autor faz esse movimento, ele utiliza o léxico como fundamento ou âncora para o enunciado configurado pelas modalidades da enunciação, ou seja, ele está fazendo uso da classe lexicológica das formulações. Esse processo é chamado de reanálise, ou seja, o usuário da língua reorganiza a estrutura do enunciado, reinterpretando os elementos que o compõem, esse fenômeno implica uma modificação entre os elementos do léxico na língua falada que pode ser registrada na língua escrita para preservar a maneira de falar das pessoas na interação comum do dia a dia. Nas palavras de Coseriu (1979, p. 63), “O falar é atividade criadora, livre e finalista, e é sempre novo, enquanto se determina por uma finalidade expressiva 100 individual, atual e inédita. O falante cria ou estrutura a sua expressão utilizando uma técnica e um material anterior que o seu saber lingüístico lhe proporciona.” 3.4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A seguir apresentamos um quadro mostrando a quantidade de casos de gramaticalização que foram encontradas nas crônicas de Arnaldo Jabor para verificar qual classe de palavras têm o maior números de ocorrências. Em seguida, trazemos outro quadro indicando dentro da classe gramatical qual o termo, item lexical, que aparece com mais freqüência em seus textos. Esses quadros serão discutidos na sequência. TIPOS QUANTIDADE OCORRÊNCIAS SUBSTANTIVO 09 ADJETIVO 14 VERBO 88 ADVÉRBIO 28 PRONOME 33 NUMERAL 05 Descategorização, Estratificação, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, continuidade e Gradualismo. 101 PREPOSIÇÃO 23 EXPRESSÕES 11 Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Lexicalização. 12 Discursivização. LEXICAIS EXPRESSÕES LEXICAIS A seguir fizemos quadros informando a quantidade de ocorrências encontradas em cada categoria analisada. SUBSTANTIVO QUANTIDADE Gente 07 Tipo 02 ADJETIVO QUANTIDADE 14 Claro VERBO OCORRÊNCIA Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. OCORRÊNCIA Descategorização; Sintagmatização e Reanálise; Continuidade e Gradualismo. QUANTIDADE OCORRÊNCIA Virar 28 Feito 13 Andar 10 Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise. Descategorização, Sintagmatização e 102 Rolar 08 Bater 05 Cortar 01 Cair 03 Pegar 02 Dançar 01 Pintar 01 Boiar 01 Quebrar 01 Lutar 01 Esquentar 01 Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, 103 Cobrir 01 Explodir 01 Colar 01 Amassar 01 Viajar 01 Comer 03 Papar 02 Traçar 01 Fraturar 01 Dar 05 Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Persistência, 104 Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. ADVÉRBIO QUANTIDADE Aí 15 Bem 07 Assim 06 PRONOME Isso NUMERAL OCORRÊNCIA Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. QUANTIDADE OCORRÊNCIA 33 Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. QUANTIDADE OCORRÊNCIA Segundo 02 Primeiro 01 Quinta 01 Sessenta e quatro 01 Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e 105 Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Até PREPOSIÇÃO EXPRESSÕES LEXICAIS QUANTIDADE 23 OCORRÊNCIA Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. QUANTIDADE 11 OCORRÊNCIA Lexicalização. 12 Discursivização. Na análise do corpus, podemos verificar alguns princípios da gramaticalização: Descategorização, Persistência, Estratificação, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo, além dos casos de Lexicalização e de Discursivização e a degramaticalização. Viver em sociedade significa conversar com outras pessoas, trocar experiências, ou seja, sempre participamos de algum tipo de interação comunicativa e, para realizarmos essas atividades comunicativas, devemos conhecer e compreender os sentidos que as pessoas dão ao léxico ou expressão lexical da qual fazem uso na comunicação, haja vista, a necessidade de interagir com outras pessoas. Os princípios de gramaticalização que foram mencionados, os exemplos de lexicalização, de discursivização e de degramaticalização são os responsáveis pelo processo de interação, seja em sociedade, seja nos textos escritos. Arnaldo Jabor consegue trazer para os textos escritos esses exemplos que existem com maior frequência nas conversas descontraídas dos bares ou nos lares etc. Na análise, verificamos que, em primeiro lugar, os verbos são muito utilizados com sentido metafórico, demonstrando as intenções comunicativas do locutor-enquantopessoa, aparecendo 88 vezes, sofrendo os Princípios de Descategorização, Persistência, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Em segundo lugar, está o pronome demonstrativo isso que apareceu 33 vezes nos exemplos com valor anafórico ou catafórico, mostrando que o locutor-enquanto-pessoa utiliza-o com a função de organizar o texto fazendo referência a algo que já foi citado ou anunciando algo novo a ser apresentado, sofrendo os Princípios de Descategorização, Sintagmatização e 106 Reanálise, Continuidade e Gradualismo; em terceiro lugar, temos o advérbio que apareceu 28 vezes nos textos de Arnaldo Jabor, sofrendo os Princípios de Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo; em quarto lugar, temos a preposição até que apareceu 23 vezes, sofrendo os Princípios de Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo; em quinto lugar temos as expressões lexicais que sofreram mudanças e apareceram 23 vezes, sendo, 12 casos de Discursivização e 11 casos de Lexicalização, que, inicialmente, não eram objeto de estudo deste trabalho, mas, devido à quantidade de ocorrências encontradas e devido o processo de Lexicalização ser muito parecido com o de Gramaticalização, consideramos importante abordá-los; em sexto lugar, temos o adjetivo claro que apareceu 14 vezes nos exemplos com função modalizadora, sofrendo os Princípios de Descategorização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo; em sétimo lugar temos os substantivos que apareceram 09 vezes nos exemplos sofrendo os Princípios de Descategorização, Estratificação, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo e, em oitavo e último lugar, temos os numerais que apareceram 05 vezes nos textos exercendo as funções de substantivo ou adjetivo sofrendo os Princípios de Descategorização, Degramaticalização, Sintagmatização e Reanálise, Continuidade e Gradualismo. Todos os princípios, mecanismos e características de gramaticalização, casos de lexicalização, os casos de discursivização e os de degramaticalização são importantes para compreendermos e entendermos esse processo de interação comunicativa, mas temos de levar em consideração que nem sempre todos esses aspectos apareceram em um único texto. Vale lembrar que a gramaticalização, lexicalização, discursivização e degramaticalização são processos que mostram que a língua está passando por transformações, renovações e inovações diariamente, que em outras palavras é o chamado de princípio de continuidade e gradualismo que prevalece no processo de gramaticalização, pois a língua é viva. 107 CONCLUSÃO O tema desse trabalho é as mudanças linguísticas nas crônicas do livro “Amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas” de Arnaldo Jabor. Quando falamos em língua, imaginamos a fala de um grupo, às vezes dizemos que uma língua é mais difícil do que a outra, ou que a língua espanhola é mais fácil, pois é mais parecida com a língua portuguesa. Nosso conceito de fácil ou difícil é baseado sempre na gramática da língua, mas nunca no movimento que ocorre durante o processo de interação comunicativa. A gramática funcional define a língua como sendo um instrumento de interação social, cuja principal função é a comunicação. Dessa forma, a competência comunicativa é a habilidade que cada falante tem de interagir socialmente com a língua. As pessoas valorizam demasiadamente a norma culta, esquecendo-se de prestar atenção ao meio social em que estão situadas, do qual fazem parte. Elas não observam a língua em uso no dia a dia, cheia de expressões, funções e sentidos que refletem o funcionamento da língua num dado contexto. A estrutura de uma língua é moldada pelas diversas situações comunicativas. O usuário é quem organiza seu discurso de acordo com a aceitação ou não de seu interlocutor. O objetivo do locutor é, em geral, fazer com que o seu interlocutor mude de ponto de vista em relação à informação que está sendo transmitida, em outras palavras, o objetivo do locutor nada mais é do que buscar convencer seu interlocutor em relação a algum ponto de vista, fazendo uso de meios criativos para alcançar esse objetivo, rompendo com as estruturas existentes e criando novas construções, para conseguir mudar o conhecimento do outro. A língua em uso é um sistema que se adapta de acordo com a necessidade comunicativa, ou seja, ela sofre alterações continuamente. Ela é renovada diariamente, as mudanças na língua acontecem com muita frequência e de forma gradativa e são o resultado de um longo e contínuo processo histórico. De acordo com Coseriu (1979, p. 63), a língua muda justamente porque não está feita, mas, sim, faz-se continuamente pela atividade lingüística. Em outros termos, muda porque é falada: porque existe apenas como técnica e modalidade do falar. O falar é atividade criadora, livre e finalista, e é sempre novo, enquanto se determina por uma finalidade expressiva individual, atual e inédita. O falante cria ou estrutura a sua expressão utilizando uma técnica e um material anterior que o seu saber lingüístico lhe proporciona. A língua, pois, não se impõe ao falante, mas se lhe oferece: o falante dispõe dela para realizar a sua liberdade expressiva. 108 As questões que direcionaram nosso estudo foram: - Nas crônicas de Arnaldo Jabor, na obra Amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas, quais seriam as ocorrências de gramaticalização de que ele faz uso para manifestar suas intenções comunicativas e que caracterizariam o gênero jornalístico crônica? - Quais seriam os efeitos de sentido que essas ocorrências, como marcas da língua em uso, possibilitam? Com base nessas questões, o trabalho teve como objetivos: - Aprofundar conhecimentos, com base nas crônicas de Arnaldo Jabor, sobre os diversos tipos de ocorrências de gramaticalização presentes no gênero jornalístico crônica. - Identificar as ocorrências de gramaticalização nas crônicas de Arnaldo Jabor, como marcas da língua em uso. - Analisá-las de acordo com os princípios de gramaticalização, propostos por Castilho (1997) e critérios de gramaticalização, levantados por Gonçalves et alii (2007), a fim de estabelecer um quadro tipológico dessas ocorrências. - Verificar qual a intenção comunicativa do autor ao utilizar essas ocorrências e qual o efeito delas na construção de sentidos do texto. Quando lemos as crônicas do escritor Arnaldo Jabor, lembramos da conversa de bar, da fala descontraída sem preocupações com correções gramaticais, ou seja, encontramos uma linguagem livre das barreiras dos puristas. O autor frequentemente faz uso de elementos da língua falada em seus textos escritos. Em decorrência dessa utilização, quando lemos seus textos, temos a impressão de que estamos participando de uma conversa informal. Arnaldo Jabor assume posições diferentes nos textos, ou seja, não fala sempre do mesmo jeito e, em decorrência do posicionamento que assume, vai escolher determinados elementos gramaticalizados que darão destaque à posição assumida como locutor, construindo assim os sentidos do texto. Ele valoriza a expressão coloquial, pois, no fim das contas, ele se comunica de acordo com a língua em uso e de acordo com o meio social com quem interage. Os textos de Arnaldo Jabor, apesar de conterem muitas expressões que são usadas na fala, são coerentes e coesos. Logo, as construções gramaticalizadas presentes 109 em seus trabalhos não impedem que sejam produções textuais bem elaboradas. Elas tornam evidente que a língua não é uma realidade estática. Por estar na boca do povo, seus falantes inovam-na e renovam-na, a cada momento em que participam de situações comunicativas em interação social. Nas palavras de Coseriu (1979, p. 65), o falar é sempre falar uma língua, justamente porque é falar (e não um mero „exteriorizar‟), porque é „falar e entender‟, expressar para que o outro entende, ou seja, porque a essência da linguagem ocorre no diálogo. Donde, também, que o que é compreendido pelo ouvinte, enquanto compreendido, seja aprendido e se torne „língua‟ (saber lingüístico), e possa ser utilizado como modelo para posteriores atos de expressão: o ouvinte não só entende o que o falante diz, mas percebe, do mesmo modo, a maneira pela qual diz. Continua o autor (1979, p. 93-94), para entender a mudança lingüística e sua racionalidade, basta considerar a língua em seu existir concreto. A mudança não é mero acidente, mas pertence à essência da língua. De fato, a língua se faz mediante o que se chama „mudança lingüística‟: a mudança lingüística não é senão a manifestação da criatividade da linguagem na história das línguas. Por isso, estudar as mudanças não significa estudar „alterações‟ ou „desvios‟, mas, ao contrário, estudar a consolidação de tradições lingüísticas, ou seja, o próprio fazimento das línguas. A língua se refaz porque o falar se fundamenta em modelos anteriores e é falar-e-entender; supera-se pela atividade lingüística porque o falar é sempre novo; e renova-se porque entender é entender além do que já se sabia pela língua anterior ao ato. Por isso a língua se adapta às necessidades expressivas dos falantes, e continua a funcionar como língua na medida em que se adapta. Analisamos as crônicas do livro: “Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas” de Arnaldo Jabor, utilizando os parâmetros de gramaticalização apontados por Martellota e Ataliba Teixeira de Castilho. Com base no referencial teórico apresentado nos capítulo I e II, podemos responder às questões que direcionaram nosso trabalho: - Nas crônicas de Arnaldo Jabor, na obra Amor é prosa, sexo é poesia: crônicas afetivas, quais seriam as ocorrências de gramaticalização de que ele faz uso para manifestar suas intenções comunicativas e que caracterizariam o gênero jornalístico crônica? O autor faz uso das ocorrências de gramaticalização dos substantivos, adjetivos, verbos, advérbios, pronomes, numeral, preposição, expressão gramaticalizadas, e também faz uso da lexicalização, da degramaticalização e da discursivização que podemos dizer são fenômenos de mudança lingüística que caracterizam o gênero crônica na atualidade. 110 - Quais seriam os efeitos de sentido que essas ocorrências, como marcas da língua em uso possibilitam? O cronista, na construção de seus dos textos, tenta aproximá-los o máximo possível da língua em uso comum no dia a dia e, para produzir diferentes efeitos de sentidos faz uso constante de elementos que passaram pelo processo de gramaticalização, de lexicalização, de degramaticalização e de discursivização. Ao fazer uso desses elementos, verificamos que Arnaldo Jabor assume posições diferentes como locutor, enunciador e autor, ou seja, ele mostra diferentes posicionamentos aos seus interlocutores, e, em função da posição assumida, escolhe determinados elementos gramaticalizados ou expressões lexicalizadas que darão destaque à sua posição no momento da enunciação. Ao alternar os papéis de locutor e enunciador, o autor consegue aproximar a cena do leitor, e é por isso que, ao lermos suas crônicas, temos a impressão de que estamos conversando com o locutor do texto temos a sensação de que estamos participando de uma conversa como esse locutor parecendo fazermos parte daquela cena de enunciativa. Colocando a cena perto do leitor, ao alternar-se nas funções enunciativas, é que, como o autor, ele faz as escolhas lexicais que mais se aproximam da língua em uso comum no dia a dia, pois ele transfere-se, projeta-se e designa-se pelo outro. Para Edgar Morin (2002, p. 57), “o ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. Traz em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário”. No momento dessa transferência, projeção e designação pelo outro, o cronista faz uso do léxico como fundamento ou âncora para o enunciado configurado pelas modalidades da enunciação. Ao falarmos de elaboração lexical do falante/ouvinte, não podemos esquecer de mencionar que essa elaboração, manifestada por unidades lingüísticas memorizadas pelos falantes e ouvintes é o que se pode chamar de lexia. De acordo com Turazza (2005), as lexias são descritas por Pottier como a combinação de dois signos mínimos: o lexical e o gramatical, que compreendem a formalização de um plano semântico que está à disposição do falante no momento da interação comunicativa. As lexias gramaticais são divididas em: classe das relações e a classe das formulações, sendo a classe das formulações responsável pela veiculação das intenções de um locutor, exercendo dessa maneira um papel fundamental com âncora para o falante elaborar seus enunciados. 111 O cronista em seus textos faz uso do léxico manifestando sua intenção: conseguir manter a interação com seu leitor por meio das escolhas lexicais que faz na elaboração de seus enunciados. Dessa maneira, ele consegue mostrar que o falante é o responsável por essa aquisição de novos sentidos para palavras já existentes e que elas estão passando por um processo de mudança na medida em que adquirem novos sentidos para palavras já existentes. Para Martelotta (2011), a lexicalização é um processo criador de novos elementos gramaticais que são capazes de modificar ou combinar os elementos já existentes. O falante é o responsável pela construção de maneira significativa do enunciado. Verificamos que, em todos os exemplos, existe um locutor que representa o “eu” na enunciação e existe um locutor-enquanto-pessoa, representado pela pessoa do mundo que se apresenta no discurso, ou seja, aparece no discurso como sendo de sua autoria. Arnaldo Jabor é um cronista, conhecedor da norma padrão de escrita, mas, no momento em que está escrevendo seus textos, pelos deslocamentos acima apontados, ele transfere-se para um outro campo, o campo da coloquialidade, fazendo as escolhas lexicais mais adequadas para o novo campo. Fazendo esse movimento, o autor consegue manter a interação com seus leitores. Logo, nossos objetivos foram alcançados quando constatamos que os efeitos de sentidos que essas ocorrências de gramaticalização / lexicalização /degramaticalização / descursivização causam possibilitam aproximar o leitor da cena de enunciação, pois essas marcas da língua em uso fazem com que o locutor/enunciador seja parte da cena de enunciação, participando do cenário. Assim chegamos à seguinte conclusão, os fenômenos de mudança lingüística no texto escrito ocorrem por meio do movimento de transferir-se, projetar e designar-se pelo outro que o autor faz, pois, dessa maneira, ele consegue despir-se da norma padrão e vestir-se com a norma coloquial, ou seja, com as formas da língua em uso comum no dia a dia, nas quais encontramos as ocorrências de mudanças, pois a língua é viva, sendo, portanto, necessário buscarmos entender todos os movimentos que nela ocorrem. Fazendo essa troca de posição, fazemos também seleções lexicais diferentes daquelas usuais e, assim, entramos na classe das formulações, utilizando o léxico que é adequado para fundamentar ou ancorar nosso dizer naquele momento de enunciação. Essa captação de efeitos de sentidos do texto decorrentes das mudanças destacadas mostra a liberdade organizacional do falante, fato somente levado em consideração pelos estudos funcionalistas como a Gramática de 112 Usos da Maria Helena de Moura Neves, é uma gramática cujo objetivo é descrever a língua usada atualmente no Brasil e não prescrever regras de bom uso. 113 BIBLIOGRAFIA ABREU, Antônio S. Coordenação e Subordinação – Uma Proposta para a Descrição Gramatical. In: ALFA - Revista de lingüística. Vol.41. São Paulo, Editora UNESP, 1997. (pp. 13-37). _________________. Linguística Cognitiva: uma Visão Geral e Aplicada. São Paulo, Ateliê Editorial, 2010. ALENCAR, Dulcelita Pereira Ribeiro de. O uso da negação no Português Brasileiro: gramática e gramaticalização. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. BARROS, Diana L. P. Efeitos de oralidade no texto escrito. In: PRETI, Dino. Oralidade em diferentes discursos. São Paulo, Humanitas, 2006. 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