JUL / AGO / SET 2015 • No 3 • ANO XXXIX Editorial Ainda sobre fronteiras N o edital anterior trouxemos a pergunta: “Fronteiras: respeitar ou ultrapassar?”. Neste número, o boletim traz diversos exemplos de fronteiras ultrapassadas com sucesso, alargando o horizonte da reumatologia brasileira. Ressaltamos o recorde de trabalhos nacionais apresentados no Eular 2015, ao mesmo tempo em que a Revista Brasileira de Reumatologia ganha espaço entre as melhores publicações internacionais na área, destacando a quebra da barreira unitária de seu Fator de Impacto. Ainda sobre ciência, o “Espaço do residente” traz matéria sobre a já estabelecida importância do transplante de medula óssea autólogo para algumas doenças autoimunes e as perspectivas para novas indicações. “Rheuma & Ethos” e “Profissão Reumato” discutem duas situações onde as fronteiras não apresentam nitidez, tampouco demarcações precisas: a primeira sessão trata da influência da tecnologia em nossas vidas, ressaltando que “os limites entre o pessoal e o profissional tornaram-se cada vez menos definidos”; a segunda trata do “noivado” entre reumatologia e infectologia, com troca de doenças e medicamentos, além do compartilhamento de aspectos fisiopatológicos. Para nosso deleite, a coluna do professor Seda traz a dor na poesia de Florbela Espanca e a do doutor Fernando Neubarth, uma reflexão sobre o poder destrutivo de críticas virulentas e vazias frente ao desconhecido, especialmente em tempos de grande alcance propiciado pelas mídias sociais. A coluna “Porque me tornei” traz os filhos de reumatologistas e nossa nova seção, “Por onde andei”, leva-nos a Las Vegas. Ainda duas últimas fronteiras. A primeira, do tempo, os 90 anos do professor Hilton Seda – que esta ainda esteja longe de seu ponto final. A segunda, uma habilidade para além da prática médica. A de músico e roqueiro. Trata-se de Valderílio Azevedo, desta vez nosso personagem na seção “Além da Reumatologia”. A todos, boa leitura! Renê Oliveira Editor SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA Diretoria Executiva da SBR – Biênio 2014-2016 Presidente César Emile Baaklini – SP Tesoureiro José Roberto Provenza – SP Secretário-geral José Eduardo Martinez –SP Vice-Tesoureiro Luiz Carlos Latorre – SP 1º Secretário Silvio Figueira Antonio – SP Diretor científico Paulo Louzada Jr. –SP 2º Secretário Washington Alves Bianchi – RJ Representante junto à Panlar Adil Muhib Samara – SP Antonio Carlos Ximenes – GO Fernando Neubarth – RS Maria Amazile Ferreira Toscano – SC Representante junto ao Ministério da Saúde Ana Patrícia de Paula – DF Mário Soares Ferreira – DF Representante junto à AMB Eduardo de Souza Meirelles – SP Gustavo de Paiva Costa – DF Ivone Minhoto Meinão - SP Av. Brig. Luís Antônio, 2.466, conjuntos 93 e 94 01402-000 – São Paulo - SP – Tel.: (11) 3289-7165 / 3266-3986 www.reumatologia.com.br @ [email protected] Coordenação editorial Edgard Torres dos Reis Neto Jornalista responsável Maria Teresa Marques Editores Tania Caroline Monteiro de Castro Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira Sandra Hiroko Watanabe Layout Sergio Brito Colaborador Plinio José do Amaral Impressão Sistema Gráfico SJS Tiragem: 2.000 exemplares BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 ÍNDICE Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia 4 5 7 8 10 14 16 18 19 20 22 SBR.doc / Notas A charge do Plínio O melhor do Brasil Rheuma & Ethos Profissão Reumato Espaço do residente Por onde andei Foco em Coluna Neubarth Coluna Seda Além da Reumatologia 3 S Br . d o c Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) Balancete - em 30/06/2015 Gestão 2014-16 Divulgação de Balancete A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) divulga balancete em 30/06/2015 e Demonstrativo de Resultados até 30/06/2015 referentes à gestão 2014/2016. (Valores em reais - R$) Demonstrativo do Resultado Até 30/06/2015 Gestão 2014-16 Receitas 2.713.640,16 Anuidades 797.187,08 Financeiras 1.109.519,17 Patrocínios Eventos oficiais Despesas 33.745,71 773.188,20 1.704.613,50 Administrativas 879.386,08 Atividades 427.545,94 Publicações 397.681,48 Superávit 1.009.026,66 ATIVO DISPONÍVEL Caixa Bancos - Conta movimento Investimentos - ADM Investimentos - FAP CRÉDITOS Anuidades Adiantamentos - Regionais Resultados - Eventos Patrocínios Adiantamentos - Salariais IMOBILIZADO Imóveis - Sede SP 30/06/2015 15.654.812,00 13.548.360,86 1.492,03 55.078,40 8.616.799,20 4.874.991,23 1.263.229,86 826.606,91 392.082,03 42.882,00 0,00 1.658,92 843.221,28 843.221,28 31/08/2014 14.662.904,43 12.856.067,26 1.413,16 3.700,22 8.368.655,14 4.482.298,74 963.615,89 366.996,00 104.120,00 134.173,16 357.784,00 542,73 843.221,28 843.221,28 PASSIVO FORNECEDORES Prestadores de serviços TRABALHISTA Saldo de salários Contribuição previdenciária Fundo de Garantia PIS - Folha de pagamento TRIBUTOS Retidos na fonte PATRIMÔNIO LÍQUIDO Patrimônio social acumulado Superavit 15.654.812,00 0,00 0,00 20.423,49 13.482,77 5.518,59 1.264,12 158,01 1.774,12 1.774,12 15.632.614,39 14.623.587,73 1.009.026,66 14.662.904,93 20.457,82 20.457,82 17.763,38 11.335,40 5.094,67 1.185,17 148,14 1.096,00 1.096,00 14.623.587,73 14.623.587,73 – N ota S Bilhete em papel ao Seda Teu nome guarda a serenidade, a sabedoria, a longa gestação que se nutre das folhas de milenares amoreiras e torna magia o paradoxo, da rude singeleza dos casulos o mais nobre dos tecidos. Tua trajetória bem demonstra a multiplicidade dos pendores, o jovem que se fez médico, que se fez mestre, que amenizou a dor, que compartilhou conhecimento, que conquistou discípulos. Ciência, poesia, artes plásticas não te são estranhas; ao contrário, teus flertes são correspondidos. Dás importância à memória, ao registro histórico, o que faz de ti um inventariante de riquezas que apenas brilham ao olhar míope porque as revela. E teu segredo, eu sei, não é o horizonte do mar do Leme, mas a amplitude maior, extraordinária, infinita de tuas leituras. Tua paixão maior. Só não maior que Léa, aquela de quem me disseste um dia, com o olhar doce do menino que recém descobriu o amor e, a um tempo maravilhado e seguro, revela: minha primeira e sempre namorada. O que leste, o que lês, te fez douto e sábio, mas o que te fez essência, alma, é esse 4 amor. Soubeste ler a vida e a vida te concedeu Léa. Por ela, pela família que construíram, por nós, colegas, alunos, leitores: Saúde! 90 anos é pouco. Mais do que pela admiração e estima, precisamos de ti por teu exemplo. Presente, lúcido, afável. E um dia, quando voltarmos ao pó, alguns de nós terão deixado a marca indelével de caminhos. Mais não há? Há coisas que também parecem não existir, mas quem pode negar a força do afeto e, num universo de desatenção e mediocridades, a proposta de eternidade de um amor verdadeiro? De tudo, esse é teu feito maior, o trunfo que faz de ti um homem, guri. Obrigado, Seda. Professor Hilton Seda. Amigo. O carinho em nome da Sociedade Brasileira de Reumatologia, e tudo o que ela significa, pelo teu nonagésimo aniversário. Fernando Neubarth Porto Alegre, 3 de setembro de 2015 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 N ota S Eular 2015: número de estudos brasileiros é recorde O Congresso da Liga Europeia de Reumatologia – Eular 2015, realizado em Roma, trouxe um número que muito nos orgulha: foram apresentados 84 trabalhos, em pôsteres e sessões orais, número bastante superior aos 53 por ano em 2014 e 2013, e 51 por ano em 2012 e 2011. Longe de ser uma surpresa, corroborou o ganho de terreno da pesquisa nacional em reumatologia e imunologia. Seria impossível, pelo espaço deste Boletim, relacionarmos todos os títulos e as afiliações dos trabalhos, por isso, destacamos o número de trabalhos nas áreas de maior representatividade apresentados: • Artrite reumatoide: 18 • Lúpus eritematoso sistêmico: 16 • Esclerose sistêmica: 9 • Síndrome de Sjögren: 6 • Imunologia básica: 5 • Artrite psoriásica: 4 • Síndrome antifosfolípide: 3 • Artrite idiopática juvenil: 3 • Osteoartrite: 3 • Dor crônica: 3 • Outros: 14 A lista com todos os trabalhos brasileiros apresentados no congresso desde 2005, com acesso aos resumos, é encontrada neste endereço eletrônico: http://www.abstracts2view. com/eular/search.php?sea rch=do&intMaxHits=10& where[]=&andornot[]=&q uery=Brazil&condition=A NY&%23.x=9&%23.y=2. Escritor curitibano ganha dois prêmios literários em encontro de reumatologistas O médico reumatologista e escritor curitibano Roberto Antonio Carneiro foi o grande vencedor da primeira edição do Prêmio Literário Professor João Manuel Cardoso Martins. Ele teve dois trabalhos classificados: em primeiro lugar, o conto “Magnólio, o futuro bufão”, e, em terceiro, “Bill, uma narração pelo menos estranha”. A entrega da premiação aconteceu durante a 6ª Jornada de Reumatologia, realizada em junho de 2015. Carneiro é médico, PHD, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em doenças reumáticas e doenças ósteometabólicas. Seu primeiro livro, “Contos de Lá e Cá”, lançado em 2011 pela Editora Nou- A CHARGE DO PLÍNIO velle, traz uma coletânea de contos, com uma visão humana e fraternal das pessoas e do mundo. Além do escritor curitibano, foram premiados ainda os doutores Antonio Techy e Varlei Antonio Serratto, com trabalhos classificados em segundo e quarto lugares. O presidente da Sociedade Paranaense de Reumatologia, Marco Rocha Loures, entidade que criou o prêmio literário, explicou que a ideia foi homenagear o médico João Manoel, que foi professor da PUC de Curitiba e editor de um suplemento literário do Conselho Regional de Medicina (CRM/PR) chamado Iatrico. Dr. Chahade ganha medalha de mérito do Sindusfarma Em 27 de abril de 2015, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) homenageou, na solenidade comemorativa do 82º aniversário de sua fundação, vários pesquisadores da área da saúde, dentre os quais o consagrado reumatologista dr. Wiliam Habib Chahade. A medalha com a inscrição “Cândido Fontoura Colar do Mérito Industrial Farmacêutico” destina-se a condecorar personalidades que se destacam ou se destacaram na prestação de serviços relevantes ao setor industrial farmacêutico e às entidades associativas do setor no Brasil. Mais uma reconhecida e merecida conquista de um dos principais reumatologistas do país! BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 5 N ota S Sabe a última da RBR? A Revista Brasileira de Reumatologia (RBR) conquistou recentemente um marco histórico, sonhado há alguns anos por aqueles que têm colaborado para a sua consolidação. Curiosamente os dois mais importantes referenciais a serem comentados são bem distintos, mas conhecidos pela mesma sigla – JCR. O primeiro é o fator de impacto segundo o Journal of Citation Reports (JCR), o mais conhecido índice de revistas científicas, publicado pela Thomson Reuters. Em sua última avaliação, a RBR alcançou a marca histórica de 1,087. Isso significa que o número de citações de artigos da RBR nos últimos dois anos foi ligeiramente maior que o número de artigos por ela publicados neste mesmo período. Com esta avaliação, foi ultrapassado, pela primeira vez, outro JCR, o Journal of Clinical Rheumatology, periódico afiliado da Pan American League of Association for Rheumatism – Panlar (Liga Panamericana de Associações para o Reumatismo). Ainda se deve destacar que a RBR é atualmente a 10ª revista nacional na lista de impacto. Mãos incontáveis A pura verdade é que este trabalho e suas conquistas dependem de incontáveis mãos e não seria possível a enumeração justa de pessoas que dentro da equipe editorial ou da SBR dedicaram seu tempo e seu precioso trabalho para alavancar o nosso periódico. São editores, autores, revisores, funcionários da RBR e da Elsevier e gestores da SBR que alinham a complexa rede desde a geração de trabalhos até a sua publicação. Os editores da RBR e seus porta-vozes, dão os parabéns a todos, com um enorme (em amplitude e intensidade) agradecimento por estas conquistas, reconhecidamente estímulos para enfrentar diversos desafios em busca de manter a RBR em crescimento em um cenário internacional de profissionalização, de grande circulação de informação e de recursos de divulgação. Agora a dedicação é para manter o novo patamar e continuar em ascensão, o que exige ajustes estruturais na equipe editorial, adequada organização de suas atribuições e de seu processo de trabalho. Marcos Renato de Assis Roberto Ezequiel Heymann EditorEs-chEfEs da rBr Simone Appenzeller Marcelo de Medeiros Pinheiro Claiton Viegas Brenol EditorEs associados da rBr 1. JCR and PANLAR: Planning our Collaborations. Schumacher, H. Ralph M.D.; Garcia-Kutzbach, Abraham M.D. Journal of Clinical Rheumatology, February 2001 - Volume 7 - Issue 1 - pp 1-2. 2. InCites. Journal Citation Reports. Thomson Reuters. http://about.jcr.incites.thomsonreuters.com Impact factor - ISI by Thomson Reuter Annals of the Rheumatic Diseases (EULAR) Revista Brasileira de Reumatologia (SBR) Journal of Clinical Rheumatology (PANLAR) Acta Reumatologica Portuguesa Professora Emilia é a nova diretora da Escola Paulista de Medicina Caros amigos reumatologistas, é com grande satisfação e orgulho que informamos que a prof. dra. Emilia Inoue Sato tomou posse dia 28 de maio deste ano como nova diretora da Escola Paulista de Medicina, unidade acadêmica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Lembramos que a prof. Emilia foi presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia e da Sociedade Brasileira de Reumatologia; é professora titular da Disciplina de Reumatologia de nossa instituição, além de exímia reumatologista e professora, 6 sempre muito ativa em nossas sociedades de especialidade e na universidade. Esta importante posição que assume deve dar mais visibilidade e respeito a nossa especialidade. Saudações, Prof. dr. Jamil Natour Chefe da Disciplina de Reumatologia Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 N ota S Adeus ao dr. Flavio Maciel No dia 31 de agosto faleceu, aos 61 anos, o dr. Flavio Monteiro de Barros Maciel. Para a medicina brasileira, uma grande perda tanto na área de reumatologia como na de terapia intensiva. Sim, ele atuava perfeitamente nessas duas áreas. Para os amigos, um homem divertido, alegre, leal e de notável cultura. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (1978), fez especialização em Unidade de Terapia Intensiva pela Universite Libre de Bruxelles (1993) e especialização em Reumatologia pela Université de Sherbrooke (1998), mestrado em Medicina (Reumatologia) pela Universidade de São Paulo (1991) e doutorado em Medicina (Reumatologia) pela Universidade de São Paulo (1997). Foi autor de vários trabalhos e capítulos de livros. Tinha uma educação impecável; cumprimentava um simples funcionário ou o diretor do departamento com a mesma elegância e generosidade. Poderia conversar com crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos e saberia sempre entrar no universo deles fazendo algum comentário otimista em que todos se sentiam valorizados. Um excelente profissional, humano que salvou a vida de muitos e não conseguiu salvar a si próprio. Casou-se com Maria Elisa em 1978 com quem teve dois filhos, Guilherme e Pedro. Todos nos lembraremos dele pela sua luta e persistência pela vida. Obrigada pelo privilégio de trabalharmos juntos. Você foi cedo demais, Flavio Maciel... Que seu caminho seja de muita luz... Dra. Patricia Feres Barinotti o mElhor do BraSil Notícias das regionais SÃO PAULO Curso de infiltrações em Reumatologia De 23 a 24 de outubro de 2015, acontece o Curso de Infiltrações em Reumatologia, promovido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mais informações podem ser obtidas pelo site www.cursoinfiltracao.com.br. PARANÁ Sexta Jornada Paranaense debateu AR e LES Mais de 150 profissionais da saúde, entre médicos reumatologistas, clínicos, ortopedistas e residentes, além de estudantes de medicina de todo o Paraná, do norte de Santa Catarina e do sul de São Paulo; e especialistas internacionais, participaram, entre quinta-feira e sábado, em Curitiba, da 6ª Jornada Paranaense de Reumatologia. O encontro debateu temas científicos importantes, como a Artrite Reumatoide (AR) e o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Os avanços científicos, mostrados durante a jornada, são essenciais para a melhoria do atendimento dos doentes. Um dos convidados ilustres, o reumatologista argentino Gustavo Citera, expôs trabalhos de pesquisa clinica e experiência pessoal no tratamento da AR desenvolvidos na Argentina. Ele advertiu que, no caso da doença, é importante que as pessoas tomem conhecimento dos sintomas e procurem seu médico para tratamento precoce. Reunião científica Dr. Citera: presente à 6ª Jornada, falou sobre experiência pessoal no tratamento da AR na Argentina. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 A Sociedade Paranaense de Reumatologia realiza dez reuniões anuais, entre fevereiro e novembro, sempre na última semana de cada mês, incluindo avanços médicos importantes e novos medicamentos. 7 rhEuma & EthoS Ética médica na era do José Marques Filho Presidente da Comissão de Ética e Disciplina da SBR “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”. “Nada é permanente, a não ser a mudança”. E “ O impacto dessa verdadeira revolução da comunicação tem se transformado em verdadeiro desafio para legisladores da área ética e legal. Sem dúvida, vivemos uma situação nova, à qual nós profissionais da área da saúde não estávamos preparados” 8 sses aforismos do filósofo jônico pré-socrático Heráclito (535 a.C. - 475 a.C.) refletem com extraordinária clareza as rápidas transformações que vivemos na contemporaneidade na área da comunicação e no relacionamento entre as pessoas. Na área médica vivemos um momento singular e, até certo ponto, perigoso. O impacto dessa verdadeira revolução da comunicação tem se transformado em verdadeiro desafio para legisladores da área ética e legal. Sem dúvida, vivemos uma situação nova, à qual nós profissionais da área da saúde não estávamos preparados. Neste cenário, os limites entre o pessoal e o profissional tornaram-se cada vez menos definidos e cada profissional busca adaptar-se à nova realidade, visando a aproveitar ao máximo as possibilidades oferecidas pelas chamadas redes sociais. A literatura especializada já começa a apresentar ensaios, reflexões e pesquisa abordando essa nova realidade. Diversos países têm procurado normatizar aspectos éticos e técnicos do uso de redes sociais pelos profissionais da saúde, como a publicação da obra Ética e redes sociais – Manual de estilo para médicos e estudantes de medicina pela Organização Médica Colegial da Espanha (OMC), órgão que corresponde ao nosso Conselho Federal de Medicina. Publicado no final de 2014, o manual, direcionado para estudantes de medicina e profissionais médicos, aborda temas fundamentais da prática médica, como manter a confidencialidade; evitar aconselhamento médico a pacientes virtuais; manter uma adequada imagem profissional virtual; evitar desvio de atenção nas consultas com o uso das novas tecnologias; ter responsabilidade sobre as informações médicas; manter relacionamen- to de respeito com outros colegas; e fazer uso adequado de divulgação profissional nas redes sociais. Evidentemente, cada país tem as suas peculiaridades e esse tema deve ser discutido o mais amplamente possível em todas as áreas de educação médica e prática assistencial, desde os cursos de graduação até as sociedades de especialidades e os legisladores éticos. O grande desafio, a nosso ver, é manter todos os preceitos éticos estabelecidos, adaptados a este novo cenário. Nesse sentido, abordaremos aqui dois aspectos do comportamento médico: sua postura profissional nas redes sociais e seu relacionamento com os pacientes e os usuários de uma rede social. Em relação à postura do profissional nas redes sociais e no relacionamento com seus pacientes, deve ser mantida a moderação e a discrição que se esperam de um profissional que lida com o bem maior das pessoas – a saúde –, no sentido mais amplo. Nunca pode ser olvidado pelo médico a sua função social, como educador e a importante função que cumpre na educação das pessoas e da própria sociedade. Vale a pena destacar um aspecto que tem sido pouco observado pelos profissionais. A saúde do profissional é tão importante quanto a de seu paciente. Já dizia nosso pai maior – Hipócrates: “Aquele médico que não se apresenta com boas condições físicas e boa aparência está demonstrando que não tem condições de cuidar da saúde dos outros”. Utilizar indistintamente todos os veículos de comunicação com seus pacientes, o tempo todo, significa que o profissional está trabalhando 24 horas por dia. Essa atitude é absolutamente inadequada. Além do desgaste físico e mental que daí decorrem, a qualidade e a eficácia da ação profissional fica muito prejudicada. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 WhatsApp Rotina e urgências Cada profissional deve fazer um planejamento e uma gestão pessoal de seu tempo e sua agenda, escolhendo quais veículos de comunicação vai utilizar e fazê-lo de forma organizada, com horários bem definidos, somente utilizando os meios de comunicação fora desses horários preestabelecidos para as urgências, que, obviamente, não podem ser previstas. Utilizar somente o horário do consultório ou do local de trabalho para a rotina e telefone celular para urgências é uma boa estratégia. Por outro lado, ao utilizar as rede sociais, o profissional deve manter uma postura que diferencie de forma bem clara quando se manifesta como um profissional da área da saúde ou como um cidadão. Esta talvez seja a ação mais difícil, mas cada um deve procurar sempre atingir esse objetivo em suas comunicações nas redes sociais. Nas manifestações como profissional da área da saúde, o médico deve lastrear sua conduta na nossa carta maior – o Código de Ética Médica – e na Resolução CFM n° 1975/2011 que estabelece “Os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria”. Quanto às comunicações com seus pacientes, a principal preocupação que deve sempre ser levada em conta pelo profissional é a preservação da intimidade e da privacidade do indivíduo que está tratando. Estamos falando do clássico sigilo profissional, pilar fundamental na relação entre o médico e seu paciente, mas a manutenção da privacidade do paciente vai muito além do próprio sigilo médico. Passa pelo respeito à dignidade do ser humano e à Constituição brasileira. A regra é discrição, diálogos rápidos e eficazes e evitar longas orientações e explicações. Jamais realizar consulta ou prescrever medicamentos on line, sem consulta presencial e obrigatório exame físico do paciente. Evidentemente que exceções existem a essa regra, bastando o uso do bom senso, que todos nós médicos temos, como sugestões de medidas terapêuticas (por ex. uso de gelo em traumas articulares) e medicamentos sintomáticos para aqueles pacientes que examinamos recentemente, portanto bem conhecidos, mas sem esquecer de anotar, posteriormente, tais orientações no prontuário do paciente. Nunca poderemos nos esquecer que a consulta presencial, o olhar profissional e atento do médico para o facies de seu paciente e a mão do médico quando do exame físico ainda são e sempre serão o toque mágico que faz com que a febre do paciente diminua quando o médico entra no quarto para examiná-lo ou quando o paciente adentra a sala do médico para consulta e informa que sua dor está melhor, inexplicavelmente, nesse momento! Referência Vicente JMR (org.). Ética y redes sociales – Manual de estilo para médicos y estudiantes de Medicina. La Coruña: Organización Médica Colegial de España, 2014. Marques Filho J, Hossne WS. A Relação médico-paciente sob a influência do referencial bioético da autonomia. Bioética 2015; 23(2): 304-310. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 “ Utilizar indistintamente todos os veículos de comunicação com seus pacientes, o tempo todo, significa que o profissional está trabalhando 24 horas por dia. Essa atitude é absolutamente inadequada. Além do desgaste físico e mental que daí decorrem, a qualidade e a eficácia da ação profissional fica muito prejudicada” 9 P r o F i S S Ã o r E u m ato Reumatologia x infectologia: um casamento perpétuo Stefan Cunha Ujvari Médico infectologista e escritor. Autor do livro “A história do século XX pelas descobertas da medicina”, 2014, Editora Contexto. H istórias e descobertas comuns envolvem duas especialidades médicas: reumatologia e infectologia, além de beneficiarem-se, muitas vezes, das mesmas drogas terapêuticas. Reumatologistas já “presentearam” infectologistas com a descoberta de agentes infecciosos. Doenças de uma especialidade, por diversas vezes, precipitam enfermidades da outra. Falando da relação entre as duas áreas, podemos dizer que o noivado de ambas emergiu na Antiguidade, o casamento se concretizou com descobertas do século XIX, e a união permanece estável até os dias atuais. A unificação da Alemanha, em 1871, precipitou um novo império econômico: a indústria química alemã. A nova nação assumiria, em pouco tempo, a liderança mundial desse setor. Os químicos alemães abriam frentes de pesquisa em diversos setores: corantes, medicamentos e indústria pesada. A economia mundial conheceria novas potências alemãs: Bayer, Hoechst, Agfa e Basf e essa última descobriria a fórmula de fabricação do corante índigo e dos fertilizantes. A Bayer, em 1897, liquidou o gosto amargo e intragável do ácido salicílico extraído do salgueiro e utilizado para o tratamento de febre, gota, artrites crônicas e febres reumáticas. Como? Acrescentou o radical acetil à molécula. Nasceu o ácido acetilsalicílico. A nova droga também eliminava as constantes dores estomacais da droga antecessora. Reumatologistas e infectologistas agradeceram. O córtex da glândula suprarrenal foi esmiuçado na década de 1930. Moléculas descobertas emergiram no laboratório do químico americano Edward Kendall. A substância E foi finalmente sintetizada em 1948. Não mais a adquiriam na bile ou suprarrenal separadas dos abatedouros. E mais, no mesmo ano, uma jovem de 29 anos, acamada por artrite reumatoide, levanta-se e caminha após doses diárias intramusculares da substância E: a cortisona. A comemoração reumatológica ampliou seu uso para outras doenças e, em pouco tempo, descobriu-se nova rota de colisão entre as especialidades: doses elevadas dos corticoides precipitavam doenças infecciosas. Ambas as especialidades fundem-se novamente com o aprendizado da corticoterapia. 10 Novas drogas antimaláricas A luta contra a malária intensificou-se no século XX e os EUA conseguiram expulsá-la de seu território sulino, bem como os países europeus banhados pelo Mediterrâneo, e Mao Tsé-Tung do sul chinês. Parte desse sucesso veio com a descoberta de novas drogas antimaláricas mais eficazes que o antigo quinino isolado nas cascas de árvores dos Andes. Até mesmo o Brasil distribuiu sal com cloroquina pelos municípios da Amazônia para controlar a doença. Essa luta favoreceu os reumatologistas, “presenteados” com a cloroquina. Em 1975 o Departamento de Saúde de Connecticut foi alertado sobre um aumento do número de casos de Artrite Idiopática Juvenil (AIJ), que não despertaria interesse se não fosse o fato de ocorrer em uma frequência cem vezes maior do que a esperada. Além disso, outros sintomas cutâneos e sistêmicos alertaram para uma provável nova doença. As investigações confirmaram isso. A infectologia agradeceu a descoberta de uma nova doença e, posteriormente, seu agente etiológico. O local dessa epidemia de AIJ? Os arredores da pequena cidade rural de Lyme, que cunhou a doença de Lyme transmitida pelos carrapatos. O avanço da medicina proporcionou o esclarecimento da fisiopatologia das doenças. Novamente as doenças reumatológicas e infecciosas partilham algumas vias comuns. Descobrimos agentes infecciosos causadores de sintomas reumatológicos. Avançamos em novas drogas reumatológicas que, por interferirem na resposta imunológica, elevam o rigor no controle de infecções. Cada vez mais se consolida a união entre infectologistas e reumatologistas. Por fim, estamos na iminência do surto de uma nova doença que precisará, provavelmente, de ambas as especialidades na sua condução: a epidemia do vírus chikungunya com sua febre e artrite. “ Falando da relação entre as duas áreas, podemos dizer que o noivado de ambas emergiu na Antiguidade, o casamento se concretizou com descobertas do século XIX, e a união permanece estável até os dias atuais.” BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 Por q u E m E to r N E i r E u m ato lo g i S ta ? Influência dentro de casa Pai ou mãe reumatologista muitas vezes pode ser um fator determinante para a escolha do filho que, além do desejo de tornar-se médico, ainda envereda igualmente pela reumatologia. Acompanhe três depoimentos que comprovam a eficácia da influência materna ou paterna na escolha da área. Rodrigo Luppino Assad Marina Verdi de Almeida A medicina é minha escolha desde a infância. Em relação à reumatologia, devo admitir que demorou um pouco a acontecer. Na infância dizia que seria pediatra, porém, após começar a cursar medicina, essa ideia foi ficando para trás e no sexto ano decidi-me pela clínica médica ainda sem saber o que faria depois. Durante os dois anos de clínica, as dúvidas aumentavam a cada estágio. Até que ao passar pela reumatologia me identifiquei e vi ali a oportunidade de exercer um pouco de cada área da medicina – da psiquiatria a ortopedia, passando por toda a clínica médica – devido à enorme variedade e complexidade das doenças reumatológicas. Nesse momento então pude começar a entender a paixão do meu pai pela reumatologia. Impossível não se apaixonar por uma área tão instigante, em constante transformação e crescimento, com o surgimento de novos diagnósticos e possibilidades terapêuticas, além da exigência de anamnese e exame físico bem feitos para realização de diagnósticos. Felizmente após vivenciar dois anos de residência em reumatologia na FMRP - USP, aprendendo diariamente com grandes reumatologistas, pude compreender a magnitude da especialidade. Após o fim da residência, optei voltar para Araçatuba e trabalhar na mesma clínica que meu pai buscando exercer a medicina que aprendi a admirar e conhecer desde a infância. Para quem ainda não sabe, sou filha do dr. Paulo de Tarso Nora Verdi, excelente Marina e seu pai, o reumatologista Paulo de Tarso Nora Verdi. reumatologista e um homem que sempre praticou a verdadeira medicina, pois além da formação técnica impecável tem uma bondade e real desejo de ajudar o paciente que o tornam único e especial para todos que têm a oportunidade de conhecê-lo. Eu fiz reumatologia pelo desafio que a especialidade nos proporciona. O reumatologista está sempre pensando nas diversas possibilidades diagnósticas e necessita avaliar o paciente por inteiro. Outra possibilidade foi aventada por um grande mestre, quando eu fazia residência de clínica médica na Escola Paulista de Medicina. Era o prof. Aroldo Liberatori, que dizia que, quando crianças, eu e minha irmã Ana Paula, que também é reumatologista, ganhávamos de nossa mãe, Rozeane, reumatologista, “joelhinhos” e “coluninhas”, que eram brindes dos laboratórios, ao invés de brinquedos convencionais. De fato, aparelhos de laboratório, pôsteres de imunoflorescência, aparelhos de fisioterapia sempre nos foram objetos familiares. Portanto, essa segunda hipótese levantada pelo prof. Liberatori não é desprezível... Boris Afonso Cruz A tradição da medicina é forte em minha família: meu bisavô por parte de mãe, meu avô paterno e meu pai são médicos. Assim desde criança me projetei seguindo a ascendência na escolha profissional. Já na faculdade de medicina, a evolução para a clínica médica foi natural. Tenho o privilégio de ter como pai o professor Achiles Cruz Filho, reumatologista que foi pioneiro, é respeitado e querido por todos. A influência dele foi indelével e ainda cedo em minha formação médica mostrou-me o quão complexa e abrangente é a reumatologia. Assim, fui conduzido a BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 Boris, filho do reumatologista Achiles Cruz Filho. esta especialidade médica em um caminho que tem desafios e alegrias que se renovam a cada momento. 11 E S Pa ç o do rESidENtE Transplante de células-tronco nas Por vezes, o reumatologista precisa mostrar as suas “garras”, adotando procedimentos terapêuticos mais agressivos Maria Carolina de Oliveira Professora doutora da Divisão de Imunologia Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo T odos nós, reumatologistas, vamos um dia nos deparar com um caso clínico de difícil manejo e desfecho sombrio. Muitos já acompanhamos vários desses pacientes ainda durante a residência médica. Embora a reumatologia tenha evoluído muito nas últimas décadas, o arsenal terapêutico é finito e, em alguns casos, pouco eficaz. Assim, existe espaço para abordagens terapêuticas mais agressivas, que devem ser restritas a casos graves, refratários e progressivos. O transplante de células-tronco hematopoéticas tem sido explorado, nos últimos anos, como um tratamento para tais pacientes, mostrando-se cada vez mais promissor. Esse procedimento surgiu ainda em 1996, de modo muito tímido e cercado de críticas. O sucesso inicial contagiou muitos centros de transplante, que passaram a tratar pacientes com variadas doenças autoimunes. O procedimento consiste em tratar o doente com altas doses de medicamentos imunoablativos, seguidas pela infusão de células-tronco autólogas (do próprio paciente), previamente colhidas e criopreservadas. A terapia promove a destruição do sistema imunológico auto-agressivo e sua renovação (resetting imunológico) através das células reinfundidas. O novo sistema imunológico apresenta-se mais tolerante aos auto-antígenos, e a agressão aos tecidos é interrompida. Hoje, aproximadamente 3 mil pacientes já foram transplantados em todo o mundo, incluindo Europa, América do Norte, Ásia, Austrália e, aqui na América do Sul, o Brasil. As doenças reumáticas correspondem a pelo menos metade dos transplantes, entre esclerose sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico, artrite idiopática juvenil e algumas vasculites, em ordem decrescente de frequência. 14 Resultados animadores Hoje, a esclerose sistêmica é a doença reumática mais transplantada no mundo, com resultados muito animadores. Após o transplante, os pacientes apresentam pronta melhora do acometimento cutâneo e pelo menos estabilização do envolvimento pulmonar. Além disso, dois estudos randomizados, comparando o transplante com pulsos mensais de ciclofosfamida, mostraram que os pacientes transplantados apresentam melhores desfechos clínicos, de qualidade de vida e de sobrevida do que aqueles tratados com pulsoterapia. Os casos de lúpus eritematoso sistêmico são transplantados com frequência menor, pela maior disponibilidade de medicamentos para o tratamento convencional das formas graves da doença. São encaminhados para transplante pacientes com envolvimento renal, cardíaco, pulmonar e de sistema nervoso central, refratários ao tratamento, mas ainda apresentando sinais de atividade. Para esses casos, o transplante proporciona controle da atividade da doença durante muitos anos. Na artrite reumatoide, entretanto, os resultados iniciais mostraram falhas de resposta e reativações precoces e portanto essa doença tem sido pouco transplantada. Curiosamente, a artrite idiopática juvenil, principalmente em sua forma sistêmica, responde bem ao procedimento. Embora os transplantes sejam, na maioria dos centros, coordenados pela Hematologia, a inclusão de pacientes reumáticos na lista de doenças transplantadas tem criado uma demanda por reumatologistas. Os transplantes para doenças reumáticas apresentam características únicas e muitas vezes requerem a expertise da nossa especialidade para seu manejo. Assim, o reumatologista é fundamental em todas as etapas do BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 doenças reumáticas “ Esse procedimento surgiu ainda em 1996, de modo muito tímido e cercado de críticas. O sucesso inicial contagiou muitos centros de transplante, que passaram a tratar pacientes com variadas doenças autoimunes.” BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 procedimento, desde a seleção correta do paciente até o seguimento pós-transplante. Nessas ocasiões, a reumatologia deixa o consultório e mostra suas “garras”, associando-se a outras especialidades, fazendo-se indispensável e incorporando mais essa habilidade ao seu grande conjunto de atuações. Em um futuro próximo, o transplante de células-tronco hematopoéticas deverá ser aprovado pelas autoridades brasileiras como tratamento padrão para casos selecionados de doenças como a esclerose sistêmica. Desse modo, criar-se-á um espaço para a atuação do reumatologista que, se espera, será oportunamente preenchido com competência e dedicação. O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo) possui uma unidade exclusiva para os transplantes de pacientes com doenças autoimunes. A unidade é coordenada pelas divisões de Imunologia Clínica (Reumatologia) e Hematologia e conta com três leitos para internação, além de um hospital-dia e ambulatório. Por ano, são realizados aproximadamente 20 transplantes para doenças autoimunes. Hoje, nossa unidade é a segunda maior do mundo em número de transplantes realizados, precedida somente pelo centro da Northwestern University, em Chicago, Estados Unidos. Contamos com uma equipe multidisciplinar e abrigamos diversas pesquisas, algumas multicêntricas com participação de instituições europeias e americanas. A unidade oferece vaga para um reumatologista que deseja adquirir mais experiência no manejo e no acompanhamento de pacientes transplantados, com possibilidade de bolsa durante um ano. 15 Por oNdE aNdEi Viva Las Vegas! Themis Mizerkowski Torres e Leandro Parmigiani Reumatologistas do Complexo Hospitalar Prof. Edmundo Vasconcelos. Sim, a mente vai direto imaginar hotéis e cassinos, mas a cidade é muito mais. É infindável a quantidade de atrações, porém o quanto você conseguirá conhecer dependerá do seu tempo de permanência “C idade de luz brilhante, vai ligar minha alma. Vai deixar minha alma em fogo”. Como disse Elvis Presley, Las vegas não se traduz apenas por hotéis luxuosos e extravagantes, mas por diversão certa para todas as idades. Se você tem vontade de conhecer esta cidade incomum, uma boa dica é chegar em Los Angeles e alugar um carro. A viagem de carro entre Los Angeles e Las Vegas é bem popular entre os turistas. O trajeto que corta o deserto até a cidade tem cerca de 450 quilômetros e uma boa dica para o motorista é encher o tanque do automóvel antes de sair da Califórnia porque postos de gasolina são difíceis de encontrar ao longo da viagem. No caminho você irá passar pela Calico Ghost Town, no Condado de San Bernardino ainda na Califórnia. Vale a pena uma parada para conhecer a pequena cidade fantasma fundada em 1881 com a descoberta de minas de prata e que possuía, em seu pleno auge, 500 minas, 1.200 habitantes, bordéis, restaurantes, bares, armazém, cadeia e xerife. Contudo, com o declínio do comércio deste metal a cidade começou a ser abandonada, foi restaurada, tornou-se parque estadual e foi proclamada em 2005 pelo governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, como a Cidade Fantasma da Corrida da Prata na Califórnia. O parque funciona até as 17 horas 16 e a entrada custa US$ 8. Você também pode alugar cabanas e acampar no local por US$ 100. É opção muito divertida para quem realmente curte filmes do Velho Oeste. Saindo de Calico rumo a Las vegas, a estrada é movimentada, mas, como a maioria das estradas dos EUA, muito bem pavimentada e faz você curtir a viagem pelo deserto. Coloque no GPS para chegar pela Las Vegas Boulevard e não pela Las Vegas Freeway, assim você irá passar pelo famoso “Welcome to Fabulous Las Vegas Sign”. Se você chegar no começo da noite, como fizemos, verá a cidade radiante na escuridão do deserto. Todos os hotéis – como Bellagio, Paris, MGM, Luxor, Excalibur, Planet Hollywood, Mandalay Bay, Winn, Encore, Cosmopolitan, Aria, Monte Carlo, Mirage, Caesar’s, Treasure Island, Venettian, Pallazzo e Stratosphere – merecem uma visita, pois possuem um tema diferente, com decorações inusitadas e várias atrações como parques Calico Ghost Town. aquáticos, parques de diversão, teatros com espetáculos exclusivos, shoppings e restaurantes com chefes renomados. O tempo necessário para visitar os hotéis depende muito de quantos dias você irá ficar em Las Vegas. Las Vegas não é grande e todos os principais hotéis, cassinos e atrações estão na Las Vegas Strip, que é a principal avenida da cidade. Por mais que esteja tudo concentrado nesta rua, ela é enorme e demora horas para chegar de uma ponta a outra. Por isso, usar o trem Monorail que percorre toda a Strip pode ser uma boa opção se você não gosta de caminhar. O trem funciona das 7 às 2 horas de segunda a quinta e, nos outros dias, até as 3 horas. O valor do tíquete é US$ 5, mas há uma opção de 12 dólares que tem validade de 24 horas. Além desse, há trens com distâncias menores entre alguns hotéis, que são gratuitos, como o que liga o Bellagio ao Monte Carlo e o Treasure Island ao Mirage. Nós ficamos no Mirage. O hotel é Passeio de Gôndola dentro do Venettian, reportando Veneza. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 Insanity – as cadeiras giram em alta velocidade, os braços do brinquedo abrem e você vê a cidade ao seus pés. Hotel Mirage. enorme, como todos na cidade. Para economizar, o melhor é escolher diárias entre segundas e quintas-feiras; muitas vezes o preço cai pela metade no meio da semana e, não se preocupe, pois o clima de fim de semana impera todos os dias. No quarto, não ouvíamos o barulho do cassino e nem sentíamos o cheiro de fumaça, contrariamente a uma reclamação frequente nos sites de hotéis em Las Vegas. Em frente a este hotel você irá encontrar um posto do Tix 4 Tonight, onde há promoções para shows e jantares em diversos restaurantes famosos de Vegas. Os shows mais procurados, como “O” e “Love” dos Beatles, ambos do Cirque du Soleil, valem o espetáculo. Se você gosta de uma balada, neste hotel há a “OAK”, famosa por suas noites quentes e que duram até o amanhecer. Bela vista da cidade Não deixe de ir ao Stratosphere Hotel, que tem uma altura de 350 metros, equivalente ao um prédio de 11 andares. Tem uma bela vista panorâmica da cidade e os brinquedos mais radicais de Vegas: X-Scream, Insanity, Big Shot e, se você gosta de muita adrenalina, o Sky Jump. Passear pela Fremont Street à noite é obrigatório. Com um painel de LED na cobertura da rua que sincroniza com suas músicas, você irá conhecer onde nasceu Las Vegas e visitar famosos cassinos como o Four Queens. A Fremont Street também tem sua cota de créditos em filmes de Hollywood. Ela foi o cenário da produção “ Viva Las Vegas” (1964), com Elvis Presley, e do longa “James Bond: Os diamantes São Eternos”, de 1971. Para a maioria dos brasileiros, uma viagem para os Estados Unidos não está completa sem uma passadinha por algum outlet e conosco não foi diferente. O Las Vegas North Premium Outlets fica dentro da cidade e tem ônibus regulares de vários pontos de Vegas. Se o tempo não for um problema para você, uma viagem que vale a pena é a Love Beatles, Cirque du Soleil. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 ida ao Grand Canyon, a 195 km de Las Vegas, que dura, em média, duas horas. No Grand Canyon West fica a Skywalk, uma passarela de vidro onde você pode caminhar sobre uma parte do Canyon com uma sensação indescritível. O ingresso para entrar no parque e ir na Skywalk não é dos mais baratos (custa US$ 87), mas vale a visita. Existe uma Borda Sul do Parque, mais longe de Vegas (cerca de 450 km), mas é por ela que você poderá visitar a represa Hoover Dam que abastece a cidade, uma parada interessante na viagem. Agora, se você não quer perder todo esse tempo, pode ir até lá de helicóptero; o passeio demora, em média, três horas e meia, com direito a um piquenique no Gran Canyon e sobrevoo pela Strip, que custa US$ 350 por pessoa. Com todas estas atividades e lugares para conhecer, você pode entender porque esta cidade é sinônimo de aventura e diversão e, com seus hotéis e suas placas iluminadas, seduzem para que a noite nunca acabe. Fremont Street. 17 Foco Em Serviço do HGF é o maior do Estado do Ceará N a década de 1990, o dr. Walber Pinto Vieira empreendeu esforços e conquistou a criação do Serviço de Reumatologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), atualmente o maior do Estado do Ceará e um dos maiores da região Norte-Nordeste. Historicamente, o serviço é o maior responsável, no Estado, pelo maior contingente de atendimento aos pacientes com doenças reumáticas na região. O serviço encontra-se alocado no HGF, membro da rede de hospitais da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa-CE). Em sua estrutura física, conta com 14 leitos para internação clínica, sendo nove leitos para adultos e cinco para crianças e adolescentes; centro de infusão para administração das medicações imunobiológicas, bem como para acompanhamento clínico dos pacientes, com capacidade para 12 pacientes; dez salas para atendimento ambulatorial; miniauditório para sessões clínicas e clubes de revista; e sala de videoconferência. Em média, o serviço realiza por ano cerca de 12 mil consultas, recebendo pacientes da capital, do interior e de outros Estados da região Norte-Nordeste. Existem acompanhamentos periódicos em ambulatórios específicos das mais Equipe do serviço de reumatologia do HGF. 18 diversas áreas da reumatologia, como: colagenoses (lúpus, Sjogren, miopatias e esclerodermia); artrite reumatoide; espondiloartrites; metabolismo ósseo; vasculites; ambulatório de dor; reumatologia pediátrica; e ambulatório de triagem. Além disso, o serviço conta com procedimentos e parcerias importantes dentro da especialidade como: densitometria óssea, capilaroscopia periungueal, ultrassonografia articular, acupuntura, laboratório de autoimunidade, radiologia e infiltração do sistema musculoesquelético, dentre outros. O Centro de Infusão de Imunobiológicos funciona diariamente, atendendo à demanda do Estado com relação à necessidade de administração das medicações e ao acompanhamento desse grupo de pacientes, atualmente com 760 em seguimento. A equipe participa de videoconferências nacionais (Rute – Rede Universitária de Telemedicina) e tem colaboração ativa do Grupo de Apoio ao Paciente Reumático do Ceará (Garce). A residência em Reumatologia Geral foi inaugurada em 2002, contando atualmente com quatro vagas para o primeiro ano, quatro vagas para o segundo ano e uma vaga para o terceiro ano. Recen- temente, em 2013, foi inaugurada a Residência em Reumatologia Pediátrica, uma das únicas do Norte-Nordeste, com uma vaga para o primeiro e segundo anos. Além dos estágios em enfermaria e ambulatório de reumatologia, os residentes estão inseridos também em vivências de ortopedia, laboratório de autoimunidade, fisiatria e reabilitação, dermatologia (colagenoses), radiologia e centro de infusão. O serviço também está envolvido no ensino de internos, residentes de clínica médica e pediatria geral das mais diversas instituições de ensino médico do Estado. Equipe tem 15 especialistas O corpo clínico do Serviço de Reumatologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) conta atualmente com 15 médicos especialistas, sendo 12 médicos reumatologistas gerais e três reumatologistas pediatras. Dentre os médicos assistentes, cinco possuem título de doutorado e dois de mestrado. • Reumatologia geral: Dr. Walber Pinto Vieira - Chefe do Serviço; dra. Maria Roseli Monteiro Callado; dra. Rejane Maria Rodrigues de Abreu Vieira; dra. Francisca Edwiges Araújo Moura; dra. Niedja Bezerra Frota; dra. Kirla Wagner Poti; dra. Mailze Campos Bezerra; dra. Sâmia Araújo de Sousa Studart; dra. Andréa Rocha de Sabóia Mont’Alverne; dra. Lysiane Maria Adeodato Ramos Fontenelle; dr. André Xenofonte Cartaxo Sampaio; e dr. Joerun de Carvalho Oliveira. • Reumatologia pediátrica: Dr. Carlos Nobre Rabelo Júnior; dr. Marco Felipe Castro da Silva; e dra. Ana Raquel Xavier Feitosa. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 coluNa NEuBarth Os príons e os ídions “O termo príon, uma conjunção de “proteína” e “infecciosa”, foi inventado, segundo ironiza Prusiner em seu livro “Madness and Memory: The Discovery of Prions – A New Biological Principle of Disease” (Yale University Press, 2014), na falta do conhecimento de um termo grego mais inteligente.” Fernando Neubarth * O neurologista americano Stanley B. Prusiner, da Universidade da Califórnia, mereceu o prêmio Nobel em 1997 por ter descoberto os Príons, um novo princípio biológico na gênese das infecções. Seus estudos partiram do interesse pela doença de Creutzfeldt-Jacob e outras doenças do grupo das assim chamadas encefalopatias espongiformes transmissíveis, como a Síndrome de Gertsmann-Sträussler-Sheinker (GSS), a Insônia Familial Fatal e o Kuru, causa de uma epidemia nos anos 50 e 60 do século passado entre os papuas da Nova Guiné, praticantes da antropofagia. Essas enfermidades também acometem animais; além de ovinos e espécies exóticas, a mais conhecida é a que atinge os bovinos, a Síndrome da Vaca Louca. No princípio da década de 70, a causa dessas doenças era inteiramente obscura. Alguns casos pareciam obviamente genéticos, mas outros surgiam “do nada”. Os pesquisadores tentavam encontrar agentes para o contágio, mas não eram identificados. Nem bactérias, nem fungos, nem parasitas ou vírus e, mais do que isso, nada de DNA ou RNA, marca registrada de infecção. A grande dúvida: infecção sem agente vivo? Aos poucos, o dr. Prusiner foi desenvolvendo a teoria de que uma proteína vilã é o fruto da replicação de proteínas normais até assumir sua patogenicidade. O termo príon, uma conjunção de “proteína” e “infecciosa”, foi inventado, segundo ironiza Prusiner em seu livro “Madness and Memory: The Discovery of Prions – A New Biological Principle of Disease” (Yale University Press, 2014), na falta do conhecimento de um termo grego mais inteligente. O príon faz lembrar a manifestação dual do clássico de Stevenson, “O Médico e o Monstro”, ora no comportamento confiável do dr. Jeckyll, ora na índole assassina de mr. Hyde. São proteínas celulares inócuas que possuem uma capacidade inata de modificarem-se estruturalmente em partículas perigosas, causadoras de doenças cerebrais do tipo demencial e, invariavelmente, mortais. Prusiner sempre foi alvo de muitas críticas em relação a sua teoria por parte da comunidade científica. Mas o fato é que ela pode nos servir de metáfora, para tentar entender um fenômeno que tem acontecido nas assim chamadas mídias sociais – essas que, segundo Umberto Eco, tem dado voz à sanha opiniática de legiões de idiotas. Reflexões que não sairiam de uma conversa entre comadres ou do âmbito da mesa de um bar adquirem uma virulência tamanha, que torna a singeleza e a inocência máquinas mortíferas espalhando difamação, rancor, desprezo ao diferente. Capazes de provocar linchamentos morais e literais. Um perigoso meio no qual a antropofagia parece ser a determinante do cardápio. Onde tudo acabava em pizza é possível que acabe em rodízio dos próprios comensais. Certas atitudes expressas em palavra escrita no Facebook, Twitter e outras comunicações de nossos dias, assim como na voz de representantes da imprensa ou do povo, refletem mais do que extravagância, estouvamento ou imprudência. Os doidivanas da hora arriscam-se a perder a democracia para não perder a piada. Germes do renascimento de ideologias totalitárias e nazi-fascistas. Numa dessas o rebanho vai e a vaca louca pode não ser bem quem estão pensando que é. * Médico e escritor. Presidente da SBR, gestão 2006-2008 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 19 coluNa SEda Florbela Espanca e a dor em cem anos de poesia Hilton Seda Dedicado ao professor dr. Ueliton Vianna O s reumatologistas cuidam da dor física; Florbela Espanca cantava, em seus versos, a dor da alma: Coveiros, sombrios, desgrenhados, Fazei-me depressa a cova, Quero enterrar minha dor Quero enterrar-me assim nova. Coveiros, só o corpo é novo, Que há poucos anos nasceu; Fazei-me depressa a cova Que minha alma morreu. Essa grande poetisa, embora tenha escrito, em 11 de novembro de 1903, o poema “A vida e a morte”, começou realmente a compor seus sofridos versos a partir de 1915, portanto há cem anos. Isto se prova com o fato de ter ela, em meados de abril de 1916, selecionado, dentre sua produção poética, cerca de 30 peças produzidas a partir de 10 de maio de 1915, com as quais inaugurou o projeto e o manuscrito “Trocando Olhares”, onde estão 88 poemas e três contos(1). Florbela d’Alma da Conceição Espanca nasceu no princípio da madrugada do dia 8 de dezembro de 1894, em Vila Viçosa, Alentejo, Portugal, na casa de sua mãe, à Rua do Angerino. Na Igreja Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, consta que é “filha ilegítima de pai incógnito”, do mesmo modo que seu único irmão. Isto, entretanto, não corresponde à verdade. Seu pai foi João Maria Espanca. Herdeiro 20 da profissão de sapateiro, não a exerceu, tendo se dedicado a várias atividades: antiquário, negociante de cabedais, desenhista, pintor, fotógrafo e cinematografista, sendo um dos introdutores do “Vitascópio de Edison” em Portugal. Era casado com Mariana do Carmo Toscano (ou Ingleza), mas não foi de sua união com ela – que era estéril – que Florbela nasceu e sim de um caso extraconjugal com Antônia da Conceição Lobo. Do mesmo modo, três anos depois, nasceu seu irmão Apeles, em 10 de março de 1897. Curiosamente, João Espanca fez sua esposa madrinha de batismo de Florbela e o amigo Daniel da Silva Barroso seu padrinho, em cerimônia realizada no dia 20 de junho de 1895. Criou seus filhos em sua casa, com a colaboração da esposa, mas só reconheceu Florbela como filha, em cartório, após sua morte, no dia 13 de junho de 1949. João Maria Espanca faleceu em 3 de julho de 1954(1,2). Florbela frequentou a escola primária, entre 1899 e 1908, em Vila Viçosa. Em 1908, ano em que sua mãe faleceu, aos Liceu de Évora Parte I 29 anos de idade, nessa mesma cidade, ingressou no Liceu de Évora, onde estudou até 1912, quando sua família para lá se mudou. Em 1913, casou-se em Évora, no dia de seu aniversário, com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu antigo colega de escola, indo morar em Redondo. Em 1915, o casal, em dificuldades financeiras, voltou para Évora, instalando-se na casa do pai. No ano seguinte, regressaram a Redondo. Neste momento, Florbela iniciou uma atividade jornalística em três publicações: Modas e Bordados (suplemento de O Século de Lisboa); Notícias de Évora; e A Voz Pública, também de Évora. João Maria Espanca, mais uma vez, fazendo das suas, ainda em companhia de Mariana, vivia em casa com a empregada Henriqueta de Almeida, mas acabou divorciando-se, em 9 de novembro de 1921, para casar-se com Henriqueta em 4 de julho de 1922. Mariana morreu em dezembro de 1925(1,2). Em 9 de março de 1916, Portugal começou a participar da Primeira Grande Guerra Mundial. O fato levou Florbela a realizar o projeto “Alma de Portugal” dizendo ser “homenagem humilíssima à pátria que estremeço”. Em outubro de 1916, a poetisa voltou para Évora, atuando como explicadora no Colégio Nossa Senhora da Conceição. Em novembro desse mesmo ano, retornou ao Liceu que havia interrompido e concluiu o Curso Complementar de Letras, em 24 de julho de 1917. Ainda em 1917, vivendo em Lisboa subsidiada pelo pai, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas, em BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 meados de 1920, abandonou o curso. Em abril de 1918, Florbela teve um aborto espontâneo com infecção de ovários e pulmões, indo repousar com o marido em Quelfes (Olhão), no Algarve. Nessa ocasião apresentou os primeiros sinais de neurose(1,2). A vida matrimonial de Florbela foi conturbada. Em 1920, ainda casada, foi viver com Antônio José Marques Guimarães, alferes de artilharia da Guarda Republicana. Em 30 de abril de 1921, divorciou-se de Moutinho e casou-se com Antônio José no dia 29 de junho de 1921 no Porto. O casal deslocou-se para Lisboa, pois Guimarães foi indicado chefe de gabinete do Ministério do Exército. Em novembro de 1923, Florbela, adoentada, foi para Gonça (Guimarães) tratar-se. Não durou muito o casamento com Guimarães, tendo este pedido o divórcio em 4 de abril de 1924, pedido deferido em 23 de junho de 1925. Vale relatar que Antônio José criou uma agên- cia de “Recortes” para coletar matérias publicadas sobre autores, que contém abundante material sobre Florbela, constituído de 133 recortes. Após o segundo divórcio, novo casamento, agora com o médico Mário Pereira Lage, de 32 anos, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento foi realizado em 15 de outubro de 1925 em cartório e, em 29 de outubro, na Igreja de Bom Jesus de Matosinhos. Passaram a viver na casa dos pais do médico em Matosinhos. Em 1927, Florbela iniciou colaboração no D. Nuno de Vila Viçosa e também a atividade de tradutora de romances franceses para a Editora Civilização, do Porto(1,2). Uma tragédia ocorreu em 6 de junho de 1927: o irmão de Florbela morreu quando mergulhou com um hidroavião no Tejo, após o falecimento de sua noiva Maria Augusta Teixeira de Vasconcelos. O fato teve grande repercussão negativa na poetisa que fez versos em sua BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 memória e escreveu o conto “Máscaras do destino”: “A meu irmão, ao meu querido Morto”. Vem uma fase em que está mais deprimida, “doente dos nervos”, fumando desbragadamente e emagrecendo. Em 1928, teria tentado o suicídio pela primeira vez. Em 1930, colaborava na publicação “Portugal feminino”, recentemente fundada, escrevendo contos e poemas; e nas revistas “Civilização” e “Primeiro de Janeiro”, ambas do Porto(1,2). Na passagem de 7 para 8 de dezembro de 1930, Florbela suicidou-se em Matosinhos, ingerindo altas doses de barbitúrico. Era a data de seu aniversário de 36 anos. A família tentou esconder que se tratava de suicídio. Apelaram para uma doença cardíaca ou pulmonar. Nos meses anteriores, de outubro e novembro, já havia tentado esse mesmo ato. Foi sepultada no próprio dia 8 no Cemitério de Sedim. Em 17 de maio de 1964, seus restos mortais foram transferidos para o Cemitério de Vila Viçosa(1,2). A obra de Florbela Espanca é, antes de tudo, poética, abordando temas como solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. Mas contém ainda contos, traduções, epístolas e diário. Enquanto vivia, só teve dois de seus livros publicados: Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923). Postumamente: Charneca em Flor (1931), Cartas de Florbela Espanca (a Dona Júlia Alves e a Guido Battelli) (1931), As Máscaras do Destino (1931), Sonetos completos (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae) (1934), Cartas de Florbela Espanca (1949), Diário do último ano (1981), O Dominó Preto (1982), Obras completas de Florbela Espanca em oito volumes (1985-1986) e Trocando Olhares (1994)(1-3). Referências, na segunda parte, próxima edição do boletim SBR. 21 além da r E u m ato lo g i a Reumatologista, roqueiro e beatlemaníaco A banda em que toca o reumatologista Valderílio Feijó Azevedo conseguiu uma façanha extraordinária: apresentar-se no famoso Cavern Club, onde os Beatles começaram, em Liverpool “N ão sou um reumatologista que toca guitarra e tira espaço de um músico no palco. Sou, além de médico, músico profissional e adoro me apresentar em shows.” A frase é do reumatologista Valderílio Feijó Azevedo e mostra bem com que seriedade ele encara essa atividade artística paralela à medicina. Autodidata, Valderílio é escritor, músico, cantor e compositor e lida com atividades musicais desde criança. Aos 13 anos ganhou, como cantor e compositor, o projeto O Jovem Diz o Samba, com o seu samba “O que falta”, no município do Rio de Janeiro. “Como um dos prêmios, ganhei um violão”, diz ele. Em seu caminho, porém, apareceram os Beatles e, por consequência, o rock, estilo pelo qual se apaixonou. Participou de diversos grupos. Começou com o Rock Atividade, considerado o primeiro cover do grupo AC/DC no Brasil, no início da década de 80. No final dos anos 90, foi guitarrista e vocalista principal do grupo Metralhas Beatles Again, famosa banda paranaense da qual posteriormente saiu para fundar a banda Heyah, em 2001, seu atual grupo musical. A Heyah tem tido uma trajetória impressionante de reconhecimento como grupo de rock e de tributo aos Beatles. Tanto que, em 2003 a banda foi convidada para tocar no Cavern Club, para os beatlemaníacos o local “sagrado” onde os Beatles estrearam, em Liverpool. A Heyah é formada por Valderílio e mais dois médicos, além de dois músicos, com quem mantém ensaios regulares. A especialidade da banda é o seu show 22 Efeito Liverpool, em que conta um pouco da história dos Beatles através de suas músicas e de clássicos do rock. Valderílio explica ainda que a música não é a única via artística à qual se dedica. Ele é também desenhista, escritor, pintor e... palhaço. Sim, atuou na TV, em diversos eventos beneficentes para crianças carentes interpretando o palhaço Paçoca. Uma de suas principais apresentações ocorreu durante a comemoração de cem anos de fundação das escolas médicas no Brasil no Congresso da Associação Brasileira de Educação Médica-Abem, em Salvador, em 2008. Tudo isso junto, claro, com suas atividades profissionais, que se estendem ao O prazer de fazer música é tanto que dela ele recarrega suas energias para enfrentar o cotidiano da medicina seu centro de pesquisa, onde conduz testes clínicos para novos biológicos e onde fica seu próprio consultório. Também faz palestras dentro e fora do Brasil e é professor adjunto em Reumatologia da Universidade Federal do Paraná desde 1996, onde vai quatro vezes na semana. Como consegue? “Sou apaixonado por todas as atividades e procuro me organizar mesmo que dentro de uma ‘desorganização’ e felizmente tenho conseguido dar conta do recado”, explica. E a verdade, continua, é que o prazer de fazer música é tanto que dela ele recarrega suas energias para enfrentar o cotidiano da medicina, outra grande paixão que o conquistou ao longo da vida. Valderílio formou-se em 1989 na Universidade Federal do Paraná e lembra que no início de sua carreira médica pensava que sua vocação maior era mesmo a música. “Por alguns anos, tive dificuldade em reconhecer que a medicina era muito forte e importante para a minha vida. Ao longo do tempo, porém, percebi que era também uma de minhas vocações”. Banda Heyah, com Valderílio na guitarra: tributo aos Beatles e clássicos do rock. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015 www.reumatologia.com.br