UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Funcionalismo: discurso, gramática e cognição Marcos Antonio Costa (UFRN) [email protected] 1- Funcionalismo Termo aplicado a várias áreas do conhecimento: Lingüística e Antropologia, por exemplo. Tendência geral de análise lingüística oposta ao chamado formalismo (Estruturalismo bloomfieldiano / Gramática Gerativa chomskiana). Presente na lingüística pelo menos desde os lingüistas da Escola de Praga. Três perspectivas: a) A NORTE-AMERICANA: Talmy Givón (Funções cognitivas e comunicativas). b) A INGLESA: Michael Halliday (Funções ideacional, interpessoal e textual). c) A HOLANDESA: Simon Dik (A linguagem como um requisito pragmático da interação verbal). A língua não pode ser entendida sem referência a parâmetros como cognição e comunicação, interação social e cultura, variação e mudança, aquisição e evolução. FUNÇÃO FORMA A FORMA da língua é determinada pelo seu USO; A estrutura gramatical das línguas é compreendida como um reflexo da situação de comunicação como um todo: o propósito do evento de fala, seus participantes e seu contexto discursivo; A situação comunicativa motiva, restringe, explica, determina a estrutura gramatical: o estudo da estrutura da língua deve se fazer dentro do quadro do uso comunicativo da língua. SISTEMA LINGÜÍSTICO NÃO É ARBITRÁRIO: Princípio da ICONICIDADE. Ganha força nos Estados Unidos a partir da década de 70 do século passado. O texto considerado pioneiro no desenvolvimento das idéias da escola funcionalista norteamericana foi “The origins of syntax in discouse: a case study of Tok Pisin relatives”, publicado por Gillian Sankoff e Penélope Brown em 1976. Nesse trabalho, as autoras fornecem evidências das motivações discursivas geradoras das estruturas sintáticas de relativização do tok pisin, língua de origem pidgin de Papua – Nova Guiné, ilha ao norte da Austrália. 2. Gramática A gramática das línguas é vista como um reflexo do uso nas situações concretas de comunicação. Nesses sentindo, a gramática é a sedimentação, pela alta freqüência, de estruturas que os falantes retiram de suas experiências comunicativas prévias. A gramática é tida como um “sistema adaptativo” (Du Bois, 1985), como uma “estrutura maleável” (Bolinger, 1977) e “emergente” (Hopper, 1987), que se encontra num processo contínuo de variação e mudança para atender a necessidades cognitivas e/ou interacionais. Gramaticalização e Discursivização Para o funcionalismo, a maleabilidade da estrutura lingüística se manifesta através de dois fenômenos diversos entre si: o da gramaticalização e o da discursivização. Fenômenos associados aos processos de regularização do uso da língua. Ou seja, relacionam-se à variação e mudança lingüísticas. Esses processos manifestam o aspecto não-estático da gramática, demonstrando que as línguas estão em constante mudança em conseqüência da incessante criação de novas expressões e de novos arranjos na ordenação vocabular. Gramaticalização: diz respeito ao processo através do qual algumas categorias lexicais passam a desempenhar funções gramaticais (Ex.: verbo pleno > verbo auxiliar), ou formas menos gramaticais se elevam a funções ainda mais gramaticais (Ex.: forma gramatical dependente > morfema preso). Discursivização: focaliza a trajetória de retorno dos elementos da gramática ao discurso. Estudando a trajetória de mudança semântica que caracteriza os usos da partícula né? (não é verdade? > não é? > né?), Martelotta e Alcântara (1996) observam que essa partícula, após perder os traços semânticos básicos dos seus componentes e, concomitantemente, sofrer redução fonética, distancia-se de seu sentido original como pergunta referencial ou pergunta não-retórica e passa a desempenhar o papel de preenchedor de pausa causada pela perda da linearidade do discurso. 3. Discurso Refere-se às estratégias criativas utilizadas pelo falante para organizar funcionalmente seu texto para um determinado ouvinte e em uma determinada situação de comunicação. De acordo com Givón (1979), a linguagem humana teria evoluído do modo pragmático para o sintático e, por isso mesmo, a sintaxe teria origem a partir do discurso. O modo pragmático de comunicação humana seria anterior ao modo sintático. Para os funcionalistas, a gramática não é um organismo auto-suficiente gerado por fatores cognitivos inatos, como querem os gerativistas, mas é também (e principalmente) uma conseqüência de padrões que se estabelecem no uso. Gramática e discurso não são conceitos separados, mas, ao contrário, constituem uma simbiose: a gramática molda o discurso e o discurso molda a gramática. 4. Cognição Gramaticalização A gramaticalização obedece a uma trajetória unidirecional de mudança lingüística. Semanticamente, esse processo se manifesta na passagem da concretude para a abstraticidade. Isto é, os conceitos gramaticais, que são mais abstratos, emergem de noções da experiência humana com o mundo concreto. Assim, parte do sistema semântico cognitivo de base física é transferido, analogicamente, para a formação do universo conceptual das construções gramaticais. O verbo saber é proveniente do Latim sapere, com o sentido de sentir o paladar e ter sabor. Posteriormente, esse verbo assume o sentido de conhecer, por meio de um processo de transferência metafórica, passando a designar sentido que expressa uma percepção lógica. O processo evolutivo ocorrido na passagem do demonstrativo that para o artigo definido the. That funciona primariamente como identificador de coisas no mundo real a partir da situação ou do ponto de vista do falante, enquanto a forma derivada - the - cumpre a tarefa de assinalar que aquilo sobre o qual está se falando já foi referido anteriormente no texto, ou então de tratar algo como se já fosse saliente na consciência do interlocutor (Traugott, 1982). Os subprincípios básicos da ICONICIDADE Subprincípio da quantidade: quanto maior a quantidade de informação, maior a quantidade de forma, de tal modo que a estrutura de uma construção gramatical indica a estrutura do conceito que ela expressa. Isso significa que a complexidade de pensamento tende a refletirse na complexidade de expressão: aquilo que é mais simples e esperado se expressa com o mecanismo morfológico e gramatical menos complexo. Subprincípio da integração: prevê que os conteúdos que estão mais próximos cognitivamente também estarão mais integrados no nível da codificação – o que está mentalmente junto, coloca-se sintaticamente junto. Subprincípio da ordenação linear: diz que a informação mais importante tende a ocupar o primeiro lugar da cadeia sintática, de modo que a ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordem de importância para o falante. Principais critérios para o princípio da MARCAÇÃO Complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa (ou maior) que a estrutura não-marcada correspondente; Distribuição de freqüência: a estrutura marcada tende a ser menos freqüente do que a estrutura não-marcada correspondente; Complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais complexa do que a estrutura não-marcada correspondente. Incluem-se, aqui, fatores como esforço mental, demanda de atenção e tempo de processamento.