UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CURSO DE MEDICINA Trauma torácico aberto extenso com lesões pleuropulmonares complexas: análise de um caso grave no extremo norte do país. Matheus Senna Molina Boa Vista-RR 2016 MATHEUS SENNA MOLINA Trauma torácico aberto extenso com lesões pleuropulmonares complexas: análise de um caso grave no extremo norte do país. Monografia apresentada como requisito básico para conclusão do Curso de Graduação em Medicina do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Roraima. Orientador: Professor Msc Tao Machado Boa Vista-RR 2016 TERMO DE APROVAÇÃO MATHEUS SENNA MOLINA Trauma torácico aberto extenso com lesões pleuropulmonares complexas: análise de um caso grave no extremo norte do país. Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do Curso de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Roraima. Defendida em 17/11/2016 e avaliada pela seguinte banca examinadora: ______________________________________________ Prof. Msc Tao Machado Orientador / Curso de Medicina – UFRR ______________________________________________ Prof. Esp. Marlon Krubniki de Mattos Curso de Medicina – UFRR _________________________________________________ Prof. Esp. Claudio Linhares Curso de Medicina – UFRR DEDICATÓRIA Aos meus pais, Ivan Molina e Rejane Senna Cruz, que sempre me incentivaram, deram-me amor, e me presentearam com seus ensinamentos de vida e condições necessárias ao meu desenvolvimento, além de terem contribuído na construção do meu caráter. À minha companheira, Ariadna Cunha Maia, pela compreensão e pelo apoio incondicional, especialmente nos momentos mais difíceis, quando eu acreditava não mais conseguir. AGRADECIMENTOS Durante a realização desse trabalho que simboliza mais uma etapa da minha vida vencida, pude contar com a colaboração de diversas pessoas. Sem ajuda dos quais a conclusão desse estudo seria impossível. Assim, agradeço imensamente: Ao Prof. Tao Machado, pela orientação. Ofereço minha gratidão, admiração e respeito. Aos preceptores do Internato em Clínica Cirúrgica do Hospital Geral de Roraima pela solicitude em me ensinar e orientar nos momentos de dúvida acerca da condução deste caso. Ao meu irmão Angelo Senna Molina, pela contribuição valiosa e ajuda nessa etapa importante. RESUMO TEMA: Trauma torácico aberto extenso com lesões pleuropulmonares complexas: análise de um caso grave no extremo norte do país; OBJETIVO GERAL: Analisar o trauma torácico aberto no contexto das lesões extensas e complexas em todos os seus aspectos; OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Pesquisar as principais obras da literatura nacional e internacional consolidadas, sobre o trauma torácico, principalmente o trauma do tipo aberto • Reler a condução clínico-cirúrgica do objeto da presente pesquisa • Identificar as práticas ideais diante de um quadro grave de trauma torácico aberto extenso com lesões difusas do parênquima pulmonar; MÉTODOS: estudo retrospectivo de um caso de trauma torácico grave conduzido pela equipe de Cirurgia do Hospital Geral de Roraima no período de fevereiro a março do ano de 2016, com coleta e análise dos dados do prontuário médico do paciente para caracterização do objeto de estudo. Além disso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica incluindo artigos originais, artigos de revisão, artigos de relato de caso, bem como a utilização de livros-texto envolvendo os temas trauma torácico e cirurgia do tórax; RESULTADOS: Na casuística apresentada, o paciente teve evolução satisfatória, com mínimas sequelas funcionais; CONCLUSÃO: as primeiras condutas adotadas pela equipe de um hospital de pequeno porte, para estabilização e controle de danos, embora tenham sido temporárias, impactaram positivamente na sobrevida do doente. Ademais, as correções definitivas realizadas pela segunda equipe estiveram de acordo com o que advoga os principais autores, possibilitando uma reabilitação mais precoce do paciente, evitando complicações relacionadas a internação prolongada em unidade de terapia intensiva. DESCRITORES: Trauma Torácico. Trauma Torácico Aberto. Tórax Instável. Controle de Danos. Toracotomia Traumática. RESUMEN TEMA: trauma torácico amplio abierto con lesiones pleuropulmonares complejas: análisis de un caso grave en el extremo norte; OBJETIVO GENERAL: Analizar la traumatismo torácico abierto en el contexto de las lesiones extensas y complejas en todos sus aspectos; OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Buscar las grandes obras de la literatura nacional e internacional consolidado en el traumatismo torácico, especialmente trauma de tipo abierto • Vuelva a leer la conducción del objeto de esta investigación • Identificar las mejores prácticas en la frente de un traumatismo torácico severo extenso abierto con lesiones difusas del parénquima pulmonar; MÉTODOS: Estudio retrospectivo de un caso de traumatismo torácico grave llevado a cabo por el equipo de Cirugía del Hospital General de Roraima de febrero a marzo de 2016, con la recolección y análisis de datos de registros médicos del paciente para caracterizar el objeto de estudio. Además, fue llevado a cabo una investigación bibliográfica que incluye artículos originales, artículos de revisión, artículos de recogida de datos, y el uso de libros de texto que se presenten elementos de trauma en el pecho y cirugía de tórax; RESULTADOS: En el caso presentado, el paciente hay tenido progreso satisfactorio con secuelas funcionales mínimas; CONCLUSIÓN: las primeras conductas adoptadas por el personal de un hospital pequeño, para la estabilización y control de daños, a pesar de que eran temporales, impactó positivo en la supervivencia del paciente. Por otra parte, las últimas correcciones hechas por el segundo equipo estaban de acuerdo con lo que es abogado por los principales autores, lo que permite una rehabilitación temprana del paciente, evitando las complicaciones relacionadas con la prolongación de su permanencia en la unidad de cuidados intensivos. PALABRAS CLAVE: El trauma torácico. El traumatismo torácico abierto. Tórax inestable. El control de daños. Toracotomía traumática. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Fratura de múltiplas costelas ............................................................... 15 Ilustração 2 - Respiração paradoxal. (a) inspiração; (b) expiração. .......................... 16 Ilustração 3 - Fixação longitudinal das fraturas costais ............................................. 24 Ilustração 4 - Scalt da Tomografia Computadorizada de Tórax antes da correção cirúrgica definitiva...................................................................................................... 33 Ilustração 5 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar antes da correção cirúrgica definitiva (1) ................................................... 34 Ilustração 6 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar antes da correção cirúrgica definitiva (2) ................................................... 34 Ilustração 7 - Scalt da Tomografia Computadorizada de Tórax após da correção cirúrgica definitiva...................................................................................................... 38 Ilustração 8 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar após a correção cirúrgica definitiva (1) ...................................................... 39 Ilustração 9 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar após a correção cirúrgica definitiva (2) ...................................................... 39 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 1.1 TEMA ............................................................................................................... 10 1.1.1 Delimitação do tema .................................................................................. 10 1.2 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................ 10 1.3 OBJETIVOS GERAIS ...................................................................................... 10 1.3.1 Objetivos Específicos................................................................................. 10 2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 11 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 12 3.1 CLASSIFICAÇÃO DO TIPO DE TRAUMA ....................................................... 13 3.2 O ATENDIMENTO ............................................................................................ 18 3.3 CIRURGIA PARA CONTROLE DE DANO NO TRAUMA TORÁCICO ............. 26 4 MÉTODOS ............................................................................................................. 29 5 DA CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E DA CONDUÇÃO CLÍNICOCIRÚRGICA .............................................................................................................. 31 5.1 O OBJETO DE ESTUDO ................................................................................. 31 5.2 A CONDUÇÃO DO CASO ................................................................................ 32 5.2.1 O pós-operatório em UTI ........................................................................... 36 5.2.2 Paciente no bloco de enfermarias ............................................................. 37 6 ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO ........................................................................ 41 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 50 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 51 9 1 INTRODUÇÃO As lesões traumáticas configuram um problema de saúde pública pandêmico, responsável por 5 milhões de mortes por ano em todo o mundo. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, no ano de 2012, 152.013 indivíduos morreram em decorrência de lesões por causas externas. De acordo com ABREU et al. (2015): O trauma é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a doença do século XXI e seu impacto é muito grande nas sociedades, uma vez que debilita pessoas em idade produtiva. Suas vítimas, quando sobrevivem, têm um tempo prolongado de hospitalização. O trauma ocupa o terceiro lugar em causas de morte no Brasil: são 150 mil óbitos e 450 mil pacientes com sequelas por ano. Segundo esse mesmo autor, só no ano de 2011, mais de 112.000 pessoas entre 15 e 59 anos de idade morreram em nosso país por causas externas, que representam, desde 1980, a primeira causa de morte entre pessoas dos cinco aos 39 anos. São as maiores responsáveis pelos anos potenciais de vida perdidos (APVP), o que corresponde a três vezes os APVP nas doenças cardiovasculares, que é a primeira causa de morte entre os óbitos por causas naturais. Neste mesmo sentido, Melo et al. (2003) consideram o trauma como uma das principais causas de invalidez e morte no mundo atual, em especial na população mais jovem, sendo que a lesão torácica representa um agravante importante na evolução dos pacientes com trauma multissistêmico, chegando a determinar 20% das mortes de origem traumática. Seguindo essa tendência nacional, a Região Norte de nosso país experimenta um aumento do número de pacientes acometidos pelo trauma, tanto causado por acidentes quanto por agressões físicas. Há um grande contingente de pessoas que está exposta à violência, principalmente na periferia das grandes cidades, onde o desemprego e a utilização de drogas são mais frequentes. (WESTPHAL et al., 2009, p. 482) Quanto a epidemiologia da mortalidade por traumatismos, ela se dá através de três picos de uma curva trimodal, sendo o primeiro pico representado pelas mortes imediatas ao evento do trauma, o segundo pelas mortes precoces (até 3h após o evento) e o terceiro pelas mortes tardias. 10 1.1 TEMA Trauma torácico aberto extenso com lesões pleuropulmonares complexas: análise de um caso grave no extremo norte do país. 1.1.1 Delimitação do tema O trauma torácico com enfoque nas lesões abertas complexas com comprometimento pleuropulmonar extenso, considerando os aspectos epidemiológico, fisiopatológico, diagnóstico e de conduta. 1.2 PROBLEMA DE PESQUISA Como a condução do caso clínico relatado impactou na boa evolução do quadro instalado? 1.3 OBJETIVOS GERAIS Analisar o trauma torácico aberto no contexto das lesões extensas e complexas em todos os seus aspectos. 1.3.1 Objetivos Específicos a) Pesquisar as principais obras da literatura nacional e internacional consolidadas sobre o trauma torácico, principalmente o trauma do tipo aberto; b) Reler a condução clínico-cirúrgica do objeto da presente pesquisa; c) Identificar as práticas ideais diante de um quadro de trauma grave com defeito extenso da parede torácica e lesões pulmonares associadas. 11 2 JUSTIFICATIVA As feridas torácicas representam a causa de 20% de todas as mortes por trauma e mais do que 30% entre todos os tipos de lesões, mostrando que a mortalidade dos pacientes hospitalizados com apenas uma lesão isolada do tórax varia de 4% a 8%, e aumenta para 10% a 25%, quando outro órgão é envolvido, elevando-se para 35%, quando há comprometimento de múltiplos sistemas orgânicos 5, 6. (FONTELLES; MANTOVANI, 2000). O traumatismo torácico encontra-se como uma das principais causas de morte, principalmente se tratando de acidentes automobilísticos. Além da relevância do tema acima proposto, o pesquisador teve a experiência de vivenciar um caso grave de trauma torácico complexo durante o seu estágio em clínica cirúrgica, onde acompanhou a evolução clínica do paciente, deparando-se com diversas fronteiras do conhecimento sobre o tema. Tais dúvidas motivaram a realização da presente pesquisa. Coelho e Silva (2009) asseveram que sob um enfoque mais amplo da saúde pública, a pesquisa acadêmica de qualidade é essencial para a elaboração de políticas nacionais de saúde, para o planejamento de ações de saúde e para a provisão eficiente dos serviços de saúde. Os autores supracitados também definem: A chamada sociedade do conhecimento é cada vez mais vista como economia do conhecimento no contexto globalizado e, como tal, exige uma produção de conhecimento com a maior abrangência possível e a noção de visibilidade insere-se definitivamente no léxico da pesquisa acadêmica (COELHO; SILVA, 2009, p. 390). 12 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O trauma tem sido a principal causa de morte na população adulta jovem no mundo atual, e o traumatismo torácico tem se destacado em virtude de fatores vinculados ao avanço tecnológico, como meios de transporte cada vez mais velozes e pelo aumento da violência urbana. (CUBA; BEZERRA, 2005). Embora exista esse aumento da mortalidade por trauma entre os adultos jovens, os eventos traumáticos continuam sendo uma das principais causas de morte em todos os grupos de idade, constituindo o trauma torácico, penetrante e contuso 25%-50% das mortes, de acordo com Muñoz et al. (2007). Sendo que a taxa de mortalidade em pacientes internados vítimas desta lesão eleva-se na medida em que outros sistemas são comprometidos de maneira cumulativa. Além da predominância nos mais jovens, há também uma diferença entre os gêneros, com uma maior incidência no sexo masculino. Um estudo realizado em hospital de referência no estado do Goiás no ano de 2012, traçou perfil epidemiológico das vítimas de trauma torácico submetidos a cirurgia e evidenciou maior prevalência de homens (89%), com idade entre 20-29 anos (50%). (SILVA; SANTOS; PEREIRA, 2013) Isso é corroborado por ABREU et al. (2015) no seu trabalho intitulado “impacto de um protocolo de cuidados a pacientes com trauma torácico drenado”, onde a maior parte da amostra do estudo foi composta por pacientes do sexo masculino, correspondendo a um valor de 93,7%. Quanto à trimodalidade das mortes, segundo Fontelles e Mantovani (2000) : aproximadamente metade dos pacientes com lesões graves do tórax morre nas primeiras horas após o evento. O restante vai a óbito em consequência das complicações pleuropulmonares de natureza infecciosa que, direta ou indiretamente, resultam deste tipo de violência. Sabe-se ainda que muitos dos pacientes acometidos por esse tipo de trauma morrem após chegarem ao hospital e, destas mortes, muitas poderiam ser evitadas por meio de medidas terapêuticas e diagnósticas imediatas. A toracotomia é necessária em menos de 10% dos traumatismos contusos e em cerca de 15% a 30% dos traumatismos penetrantes torácicos. Para uma compreensão mais clara da evolução clínica do paciente na vigência de um trauma torácico, uma classificação que leva em conta a natureza da 13 lesão e a integridade da parede foi proposta. Estudos de mortalidade utilizando essa classificação indicam que o trauma contuso carrega maior mortalidade que o trauma penetrante. 3.1 CLASSIFICAÇÃO DO TIPO DE TRAUMA Traumatismo contuso apresenta mortalidade superior quando comparado ao penetrante. Sua principal causa são acidentes de trânsito e as quedas. As quedas acontecem principalmente no domicílio, com crianças. Já os penetrantes, estão relacionados a menor gravidade em comparação com o contuso. É o principal tipo de lesão em tempos de guerra. E suas principais causas são feridas ocasionadas por projetil de arma de fogo, e arma branca. (FENILI et al., 2002) É sabido que, quanto aos mecanismos, as lesões penetrantes acometem, na maior parte das vezes estruturas da periferia dos pulmões. Já o trauma torácico fechado pode induzir lesão por golpe direto ao tórax com fratura de costelas, lesão por desaceleração com ruptura da aorta, contusão pulmonar ou cardíaca e lesão por esmagamento, com ruptura do coração e diafragma. As lesões penetrantes ganham mais importância quando são transfixantes de mediastino por poderem afetar grandes vasos, coração, pericárdio e esôfago. Aqui se encontra a elevação da mortalidade no trauma penetrante, pois em ocorrência comum pode levar a instabilidade hemodinâmica com lesões exsanguinantes. Durante o atendimento inicial, por meio de uma avaliação sistematizada é possível fazer essa classificação do tipo de traumatismo torácico. Juan et al. (1957) observaram 793 casos de traumas torácicos e toracoabdominais e propuseram uma classificação levando em conta a existência ou não de solução de continuidade na parede torácica. Caso haja essa solução, há que se falar em ferimento. E ainda conforme essa mesma classificação, as feridas podem ser penetrantes ou não penetrantes, conforme a integridade da pleura parietal. Sendo o ferimento penetrante ele ainda pode ser classificado em: (1) Simples – se for na zona periférica do pulmão; (2) Complicado – se tiver hemorragia pleural contínua, lesão de brônquio ou corpos estranhos na pleura; 14 (3) Complexo – se transfixante do mediastino, toracoabdominal ou toracotomia traumática. O tórax constitui ¼ da massa corporal total, por onde passam vísceras e estruturas dos mais diversos sistemas orgânicos, abrigando essencialmente órgãos do aparelho respiratório e cardiovascular. A dinâmica ventilatória tem base na diferença de pressão gerada entre a cavidade torácica e o meio ambiente, originada principalmente de forças exercidas pela musculatura diafragmática sobre a cavidade pleural. Dessa forma, a integridade da parede torácica é fundamental para que todo esse processo ocorra de maneira equilibrada. O pulmão e as pleuras precisam também estar íntegros. O comprometimento pleuropulmonar pode resultar no desequilíbrio respiratório por dois motivos principais. O primeiro deve-se a explicação de que o dano da pleura visceral permitiria o escape de ar dos alvéolos para a cavidade pleural. O segundo motivo seria de que áreas de pulmão contundidas levam a uma troca ventilatória inadequada, além de dificultar a toalete pulmonar. O mecanismo fisiopatológico do trauma torácico se baseia no tripé hipóxiahipercapnia-acidose. A hipóxia resulta principalmente da dificuldade em o oxigênio chegar aos alvéolos, o que pode se dá por obstrução das vias aéreas e alterações na pressão intratorácica. Além disso, desordem na difusão do gás, como problemas na ventilação-perfusão e hipovolemia podem levar à diminuição de oxigênio disponível nos tecidos. A presença de um pulmão colapsado associado a trauma craniano com alteração do estado mental podem causar ventilação inadequada e hipercapnia. Já a acidose é devida principalmente à hipoperfusão por perda sanguínea. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013). No estudo do trauma torácico, didaticamente, os danos de parede torácica e pleuropulmonares são analisados de forma separada, embora em alguns tipos de trauma haja comprometimento conjunto dessas duas partes, advindo do mesmo mecanismo traumático. A injúria de parede torácica se deve, geralmente, pelo mecanismo contuso, podendo haver lesões ósseas (fraturas), gerando dor intensa e/ou instabilidade torácicas, comprometendo a ventilação, bem como o clearance pulmonar. Em algumas situações a gravidade pode se relacionar com uma doença pulmonar de base ou a idade avançada. Por exemplo, nos pacientes idosos a complacência 15 torácica é diminuída e as repercussões podem ser mais sérias, já que existe associação com acúmulo de secreções, atelectasia e posterior infecção. Os arcos costais que mais comumente são acometidos por fratura vão da quarta até a décima costela. E na presença de comprometimento de um a dois arcos costais sem lesão pleural ou pulmonar, o tratamento é ambulatorial, como ensina Saad Júnior et al. (2011). Estando presentes fraturas das três primeiras costelas, da escápula e da clavícula, o médico deve pensar em um trauma torácico grave de alta energia, com lesão de grandes vasos. Ademais, lesões da nona a décima segunda costela frequentemente são acompanhadas de acometimento esplênico ou hepático. Nas afecções da parede, um conceito importante a ser estabelecido é o do “tórax instável”, por se tratar de uma entidade do trauma torácico com importância clínica, visto que pode implicar consequências drásticas, decorrentes da insuficiência respiratória. O tórax flácido (instável) ocorre em 10% a 15% dos pacientes que sofrem trauma torácico grave, e as chances de ocorrer uma lesão intratorácica nessa situação aumentam significativamente. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013). O diagnóstico dessa lesão Ilustração 1 - Fratura de múltiplas costelas específica é feito quando existe uma descontinuidade da parede torácica, evento que surge na vigência de fraturas de dois ou mais arcos costais consecutivos, sendo que cada costela esteja fraturada em pelo menos, dois pontos (figura 1). Essa descontinuidade causa o que se denomina de respiração paradoxal, cujo segmento instável se movimenta para dentro na inspiração e para fora na expiração (figura 2). Este fenômeno produz uma excursão torácica ineficiente, o que leva a um aumento no trabalho ventilatório e Fonte: OLIVEIRA (2011) hipoventilação alveolar. 16 Ilustração 2 - Respiração paradoxal. (a) inspiração; (b) expiração. Outra parede lesão torácica é específica a da Toracotomia Traumática, que é definida como uma situação em que existe um ferimento da parede do tórax que comunica amplamente a cavidade pleural com o meio ambiente (SAAD-JUNIOR et al., 2011). Nesse tipo de lesão, a ocorrência de injúrias internas é frequente. Essa é a expressão mais grave do trauma torácico aberto, uma vez que ao determinar a comunicação entre uma cavidade pleural e o meio ambiente, estabelece-se o colapso do pulmão ipsilateral ao hemitórax agredido. A cavidade pleural do outro lado, ainda íntegra, sofre ação dos mecanismos inspiratórios e expiratórios, resultando Fonte:http://intranet.tdmu.edu.ua/data/kafedra/int ernal/surgery2/ uma variação pressórica. Como passa a existir uma diferença de pressão entre as cavidades pleurais, o mediastino desvia-se para o lado íntegro na inspiração e para o lado da cavidade pleural aberta na expiração. Este fenômeno é denominado balanço mediastinal. Na vigência deste fenômeno, uma insuficiência respiratória grave se instala em pouco tempo. O pulmão e o compartimento pleural também podem sofrer com a agressão intensa da parede do tórax. No pulmão, a lesão que mais ocorre é a contusão pulmonar, que conforme definição de Townsend et al. (2013), trata-se de um estado patológico no qual ocorre hemorragia e edema de pulmão sem laceração do parênquima, com o pico de mortalidade nos idosos e gravidade maior associada a doença pulmonar crônica subjacente. Outro tipo de lesão igualmente importante é o pneumotórax, que corresponde à presença de ar na cavidade pleural (fora da árvore pulmonar). O ar proveniente do pulmão ou de uma via aérea lesada passa para o espaço pleural 17 aumentando gradativamente sua pressão que é, em estado fisiológico, negativa. (TOWNSEND, C. M. et al, 2013) Os achados do exame físico no pneumotórax geralmente incluem: menor expansibilidade, redução do murmúrio vesicular e percussão timpânica no hemitórax acometido. Na radiografia simples de tórax pode se verificar área de hipodensidade em pneumotórax volumosos. Sendo o pneumotórax considerado pequeno quando o volume perdido corresponde a um terço do volume pulmonar. Em um grande pneumotórax, o pulmão está todo colapsado. No pneumotórax hipertensivo, além de ter o pulmão colapsado, há desvio da traqueia e do mediastino para contralateral, levando a diminuição do retorno venoso, a hipotensão e falência respiratória. Ocorre mais em pacientes sob ventilação com pressão positiva. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013). O ar também pode se acumular na cavidade pleural proveniente do meio externo através de lesões da parede torácica, quando essas lesões têm diâmetro tão grande (2/3 do diâmetro de secção transversal da traqueia) e literalmente aspiram o ar de fora para dentro através da ferida no tórax, motivo pelo qual são chamadas de lesões aspirativas e a doença de pneumotórax aberto. O rápido equilíbrio entre a pressão pleural e atmosférica leva ao colapso do pulmão, e o aumento da pressão intratorácica causa também desvio do mediastino e diminuição do retorno venoso. No trauma contuso de alta energia, principalmente os que causam ferimento penetrante complexo, a lesão direta do parênquima pulmonar por espículas de costela fraturada pode ser encontrada. (SAAD JUNIOR et al., 2011). Assim como o espaço pleural pode se encher de ar, também pode se encher de líquido, e mais comumente de sangue – a este evento dá-se o nome de hemotórax, e pode ter origem nos traumas fechados ou penetrantes. O sangramento para dentro da cavidade pode ser de mínimo a maciço. Ao exame físico, a clínica é semelhante à do pneumotórax, com a diferença de a percussão mostrar nível de macicez, ao contrário do timpanismo evidente no acúmulo de ar. E a repercussão clínica vai depender diretamente do volume de sangue que preenche a cavidade pleural. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013). Nesse tipo de lesão as evidências radiológicas na radiografia convencional de tórax pode aparecer precocemente na incidência perfil, quando volumes de até 300 ml são bem identificados. A partir de 300 ml na incidência póstero-anterior já é possível visualizar o derrame. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013). 18 Além da parede torácica e do pulmão, outros órgão e estruturas podem ser acometidos por lesões traumáticas que necessitam de uma avaliação lógica e sequencial, seguida de terapêutica específica, a qual pode implicar uma cirurgia. 3.2 O ATENDIMENTO A avaliação da gravidade do trauma e a instituição de manobras para manutenção básica da vida, no local do evento, podem representar a oportunidade de sobrevida para as vítimas de trauma até a sua chegada ao hospital. (WHITAKER, I.Y. et al., 1998). Este mesmo autor acrescenta que o atendimento pré-hospitalar possibilita a correta triagem da vítima, bem como o adequado planejamento do suporte ao doente, tornando possível a alocação de recurso humano e material necessários ao atendimento da vítima, o que exerce influência nas taxas de morbidade e mortalidade. Baldo et al. (2014) por sua vez explicam que: O atendimento pré-hospitalar é uma área de atuação da saúde que vem recebendo atenção diferenciada em nosso meio na última década. Tem como fundamento proporcionar a detecção rápida de situações de risco à vida ou função, a intervenção precoce iniciada a partir do local de ocorrência e o encaminhamento direto ao serviço de saúde, com resolução adequada para o caso. Essa atuação pode diminuir significativamente as sequelas e mortes resultantes dos agravos. E nesse sentido, Sabiston (2013), traz que: Os componentes vitais do cuidado pré-hospitalar incluem um controle médico engajado, linhas de comunicação estabelecidas, critérios de triagem testados, transporte efetivo e um grupo de socorristas pré-hospitalares bem treinados nas intervenções específicas no campo. Segundo Domingues et al. (2015), melhorias na prevenção do trauma e no controle da qualidade dos sistemas de atendimento ao traumatizado demonstraram efeitos mensuráveis e previsíveis em termos de vidas salvas e melhoria dos resultados. Assim, tudo se inicia no ambiente onde ocorre o evento traumático, com a adequada triagem do doente e a organização de toda a rede de suporte de vida. Sendo ali, possível, a realização de manobras básicas de estabilização do paciente antes da intervenção avançada no hospital. 19 Embora, na maioria dos casos, um trauma envolvendo a caixa torácica tenha uma abordagem inicial e sistemática simples, pois dados da própria inspeção física já fornecem indícios diagnósticos, algumas vezes a pouca experiência ou inobservância de aspectos relevantes ao politraumatizado como um todo, pode comprometer seriamente a vida do paciente. Não é rara a concomitância de lesões traumáticas importantes de outros segmentos corporais como a cavidade abdominal ou craniana, que podem ser prioritárias no momento da admissão no pronto-socorro. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013) Apesar disso, o principal objetivo na abordagem inicial do paciente com o tórax lesado é manter a capacidade ventilatória dos pulmões e a prevenção da hipóxia. A avaliação clínica rigorosa, baseada nos princípios do Suporte de Vida Avançado no Trauma (ATLS) do Colégio Americano de Cirurgiões pode fazer uma grande diferença neste momento. Não obstante a importância de todos os cuidados pré-hospitalares sedimentados na literatura mundial, três cuidados ganham destaque no trauma de tórax, qual sejam: (1) Determinar a necessidade de tratamento de emergência, (2) Iniciar tratamento de acordo com os protocolos da direção médica, e (3) transferência rápida do paciente para um centro de trauma. Isso porque o trauma torácico pode cursar com lesões graves de elevada morbi-mortalidade como as de vias aéreas, onde a vítima pode ir a óbito ainda no local do evento. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013) Conforme esse autor, o tratamento no local do trauma varia de acordo com a gravidade da lesão, a prática médica local e o treinamento e experiência dos prestadores pré-hospitalares, sendo que o atendimento pré-hospitalar ao traumatizado (APHT) tem como objetivo levar o doente traumatizado ao hospital para tratamento definitivo, tão rapidamente quando for possível. Discute-se muito há mais de 20 anos a eficiência da evacuação imediata (scoop and run) versus a reanimação no local (stay and play). Sendo um ponto importante de debate o uso do controle pré-hospitalar das vias aéreas. Segundo Townsend, C. M. et al (2013), vários estudos apontam que a intubação endotraqueal e a ventilação excessiva podem aumentar a mortalidade. Na evacuação, diversas modalidades de transporte médico no trauma têm sido implementadas, especialmente nos grandes centros. O transporte por terra costuma ser feito por veículos automotores adaptados para o suporte de vida básico 20 e avançado, já o transporte aéreo é realizado por helicópteros também adaptados para essa realidade. E a escolha do tipo de transporte a ser utilizado varia de acordo com alguns aspectos e depende das condições do paciente, da distância até o centro regional de trauma, do acesso ao local do trauma e das condições do clima. (TOWNSEND, C. M. et al., 2013). O próximo passo é a aplicação do atendimento avançado (intra-hospitalar) que consiste em cuidados na sala de emergência, na sala de cirurgia, na unidade de terapia intensiva e na enfermaria. Nesse estágio do atendimento ao paciente traumatizado é essencial que a abordagem ao trauma torácico, como em qualquer outro, comece com a suposição da probabilidade de agravamento do estado fisiológico do paciente, e da presença de mais de uma lesão grave. A suposição e detecção do agravamento podem ser feitos já no primeiro exame do paciente, lançando-se mão do recurso mnemônico ABCDE, que consiste em uma avaliação sequenciada dos diferentes sistemas, segundo uma ordem de prioridade. A seguinte ordem é adotada: primeiro se avaliam as vias aéreas (Airway) e na sequência, respiração (Breathing), circulação (Circulation), incapacidade (Disability) e exposição (Exposure), como é convencionado pelo Colégio Americano de Cirurgiões. (ROTONDO, M. F.; FILDES, J., 2012). Por ser a hipóxia um evento devastador, acarretando repercussões dramáticas no organismo, as injúrias que acometem o tórax merecem atenção especial e precoce na avaliação primária sistematiza ao doente traumatizado. É justificado, então, o fato de o sistema respiratório ser avaliado precocemente, antes mesmo do sistema circulatório, embora alguns problemas torácicos gerem colapso ventilatório e circulatório concomitantemente. Após a realização do fluxograma ABCDE, garantida a segurança imediata do paciente, pode-se realizar o estudo secundário do doente, definindo com exatidão o tipo de lesão causada, bem como possíveis consequências e manejo adequado para cada caso. Segundo Symbas (apud Trindade et al., 2009, p. 104), apesar de a incidência de morte nas lesões torácicas ocupar posição de destaque nas estatísticas mundiais, grande parte dos pacientes com este tipo de trauma pode ser tratada sem grandes procedimentos cirúrgicos, reservando-se a toracotomia para cerca de 10% a 20% dos casos. Corrobora com isso o que Townsend, C. M. et al. (2013, p. 506) diz: “(…) de 21 fato, 85% dos pacientes que sofrem lesões torácicas precisarão apenas de observação ou de drenagem de tórax”. Neto et al. (2012) trazem resultados semelhantes e mostram que apenas 10% a 15% dos traumatizados do tórax necessitam toracotomia, e os demais 85% têm resolução com procedimentos menos invasivos, na maioria das vezes com a drenagem fechada do tórax; no entanto, com estes procedimentos simples não é possível visualizar o diafragma e outras estruturas intrapleurais podendo algumas lesões ficar sem diagnóstico. As principais indicações de toracotomia, segundo a literatura, são: (1) hemotórax maciço (drenagem imediata de 1500 ml pelo dreno tubular de toracostomia ou saída de 200 – 300 ml nas primeiras 2-3 horas); (2) lesões penetrantes no tórax anterior com tamponamento cardíaco; (3) feridas na caixa torácica de grandes dimensões; (4) lesões a vasos nobres no tórax na presença de instabilidade hemodinâmica; (5) lesões traqueobrônquicas extensas; e (6) evidência de perfuração esofagiana. (TOWNSEND, C. M. et a.l, 2013, p. 506). Contudo, a nona edição do Advanced Trauma Life Suport (ATLS), traz que a saída imediata de mais de 1500 ml de sangue na drenagem inicial pode não ser uma indicação absoluta de exploração cirúrgica e que os pacientes candidatos a intervenção seriam aqueles com instabilidade hemodinâmica e/ou necessidade persistente de hemotransfusão. Para melhor entender o que será apontado mais a frente, é fundamental saber do que se trata uma drenagem de tórax. A qual é realizada introduzindo um tubo de silicone de grosso calibre (36 – 40 french em adultos e adolescentes) no quinto ou sexto espaço intercostal entre a linha axilar anterior (LAA) e a linha axilar média (LAM), conectando-o a um frasco coletor contendo água estéril (selo d’água) formando um circuito fechado de drenagem da cavidade pleural. A sistematização e a avaliação inicial do trauma de tórax é peça-chave para a correta condução do tratamento das afecções ocasionadas. Embora se saiba que 85% dos pacientes podem ser tratados por procedimentos disponíveis na sala de emergência, uma percentagem menor requer tratamento cirúrgico, seja imediato ou mais tardiamente. Uma classificação proposta por Saad-Junior et al. (2011), separa os doentes em categorias, e se baseia na gravidade, frequência e tratamento das lesões que se instalam depois do trauma. Assim, separam os doentes em três grupos: grupo I ou 22 doentes instáveis; grupo II ou doentes estáveis cujo tratamento definitivo é a drenagem torácica; e grupo III cuja drenagem de tórax não é o tratamento definitivo. Seguindo esse mesmo autor, 60% a 70% dos pacientes vítimas de trauma torácico compõem o grupo III, 10% a 20% o grupo III e 10% a 15% o grupo I. Dentro do conjunto de lesões que podem estar presentes nos pacientes do grupo I é a grande solução de continuidade da parede torácica, bem como a contusão torácica grave, ambas resultado de um impacto muito intenso. Os doentes do grupo I são menos frequentes, mas são os de maior gravidade e necessitam, na maioria das vezes, de um diagnóstico rápido sem haver muito tempo para exames complementares. Sendo a insuficiência respiratória e/ou circulatória responsáveis pela dramaticidade do quadro. A indicação de toracotomia nesta situação chega a 80% e a mortalidade varia de 30% a 40% (SAAD-JUNIOR et al., 2011). Hoje em dia, já estão bem estabelecidos os tipos de tratamento definitivo da maioria das lesões provocadas pelo trauma torácico, e como citado acima, a drenagem torácica resolve a maior parte dos danos oriundos dessa agressão. A despeito do avanço tecnológico ocorrido nos últimos anos e do desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas, um tipo de trauma torácico continua sendo desafio para os cirurgiões, qual seja, o trauma torácico aberto extenso, principalmente os que produzem defeito traumático importante da parede e lesões pulmonares associadas. O trauma penetrante complexo, especialmente a toracotomia traumática carrega morbimortalidade elevada, pois frequentemente está associado com o desenvolvimento de tórax flácido e lesões internas. Esse conjunto de lesões leva o paciente a uma condição de instabilidade, na maioria das vezes pela instalação de uma insuficiência respiratória aguda grave. A condução dos casos de Toracotomia Traumática, principalmente os que cursam com lesão interna do parênquima pulmonar, envolve um conjunto de condutas cirúrgicas e clínicas. Basicamente, o tratamento leva em consideração os aspectos de cada lesão específica. Em relação ao tratamento das afecções de parede no trauma aberto extenso, a correção cirúrgica depende da natureza e extensão das lesões presentes. Nas lesões ósseas múltiplas com comprometimento da função respiratória, a estabilização das fraturas é parte central do tratamento aliada a uma boa analgesia. 23 Quanto ao manejo das fraturas costais, existem três possibilidades, que são: 1) tratamento conservador baseado no suporte clínico e controle da dor; 2) ventilação do paciente produzindo uma estabilização pneumática interna; e por último; 3) fixação cirúrgica das fraturas. Saad-Junior et al. (2011) explica que a dor no trauma torácico, diferentemente do que ocorre em outras regiões, é um fator limitante de função. Isso porque a inervação do tórax possui dupla função: motora e sensitiva. É fácil compreender que a dor reflete na diminuição da expansibilidade torácica, já que sendo interpretada pelo SNC, resulta em imobilidade antálgica do paciente. Esse processo gera um padrão restritivo importante, motivo pelo qual prejudica a função respiratória. A influência da dor é diretamente proporcional a gravidade do trauma e pode se originar da pele, da parede propriamente dita ou das vísceras, sendo que o trauma de parede causa mais dor, já que dela saem fibras sensitivas somáticas. Ainda conforme o autor acima, a maioria dos casos de Trauma de Parede não penetrante com fraturas costais tem boa resolução com suporte clínico e uso de analgésicos ou bloqueio intercostal. Nos casos mais graves (tórax flácido, por exemplo), que evoluem com falha do tratamento conservador ou contusão pulmonar grave, pode-se dizer que há indicação para respiração assistida. Trinkle (1975 apud SAAD-JUNIOR et al., 2011) considera como indicação de assistência ventilatória, por motivos respiratórios, uma Pressão arterial de O2 (PaO2) inferior a 60 mmHg ao ar ambiente ou menor que 80 mmHg com oxigênio adicional. Cerca de duas décadas antes, Avery et al. (1956) publicaram trabalho advogando o método da fixação pneumática interna ou estabilização pneumática interna das fraturas para o tratamento dos pacientes com tórax instável, independente de haver ou não insuficiência respiratória – tal método utiliza a intubação orotraqueal e ventilação mecânica com pressão positiva simples. O benefício reside no fato de restaurar a arquitetura da parede torácica. O trauma da caixa torácica está comumente associado à contusão pulmonar que não pode ser visualizado na radiografia de tórax no início do tratamento. Isso dificulta determinar a causa exata da insuficiência respiratória que se instala. 24 Trinkle et al. (1975) realizaram estudo comparativo com dois grupos de pacientes com tórax instável, o grupo I foi tratado da instabilidade com o método descrito por Avery (1956) e o grupo II com uma terapêutica conservadora utilizando a restrição hídrica, emprego de medicações diuréticas, corticóide e substâncias colóides, além do bloqueio intercostal. O resultado foi uma redução de 21% para zero da mortalidade e de 100% para 20% do índice de complicações. O grupo I teve maior mortalidade, maior número de complicações e maior tempo de internação. Ele concluiu que a indicação excessiva do respirador é um fator iatrogênico. A terceira possibilidade é a fixação cirúrgica da fratura com a utilização de placas metálicas, na maioria das vezes aplicadas no sentido da costela, embora, hajam diversas técnicas. Beltrame et al. (1978) descreveram uma fixação no sentido longitudinal (figura 3). Ilustração 3 - Fixação longitudinal das fraturas costais Fonte: OLIVEIRA (2011). A indicação da cirurgia para a correção de fraturas costais no trauma torácico é tema controverso. De um lado, autores que defendem a intubação e ventilação mecânica prolongada. Do outro, autores que defendem a estabilização cirúrgica das fraturas com osteossíntese, reduzindo o tempo de necessidade de 25 suporte ventilatório, especialmente quando não há contusão pulmonar. (ADDOR et al., 2007). Em um trauma de tórax aberto amplamente, inexoravelmente, a intubação orotraqueal deve ocorrer o mais precocemente possível, justificada pela gravidade da lesão, pois esse tipo de condição é incompatível com a vida. Saad-Junior et al. (2011) advogam que nessas situações, para garantir uma ventilação adequada, a medida mais segura é intubar o paciente, mantendo-o com pressão positiva. Nessas circunstâncias a cirurgia é mandatória e a estabilização das fraturas faz parte da reconstrução da parede torácica. A escolha da técnica vai depender da especificidade de cada caso. Um estudo realizado por Lardnois et al. (2001), mostraram que entre os pacientes tratados com osteossíntese, estavam os que necessitaram de toracotomia para corrigir outras lesões e os que apresentavam lesão anterolateral extensa. E na casuística dele a técnica aplicada foi a da fixação das costelas com fios de aço número 5, aplicados entre os dois segmentos de costela. A utilização da fixação cirúrgica tem sido eficiente em um grupo restrito de pacientes, principalmente nos submetidos à intervenção cirúrgica por outra causa; e nos que tem deformidade grave da parede torácica (ZELENAK et al., 2002, apud ADDOR et al., 2007). A terapêutica da contusão pulmonar é voltada para a manutenção de uma boa oxigenação e um toalete pulmonar adequada. Então, o suporte de oxigênio e um controle álgico rigoroso são fundamentais para atingir o objetivo de tratamento. Os pacientes com redução da PaO2 refratária à suplementação de O2, toalete pulmonar comprometida e controle da dor ineficaz, principalmente com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) associada, devem ser intubados e ventilados mecanicamente, com vistas ao equilíbrio gasométrico. Os hemotórax são inicialmente tratados com a colocação de um dreno torácico e, em aproximadamente 85% dos casos, o sangramento vai parar com a reexpansão pulmonar devido à baixa pressão da circulação do pulmão. Porém, as lesões mais complexas do parênquima pulmonar, como as que resultam da agressão direta do tecido por espículas ósseas, evoluem com sangramento e fuga aérea. A gravidade vai depender da natureza, localização e extensão da lesão. 26 As lesões periféricas costumam ser sangrantes e soprantes, e a correção cirúrgica está indicada, podendo ser realizada ressecção da lesão e sutura mecânica. (SAAD-JUNIOR et al., 2011). Os mesmos autores destacam que a mortalidade nos casos de ressecção pulmonar no trauma oscila entre 50% a 100% e é indicada em 2% das toracotomias. As lesões e feridas complexas decorrentes da intensa agressão que sofre a caixa torácica em um impacto de alta energia, às vezes são abordadas cirurgicamente em dois momentos distintos, dependendo da gravidade do trauma e da condição clínica do doente. Inicialmente, o médico pode optar por realizar um procedimento cirúrgico abreviado, intervindo nas lesões que mais impõem riscos a vida do paciente. E no segundo momento, quando o paciente estiver mais estável, a cirurgia definitiva pode ser realizada. A primeira cirurgia pode ser denominada de: Controle do Dano. 3.3 CIRURGIA PARA CONTROLE DE DANO NO TRAUMA TORÁCICO A Cirurgia de Controle de Dano (Damage Control, termo em inglês) é uma técnica operatória aplicada em casos de trauma grave, com baixa reserva fisiológica, onde apenas os procedimentos estritamente necessários são realizados – trata-se de uma cirurgia abreviada. Está técnica, aplicada em pacientes com coagulopatia, começou a ser divulgada por Stone et al. (1983 apud COELHO, 2012). Este conceito tem origem no âmbito do trauma abdominal grave, onde os pacientes que chegavam ao serviço de emergência com graves condições clínicas eram tratados cirurgicamente de modo convencional, utilizando todas as técnicas operatórias existentes na tentativa de corrigir a qualquer custo as lesões presentes. (SAAD-JUNIOR et al., 2011). Sabe-se que na vigência de uma agressão traumática grave, o organismo sofre alteração endócrino-metabólica proveniente do estado inflamatório que se instala após estímulos físicos e químicos, principalmente. Nos casos mais complexos pode o indivíduo evoluir com uma exaustão metabólica, caracterizada sumariamente por acidose, hipotermia e coagulopatia. Assim, observou-se que mesmo quando todas as lesões eram corrigidas da forma convencional, de nada adiantava a excelente operação e o paciente morria. 27 O procedimento cirúrgico constitui um trauma ao organismo, que no caso da vítima de agressão traumática já sofre com o dano inicial. Além disso, a hipotermia é agravada quando o paciente tem a cavidade abdominal ou torácica exposta na sala cirúrgica por um tempo prolongado (COELHO, 2012). Antigamente, o traumatizado que apresentava coagulopatia era submetido a múltiplas transfusões sanguíneas, de plasma fresco e plaquetas, enquanto todas as lesões eram reparadas utilizando-se todos os aspectos técnicos da cirurgia. O primeiro trabalho descrevendo o termo Damage Control foi feito por Rotondo et. al. (1993). O procedimento teria três fases distintas. Durante a primeira etapa era realizado o controle da hemorragia e a limpeza da cavidade terminando o procedimento rapidamente com tamponamento intrabdominal e fechamento temporário da parede. Na segunda fase, o paciente ficava sob os cuidados da unidade de terapia intensiva com o objetivo de melhorar a estabilidade hemodinâmica. A terceira e última fase consistia no segundo procedimento cirúrgico com reparação definitiva das lesões e fechamento clássico da parede abdominal. Já Schwab (2004) classificou em quatro fases, sendo as três últimas iguais à da classificação de Rotondo e apenas uma primeira etapa foi incluída antes das outras, a Fase 1, que seria na sala de emergência com a reanimação, reconhecimento da situação e decisão sobre o tratamento. Em traumatizados muito graves, com um Injury Severity Score (ISS) médio de 23,8, a sobrevida dos doentes submetidos a damage control era superior a dos que eram abordados da maneira convencional (sobrevida de 77% nos casos-índice contra 11% nos controles), conforme apontaram Rotondo et al. (1993 apud COELHO, 2012). Assim, a cirurgia para controle de dano é cada vez mais utilizada. Constatou-se que os pacientes têm maior probabilidade de morrer de problemas metabólicos do que da correção definitiva das lesões Mais recentemente estes conceitos começaram a ser aplicados também no trauma torácico. O princípio é o mesmo utilizado na cirurgia abdominal, a principal diferença reside no fato de que no controle de dano torácico, na maioria das vezes, as manobras são definitivas e não temporárias. O que não quer dizer que alguns procedimentos também não sejam temporários. 28 O método de controle de danos nas lesões torácicas deve se feito com procedimentos tecnicamente rápidos e simples, e postergar o tratamento definitivo das lesões que não requerem uma reparação imediata, diz Morales (2007). Em termos de sobrevida, a toracotomia abreviada tem sido descrita na literatura como responsável pela queda de mortalidade nestes doentes. A mortalidade que antes oscilava em 60% caiu para 36% após a aplicação do conceito de damage control no trauma torácico (SAAD-JUNIOR et al., 2011). Com relação à via de acesso, a melhor incisão é a toracotomia anterolateral direita ou esquerda no quarto espaço intercostal, observando-se o mecanismo de trauma e a condição clínica do doente. Diferente do trauma abdominal, no trauma torácico, além das lesões exsanguinantes, ferimentos soprantes podem estar presentes, como resultado de lesões tunelizantes e/ou transfixantes pulmonares, ou ainda lesões difusas do parênquima. Como forma de corrigir essas lesões, Morales (2007) elenca como possibilidades para o tratamento das lesões pulmonares, a pneumorrafia, a ressecção em cunha, a tractomia pulmonar, a lobectomia ou uma pneumectomia. Quando na impossibilidade de realização das técnicas acima durante o primeiro ato cirúrgico, Saad-Junior et al. (2011) descrevem uma técnica semelhante a que foi utilizada originariamente nas lesões difusas do parênquima hepático e que pode ser a saída temporária na vigência de um pulmão difusamente contundido ou lacerado – é o procedimento de empacotar o pulmão lesado com compressas (packing), enquanto se ventila seletivamente o pulmão do outro lado. Da mesma forma que no damage control do trauma abdominal, no trauma de tórax o fechamento temporário da parede é realizado e está indicado em duas situações. A primeira é quando houve o controle temporário das lesões e haja necessidade de reabordagem para reparo definitivo das injúrias. A outra é quando durante a toracotomia exploratória, onde após a abertura do pericárdio o coração está muito dilatado, e o fechamento irá restringir os batimentos (SAAD JUNIOR et al., 2011). O fechamento temporário é feito por aproximação da pele e, em casos extremos, pode-se fechar a cavidade, suturando-se uma bolsa coletora de urina aberta. A síntese definitiva dependerá das lesões existentes, e poderá demorar alguns dias. 29 4 MÉTODOS Quanto ao desenho da pesquisa, trata-se de um estudo secundário, do tipo observacional, realizado de forma seccional no tempo e direção retrospectiva, adotando-se o perfil analítico. A investigação ora proposta possui objeto de estudo bem definido, uma vez que o presente trabalho adota caráter eminentemente qualitativo, sendo um estudo de caso. Na posição de Lüdke e André (1986 apud VENTURA, 2007, p. 384): o estudo de caso como estratégia de pesquisa é o estudo de um caso simples e específico ou complexo e abstrato e deve ser sempre bem delimitado. Pode ser semelhante a outros, mas é também distinto, pois tem interesse próprio, único, particular e representa um potencial na educação. Destacam em seus estudos as características de casos naturalísticos, ricos em dados descritivos, com um plano aberto e flexível, que focaliza a realidade de modo complexo e contextualizado. Foi feito o relato de um caso de trauma torácico grave conduzido pela equipe de Cirurgia do Hospital Geral de Roraima no período de fevereiro a março do ano de 2016, mais a análise da condução adotada sob a luz do que traz a literatura científica. No tocante a técnica de coleta dos dados, pode-se dizer que foi realizada uma pesquisa documental, com extração de informações provenientes do prontuário médico do paciente objeto da presente investigação. Quanto aos aspectos éticos deste trabalho, após a análise dos dados, foram selecionadas apenas informações secundárias do paciente, com a preservação da sua identidade durante a descrição do caso clínico e análise do estudo. Por este motivo, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pode ser dispensado. Para a fundamentação teórica e análise do caso foi realizada uma pesquisa bibliográfica que incluiu teses e/ou dissertações, artigos originais, artigos de revisão, artigos de relato de caso, bem como livros-texto especializados no tema trauma, e trauma torácico. Utilizaram-se, preferencialmente, obras publicadas em língua portuguesa e espanhola. Gil (2002, p. 44) explica que: A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há 30 pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas. 31 5 DA CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E DA CONDUÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA 5.1 O OBJETO DE ESTUDO Paciente do sexo masculino, 45 anos de idade, lavrador, vítima de acidente motociclístico (colisão moto vs animal) em rodovia federal no município de Rorainópolis localizado na região sul estado de Roraima, que ocasionou lesão contusa extensa em hemitórax direito, com perda da integridade da parede torácica anterior e formação de solução de continuidade entre a cavidade pleural e meio externo, com pneumotórax volumoso e contusão pulmonar extensa. Foi levado ao Hospital Regional Sul – HRS, que fica no mesmo município do evento. Deu entrada na unidade inconsciente e com oximetria de pulso diminuída. Foi abordado inicialmente pelo Cirurgião Geral de Plantão, que evidenciou trauma torácico aberto a direita com lesões pulmonares difusas. Na abordagem inicial, foram descartadas lesões associadas, bem como comorbidades existentes. O paciente não possuía histórico médico de internação ou outros traumas prévios. A unidade hospitalar onde ocorreu o primeiro atendimento não conta com métodos de exames de imagens mais sofisticados, como tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, além de não contar com centro de terapia intensiva. Pela gravidade do quadro se fizeram necessários uma abordagem mais pormenorizada e acompanhamento intensivo. Por esses motivos, após o controle inicial do caso, O médico Cirurgião que o abordou ainda em Rorainópolis, optou por encaminhá-lo ao Hospital Geral de Roraima, na capital do estado, para então ser submetido a exames, reavaliado e ficar sob os cuidados intensivos. O Hospital Geral de Roraima – HGR fica situado na cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima e se constitui no hospital de referência para casos de trauma e emergências. Nele, há presença de corpo clínico contendo as mais diversas especialidades, incluindo especialidades de cirurgia, além de possuir exames de imagem mais sofisticados, como tomografia computadorizada. Ademais, possui duas unidades de terapia intensiva em funcionamento. A remoção do traumatizado se deu mediante transporte terrestre em ambulância adaptada ao suporte avançado do Serviço de Atendimento Móvel de 32 Urgência – SAMU, sendo realizada por equipe composta por um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e o condutor, sendo percorrida uma distância de aproximadamente 297 km (dados do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre) em rodovia federal pavimentada com asfalto em boas condições. O tempo total gasto na transferência foi de quatro horas, não tendo acontecido nenhum incidente durante o transporte. A chegada ao HGR ocorreu às 08h e 01min do dia 02/02/2016, conforme consta na ficha-prontuário, quando então foi admitido pelo plantonista do Pronto Socorro Francisco Elesbão – PSFE, porta de entrada do hospital em casos envolvendo trauma. Apesar do atendimento inicial realizado ainda em Rorainópolis ter promovido estabilização imediata do quadro de saúde do paciente, foi em Boa Vista – RR que se inicia a abordagem definitiva, possibilitada por condutas específicas em relação ao tipo de trauma. 5.2 A CONDUÇÃO DO CASO Para um melhor entendimento dos acontecimentos, a condução do caso será descrita em ordem cronológica, desde a abordagem no local do acidente no município do interior até as condutas finais tomadas já no Hospital de Referência em Boa Vista, passando pelos cuidados adotados no Hospital Regional Sul em Rorainópolis. Inicialmente, ainda na cena do evento, o politraumatizado foi abordado por equipe básica do SAMU do município de Rorainópolis, sendo realizado os primeiros socorros e o indivíduo encaminhado ao Hospital da Região. No HRS, o paciente foi recepcionado pela equipe de plantão e avaliado pelo Cirurgião de Plantão, que já havia sido informado do acidente que ocorrera. Ainda na sala de emergência, fica evidente a gravidade do trauma diante da extensão das lesões torácicas, nível de consciência do paciente rebaixado e oximetria de pulso em queda. Neste momento, optou-se por realizar a intubação orotraqueal do doente e colocá-lo sob suporte ventilatório. Em um segundo momento, o paciente foi posto em sala operatória para uma toracotomia exploradora, onde o Cirurgião Geral de plantão avaliou a real extensão 33 do trauma e concluiu em relatório de transferência que se tratava de um trauma torácico aberto a direita com lacerações difusas do parênquima pulmonar, com destaque para fístula broncopleural importante no lobo médio e lesões múltiplas de brônquios terminais do mesmo lado. Realizou rafia primária das principais lesões e procedeu com drenagem torácica em selo d'água. A partir daí, o paciente foi encaminhado ao HGR para avaliação pormenorizada e cuidados intensivos. Na chegada ao hospital em boa vista, encontra-se hemodinamicamente estável e ficou sob os cuidados da emergência. Na Tomografia Computadorizada do tórax realizada em boa vista, presença de fraturas complexas do terceiro ao sétimo arcos costais a direita, pneumotórax, derrame pleural e sinais de contusão do parênquima pulmonar, sobretudo no lobo inferior, como descrevia o laudo do médico radiologista. Imagens a seguir: Ilustração 4 - Scalt da Tomografia Computadorizada de Tórax antes da correção cirúrgica definitiva Fonte: Roraima, 2016. 34 Ilustração 6- Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar antes da correção cirúrgica definitiva (1) Fonte: Roraima, 2016. Ilustração 5 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar antes da correção cirúrgica definitiva (2) Fonte: Roraima, 2016. As tomografias de crânio, coluna cervical, abdome e pelve apresentaram-se normais. No primeiro exame laboratorial, hemograma apresentando leucocitose de 15.000, sendo 82,3% neutrófilos, hematócrito no valor de 32,4% e hemoglobina 10g/dL; com 170.000 plaquetas. Enzimas musculares aumentadas: 6961,45 U/L o CK Total e 80 U/L CK mb. Uréia e creatinina na faixa da normalidade, e 142,78 35 mg/dL de glicemia. Em gasometria arterial realizada na emergência, encontrava-se em equilíbrio ácido-básico, com pH de 7,376; sendo PCO2= 33,9 mmHg e Bicarbonato igual a 20,7 mmol/L-1. Ionograma sem alterações. O dreno estava funcionante e com escape de gás no selo d'água aumentado, com intenso borbulhamento. Na revisão do prontuário médico não foi encontrado nenhum registro sobre as condutas gerais ou específicas adotadas na sala de trauma, bem como a prescrição médica realizada naquele momento. Após avaliação pela Cirurgia Torácica no HGR em conjunto com a Cirurgia Geral, restou indicada nova toracotomia a ser realizada no mesmo dia. Nesse ínterim, permaneceu o doente sob os cuidados do pessoal da emergência, que manteve o quadro estabilizado até o segundo procedimento cirúrgico. À tarde, o paciente foi colocado em sala operatória e preparado para a nova abordagem cirúrgica. A equipe de cirurgia foi composta por um Cirurgião Torácico como cirurgião principal, um Cirurgião Geral como 1º auxiliar, um médico residente do segundo ano como 2º auxiliar e um residente do primeiro ano como instrumentador. O procedimento foi realizado por toracotomia anterior direita sobre cicatriz da primeira toracotomia realizada em Rorainópolis mais ampliação da ferida operatória até a linha axilar anterior. No intra-operatório o cirurgião conseguiu determinar a exata extensão do trauma e classificar os tipos de lesões existentes. Conforme traz descrição operatória extraída do prontuário, foram encontrados: (1) Fratura de 2º, 3º, 4º e 5º arcos costais em múltiplos planos, com presença de espículas ósseas, perda de substância óssea e tórax flácido; (2) Contusão com desvascularização de segmento medial do lobo médio e de segmento superior e basal lateral do lobo inferior; (3) múltiplos pontos de microfístulas pleuropulmonares; (4) ausência de sangramento ativo importante. Sendo realizados no mesmo tempo operatório: 36 (1) Ressecção dos segmentos acometidos com imediata rafia primária utilizando fio de sutura sintético absorvível VicrylR nº 3-0 com pontos em barra grega e reforço a chuleio; (2) Revisão da hemostasia; (3) Alinhamento das fraturas e reconstrução da parede torácica com colocação de válvula maleável na fáscia torácica profunda, orientada verticalmente em hemitórax direito; fixação da válvula nas estruturas adjacentes e arcos costais remanescentes com fio de polyester nº 5; (4) Colocação de dois drenos nº 38 french, sendo um orientado anteriormente (dreno 1) e o outro posteriormente (dreno 2) dentro do mesmo hemitórax. O procedimento cirúrgico ocorreu sem intercorrências e o paciente foi colocado em sala de recuperação pós anestésica e, posteriormente, transferido para um leito de Unidade de Tratamento Intensivo - UTI. 5.2.1 O pós-operatório em UTI Na UTI, o paciente recebeu os cuidados no pós-operatório imediato e permaneceu em coma, em sedoanalgesia, acoplado à ventilação mecânica e fazendo uso de droga vasoativa. Encontrava-se estável hemodinamicamente, bem como apresentava um índice de troca satisfatório, no valor de 287,5. Foi adotada a conduta de manter uma sedoanalgesia e relaxamento muscular otimizados. Tais medidas foram alcançadas pela administração de drogas em infusão contínua compreendendo o uso de benzodiazepínico, analgésico opióide e bloqueador neuromuscular com a utilização das seguintes drogas: (1) Midazolam, (2) Fentanila e (3) Rocurônio. Ao mesmo tempo, para controle da dor torácica foram utilizadas a Dipirona intravenosa em horários fixos, e solução de Bupivacaína a 0,5% aplicada via catéter peridural também continuamente. O modo ventilatório usado foi o de Pressão Controlada, configurado para uma PEEP de 8 na maior parte do tempo, alcançando o valor máximo de 10 durante a ventilação artificial. Com uma FIO2 que variou de um mínimo de 35% até um máximo de 65% durante os 7 dias de ventilação mecânica invasiva. Além de manter uma troca gasosa com índice acima de 300 no decorrer do pós-operatório mediato. 37 Clinicamente, segundo dados colhidos nos registros médicos, manteve melhora do quadro respiratório, apresentando boa avaliação física diária, bem como um bom acoplamento a ventilação mecânica, sem nenhum relato de piora nas evoluções médicas e da fisioterapia. Do ponto de vista laboratorial, obteve redução da leucocitose após o segundo dia de pós-operatório e terceiro dia pós-trauma, mas apresentou diminuição da hemoglobina nos dias subsequentes, atingindo um valor inferior de 8 g%. Na série bioquímica, manteve medidas diárias seguidas de CK Total entre 5.000 e 10.000 U/L, mas em queda, chegando ao mínimo de 263,15 U/L no 10º dia de internação na UTI. Apresentou nova leucocitose sem desvio a esquerda no 6º dia após o procedimento cirúrgico, bem como aumento de LDH para valor de 803,10 mg/dL no 10º dia. Sem alterações em outros exames séricos. Concomitante a essas mudanças no padrão laboratorial, consta nas evoluções médicas episódios de febre registrados em dias consecutivos, mas desacompanhada de alteração evidente em algum sistema orgânico. Além disso, todas as hemoculturas realizadas nesse período restaram negativas. No oitavo dia depois da cirurgia, após reavaliação da Cirurgia Torácica, o paciente foi extubado, respirando em ar ambiente com suplementação de oxigênio úmido por catéter nasal a um volume de 4l/min, evoluindo satisfatoriamente. No dia subsequente a extubação, 11/02/2016, é realizada nova tomografia axial computadorizada de tórax, mostrando acentuado aumento das partes moles torácicas, pneumotórax, derrame pleural e sinais de contusão pulmonar adjacente, sobretudo do lobo inferior; bandas parenquimatosas e componente atelectásico do lobo inferior direito. Descrição realizada pelo radiologista no laudo do exame. O paciente seguiu, durante sua internação em UTI no pós-operatório, de forma estável e sem intercorrências clínico-cirúrgicas. Durante o tempo em que permaneceu na UTI fez uso de antibioticoterapia com Clindamicina por 5 dias e Amicacina por 3 dias. E saiu da UTI em uso de Teicoplanina, Cefepime e Gentamicina. 5.2.2 Paciente no bloco de enfermarias Após treze dias internado em leito de UTI, foi transferido para acompanhamento em leito de enfermaria comum no bloco de cirurgia. Onde o 38 paciente permaneceu sob os cuidados da Cirurgia Geral, sendo acompanhado diariamente também pela Cirurgia Torácica. Em sua admissão no bloco, encontrava-se em bom estado geral, orientado no espaço e atento; anictérico, acianótico e afebril; hipocorado 1+/4+, hidratado, eupnéico ao ar ambiente; restrito ao leito, com postura ativa ao exame e colaborativo aos comandos do examinador. Com acesso venoso central em subclávia D e dois drenos em selo d'água em hemitórax D; Sem fácies típico. Ao exame físico: SPO2 94%; Tórax sem assimetria evidente, expansibilidade diminuída em hemitórax direito, frêmitos toracovocais assimétricos (cranial à D), percussão sem achados típicos; murmúrios vesiculares reduzidos à direita e sem ruídos adventícios. Já no dia seguinte a sua chegada à enfermaria da cirurgia, foi realizada outra tomografia computadorizada do tórax, apresentando a imagem ao lado. Deu entrada com último hemograma de um dia atrás, demonstrando leucocitose de 20,06 x 103, 75,8% de neutrófilos; hemoglobina de 9,7 g/dL e hematócrito 30,8%. E na série Ilustração 7 Scalt da Tomografia Computadorizada de Tórax após da correção LDH a 623,82 U/L, CK Total no cirúrgica definitiva bioquímica, apenas elevação de valor de 95,07 U/L. O uso de Teicoplanina, Cefepime e Gentamicina foi mantido aqui. Outro hemograma é solicitado após cinco dias de internação no bloco de enfermaria, mostrando diminuição da leucocitose para valor de 10,52 x 103, com 63,9% de neutrófilos Fonte: Roraima, 2016. 39 Ilustração 8 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar após a correção cirúrgica definitiva (1) Fonte: Roraima, 2016. Ilustração 9 - Corte axial da Tomografia Computadorizada na janela para parênquima pulmonar após a correção cirúrgica definitiva (2) Fonte: Roraima, 2016. O tratamento dado ao paciente na enfermaria foi baseado no suporte clínico. Ficou prescrita a monitorização do débito nos dois drenos de hemitórax direito em todos os dias. Com relação à parte de reabilitação respiratória, a Cirurgia Torácica contraindicou a realização de manobras de fisioterapia respiratória. O doente evoluiu nos dias seguintes com redução total do débito no dreno anterior, sendo realizada sua remoção. Depois de 4 dias da retirada do dreno 1, o 40 dreno posterior é então retirado e realizada radiografia de controle. Um dia após a extração do segundo dreno, o paciente recebeu alta hospitalar com orientações e prescrição médica, além de retorno agendado para sete dias depois no ambulatório da cirurgia geral. Entre a segunda abordagem cirúrgica e a alta hospitalar, a resposta do politraumatizado às condutas foi boa, tendo ele apresentado melhora do estado geral e sintomatologia inicial, conforme está registrado nas evoluções médicas. Ao exame de saída: apresentou-se em bom estado geral, orientado no tempo e espaço; atento; responsivo; AAA, hipocorado 1+/4+, hidratado, eupnéico ao ar ambiente; deambulando normalmente, com postura ativa ao exame e colaborativo aos comandos do examinador; Sem fácies típica. Uma semana após a sua saída do hospital, ele compareceu na consulta do ambulatório, onde foi avaliado e reorientado. Nesta mesma ocasião, ficou programada a retirada da válvula maleável em outro procedimento cirúrgico. 41 6 ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO Na análise do caso em tela é fácil perceber que o paciente faz parte de uma população de risco para o trauma, pois se trata de um indivíduo do sexo masculino e adulto jovem. Como mencionado alhures, pode-se classificar o tipo de trauma de tórax ocorrido no caso relatado. Trata-se de um trauma torácico do tipo penetrante e complexo, conforme classificação de Juan et al. (1957). Porém, é necessário ampliar a classificação do tipo de trauma torácico, pois se tratou de um caso atípico, com múltiplas lesões e acometimento de diferentes estruturas do tórax, levando a um quadro dramático com potencial de morte elevado. Aqui a casuística ora apresentada vai de encontro com o que os trabalhos apontam, no sentido de que as principais causas de trauma do tipo penetrante são as feridas ocasionadas por projetil de arma de fogo e arma branca. Embora os dados estejam nessa direção, o trauma torácico, assim como os outros podem ser ocasionados por diferentes instrumentos, forças ou mecanismos. Por esse motivo, cada evento de trauma merece a análise correta das suas circunstâncias e da cinemática envolvida. Após o exposto acima, tem-se que o indivíduo, na medida em que possui um trauma torácico do tipo penetrante com grande solução de continuidade, também apresentou lesões como resultado da contusão torácica grave. Isso leva a compreensão de um estado mais extremo, onde há um caso grave com o misto de componentes penetrantes e contuso. Ao analisar como se deu o atendimento ainda na cena do evento, nota-se que foi adotado o princípio da evacuação imediata (scoop and run) em detrimento da reanimação no local. Isso se deu dentre outros motivos, porque a equipe que prestou o primeiro atendimento não possuía profissional médico, fato que impossibilita o controle invasivo da via aérea no ambiente pré-hospitalar. De qualquer forma, estudos apontam que a intubação endotraqueal e a ventilação excessiva podem levar a um aumento da mortalidade. Do ponto de vista prático, no atendimento dado a esse caso foi observado o que assevera a literatura. A renomada obra “suporte de vida ao trauma préhospitalar – PHTLS” coloca como principal objetivo desse tipo de suporte o de 42 remover o doente até o hospital para um tratamento definitivo o mais rápido possível. Quanto ao transporte utilizado, a utilização do meio terrestre era o único disponível. Além disso, a distância até o centro regional de trauma era pequena e o local do trauma de fácil acesso, nas proximidades da sede do município. Sob a luz do que ensina o principal manual de suporte avançado de vida no trauma, o médico que prestou a primeira assistência já no hospital, utilizando-se do mnemônico ABCDE, estabeleceu prioridades e traçou condutas salvadoras. Por meio dessa avaliação sistematizada, a hipóxia pode ser corrigida em tempo hábil, evitando assim um colapso ventilatório e circulatório. Vendo o paciente inconsciente, com queda da saturimetria e um trauma extenso e complexo de tórax, o médico decidiu pela intubação orotraqueal e ventilação mecânica invasiva. É fácil perceber que o paciente está incluído no grupo de doentes instáveis, segundo uma classificação de leva em conta o status clínico do indivíduo. Tal enquadramento é coerente, uma vez que ele chegou ao pronto socorro em franca insuficiência respiratória e inconsciente, apresentando ferimento complexo no arcabouço torácico. O parágrafo anterior possibilita o melhor entendimento das condutas que se sucederam. É sabido que aproximadamente 80% dos casos de trauma são resolvidos com procedimentos menos invasivos com a drenagem de tórax fechada. No entanto, em 15% a 20% das vezes a toracotomia se faz necessária. O grupo de doentes instáveis abrange 10-15% dos que chegam ao pronto socorro e necessitam de um tratamento imediato. Neste grupo de doentes a toracotomia é indicada em até 80% deles e a sua mortalidade é de 30% a 40%. Nesse traumatizado não houve muito tempo para exames subsidiários e o diagnóstico dependeu da experiência do médico que atendeu. As lesões eram graves e necessitavam de abordagem imediata. Dada a gravidade do quadro instalado, além do controle clínico da via aérea, foi imprescindível a abordagem cirúrgica das lesões com vistas a corrigir os distúrbios que geravam risco iminente de morte. Dessa forma, parece justificada a conduta realizada pelo cirurgião daquele local, que realizou a exploração direta da cavidade torácica em caráter de emergência. 43 Tal atitude resultou na estabilização imediata da vítima e evitou o pior desfecho, garantindo a possibilidade para reavaliação de todo o caso. Ademais, tornou-se viável a sua remoção até o hospital da capital. Por ser um caso que carrega gravidade e especificidade, a transferência do paciente para hospital de referência em boa vista foi realizada, uma vez que a avaliação mais aprofundada e abordagem definitiva das lesões eram necessárias. Nesse contexto, fica patente a importância da primeira toracotomia, pois na medida em que as lesões que impunham maior risco a saúde do traumatizado eram corrigidas, os danos foram controlados até uma segunda avaliação e conduta do especialista em cirurgia torácica. No segundo hospital foram realizadas avaliação secundária e toda propedêutica do trauma com a execução de exames subsidiários e pedidos de pareceres das especialidades. Tratando-se de um acidente motociclístico que ocasionou um trauma da complexidade relatada, e analisando o paciente como um politraumatizado, a presença de lesões associadas pioraria substancialmente o prognóstico desse doente. Nesse sentido, a ausência de lesões a partir das tomografias realizadas em outras regiões do corpo pode ter influenciado positivamente na evolução clínica e recuperação, posteriormente. Durante a pesquisa documental, a falta de informações registradas no prontuário sobre as medidas gerais ou específicas adotadas na sala de trauma do Hospital Geral de Roraima comprometeu a análise mais detalhada dessa fase da internação hospitalar. Não obstante a cirurgia inicial ter salvado o paciente em um primeiro momento, ele ainda evoluía com uma alta morbidade. Possuía um tórax flácido visível a ectoscopia, além de apresentar pneumotórax volumoso e extensa área de contusão pulmonar à direita na tomografia axial computadorizada. Levando em conta o perfil laboratorial nas primeiras 24 horas do trauma, hemograma e glicemia estiveram dentro do esperado, já que é prevista uma resposta endocrino-metabólica e imunológica nos casos de trauma. Quanto à elevação das enzimas musculares, parece retratar bem a quantidade de energia exercida sobre o paciente com o impacto. Embora o CK Total tenha se elevado muito – mais de quarenta vezes o limite superior da normalidade – 44 o mesmo não ocorreu com a fração CK-Mb, que triplicou o seu valor mas correspondeu a apenas 1,1% do CK Total. Dando seguimento a condução desse caso, após descartadas as lesões associadas, a equipe procedeu avaliação clínica mais detalhada dos ferimentos torácicos que culminou com a indicação da segunda abordagem no centro cirúrgico. Para entender o acerto da equipe cirúrgica do HGR ao indicar a retoracotomia é preciso analisar bem a extensão e complexidade das lesões, bem como o status do paciente mesmo após a primeira cirurgia. Como já foi citado, a resolução cirúrgica do trauma torácico se reserva a poucos casos. Houve persistência do pneumotórax volumoso com intensa fuga aérea no selo d'água, ainda que dois drenos bem posicionados estivessem na cavidade pleural. Na maioria dos casos, um pneumotórax simples se resolve com a aplicação da drenagem torácica, que resulta na reexpansão pulmonar em poucas horas e restabelece o equilíbrio ventilatório em poucos dias. Entretanto, nosso traumatizado foi vítima de um trauma complexo com laceração pulmonar e múltiplas fístulas aéreas, segundo a descrição do cirurgião que o operou ainda em Rorainópolis. Além disso, apresentava também tórax flácido, resultado do extenso comprometimento do arcabouço torácico. Uma segunda abordagem parece agora, no mínimo, razoável e prudente. Pois o paciente não teve melhora satisfatória definitiva dentro das primeiras horas a despeito da primeira cirurgia e da drenagem torácica. Por isso, outra toracotomia foi agendada para o mesmo dia. Neste momento, não mais uma cirurgia de emergência, mas de urgência. O ideal é estabilizar ao máximo o paciente, para que uma cirurgia definitiva seja viável. A partir de agora, uma análise mais detalhada da condução cirúrgica frente às lesões existentes no caso objeto de estudo será realizada. Do ponto de vista prático, a análise dessa condução pode ser feita passando pela abordagem geral de um paciente que foi vítima de um ferimento extenso da parede torácica com ampla comunicação da cavidade pleural com o meio ambiente, denominado toracotomia traumática. Na toracotomia traumática a cirurgia sempre vai ser indicada por ser uma situação incompatível com a vida, e contempla três objetivos principais: limpeza e desbridamento, correção das lesões internas e reconstrução da parede do tórax. 45 Estes objetivos foram contemplados pelo primeiro cirurgião de forma parcial, tendo em vista que o primeiro ato operatório teve como principal objetivo o de estabilizar o quadro e controlar os danos, sendo realizado em tempo abreviado. Por tudo que foi dito, a segunda toracotomia visa, além do diagnóstico topográfico das lesões pleuropulmonares, a resolução definitiva dos ferimentos. Em casos de lesões viscerais graves, estando o doente estável, a escolha da via de acesso é a mais adequada, visto que o diagnóstico da lesão é realizado na maioria das vezes no pré-operatório. Como o paciente estudado já tinha uma cicatriz prévia da toracotomia traumática se optou por acessar a cavidade através desta ferida, apenas ampliandoa até a linha axilar anterior. Sem dúvida, a lesão encontrada que mais impunha risco a vida do paciente no caso descrito é a laceração do parênquima pulmonar com desvascularização de segmentos. É verdade que no trauma pulmonar, quanto mais próxima do hilo, maior risco ao paciente oferece a lesão. Isso se dá porque nessa região anatômica, os elementos vasculares e vias aéreas são maiores. Porém, à medida que estas estruturas se distanciam no sentido da periferia do órgão, tornam-se menos calibrosas o que aumentam as chances de ressecções mais extensas. No trauma, a ressecção pulmonar é indicada em cerca de 2% das toracotomias realizadas e se apresenta com uma mortalidade elevada, de 50% a 100%.O exame de imagem não revelava alargamento, nem desvio do mediastino, favorecendo a exclusão de acometimento hilar do pulmão. E no intra-operatório foi confirmado o dano tecidual apenas na região mais periférica. Diante do achado dentro do ato operatório, existem duas possibilidades terapêuticas principais: (1) rafia da estrutura lesada sob visão direta ou (2) ressecção do pulmão, que no caso analisado aqui foi a opção de tratamento escolhida. Decidir sobre a ressecção do pulmão, seja em parte ou em sua totalidade, depende justamente da localização e extensão do ferimento ocasionado. O controle local do escape aéreo e sangramento define a preferência por lobectomia ou segmentectomia. Em situações que ocorre desvitalização extensa, a lobectomia se impõe. Ressecções maiores, como a pneumectomia representa alta mortalidade de até 100% e está indicada em lesões mais centralizadas. (SAAD JUNIOR et al., 2011). 46 No trauma relatado, obteve-se boa resolução com a segmentectomia, resultando em um bom controle da fuga aérea e do sangramento. Nos casos de toracotomia traumática, tão complexo quanto corrigir as lesões, é realizar a reconstrução da parede torácica. Sendo determinante na recuperação completa da dinâmica ventilatória. Lesões ósseas do tórax são abordadas sob ponto de vista mais amplo. Principalmente, deve-se assegurar a integridade das funções respiratória e cardiovascular. Avaliando a natureza e extensão da lesão, pode-se concluir que o impacto direto parece ter sido o mecanismo que ocasionou a destruição da arquitetura normal da parede torácica. Isso porque nesse tipo de mecanismo, a força aplicada desloca a costela fraturada para dentro da cavidade, frequentemente lesando o pulmão. Como as fraturas ocorreram em quatro arcos costais consecutivos e parece ter resultado em lesões internas, não se pode considerar fratura simples. Os autores de obras sobre trauma consideram que a chance de existirem lesões internas aumentam quanto maior for o número de fraturas ou exista desvio dos fragmentos. Várias são as técnicas de reconstrução torácica, e a escolha dependerá da extensão e estado da lesão, basicamente. É importante lembrar que a reconstrução da parede tem a principal finalidade de proporcionar novamente o equilíbrio da respiração. Nesse sentido, ao final da cirurgia, espera-se que a cavidade torácica esteja fechada e estável, de modo a suportar as pressões ventilatórias nela exercida. Em todas as técnicas, três pontos são comuns. Primeiramente, deve-se realizar a remoção do tecido lesado ou desvitalizado. Por ser suja a ferida do trauma, uma limpeza e remoção de corpos estranhos eventualmente encontrados devem ser realizados. Segundo ponto, é a correção esquelética do tórax, que tem finalidade de prevenir o desenvolvimento de um tórax instável. O último ponto diz respeito a cobertura de tecido sobre a reconstrução esquelética. Considerando que a limpeza e desbridamento da ferida foram realizados de forma adequada, a análise da reconstrução esquelética pode ser feita. Quanto à correção das fraturas costais, admitindo-se que o principal objetivo dessa etapa é recuperar a anatomia do tórax; a redução e alinhamento das fraturas 47 são essenciais. Este procedimento, no entanto, foi dificultado, pois houve perda considerável de substância óssea de costela. Por conta dessa perda de parâmetro, a estabilização das fraturas ficou prejudicada. E sem a sustentação total da parede anterior, há comprometimento do processo ventilatório. A aplicação da válvula maleável na fáscia torácica profunda possibilitou com que as fraturas costais pudessem ser alinhadas, além de impedir que o movimento respiratório torácico fosse paradoxal. Isso ocorreu na medida em que a espátula deu suporte às estruturas remanescentes e rigidez necessária à parede torácica. Ao final, foram deixados dois drenos de tórax conectado a selo d'água como parte do tratamento, mas também para possibilitar a monitorização da fuga aérea – se o fechamento das fístulas pleuropulmonares ocorre adequadamente o escape de gás no sistema diminui nos dias subsequentes. Embora o procedimento cirúrgico tenha corrigido os danos causados, o suporte clínico empregado no pós-operatório foi fundamental na recuperação do paciente. Por se tratar de um trauma grave, com repercussões drásticas na função respiratória, o tratamento deve ter o principal objetivo de reabilitar o paciente, de modo que o organismo consiga reassumir o domínio de tal função. Nesse contexto, ganha muita importância as medidas clínicas adotadas. O procedimento cirúrgico foi necessário pelas razões já mencionadas, porém as condutas de suporte são indispensáveis nesse doente. Incluem-se aí, o alívio da dor e a ventilação mecânica adequada para o caso. Percebe-se que o suporte ventilatório foi condizente com o que é estabelecido pela literatura para casos de trauma torácico. O modo adequado da ventilação mais uma analgesia bem feita parece ter resultado na melhora gradual do padrão respiratório do paciente, que evoluiu com diminuição do escape aéreo e necessidade cada vez menor de FiO2 elevada na primeira semana de pósoperatório. As diretrizes brasileiras de ventilação mecânica publicada no ano de 2013 pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira recomenda que nos casos de trauma torácico, inicialmente, deve-se utilizar o modo assistido-controlada, ventilação ciclada a volume (VCV) ou a ventilação controlada a pressão (PCV), quando há insuficiência respiratória grave. E que independente da modalidade 48 escolhida o objetivo é atingir uma SpO2 > 92% com a menor FiO2 possível, e manter uma PEEP entre 5 e 10 cmH2O. Ademais, nos casos com fístula broncopleural de alto débito – que é o caso do paciente desse estudo – utilizar o modo PCV, sendo que nos casos mais graves, pode-se usar a ventilação independente assíncrona ou não, ventilando o pulmão da fístula no modo PCV com pressão de distensão < 15 cmH2O e PEEP < 10 cmH2O (BARBAS et al., 2013). A variedade de lesões presentes no caso em tela pode ter limitado o uso do suporte fisioterápico nesse doente, uma vez que os exercícios aplicados no trauma torácico são específicos para cada tipo de lesão e depende da sua fisiopatologia. Por um lado, o paciente possui fraturas de arcos costais, que por si contraindicam manobras compressivas sobre o hemitórax afetado, comprometendo a execução de exercícios que estimulam a toalete pulmonar. Conquanto existissem áreas de contusão pulmonar, cujos exercícios de reexpansão poderiam melhorar a troca respiratória ao promover redução do shunt pulmonar, o fechamento das fístulas broncopleurais ficaria comprometido. Corrobora com isso o que Sarmento (2005 apud, Nóbrega; Pereira; Costa, 2012 p. 48) traz: “As técnicas desobstrutivas baseadas em compressão torácica só devem ser realizadas nas situações em que não haja fratura de arcos costais, como nos casos de pneumotórax hipertensivos causados por pressão positiva em excesso (...)”. Analisando o tempo de internação hospitalar, verifica-se um período prolongado de permanência no ambiente nosocomial. Souza et al. (2013) descreveram o perfil clínico-epidemiológico de vítimas de traumatismo torácico submetidas a tratamento cirúrgico em um hospital de referência e entre as variáveis estudadas estava o tempo de internação dos doentes. Neste trabalho, foi encontrado que a permanência hospitalar da maioria dos pacientes variou entre três e quatro dias e apenas uma minoria necessitou de internação por mais de uma semana. Alguns autores elencam fatores que podem determinar o aumento do número de dias de internação hospitalar. Entre esses fatores estão as infecções de uma forma geral, complicações pleuropulmonares e até mesmo demora na recuperação da condição cardiorrespiratória. Nesse sentido, Lima e Carvalho (2003) se propuseram a identificar fatores determinantes na redução do tempo de hospitalização após cirurgia torácica de 49 grande porte. No estudo, os autores consideraram como critério de alta o completo restabelecimento das condições gerais e cardiorrespiratórias. Duas variáveis surgiram do estudo como fatores que colaboram para a mais rápida recuperação funcional dos pacientes: analgesia por cateter epidural e via de acesso menos traumática. Quanto a analgesia, pode-se considerar que o paciente estudado na presente pesquisa obteve um controle efetivo da dor. Entretanto, a gravidade do trauma e da cirurgia associados a presença da espátula maleável no hemitórax direito pode ter limitado a mobilização precoce do conjunto hemitórax – cintura escapular. Além do mais, embora o doente tenha apresentado melhora clinica, a necessidade de drenagem pela presença de fuga aérea constituiu um empecilho à alta hospitalar, que só foi liberada após resolução da fístula pleuropulmonar. 50 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que as condutas tomadas inicialmente estiveram em concordância com os protocolos de atendimento ao traumatizado, e a decisão do primeiro cirurgião de realizar um procedimento cirúrgico abreviado, focalizando nas principais lesões, refletiu positivamente na sobrevida do paciente. Fica patente o benefício da aplicação do atendimento sistematizado ao paciente vítima de um trauma de tórax. A correta classificação clínica do paciente, seguida do tratamento adequado para cada momento previne a piora clínica e evita o pior desfecho. A utilização do conceito de cirurgia para controle de dano nos pacientes com trauma torácico, com instabilidade clínica, impacta na diminuição da mortalidade. A segunda intervenção cirúrgica com vistas ao reparo definitivo das injúrias se mostra fundamental na recuperação mais precoce do doente, uma vez que ao se restabelecer a arquitetura normal do tórax, a função ventilatória tende a se normalizar. Além disso, para o suporte clínico, deve-se levar em conta a fisiopatologia das diferentes lesões presentes em um trauma deste tipo, especialmente quanto aos aspectos da ventilação mecânica e da fisioterapia. Esse seguimento clínico é importante para a detecção precoce de eventuais complicações presentes, o que levará, inexoravelmente, a um aumento do tempo de internação. Os grandes defeitos traumáticos da parede torácica são infrequentes, talvez por isso seja um desafio para o cirurgião. O conhecimento sobre o tratamento cirúrgico de lesões dessa natureza se constrói principalmente através dos estudos de casos relatados por diferentes serviços. Embora as modalidades terapêuticas para as lesões específicas já estejam bem descritas e sedimentadas, poucos estudos existem comparando a eficácia entre uma conduta e outra nos casos envolvendo lesões complexas com grande solução de continuidade da parede. Mais estudos sobre o tema podem melhorar o entendimento deste tipo de trauma, contribuindo para implementação de medidas que reduzam a morbimortalidade nesse cenário. 51 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, E. M. S. Impacto de um protocolo de cuidados a pacientes com trauma torácico drenado. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 231-237, 2015. BALDO, R. C. S. et al. O Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (SIATE) como fonte de informações de acidentes de trabalho em Londrina, PR. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, V. 40, n. 132, p. 147-155, nov. 2014. BARBAS, C. S. V. et al. Recomendações brasileiras de ventilação mecânica 2013. Parte II. 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