uma análise a partir de observações no espaço do criar e

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JOGOS E ESPAÇO LÚDICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DE OBSERVAÇÕES
NO ESPAÇO DO CRIAR E BRINCAR
Profª. Drª Maria Vitória Campos Mamede Maia (UFRJ-PPGE-FE)
[email protected]
Shelle Cristine Goldemberg de Araújo (PMBR)
[email protected]
Maria Isabel Luna Simões Hallak (UFRJ)
[email protected]
Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação
Categoria: Comunicação Oral
Este trabalho tem por objetivo analisar um encontro lúdico realizado na oficina do grupo
de pesquisa Criar e brincar: O lúdico no processo de ensino- aprendizagem
(LUPEA).Neste trabalho nos propusemos a fazer uma analise de uma oficina lúdica, que
ocorreu 22 de maio de 2011, utilizando os cinco indicadores discriminados por Macedo
(2005) no que tange à aferição da ludicidade de um jogo, indicadores estes obtidos como
resultado de suas oficinas de jogos. Observaremos, neste encontro, os cinco indicadores
discriminados por Macedo (2005) no que tange à aferição da ludicidade de um jogo. Esse
recurso foi escolhido para que pudéssemos estudar e analisar a importância do ambiente
lúdico como espaço de intervenção indispensável para crianças que possuem
concomitantemente dificuldade de aprendizagem e comportamentos antissociais ao longo
dos anos da escolarização. Assim sendo, a metodologia utilizada para análise deste
encontro lúdico foi a abordagem de BARDIM(2011) de análise de conteúdo, sendo, neste
artigo, as categorias de análise os indicadores de ludicidade.
A pesquisa de campo da qual retiramos uma oficina para análise, foi realizada durante o
ano de 2011 com 7 (sete) crianças do terceiro e quinto anos de uma escola filantrópica , na
zona -Sul da cidade do Rio de Janeiro. Os encontros lúdicos aconteciam uma vez por
semana por 50 minutos. Esta pesquisa se encontra na sua fase final de análise dos dados
levantados.
Um dos interesses desta pesquisa é apresentar o lúdico como uma das estratégias
imprescindível na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças assim como contribuir
para que professores e educadores possam refletir sobre a prática, a partir de uma
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experiência vivenciada em grupo de pesquisa, e como uma atividade lúdica pode beneficiar
o desenvolvimento de práticas pedagógicas em sala de aula, gerando uma maior
aprendizagem. pesquisa Criar e brincar que trabalha com o brincar para alunos com
comportamento antissocial e dificuldade de aprendizagem por entender que além de
contribuir para o crescimento saudável de qualquer pessoa, este conduz ao
desenvolvimento de bons relacionamentos interpessoais e à sociabilidade da criança. O
brincar é a forma que a criança tem de vivenciar e experimentar suas primeiras relações,
preparando-se para a vida adulta. Como Abram (2000) nos afirma que segundo Winnicott,
brincar é o “portão de entrada para o inconsciente” (p.60). O brincar, assim como os
sonhos, tem a função de uma autorrevelação. O brincar é essencialmente criativo. Mas
quando existe uma quebra nessa criatividade o que advém são problemas.... que causam
questões de comportamento, denominadas por Winnicott de comportamentos antissociais
por serem fora das leis que regem a família, a escola ou a própria sociedade e igualmente
pela diminuição da capacidade criativa, questões no aprendizado escolar. Vejamos.
A TENDÊNCIA ANTISSOCIAL E O NÃO APRENDER
Winnicott (1983), em sua obra, deu o nome às crianças as quais ele estudou de antissocial,
ou seja, crianças que tem a ausência de criatividade e a vida cultural que falta a desejar.
Este autor nos mostra que esse tipo de comportamento normalmente tem início quando
algo importante e sólido é retirado injustamente da criança, sendo que até nos bons lares
estes podem acontecer. A esse processo de desapossamento, Winnicott (ibidem)
denominará de-privação.
Este mesmo autor pensa o ato antissocial como o recorrer ao ambiente para que ele
reconheça uma dívida para com a criança. Esse recorrer, na maioria das vezes, por
acontecer sem a intermediação da palavra, suscita em quem sofre o ato antissocial uma
reação e não um acolhimento.
De acordo com Maia (2007), essas crianças pedem
necessariamente um ambiente inclusivo, tanto dentro quanto fora da escola, pois mesmo
que lhes ofereçam oportunidades, essas são crianças que não aprendem e,
consequentemente, vão sendo deixadas de lado na escola e pela sociedade e na maioria das
vezes desistem das mesmas, deixando-as matriculadas em suas escolas até completarem o
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tempo permitido. O binômio ensino-aprendizagem transforma-se em um monômio: há o
ensino, mas não há aprendizagem, não há evidência da circulação do saber, porém há a
evidência cabal de um desajustamento – ninguém as aguenta muito tempo por perto, já que
a falência na aprendizagem e os comportamentos antissociais articulados levam ao
ambiente escolar e familiar cansaço, desistência e irritação, tendo por consequência a
exclusão dessas crianças.
Winnicott nos diz que as crianças que vivenciaram alguma falha na constituição deste
espaço potencial, do espaço destinado à ludicidade e à brincadeira, irão expressar-se não de
forma simbolizada e sim de forma atuada, sem a intermediação da criatividade (Maia,
2005; Maia & Vilhena, 2002 e 2003). A consequência disto é que a criatividade, e o espaço
de aprender, ficam diminuídos, porque a base da comunicação fica sendo o ato e não o
símbolo. Para Winnicott, a causa desta incapacidade advém do fator tempo de retorno
daquele que, para a criança pequena, é marca de segurança: a figura maternal.
A patologia do aprender escolar, no nosso entendimento, igualmente parece advir do fator
temporal, de tentarmos impingir a essas crianças um padrão que não as respeita como
sujeitos do conhecimento, que não as respeita como pessoa única e as vê como massa a ser
guiada pelo mesmo caminho que serviria a todos e, dessa forma, a qualquer um ou a
nenhum.
Quando não é possível brincar, aparecem a submissão e o sentimento de vazio: a criança
cria aversão e se isola ou fica indiferente. Como bem marca Winnicott (1987), elas não
ficam difíceis à toa. Na medida em que a aprendizagem se dá não somente como resultado
de experiências diretas no mundo, mas também de forma indireta, ou seja, com as pessoas
que são significativas para o ser humano, inclusive os professores.
Se o brincar vira contestação, e se acreditamos que o brincar antecede e propicia o ato de
aprender, o aprender perde sua função de criação e vira espaço de não aprender e sim de
ofender, gritar, bater, causar problemas , agredir, nada fazer. O aprender de crianças e
jovens que possuem algum comprometimento em sua afetividade devido a um ambiente
hostil vivenciado muito cedo é eco desta perda de estabilidade, que passa a ser buscada
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incessantemente em outra figura que não o desaponte mais uma vez. Essas crianças
rompem o vinculo social, logo rompem o vínculo com o aprender.São crianças que se
repetem, que se boicotam, mas se “safam”na vida... mas isso não significa que aprendem a
viver e sim a sobreviver.
COMO
SABER
SE
O
LUDICO
OPERA
COMO
FACILITADOR
DA
APRENDIZAGEM?
O encontro escolhido como base de nossa análise chamou nossa atenção devido às ações
dos alunos durante esta oficina. O grupo sempre era iniciado com a atividade “Brincando
com carinhas”, posteriormente a “corrida de vetores” nomeado de corrida de lápis pelas
crianças, na seqüência o jogo “Quarto” e para finalizar a atividade “Brincando com
carinhas”, a qual foi repetida.
A primeira atividade era sempre o que denominávamos Brincando de carinhas que são
diversas carinhas feitas com E.V.A, as quais representam os sentimento de felicidade,
tristeza, raiva, fome, vergonha e sono. Elas foram apoiadas no chão, e as crianças tinham a
opção de escolher uma delas para expressar seu sentimento. Todas as crianças presentes na
oficina queriam pegar a carinha feliz e houve uma disputa, pois a maioria quis pegar a
mesma carinha para demonstrar que estavam muito felizes.
Pôde-se observar certa implicância de algumas crianças com outra, o que se deve ao fato
de que é confrontada ser o único menino do grupo e de facilmente se destacar no
desenvolvimento dos jogos, além de apresentar uma capacidade criativa e de associar as
informações que absorve com seu dia-a-dia, como fica claro no diálogo a seguir:
- Colaboradora: Quer começar?
- Menina: Quero.
- Colaboradora: Primeiro as damas né?!
- Menina: Hum, ta. Ao realizar sua primeira jogada.
- Garoto: Mas sabia que a gente não pode ter essas coisas? É que a gente ta num filme de
terror, aí as mulheres falam: primeiro as damas, primeiro as damas! Aí a dama entra, aí a
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dama entra e o monstro faz “Uggh, grrr, grrr” Aí tranca, aí tranca a porta, aí os homens que
entrar pra salvar, pra salvar ela e não consegue! (sic)
- Colaboradora: risos.
- Menina: Vai logo, garoto!
Após essa primeira atividade, foi realizada a atividade da “Corrida de vetores” denominada
corrida de lápis pelas crianças, onde as crianças demonstraram bastante interesse, entrosamento
e jogaram em duplas. Uma das crianças pegou uma folha de papel e desenhou um coração e
escreveu: "sou muito especial", o que gerou deboche por parte de outras crianças.
Ao término da corrida de lápis o encontro segue para o jogo escolhido para ser
trabalhado, sendo que as duplas se inverteram. Houve rejeição por parte de uma das
crianças, pois não queria a outra em seu grupo e queria deixá-la excluída, porém com a
mediação e intervenção de um dos colaboradores, ela acabou a aceitando, pois a regra era
clara e foi lembrada: todos devem jogar com todos.
Percebeu-se, por parte de algumas crianças dificuldade no entendimento do jogo, o que
causou críticas por parte dos companheiros do grupo. Notou-se também em outro grupo
uma maior importância a jogada individual e uma distância da jogada do companheiro.
Se partimos da definição de Santos (2003) sobre inclusão, podemos interpretar esse grupo
lúdico como um processo de tentar incluir aqueles que já foram apontados como excluídos
pelos próprios professores. Nesta oficina, apesar das dificuldades encontradas entre as
crianças no sentido de confiar, dar espaço e criar, percebe-se que o espaço lúdico propicia
“todos os esforços no sentido de garantia da participação máxima de qualquer cidadão em
qualquer arena da sociedade em que viva, à qual ele tem direito, e sobre a qual ele tem
deveres. Deveres de respeitar o outro, de não bater, não invadir. Direitos de se expressar,
de se comunicar da forma possível e de criar suas saídas.
Se paramos para analisar esse pequeno momento, em um universo de 30 encontros,
podemos perceber que o lúdico estava ainda meio que fechado como espaço de criação,
mas poderia e era usado como espaço de genuinidade de sentimentos e de expressões.
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Quanto ao primeiro parâmetro terem prazer funcional - observamos que em um dos
momentos é solicitado pelos colaboradores que as crianças realizem dois pontos e João
Victor diz: - Tudo quadradinho e tudo da mesma cor. Pronto fiz dois pontos! E João Victor
acrescentar: - Quer que eu faça mais?
João Victor nesse trecho apresenta um dos indicadores da ludicidade discriminados por
Lino de Macedo (2005). “Terem prazer funcional – No jogo, o prazer funcional explica o
interesse pela repetição (jogar novamente outra partida do mesmo jogo) e através do que se
abstrai disto, da repetição sustentada pelo prazer funcional que a criança aprende”.
Quanto ao segundo, observamos que quando um dos colaboradores diz: - Depois vocês
deverão jogar com outra pessoa. E João Victor diz: - Adoro um desafio! Eu ganhei de
quatro a um.
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João Victor nesse trecho apresenta um dos indicadores da ludicidade discriminados por
Lino de Macedo (2005). “Serem desafiadoras – No jogo, as dificuldades de jogar se
expressa pelos desafios, não dominar os meios suficientes para ganhar sempre, ser
surpreendido pelo adversário”.
Quanto ao terceiro, observamos que uma das crianças explica a jogada no tabuleiro à
esquerda: - Tudo altinho e tudo com furinho. A criança que está à direita inicia uma cópia
da jogada do tabuleiro da esquerda.
Foi possível observar a dificuldade da criança da direita de criar uma pontuação diferente
da colega. Segundo Macedo (2005) “As atividades no jogo implica ser criativo, pensar
diferente, imaginar outros recursos, alterar rumos, ser inventivo”. O que não foi possível de
ser realizado pela criança sentada ao lado direito.
Quanto ao quarto, observamos que as crianças iniciam um processo de criação e faz de
conta a partir dos objetos apresentados e manuseados. Elas juntam duas atividades e criam
novas atividades. As novas atividades seriam a construção de bonecos e pirâmides.
Poderíamos dizer que a construção do jogo articulado com o sentimento me levou a fazer
um boneco feliz. Dentre tantas carinhas ao meu redor, pode ser observado na imagem, que
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a criança escolheu a carinha feliz. Atividade que represente efetivamente o que foi o
encontro para ela.
Observamos nesse encontro que eles reconstruíram, ao longo do processo, a dimensão
simbólica. Para Macedo (2005), a presença da dimensão simbólica pode ser percebida
quando o jogo simbólico e o de regras implicam um contexto de simulação, de faz de
conta, de aceitar pensar e resolver problemas em uma situação simbólica e representativa.
Não houve a observância do quinto parâmetro nesse encontro, pois segundo Macedo
(2005) no jogo as atividades são marcadas pela interdependência: seus diferentes aspectos,
as jogadas são irredutíveis entre si, ao mesmo tempo são complementares (a jogada de um
supõe a jogada de outro) e indissociáveis (forma-se um sistema em que tudo é parte de
tudo, ao mesmo tempo). As situações-problema ou atividades interessantes são aquelas que
levam em conta estes aspectos.
Assim sendo, neste encontro houve ludicidade e esta proporcionou a abertura o prazer de
jogar jogos novos, lidar com desafios e ter de prestar atenção a regras, mas também ter
tempo de brincar fora do jogo.
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CONCLUSÃO
Na maioria das vezes as crianças chegam à escola buscando novas vivências, novas
perplexidades, mas infelizmente, na maioria das vezes, são amarradas com padrões de
saberes e práticas já consolidados. Nesses ambientes o aluno restringe-se a conteúdos
escolares, fazendo com que a sua mente seja trabalhada somente com uma finalidade, o
vestibular e o mercado de trabalho, e com isso outros campos de desenvolvimento como,
por exemplo, o espaço criativo e as brincadeiras acabam desaparecendo ao longo do tempo
na escola.
O desenvolvimento das pessoas depende diretamente de como concebemos e lemos o
mundo em que vivemos. A velocidade com que acontecem as informações no mundo e
seguem para dentro de casa e na escola, reafirmam um problema de natureza educacional,
pois as metodologias de aprendizagem que vinham sendo realizadas não são suficientes
para ensinar a aprender a entender o mundo. Os métodos de aprendizagem precisam ser
mais dinâmicos, fazendo com que “o aprender” deixe de ser um processo isolado.
Pensamos em apresentar um processo de aprendizagem que ressignifica o aprender.
[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se
transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim
podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é
apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
(FREIRE, 1996, p.13).
A partir do já exposto, podemos afirmar ser totalmente necessária a articulação entre a
criança e jogo como um espaço transicional , entre o aprender a ser, conhecer, fazer e o
aprender como conhecimento estruturado pela escolarização.
A partir do encontro analisado, pudemos constatar que o espaço lúdico auxilia o processo
ensino-aprendizagem, permitindo à criança ter suas próprias expectativas e experiências de
maneira mais natural. O uso do jogo é uma opção a qual julgamos importante, pois ela é
necessária para a superação das dificuldades de aprendizagem e da maneira a qual os
alunos se relacionam com o mundo. Além disso, quando a criança joga, há interação,
comunicação e aprendizagem. A mediação e a intervenção realizada pelos colaboradores é
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o papel que o professor deve ter e é essencial, pois estas contribuem para a construção do
conhecimento do aluno.
Como dito anteriormente, o brincar e o jogar que acabam desaparecendo ao longo na
escola, são imprescindíveis na vida emocional, física e intelectual do sujeito e elas
auxiliam para o desenvolvimento de habilidades importantes para o desenvolvimento
moral, afetivo, físico e psicológico e é um fator propiciador de inclusão não somente de
crianças que tenham barreiras na aprendizagem, mas a qualquer criança em fase de
escolarização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDEZ, Alicia. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed, 2001
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São
Paulo: Paz e Terra. (Coleção Leitura) 1996.
MACEDO, L. Ensaios Pedagógicos: como construir uma escola para todos? Porto
Alegre: Artmed, 2005b.
MAIA, Maria Vitória C. M. Rios Sem Discurso: Reflexões sobre a agressividade da
infancia na contemporaneidade. 1ª Edição. São Paulo: Vetor, 2007.
MAIA, M. V.C. M.; BITTENCOURT, M. I. (2006) Do carrinho de rolimã ao vídeo game:
reflexões sobre a criatividade e a autoria de pensamento na contemporaneidade. Revista
Vivência, UFRN, n.31, p.111-120. ISSN 0104-3064
SANTOS, Mônica Pereira dos. O Papel do ensino superior na proposta de uma educação
inclusiva. In: Revista Movimento – Revista da Faculdade de Educação da UFF – no. 7,
Maio de 2003 – pp. 78-91
WINNICOTT, D. W. (1975) O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, RJ: Imago
_____. (1987) Privação e delinqüência. São Paulo: Martins Fontes.
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