1 CONVULSÕES E EPILEPSIA: PRINCÍPIOS DO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Ronaldo Casimiro da Costa, MV, MSc, PhD, Diplomado ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine) - especialidade de Neurologia. Professor Adjunto de Clínica Médica de Pequenos Animais e Neurologia Veterinária – Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR. Email: [email protected] Dentre os problemas clínicos encefálicos as crises convulsivas ou convulsões destacam-se como o problema mais frequente e mais facilmente reconhecido. Neste texto serão abordados de forma sucinta os principais fundamentos do diagnóstico e tratamento destas condições. Crise, convulsão e epilepsia Crise é um período de função cerebral anormal paroxística (ou seja, que aparece e desaparece repentinamente), com grande variação na apresentação clínica. Convulsão seria a manifestação motora de uma crise. Consequentemente temos as crises convulsivas (generalizada motora ou tônico-clônica) e as nãoconvulsivas (por exemplo ausência). Em medicina veterinária o termo convulsão é freqüentemente usado como sinônimo de crise, tendo aceitação para este uso recíproco quase universal. O termo epilepsia será tratado aqui como uma síndrome de convulsões recidivantes de origem intracraniana. A epilepsia pode ser idiopática ou primária, quando resulta de um distúrbio cerebral primário, hereditário em muitas raças. Pode ser também sintomática, quando sabe-se que as convulsões são causadas por uma doença intracraniana primária (por exemplo, tumor, encefalite), ou provável sintomática quando suspeita-se que as crises sejam secundárias a uma lesão intracraniana que não pode ser identificada mesmo com recursos neurodiagnósticos de imagem avançados. Classificação das crises As crises podem ser classificadas em generalizadas ou focais. As generalizadas são aquelas em que ambos hemisférios cerebrais são envolvidos 2 simultaneamente. Clinicamente, a forma mais comum é a convulsão generalizada ou tônico-clônica. As crises focais são aquelas onde existe uma anormalidade focal de alguma região cortical. Devido a organização somatotópica do córtex cerebral motor, nas crises focais há sempre envolvimento dos músculos da face. Além das crises generalizada e focal, existe também a crise focal com generalização secundária. Abordagem diagnóstica A abordagem diagnóstica visa responder duas questões. O que o paciente vem apresentando é realmente uma crise convulsiva? Se sim, qual é a causa? Para facilitar o diagnóstico, a melhor abordagem é a seguinte: deve-se iniciar tentando excluir todas as possíveis causas extracranianas (usando a resenha, anamnese, exame físico, hemograma e exames bioquímicos). Se nada for encontrado então só restam causas intracranianas. As lesões estruturais intracranianas, podem ser detectadas, dependendo do tamanho e localização, através do exame neurológico (EN). O EN é, na abordagem de um paciente com histórico de possíveis crises, o principal instrumento diagnóstico a disposição do clínico, porque fornece informações críticas sobre a função neurológica e não custa absolutamente nada. No EN de pacientes com histórico de crises deve-se atentar principalmente para o relato do comportamento do paciente, na avaliação dos nervos cranianos, principalmente a reação à ameaça e a sensibilidade nasal, e nas reações posturais (propriocepção e saltitar). O EN fornece principalmente informações sobre a localização da lesão, não fornecendo a etiologia, mas é crítico na abordagem clínica pois se o paciente apresentar déficits ao EN, ele provavelmente tem epilepsia secundária, e portanto epilepsia idiopática estaria excluída dos diagnósticos diferenciais. Se, por outro lado, o EN for normal e o paciente apresentar crises únicas com período interictal longo (semanas, meses), e os exames sanguíneos forem normais, é razoável assumir que o paciente tenha epilepsia primária ou idiopática. Em casos onde suspeite-se de epilepsia sintomática, faz-se necessário exames como a análise do líquido cérebroespinhal, a tomografia ou a ressonância magnética. Tratamento 3 Existem dezenas de anticonvulsivantes de diferentes classes, contudo a maioria dos utilizados em humanos não apresenta farmacocinética compatível para o uso em cães. De modo geral, na grande maioria dos cães não há necessidade de se usar outras medicações além do fenobarbital e do brometo de potássio para terapia de manutenção. Isto, desde que se trabalhe adequadamente com estas duas drogas, que em resumo significa monitorar o nível sérico. As características gerais destas medicações serão descritas a seguir. Fenobarbital (FB) Vantagens: seguro (vem sendo usado há anos, por muitas pessoas); barato; pode ser usado a cada 12 horas mantendo concentração eficaz; meia-vida relativamente curta (42-89 horas); pode ser usado por via oral, intravenosa e/ou intramuscular. Desvantagens: paciente torna-se dependente da droga; hepatotoxicidade (com concentrações acima de 35 µg/ml por longos períodos/ necessita de monitorização constante do nível sérico, das enzimas hepáticas e da albumina); a hepatotoxicidade pode ser irreversível e fatal; risco de supressão da medula óssea (fazer hemograma nos primeiros 3 a 6 meses de terapia); é indutor de enzimas hepáticas (p450) fazendo com que haja metabolização mais rápida e meia-vida menor com o passar do tempo; causa sedação (geralmente desaparece após 2 ou 3 semanas de tratamento); causa poliúria, polidipsia e ganho de peso; e pode causar hiperexcitabilidade paradoxal (principalmente no Pastor Alemão). Dose: Inicial 2,5 mg/kg a cada 12 horas (filhotes geralmente precisa de doses maiores). A concentração sérica considerada ideal é entre 20 e 35 µg/ml. A eficácia está diretamente relacionada à concentração sérica e não à dose oral, portanto é fundamental avaliar a concentração sérica 2 à 3 semanas após início do tratamento e depois a cada 6-12 meses, ou mais frequente, dependendo do caso. Brometo de potássio (KBr) Vantagens: tão ou mais efetivo que o fenobarbital; barato; seguro; é excretado intacto por via renal, não sofrendo metabolização hepática, portanto não é 4 hepatotóxico; nenhum relato significativo de toxicidade; não há desenvolvimento de dependência; pode ser usado em associação (politerapia) ao fenobarbital; pode ser administrado a cada 24 horas (mais fácil para os proprietários); os sinais de toxicidade são reversíveis com a suspensão do KBr por 2-3 dias ou em casos severos com fluidoterapia utilizando solução de cloreto de sódio 0,9%. Desvantagens: não está disponível comercialmente, tem que ser manipulado; meia-vida longa, entre 22 e 38 dias (média 25 dias). Demora à estabilizar a concentração sérica (em torno de 4 meses); atualmente só é possível usar por via oral; leva no mínimo 4 à 6 semanas para atingir nível sérico eficaz (período longo para epilépticos severos); a dieta não pode ser alterada, pois o brometo e o cloreto são íons muito semelhantes (se for utilizada uma dieta com níveis mais altos de sal o brometo será excretado mais rapidamente); fraqueza dos membros pélvicos; vômito (doses altas); sedação, polidipsia e poliúria. Devido sua excreção renal, a função renal deve ser monitorada constantemente; evitar o uso do halotano como anestésico pois o brometo pode tornar a recuperação anestésica prolongada. Dose: 30-40 mg/kg a cada 24 horas. Lembrar que a dose oral irá fornecer a concentração sérica baseada na quantidade de sal na dieta, dietas com alto teor de sal necessitam de aumentos de 10 à 20 mg/kg na dose oral. A concentração sérica ideal é entre 200 e 330 mg/dl. Falha da Terapia Quando o paciente está sob terapia com FB e/ou KBr e continua a apresentar crises em freqüência inaceitável, este paciente é considerado refratário à medicação. Na opinião do autor a maioria dos pacientes com a chamada “epilepsia refratária” na verdade respondem normalmente ao tratamento quando este é feito de forma correta. Um percentual muito pequeno da população epiléptica é realmente refratária. As principais causas para falha na resposta ao tratamento são: erros no diagnóstico do tipo de epilepsia; erros na seleção dos fármacos; e tratamento sem a mensuração e monitoramento dos níveis séricos do FB ou do KBr. Quando estes erros são evitados o sucesso no tratamento de pacientes epilépticos é alcançado na imensa maioria dos casos.