Caso Clínico Fístula buconasal causada por dispositivo ortodôntico: caso clínico Osvaldo Magro Filho*, Francisley Ávila Souza**, André Dotto Sottovia**, Thallita Pereira Queiroz**, Idelmo Rangel Garcia Júnior*** Resumo A expansão rápida de maxila é um procedimento ortopédico essencial para o tratamento de deficiência transversa da maxila e mordida cruzada posterior. O uso do arco transpalatino como contenção é uma rotina ortodôntica para aumentar a estabilidade da expansão obtida. O propósito deste trabalho foi relatar uma complicação proveniente do arco transpalatino que causou necrose tecidual e fístula buconasal. Os autores descreveram o tratamento cirúrgico preconizado para oclusão da mesma. O acompanhamento pós-operatório de um ano mostrou a eficácia da técnica descrita. Palavras-chave: Expansão rápida de maxila. Complicações. Comunicação buconasal. *Professor assistente doutor da disciplina de Cirurgia do Departamento de Cirurgia e Clínica Integrada da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP. Pós-doutorado na North West University – USA. **Alunos do curso de pós-graduação em Odontologia, área de concentração Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, nível doutorado da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP. ***Professor assistente doutor da disciplina de Cirurgia do Departamento de Cirurgia e Clínica Integrada da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP. Coordenador do programa de pós-graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, Maringá, v. 8, n. 1 - fev./mar. 2009 69 Fístula buconasal causada por dispositivo ortodôntico: caso clínico INTRODUÇÃO A mordida cruzada pode ser causada pela inclinação dentária, pela atresia maxilar, pelo excesso transverso mandibular ou pela associação desses fatores10. O agente etiológico, a severidade da má oclusão, a idade e a cooperação do paciente são aspectos considerados pelo profissional na escolha da técnica para tratamento, podendo ser indicada a expansão lenta da maxila25, a expansão rápida5,11,12,20,21 ou a expansão rápida cirurgicamente assistida6. Os aparelhos Quadrihélice, Haas, Hyrax ou cimentados tipo McNamara são os mais empregados2,11,12,19,22. O benefícios destas técnicas são comprovados3,4,10,11,12,19 e há citações de outros efeitos positivos em conexão, como o aumento do espaço das vias aéreas superiores, que pode levar à redução de resfriados, rinites, asma19,24 e, inclusive, acarretar melhora no nível de audição26. Após a expansão, o uso do arco transpalatino aumenta a estabilidade do movimento alcançado2,7,8,15, além de impedir a rotação dos molares23, controlar a irrupção dos dentes posteriores15,28 e melhorar o nível de ancoragem posterior27. As complicações advindas da expansão da maxila têm sido amplamente discutidas na literatura, que destaca sua baixa incidência e quase sempre limitadas a relatos de casos clínicos19. As intercorrências mais citadas são: dor1,5,17,19,20,21, reabsorção radicular1, fratura de tábua óssea alveolar, descolamento de bandas e o não rompimento da sutura palatina mediana19, entre outras. Diante do exposto, o ortodontista deve ficar atento aos riscos existentes, para se evitar iatrogenias durante e após as expansões de maxila. A revisão de literatura realizada neste estudo não mostrou nenhum relato de fístula buconasal relacionada ao uso do arco transpalatino, o que torna de interesse a publicação deste caso clínico. FIGURA 1 - Arco transpalatino usado na contenção após a expansão rápida de maxila. 70 PROPOSIÇÃO O objetivo do presente trabalho foi relatar um caso clínico de fístula buconasal proveniente do trauma causado pela rotação do arco transpalatino, após expansão rápida de maxila, bem como o tratamento cirúrgico de tal complicação. APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO Paciente de 19 anos de idade, do gênero feminino, leucoderma, com Classe III esquelética e mordida cruzada, foi encaminhada ao ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, campus da UNESP – para tratamento de comunicação buconasal – pelo seu ortodontista, que apresentou o relatório a seguir: “A paciente foi submetida à expansão rápida da maxila por meio de aparelho Hyrax, que foi ativado por um período de 8 dias, com ¼ de volta 2 vezes ao dia. Após a expansão, foi feita a protração da maxila usando-se a máscara facial. Ao término do tratamento ortodôntico, foi usado um arco transpalatino (Fig. 1) que, devido ao movimento de protração dos dentes posteriores, girou e comprimiu durante algum tempo a mucosa palatina, provocando necrose em uma área onde havia sido realizada a separação da sutura palatina mediana, o que gerou uma fístula entre a cavidade bucal e a cavidade nasal. Antes do encaminhamento para a equipe especializada em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, duas cirurgias menores foram executadas com o objetivo de fechar a comunicação, sem sucesso, pois a fístula ampliou-se nesse período. Assim, para melhorar a fonação e reduzir a passagem de alimentos para a fossa nasal, foi confeccionado um aparelho ortodôntico com resina acrílica no palato, para ocluir artificialmente a fístula (Fig. 2).” Após exame clínico (Fig. 3, 4) e radiográfico (Fig. 5), indicou-se o tratamento cirúrgico sob anestesia geral. FIGURA 2 - Aparelho confeccionado para melhorar a fonética e facilitar a alimentação da paciente. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 8, n. 1 - fev./mar. 2009 FIGURA 3 - Vista oclusal da fístula buconasal. Osvaldo Magro Filho, Francisley Ávila Souza, André Dotto Sottovia, Thallita Pereira Queiroz, Idelmo Rangel Garcia Júnior FIGURA 4 - Vista oclusal detalhada da fístula buconasal (onde nota-se a mucosa nasal ao fundo). FIGURA 5 - Radiografia lateral pré-operatória de face. A técnica de Von Langenbeck para fechamento de comunicação buconasal foi realizada. Ela consistiu de incisões relaxantes nas margens dentárias (Fig. 6, 7), seguidas pelo debridamento das bordas ou desepitelização da fístula (Fig. 8) para posterior realização de firme rafia dos planos da mucosa nasal (Fig. 9) e mucosa bucal (Fig. 10). A cicatrização ocorreu por primeira intenção no local da fístula e por segunda intenção nas incisões relaxantes. Após 60 dias (Fig. 11), verificou-se cicatrização parcial da mucosa palatina e, Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, Maringá, v. 8, n. 1 - fev./mar. 2009 71 Fístula buconasal causada por dispositivo ortodôntico: caso clínico FIGURA 6 - Delimitação das incisões de relaxamento lateral. FIGURA 7 - Incisões relaxantes laterais de Von Langenbeck. FIGURA 8 - Desepitelização até as margens da fístula buconasal. FIGURA 9 - Sutura do plano nasal (notar que os nós ficam para o plano nasal). FIGURA 10 - Sutura do plano bucal (notar que as incisões relaxantes laterais foram cauterizadas). FIGURA 11 - Pós-operatório de 60 dias. 72 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 8, n. 1 - fev./mar. 2009 Osvaldo Magro Filho, Francisley Ávila Souza, André Dotto Sottovia, Thallita Pereira Queiroz, Idelmo Rangel Garcia Júnior FIGURA 12 - Pós-operatório de 1 ano. no acompanhamento pós-cirúrgico de 1 ano (Fig. 12), não foi percebido qualquer vestígio de recidiva da fístula buconasal. DISCUSSÃO Shuster, Borel-Scherf e Schopf19, em 2005, usando análises de questionários distribuídos a ortodontistas alemães, verificaram que as complicações mais freqüentes durante a expansão de maxila foram, em ordem decrescente: descolamentos de bandas, problemas relacionados com a execução da técnica, reabsorções de raízes e cáries. Já Capelozza Filho e Silva Filho5, em 1997, relataram que dor, edema e lesão de tecido mole são as mais encontradas. Não se esperava a instalação da fístula buconasal no presente caso. Trata-se de um acontecimento isolado, em que a contenção feita por meio do arco transpalatino foi a causa direta do trauma e necrose tecidual. É claro que a comunicação entre a cavidade bucal e cavidade nasal só se instalou porque o osso palatino havia sido expandido, e o processo de reparação óssea não estava totalmente concluído. De forma alguma há intenção, com isso, de condenar a expansão lenta ou rápida de maxila, pois, tanto no tratamento precoce como tardio das mordidas cruzadas, elas permitem o crescimento e desenvolvimento normais, simplificando quaisquer terapias ortodônticas futuras16,22. O aumento da idade do paciente parece predispor às complicações5,20,21 e a expansão cirurgicamente assistida abre o leque de outras complicações ainda mais raras, como a amaurose por lesão ao nervo óptico14, hematoma ou edema intra-ocular e fratura de osso do assoalho da órbita6. O caso apresentado refere-se a uma paciente jovem, na qual a expansão rápida de maxila é plenamente indicada. Portanto, não houve erro na indicação da técnica, mas sim no não acompanhamento clínico quando a contenção transpalatina girou e traumatizou as estruturas anatômicas presentes no palato. O ortodontista deveria ser procurado pela paciente, pois o episódio aconteceu no intervalo entre uma consulta e outra e, provavelmente, algum alimento provocou o deslocamento do arco transpalatino durante a mastigação. As comunicações buconasais causam transtornos semelhantes aos apresentados por pacientes portadores de fissura palatina. A voz torna-se anasalada, de pronúncia difícil e ocorre a passagem de alimentos sólidos e líquidos para a cavidade nasal, que pode levar à inflamação – que se propaga para a faringe, trompa de Eustáquio e até ao ouvido médio9. Uma vez instalada, a fístula deve ser ocluída o quanto antes. Os procedimentos operatórios para a palatorrafia são variados e leva-se em consideração, para a escolha da técnica adequada ao paciente, o tamanho da fístula, bem como a quantidade de tecido mole e duro disponíveis no local da comunicação13,18. Por se tratar de uma fístula relativamente ampla, a técnica de Von Langenbeck foi escolhida. O ortodontista encaminhou a paciente para o serviço especializado após duas tentativas de fechamento da fístula e a acompanhou até que tudo fosse resolvido. A satisfação pessoal da paciente pela resolução funcional imediata foi a característica diferencial desse caso clínico. O resultado obtido após a terceira cirurgia foi extremamente satisfatório, comparado àquelas realizadas anteriormente, e não houve qualquer interesse ou citação por parte da família ou da interessada em mover ação judicial contra os profissionais envolvidos no caso. Assim como em outras complicações que podem ocorrer durante procedimentos odontológicos em geral, é muito importante a presença do profissional envolvido, para que o paciente se sinta seguro e bem encaminhado durante o tratamento das complicações. Esta conduta, além de ajudar a manter a confiança paciente-profissional, é um fator de defesa caso algum questionamento ético-profissional ocorra. CONCLUSÃO Complicações durante a terapêutica de expansão rápida de maxila podem ocorrer. É importante informar o paciente a respeito dessas possibilidades. Quando nos depararmos com a fístula buconasal, o fechamento por meio da técnica de Von Langenbeck é um tratamento eficaz e que exige a interação entre ortodontista e o cirurgião bucomaxilofacial. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, Maringá, v. 8, n. 1 - fev./mar. 2009 73 Fístula buconasal causada por dispositivo ortodôntico: caso clínico Oral nasal fistula after rapid palatal expansion: case report Abstract Rapid palatal expansion is an essential orthopedic procedure to treat transverse maxillary deficiency with posterior crossbite. The palatal appliance contention is indicated to avoid the RPE relapse. Then, the aim of this case report is to show a rare complication: oral-nasal fistula caused by orthodontic palatal arch appliance trauma. The authors describe the surgical technique to close the fistula. The outcome worked well and the one year follow up showed no oral nasal communication. Keywords: Rapid palatal expansion. Complications. Oral nasal fistula. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 74 BARBER, A. F.; SIMS, M. R. Rapid maxillary expansion and external root resorption appliances. Angle Orthod., Appleton, v. 67, p. 15-22, 1997. BELL, R. A.; LE COMPTE, J. The effects of maxillary expansion using a quad-helix appliance during deciduous and mixed dentitions. Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 79, p. 152-161, 1981. BISHARA, S. E.; STANLEY, R. N. Maxillary expansion clinical implications. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 91, p. 91-93, 1987. BRAUN, S. et al. The biomechanics of rapid maxillary sutural opening. Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 118, no. 3, p. 118-257, Sept. 2000. CAPELOZZA FILHO, L. C.; SILVA FILHO, O. G. Expansão rápida da maxila: considerações gerais e aplicação clínica. Parte I. Rev. 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