LINGUÍSTICA: FUNCIONALISMO AULA 05: FUNCIONALISMO NORTE-AMERICANO TÓPICO 04: GRAMATICALIZAÇÃO Vimos que o Funcionalismo concebe a língua como um sistema heterogêneo, que varia e muda conforme as necessidades comunicativas dos indivíduos em sociedade. A gramática de uma língua é um sistema formado pelas regularidades resultantes das pressões de uso. É, portanto, um sistema adaptável (DU BOIS, 1985). É sistema por ser parcialmente autônomo (estável) e adaptável por ser sensível a pressões externas. Na língua, alguns itens são elementos autossemânticos e fazem referência ao universo biossocial, designando entidades, ações, qualidades etc. São itens lexicais. Há, também, elementos que organizam os itens lexicais no discurso, ligando partes do texto, identificando partes do texto já mencionadas ou por mencionar, marcando estratégias interativas, expressando noções gramaticais, como tempo, aspecto, modo, gênero, número e pessoa. Estes são formas ou itens gramaticais. Na expressão caderno de Marta, caderno e Marta são itens lexicais, da classe dos substantivos; enquanto de é um item gramatical, da classe das preposições. Estudos interlinguísticos comprovam que os itens gramaticais se originam a partir de itens lexicais em um processo gradual de gramaticalização. Gramaticalização • É um processo de mudança linguística que resulta da atribuição de um caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma (MEILLET, 1912). • É o processo pelo qual um item lexical muda de estatuto passando a item gramatical, ou um item gramatical torna-se mais gramatical (LEHMANN, 1982). • A gramaticalização é um processo gradual entre o "menos" e o "mais" gramaticalizado e não, necessariamente, entre o que está "fora" ou "dentro" da gramática (HOPPER, 1991) • A gramaticalização pode, ainda, ser definida como um processo que não incide apenas sobre itens da língua, mas diz respeito a itens e construções que passam a exercer funções gramaticais, em determinados contextos linguísticos, e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais (HOPPER; TRAUGOTT, 1993). Até 1970, a gramaticalização era parte da linguística diacrônica, isto é, do estudo das mudanças das formas ao longo da história de uma língua. No paradigma Funcionalista, depois de 1970, a gramaticalização passa a ser vista como importante parâmetro para compreensão da linguística sincrônica, ou seja, para o entendimento de um determinado momento histórico de uma dada língua (sincronia). De acordo com Givón (2001), o somatório de estruturas que, em uma dada sincronia, podem codificar um mesmo domínio funcional é o somatório dos vários caminhos de gramaticalização percorridos a partir de domínios com funcionalidade semelhante. Assim, uma compreensão profunda dos princípios que regem a variação tipológica na gramática não pode ser alcançada sem o estudo do processo diacrônico da gramaticalização. Hopper & Traugott (1993) indicam duas perspectivas de estudo da gramaticalização: DIACRÔNICA Estuda a evolução das formas linguísticas e as mudanças típicas que as afetam. SINCRÔNICA Estuda a gramaticalização sob o ponto de vista de padrões fluidos do uso linguítico. A teoria funcionalista concebe a gramática como resultado de um processo dinâmico de evolução das línguas, que pode ser estudado tanto do ponto vista sincrônico, quanto do ponto de vista diacrônico. A gramaticalização pode ser descrita como um fenômeno pancrônico. Um fato observado é que, diacronicamente, todas as categorias menores (preposição, conjunção, pronomes etc) originaram-se de categorias maiores (substantivos e verbos). Givón (1979) chama a atenção para a emergência da sintaxe no discurso, afirmando que, no processo de gramaticalização, um modo mais pragmático dá lugar a um modo mais sintático, ou seja, frouxas estruturas discursivas paratáticas transformam-se em estruturas sintáticas fechadas. Givón (1979) acrescenta à sua célebre asserção . "A morfologia de hoje é a sintaxe de ontem", uma outra afirmação que pode ser parafraseada, aproximadamente, como "A sintaxe de hoje é o discurso pragmático de ontem". Para a compreensão do processo gradual de gramaticalização, alguns teóricos propuseram alguns princípios e efeitos que caracterizam a mudança linguística nele observável. Lehmann (1985) descreve alguns processos que caracterizam a gramaticalização. Paradigmatização → tendência de formas gramaticalizadas serem arranjadas em paradigmas. Obrigatorização → tendência de formas opcionais se tornarem obrigatórias. Condensação → tendência de "encurtamento das formas". Coalescência → tendência de aglutinação de formas adjacentes. Fixação → tendência de ordens lineares livres tornarem-se fixas. Paul Hopper (1991) propôs os seguintes princípios que se aplicam a processos ainda não completamente consolidados de gramaticalização. ESTRATIFICAÇÃO DIVERGÊNCIA ESPECIALIZAÇÃO PERSISTÊNCIA DESCATEGORIZAÇÃO ESTRATIFICAÇÃO Coexistência de formas com função similar, que podem ser estáveis ou não. Quando uma forma surge para uma dada função gramatical, a forma já estável na língua não é descartada imediatamente. A gramaticalização da expressão a gente não provocou o descarte do pronome nós em todos os contextos. A gente vai pescar no rio / Nós vamos pescar no rio. DIVERGÊNCIA Caso particular de estratificação. Quando uma forma lexical se gramaticaliza passando a um clítico ou um afixo, a forma lexical original pode permanecer como um organismo autônomo e sofrer as mesmas mudanças que os itens lexicais comuns. Mesmo com a gramaticalização do substantivo gente na expressão a gente, que equivale ao pronome nós, ele continua a ser usado como substantivo (A gente daquela cidade é muito simpática). ESPECIALIZAÇÃO Possibilidade de um item tornar-se obrigatório pela redução da variedade de escolhas. O verbo latino habere, usado no presente do indicativo, seguido de verbo principal no infinitivo (habeo + cantare > cantare habeo > cantare hei > chanterai), deu origem ao futuro do presente sintético (cantarei). Inicialmente, o verbo habere foi usado como modal deôntico, indicando compromisso (laudare habeo, hei de louvar, devo louvar), mas especializou, em contextos específicos, o sentido de futuro do morfema temporal (louvarei). PERSISTÊNCIA Permanência de vestígios do significado lexical original, muitas vezes refletido em restrições sobre o comportamento gramatical do item. Os advérbios em mente no português atual têm um adjetivo no feminino como base (bondosamente, mansamente) como resquício da concordância com o nome feminino mente (que significava modo, maneira). DESCATEGORIZAÇÃO Diminuição do estatuto categorial de itens gramaticalizados, e consequente aparecimento de formas híbridas. Os itens vez e medida, por exemplo, perdem características de substantivos propriamente ditos quando usados, sem referir qualquer entidade, nas locuções conjuntivas uma vez que e à medida que. Verbos plenos podem comportar-se, em alguns contextos, como auxiliares em locuções verbais, com valor gramatical de tempo, aspecto, voz (Pedro vai à praia / Pedro vai ficar (ficará) em casa). Os pesquisadores observam que não se trata apenas de uma “perda”, mas de uma função emergente, associada a propriedades morfossintáticas de outra categoria. Falam, portanto, em recategorização ou em mudança categorial. LEITURA COMPLEMENTAR São muito interessantes os fenômenos de gramaticalização na língua portuguesa já investigados. Os resultados dessas investigações são apresentados em muitos eventos da área de Linguística e se encontram publicados em livros e artigos. Uma dessas publicações encontra-se esgotada. Acesse essa publicação e conheça um pouco sobre a Gramaticalização no Português do Brasil (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.). ATIVIDADE DE PORTFÓLIO 1. Que críticas Givón faz ao estudo da Tipologia linguística que privilegia os aspectos sincrônicos e estruturais? 2. Que relação você entende que haja entre gramática e cognição? Leia o texto a seguir e faça as questões que se seguem CLIQUE PARA LER O TEXTO OS VIAJANTES E O URSO Um dia dois viajantes deram de cara com um urso. O primeiro se salvou escalando uma árvore, mas o outro, sabendo que não iria conseguir vencer sozinho o urso, se jogou no chão e fingiu-se de morto. O urso se aproximou dele e começou a cheirar sua orelha, mas, convencido de que estava morto, foi embora. O amigo começou a descer da árvore e perguntou: - O que o urso estava cochichando em seu ouvido? - Ora, ele só me disse para pensar duas vezes antes de sair por aí viajando com gente que abandona os amigos na hora do perigo. Moral da história: A desgraça põe à prova a sinceridade e a amizade Adaptado de texto disponível em:http://pensador.uol.com.br/fabulas [1]Acesso em: 13/01/2014. 3. Analise a sequência de orações abaixo de acordo com os princípios de Iconicidade. O urso se aproximou dele e começou a cheirar sua orelha, mas, convencido de que estava morto, foi embora. 4. Compare as duas formas variantes de concordância nominal abaixo e identifique a forma marcada e a não-marcada na fala coloquial de pessoas com pouca escolaridade. Justifique sua análise. I. Gente que abandona OS AMIGOS na hora do perigo. II. Gente que abandona OS AMIGO na hora do perigo . 5. Com base no que você sabe sobre o processo de gramaticalização, comente as formas de manifestação do futuro nas orações abaixo: I. Ele sabia que não iria conseguir vencer sozinho o urso. II. Ele sabia que não conseguiria vencer sozinho o urso. FÓRUM Vimos, na aula 5, que a hipótese da Estrutura Argumental Preferida (EAP) não é uma regra absoluta, nem prescritiva. É a observação de uma preferência discursiva a partir da frequência de uso das formas linguísticas. Com base no conhecimento dessa hipótese, exemplifique, com textos reais, e comente a confirmação dessa hipótese e um desvio em relação a ela. CHAT Verifiquemos a possibilidade de inverter a ordem das orações coordenadas abaixo: I. A criança descascou a fruta e a comeu. *II. A criança comeu a fruta e a descascou. Concluímos que as orações, nessa coordenação aditiva, são irreversíveis em virtude de um princípio de iconicidade relativo à ordem: ordem de ocorrência e ordem reportada. Reflita e discuta com seus colegas sobre outros exemplos semelhantes, em que um princípio de iconicidade determina fortemente a expressão linguística. LEITURA COMPLEMENTAR No Brasil, o paradigma funcionalista tem orientado muitas pesquisas sobre o português em uso. Conheça algumas dessas pesquisas, lendo o texto Estudos Funcionalistas no Brasil (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.). FONTES DAS IMAGENS 1. http://pensador.uol.com.br/fabulas/ Responsável: Profª. Márcia Teixeira Nogueira Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual