de PDF - Sociedade Brasileira de Reumatologia

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JUL / AGO / SET 2015 • No 3 • ANO XXXIX
Editorial
Ainda sobre fronteiras
N
o edital anterior trouxemos a pergunta: “Fronteiras: respeitar ou ultrapassar?”. Neste número,
o boletim traz diversos exemplos de fronteiras
ultrapassadas com sucesso, alargando o horizonte da reumatologia brasileira. Ressaltamos o recorde de trabalhos
nacionais apresentados no Eular 2015, ao mesmo tempo
em que a Revista Brasileira de Reumatologia ganha espaço entre as melhores publicações internacionais na área,
destacando a quebra da barreira unitária de seu Fator de
Impacto. Ainda sobre ciência, o “Espaço do residente” traz
matéria sobre a já estabelecida importância do transplante
de medula óssea autólogo para algumas doenças autoimunes
e as perspectivas para novas indicações.
“Rheuma & Ethos” e “Profissão Reumato” discutem
duas situações onde as fronteiras não apresentam nitidez,
tampouco demarcações precisas: a primeira sessão trata
da influência da tecnologia em nossas vidas, ressaltando
que “os limites entre o pessoal e o profissional tornaram-se
cada vez menos definidos”; a segunda trata do “noivado”
entre reumatologia e infectologia, com troca de doenças
e medicamentos, além do compartilhamento de aspectos
fisiopatológicos.
Para nosso deleite, a coluna do professor Seda traz a dor
na poesia de Florbela Espanca e a do doutor Fernando Neubarth, uma reflexão sobre o poder destrutivo de críticas virulentas e vazias frente ao desconhecido, especialmente em
tempos de grande alcance propiciado pelas mídias sociais. A
coluna “Porque me tornei” traz os filhos de reumatologistas
e nossa nova seção, “Por onde andei”, leva-nos a Las Vegas.
Ainda duas últimas fronteiras. A primeira, do tempo, os
90 anos do professor Hilton Seda – que esta ainda esteja
longe de seu ponto final. A segunda, uma habilidade para
além da prática médica. A de músico e roqueiro. Trata-se de
Valderílio Azevedo, desta vez nosso personagem na seção
“Além da Reumatologia”.
A todos, boa leitura!
Renê Oliveira
Editor
SOCIEDADE
BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
Diretoria Executiva da SBR – Biênio 2014-2016
Presidente
César Emile Baaklini – SP
Tesoureiro
José Roberto Provenza – SP
Secretário-geral
José Eduardo Martinez –SP
Vice-Tesoureiro
Luiz Carlos Latorre – SP
1º Secretário
Silvio Figueira Antonio – SP
Diretor científico
Paulo Louzada Jr. –SP
2º Secretário
Washington Alves Bianchi – RJ
Representante junto à Panlar
Adil Muhib Samara – SP
Antonio Carlos Ximenes – GO
Fernando Neubarth – RS
Maria Amazile Ferreira Toscano – SC
Representante junto ao Ministério da Saúde
Ana Patrícia de Paula – DF
Mário Soares Ferreira – DF
Representante junto à AMB
Eduardo de Souza Meirelles – SP
Gustavo de Paiva Costa – DF
Ivone Minhoto Meinão - SP
Av. Brig. Luís Antônio, 2.466, conjuntos 93 e 94
01402-000 – São Paulo - SP – Tel.: (11) 3289-7165 / 3266-3986
www.reumatologia.com.br
@ [email protected]
Coordenação editorial
Edgard Torres dos Reis Neto
Jornalista responsável
Maria Teresa Marques
Editores
Tania Caroline Monteiro de Castro
Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira
Sandra Hiroko Watanabe
Layout
Sergio Brito
Colaborador
Plinio José do Amaral
Impressão
Sistema Gráfico SJS
Tiragem: 2.000 exemplares
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
ÍNDICE
Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia
4
5
7
8
10
14
16
18
19
20
22
SBR.doc / Notas
A charge do Plínio
O melhor do Brasil
Rheuma & Ethos
Profissão Reumato
Espaço do residente
Por onde andei
Foco em
Coluna Neubarth
Coluna Seda
Além da Reumatologia
3
S Br . d o c
Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)
Balancete - em 30/06/2015
Gestão 2014-16
Divulgação
de Balancete
A Sociedade Brasileira de
Reumatologia (SBR) divulga
balancete em 30/06/2015 e
Demonstrativo de Resultados
até 30/06/2015 referentes à
gestão 2014/2016.
(Valores em reais - R$)
Demonstrativo do Resultado
Até 30/06/2015
Gestão 2014-16
Receitas
2.713.640,16
Anuidades
797.187,08
Financeiras
1.109.519,17
Patrocínios
Eventos oficiais
Despesas
33.745,71
773.188,20
1.704.613,50
Administrativas
879.386,08
Atividades
427.545,94
Publicações
397.681,48
Superávit
1.009.026,66
ATIVO
DISPONÍVEL
Caixa
Bancos - Conta movimento
Investimentos - ADM
Investimentos - FAP
CRÉDITOS
Anuidades
Adiantamentos - Regionais
Resultados - Eventos
Patrocínios
Adiantamentos - Salariais
IMOBILIZADO
Imóveis - Sede SP
30/06/2015
15.654.812,00
13.548.360,86
1.492,03
55.078,40
8.616.799,20
4.874.991,23
1.263.229,86
826.606,91
392.082,03
42.882,00
0,00
1.658,92
843.221,28
843.221,28
31/08/2014
14.662.904,43
12.856.067,26
1.413,16
3.700,22
8.368.655,14
4.482.298,74
963.615,89
366.996,00
104.120,00
134.173,16
357.784,00
542,73
843.221,28
843.221,28
PASSIVO
FORNECEDORES
Prestadores de serviços
TRABALHISTA
Saldo de salários
Contribuição previdenciária
Fundo de Garantia
PIS - Folha de pagamento
TRIBUTOS
Retidos na fonte
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
Patrimônio social acumulado
Superavit
15.654.812,00
0,00
0,00
20.423,49
13.482,77
5.518,59
1.264,12
158,01
1.774,12
1.774,12
15.632.614,39
14.623.587,73
1.009.026,66
14.662.904,93
20.457,82
20.457,82
17.763,38
11.335,40
5.094,67
1.185,17
148,14
1.096,00
1.096,00
14.623.587,73
14.623.587,73
–
N ota S
Bilhete em papel ao Seda
Teu nome guarda a serenidade, a sabedoria, a longa
gestação que se nutre das folhas de milenares amoreiras
e torna magia o paradoxo, da rude singeleza dos casulos
o mais nobre dos tecidos. Tua trajetória bem demonstra a
multiplicidade dos pendores, o jovem que se fez médico,
que se fez mestre, que amenizou a dor, que compartilhou
conhecimento, que conquistou discípulos.
Ciência, poesia, artes plásticas não te são estranhas;
ao contrário, teus flertes são correspondidos. Dás importância à memória, ao registro histórico, o que faz de
ti um inventariante de riquezas que apenas brilham ao
olhar míope porque as revela. E teu segredo, eu sei, não
é o horizonte do mar do Leme, mas a amplitude maior,
extraordinária, infinita de tuas leituras. Tua paixão maior.
Só não maior que Léa, aquela de quem me disseste um
dia, com o olhar doce do menino que recém descobriu o
amor e, a um tempo maravilhado e seguro, revela: minha
primeira e sempre namorada. O que leste, o que lês, te
fez douto e sábio, mas o que te fez essência, alma, é esse
4
amor. Soubeste ler a vida e a vida te concedeu Léa.
Por ela, pela família que construíram, por nós, colegas, alunos, leitores: Saúde! 90 anos é pouco. Mais do
que pela admiração e estima, precisamos de ti por teu
exemplo. Presente, lúcido, afável. E um dia, quando
voltarmos ao pó, alguns de nós terão deixado a marca
indelével de caminhos.
Mais não há? Há coisas que também parecem não
existir, mas quem pode negar a força do afeto e, num
universo de desatenção e mediocridades, a proposta de
eternidade de um amor verdadeiro? De tudo, esse é teu
feito maior, o trunfo que faz de ti um homem, guri.
Obrigado, Seda. Professor Hilton Seda. Amigo.
O carinho em nome da Sociedade Brasileira de Reumatologia, e tudo o que ela significa, pelo teu nonagésimo
aniversário.
Fernando Neubarth
Porto Alegre, 3 de setembro de 2015
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
N ota S
Eular 2015: número de
estudos brasileiros é recorde
O Congresso da Liga Europeia de Reumatologia – Eular
2015, realizado em Roma, trouxe um número que muito
nos orgulha: foram apresentados 84 trabalhos, em pôsteres e sessões orais, número bastante superior aos 53 por
ano em 2014 e 2013, e 51 por ano em 2012 e 2011. Longe
de ser uma surpresa, corroborou o ganho de terreno da
pesquisa nacional em reumatologia e imunologia. Seria
impossível, pelo espaço deste Boletim, relacionarmos
todos os títulos e as afiliações dos trabalhos, por isso,
destacamos o número de trabalhos nas áreas de maior
representatividade apresentados:
• Artrite reumatoide: 18
• Lúpus eritematoso sistêmico: 16
• Esclerose sistêmica: 9
• Síndrome de Sjögren: 6
• Imunologia básica: 5
• Artrite psoriásica: 4
• Síndrome antifosfolípide: 3
• Artrite idiopática juvenil: 3
• Osteoartrite: 3
• Dor crônica: 3
• Outros: 14
A lista com todos os
trabalhos brasileiros
apresentados no congresso
desde 2005, com acesso
aos resumos, é encontrada
neste endereço eletrônico:
http://www.abstracts2view.
com/eular/search.php?sea
rch=do&intMaxHits=10&
where[]=&andornot[]=&q
uery=Brazil&condition=A
NY&%23.x=9&%23.y=2.
Escritor curitibano ganha dois prêmios literários em encontro de reumatologistas
O médico reumatologista e escritor curitibano Roberto Antonio Carneiro foi o grande vencedor da primeira edição do
Prêmio Literário Professor João Manuel Cardoso Martins. Ele
teve dois trabalhos classificados: em primeiro lugar, o conto
“Magnólio, o futuro bufão”, e, em terceiro, “Bill, uma narração
pelo menos estranha”. A entrega da premiação aconteceu durante a 6ª Jornada de Reumatologia, realizada em junho de 2015.
Carneiro é médico, PHD, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em
doenças reumáticas e doenças ósteometabólicas. Seu primeiro
livro, “Contos de Lá e Cá”, lançado em 2011 pela Editora Nou-
A CHARGE DO PLÍNIO
velle, traz uma coletânea de contos, com uma visão humana e
fraternal das pessoas e do mundo.
Além do escritor curitibano, foram premiados ainda os doutores Antonio Techy e Varlei Antonio Serratto, com trabalhos
classificados em segundo e quarto lugares.
O presidente da Sociedade Paranaense de Reumatologia,
Marco Rocha Loures, entidade que criou o prêmio literário,
explicou que a ideia foi homenagear o médico João Manoel,
que foi professor da PUC de Curitiba e editor de um suplemento literário do Conselho Regional de Medicina (CRM/PR)
chamado Iatrico.
Dr. Chahade ganha medalha
de mérito do Sindusfarma
Em 27 de abril de 2015, o Sindicato
da Indústria de Produtos Farmacêuticos
no Estado de São Paulo (Sindusfarma)
homenageou, na solenidade comemorativa
do 82º aniversário de sua fundação, vários
pesquisadores da área da saúde, dentre
os quais o consagrado reumatologista dr.
Wiliam Habib Chahade. A medalha com
a inscrição “Cândido Fontoura Colar do
Mérito Industrial Farmacêutico” destina-se a condecorar personalidades que se
destacam ou se destacaram na prestação
de serviços relevantes ao setor industrial
farmacêutico e às entidades associativas
do setor no Brasil. Mais uma reconhecida
e merecida conquista de um dos principais
reumatologistas do país!
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
5
N ota S
Sabe a última da RBR?
A Revista Brasileira de Reumatologia
(RBR) conquistou recentemente um
marco histórico, sonhado há alguns
anos por aqueles que têm colaborado
para a sua consolidação. Curiosamente
os dois mais importantes referenciais a
serem comentados são bem distintos,
mas conhecidos pela mesma sigla – JCR.
O primeiro é o fator de impacto segundo o Journal of Citation Reports (JCR),
o mais conhecido índice de revistas
científicas, publicado pela Thomson
Reuters. Em sua última avaliação, a RBR
alcançou a marca histórica de 1,087.
Isso significa que o número de citações
de artigos da RBR nos últimos dois anos
foi ligeiramente maior que o número de
artigos por ela publicados neste mesmo
período.
Com esta avaliação, foi ultrapassado,
pela primeira vez, outro JCR, o Journal
of Clinical Rheumatology, periódico
afiliado da Pan American League of
Association for Rheumatism – Panlar
(Liga Panamericana de Associações para
o Reumatismo).
Ainda se deve destacar que a RBR é
atualmente a 10ª revista nacional na lista
de impacto.
Mãos incontáveis
A pura verdade é que este trabalho
e suas conquistas dependem de incontáveis mãos e não seria possível a enumeração justa de pessoas que dentro da
equipe editorial ou da SBR dedicaram
seu tempo e seu precioso trabalho para
alavancar o nosso periódico.
São editores, autores, revisores, funcionários da RBR e da Elsevier e gestores
da SBR que alinham a complexa rede
desde a geração de trabalhos até a sua
publicação.
Os editores da RBR e seus porta-vozes, dão os parabéns a todos, com um
enorme (em amplitude e intensidade)
agradecimento por estas conquistas,
reconhecidamente estímulos para enfrentar diversos desafios em busca de
manter a RBR em crescimento em um
cenário internacional de profissionalização, de grande circulação de informação
e de recursos de divulgação. Agora a
dedicação é para manter o novo patamar
e continuar em ascensão, o que exige
ajustes estruturais na equipe editorial,
adequada organização de suas atribuições e de seu processo de trabalho.
Marcos Renato de Assis
Roberto Ezequiel Heymann
EditorEs-chEfEs da rBr
Simone Appenzeller
Marcelo de Medeiros Pinheiro
Claiton Viegas Brenol
EditorEs associados da rBr
1. JCR and PANLAR: Planning our Collaborations.
Schumacher, H. Ralph M.D.; Garcia-Kutzbach,
Abraham M.D. Journal of Clinical Rheumatology,
February 2001 - Volume 7 - Issue 1 - pp 1-2.
2. InCites. Journal Citation Reports. Thomson
Reuters. http://about.jcr.incites.thomsonreuters.com
Impact factor - ISI by Thomson Reuter
Annals of the Rheumatic Diseases (EULAR)
Revista Brasileira de Reumatologia (SBR)
Journal of Clinical Rheumatology (PANLAR)
Acta Reumatologica Portuguesa
Professora Emilia é a nova diretora da Escola Paulista de Medicina
Caros amigos reumatologistas, é com grande satisfação e
orgulho que informamos que a prof. dra. Emilia Inoue Sato
tomou posse dia 28 de maio deste ano como nova diretora
da Escola Paulista de Medicina, unidade acadêmica da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Lembramos
que a prof. Emilia foi presidente da Sociedade Paulista de
Reumatologia e da Sociedade Brasileira de Reumatologia;
é professora titular da Disciplina de Reumatologia de nossa
instituição, além de exímia reumatologista e professora,
6
sempre muito ativa em nossas sociedades de especialidade
e na universidade. Esta importante posição que assume
deve dar mais visibilidade e respeito a nossa especialidade.
Saudações,
Prof. dr. Jamil Natour
Chefe da Disciplina de Reumatologia
Escola Paulista de Medicina
Universidade Federal de São Paulo
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
N ota S
Adeus ao
dr. Flavio Maciel
No dia 31 de agosto faleceu, aos 61
anos, o dr. Flavio Monteiro de Barros
Maciel. Para a medicina brasileira, uma
grande perda tanto na área de reumatologia como na de terapia intensiva. Sim,
ele atuava perfeitamente nessas duas
áreas. Para os amigos, um
homem divertido, alegre,
leal e de notável cultura.
Graduado em Medicina
pela Universidade Federal
de São Paulo (1978), fez
especialização em Unidade de Terapia Intensiva
pela Universite Libre de
Bruxelles (1993) e especialização em
Reumatologia pela Université de Sherbrooke (1998), mestrado em Medicina
(Reumatologia) pela Universidade de
São Paulo (1991) e doutorado em Medicina (Reumatologia) pela Universidade
de São Paulo (1997).
Foi autor de vários trabalhos e capítulos de livros.
Tinha uma educação impecável; cumprimentava um simples funcionário ou
o diretor do departamento com a mesma elegância e generosidade. Poderia
conversar com crianças, adolescentes,
jovens, adultos ou idosos e saberia
sempre entrar no universo deles fazendo
algum comentário otimista em que todos
se sentiam valorizados.
Um excelente profissional, humano
que salvou a vida de muitos e não conseguiu salvar a si próprio.
Casou-se com Maria Elisa em 1978
com quem teve dois filhos, Guilherme
e Pedro.
Todos nos lembraremos dele pela sua
luta e persistência pela vida.
Obrigada pelo privilégio de trabalharmos juntos.
Você foi cedo demais, Flavio Maciel...
Que seu caminho seja de muita luz...
Dra. Patricia Feres Barinotti
o
mElhor do
BraSil
Notícias das regionais
SÃO PAULO
Curso de infiltrações em Reumatologia
De 23 a 24 de outubro de 2015, acontece o
Curso de Infiltrações em Reumatologia, promovido
pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mais informações podem ser obtidas pelo site
www.cursoinfiltracao.com.br.
PARANÁ
Sexta Jornada Paranaense
debateu AR e LES
Mais de 150 profissionais da saúde, entre médicos reumatologistas,
clínicos, ortopedistas e residentes,
além de estudantes de medicina de
todo o Paraná, do norte de Santa
Catarina e do sul de São Paulo;
e especialistas internacionais,
participaram, entre quinta-feira e
sábado, em Curitiba, da 6ª Jornada
Paranaense de Reumatologia.
O encontro debateu temas científicos importantes, como a Artrite Reumatoide (AR) e o Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES). Os
avanços científicos, mostrados
durante a jornada, são essenciais
para a melhoria do atendimento
dos doentes.
Um dos convidados ilustres, o
reumatologista argentino Gustavo
Citera, expôs trabalhos de pesquisa
clinica e experiência pessoal no
tratamento da AR desenvolvidos
na Argentina. Ele advertiu que, no
caso da doença, é importante que
as pessoas tomem conhecimento
dos sintomas e procurem seu médico para tratamento precoce.
Reunião científica
Dr. Citera: presente à 6ª Jornada,
falou sobre experiência pessoal no
tratamento da AR na Argentina.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
A Sociedade Paranaense de
Reumatologia realiza dez
reuniões anuais, entre fevereiro e novembro, sempre
na última semana de cada
mês, incluindo avanços médicos importantes e novos
medicamentos.
7
rhEuma & EthoS
Ética médica na era do
José Marques Filho
Presidente da Comissão de Ética e Disciplina da SBR
“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”.
“Nada é permanente, a não ser a mudança”.
E
“
O impacto
dessa
verdadeira
revolução da
comunicação
tem se
transformado
em verdadeiro
desafio para
legisladores
da área
ética e legal.
Sem dúvida,
vivemos uma
situação nova,
à qual nós
profissionais
da área da
saúde não
estávamos
preparados”
8
sses aforismos do filósofo jônico pré-socrático Heráclito (535 a.C. - 475 a.C.)
refletem com extraordinária clareza as rápidas
transformações que vivemos na contemporaneidade na área da comunicação e no relacionamento entre as pessoas. Na área médica vivemos um
momento singular e, até certo ponto, perigoso.
O impacto dessa verdadeira revolução da
comunicação tem se transformado em verdadeiro desafio para legisladores da área ética e
legal. Sem dúvida, vivemos uma situação nova,
à qual nós profissionais da área da saúde não
estávamos preparados. Neste cenário, os limites
entre o pessoal e o profissional tornaram-se cada
vez menos definidos e cada profissional busca
adaptar-se à nova realidade, visando a aproveitar
ao máximo as possibilidades oferecidas pelas
chamadas redes sociais.
A literatura especializada já começa a apresentar ensaios, reflexões e pesquisa abordando
essa nova realidade.
Diversos países têm procurado normatizar
aspectos éticos e técnicos do uso de redes sociais
pelos profissionais da saúde, como a publicação da obra Ética e redes sociais – Manual de
estilo para médicos e estudantes de medicina
pela Organização Médica Colegial da Espanha
(OMC), órgão que corresponde ao nosso Conselho Federal de Medicina. Publicado no final
de 2014, o manual, direcionado para estudantes
de medicina e profissionais médicos, aborda
temas fundamentais da prática médica,
como manter a confidencialidade; evitar aconselhamento médico a pacientes
virtuais; manter uma adequada imagem profissional virtual; evitar desvio
de atenção nas consultas com o uso das
novas tecnologias; ter responsabilidade sobre
as informações médicas; manter relacionamen-
to de respeito com outros colegas; e fazer uso
adequado de divulgação profissional nas redes
sociais.
Evidentemente, cada país tem as suas peculiaridades e esse tema deve ser discutido o mais amplamente possível em todas as áreas de educação
médica e prática assistencial, desde os cursos de
graduação até as sociedades de especialidades e
os legisladores éticos.
O grande desafio, a nosso ver, é manter todos
os preceitos éticos estabelecidos, adaptados a
este novo cenário. Nesse sentido, abordaremos
aqui dois aspectos do comportamento médico:
sua postura profissional nas redes sociais e seu
relacionamento com os pacientes e os usuários de
uma rede social. Em relação à postura do profissional nas redes sociais e no relacionamento com
seus pacientes, deve ser mantida a moderação e a
discrição que se esperam de um profissional que
lida com o bem maior das pessoas – a saúde –,
no sentido mais amplo.
Nunca pode ser olvidado pelo médico a sua
função social, como educador e a importante
função que cumpre na educação das pessoas e
da própria sociedade.
Vale a pena destacar um aspecto que tem sido
pouco observado pelos profissionais. A saúde
do profissional é tão importante quanto a de seu
paciente. Já dizia nosso pai maior – Hipócrates:
“Aquele médico que não se apresenta com boas
condições físicas e boa aparência está demonstrando que não tem condições de cuidar da saúde
dos outros”. Utilizar indistintamente todos os
veículos de comunicação com seus pacientes,
o tempo todo, significa que o profissional está
trabalhando 24 horas por dia. Essa atitude é absolutamente inadequada. Além do desgaste físico
e mental que daí decorrem, a qualidade e a eficácia da ação profissional fica muito prejudicada.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
WhatsApp
Rotina e urgências
Cada profissional deve fazer um planejamento
e uma gestão pessoal de seu tempo e sua agenda,
escolhendo quais veículos de comunicação vai
utilizar e fazê-lo de forma organizada, com horários bem definidos, somente utilizando os meios
de comunicação fora desses horários preestabelecidos para as urgências, que, obviamente, não
podem ser previstas. Utilizar somente o horário
do consultório ou do local de trabalho para a
rotina e telefone celular para urgências é uma
boa estratégia.
Por outro lado, ao utilizar as rede sociais, o
profissional deve manter uma postura que diferencie de forma bem clara quando se manifesta
como um profissional da área da saúde ou como
um cidadão. Esta talvez seja a ação mais difícil,
mas cada um deve procurar sempre atingir esse
objetivo em suas comunicações nas redes sociais.
Nas manifestações como profissional da área
da saúde, o médico deve lastrear sua conduta na nossa carta maior – o Código de
Ética Médica – e na Resolução CFM n°
1975/2011 que estabelece “Os critérios
norteadores da propaganda em medicina,
conceituando os anúncios, a divulgação de
assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria”.
Quanto às comunicações com seus pacientes,
a principal preocupação que deve sempre ser
levada em conta pelo profissional é a preservação
da intimidade e da privacidade do indivíduo que
está tratando. Estamos falando do clássico sigilo
profissional, pilar fundamental na relação entre o
médico e seu paciente, mas a manutenção da privacidade do paciente vai muito além do próprio
sigilo médico. Passa pelo respeito à dignidade do
ser humano e à Constituição brasileira.
A regra é discrição, diálogos rápidos e eficazes
e evitar longas orientações e explicações.
Jamais realizar consulta ou prescrever medicamentos on line, sem consulta presencial e obrigatório exame físico do paciente. Evidentemente
que exceções existem a essa regra, bastando
o uso do bom senso, que todos nós médicos
temos, como sugestões de medidas terapêuticas
(por ex. uso de gelo em traumas articulares) e
medicamentos sintomáticos para aqueles pacientes que examinamos recentemente, portanto
bem conhecidos, mas sem esquecer de anotar,
posteriormente, tais orientações no prontuário
do paciente.
Nunca poderemos nos esquecer que a consulta presencial, o olhar profissional e atento do
médico para o facies de seu paciente e a mão
do médico quando do exame físico ainda são e
sempre serão o toque mágico que faz com que
a febre do paciente diminua quando o médico
entra no quarto para examiná-lo ou quando o
paciente adentra a sala do médico para consulta
e informa que sua dor está melhor, inexplicavelmente, nesse momento!
Referência
Vicente JMR (org.). Ética y redes sociales – Manual de
estilo para médicos y estudiantes de Medicina. La Coruña:
Organización Médica Colegial de España, 2014.
Marques Filho J, Hossne WS. A Relação médico-paciente
sob a influência do referencial bioético da autonomia.
Bioética 2015; 23(2): 304-310.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
“
Utilizar
indistintamente
todos os veículos
de comunicação
com seus
pacientes, o
tempo todo,
significa que o
profissional está
trabalhando 24
horas por dia.
Essa atitude é
absolutamente
inadequada.
Além do
desgaste físico
e mental que
daí decorrem,
a qualidade e
a eficácia da
ação profissional
fica muito
prejudicada”
9
P r o F i S S Ã o r E u m ato
Reumatologia x infectologia:
um casamento perpétuo
Stefan Cunha Ujvari
Médico infectologista e escritor. Autor do livro “A história do século XX pelas descobertas da medicina”, 2014, Editora Contexto.
H
istórias e descobertas comuns envolvem duas especialidades médicas: reumatologia e infectologia, além
de beneficiarem-se, muitas vezes, das mesmas drogas terapêuticas. Reumatologistas já “presentearam” infectologistas
com a descoberta de agentes infecciosos. Doenças de uma
especialidade, por diversas vezes, precipitam enfermidades
da outra. Falando da relação entre as duas áreas, podemos
dizer que o noivado de ambas emergiu na Antiguidade, o
casamento se concretizou com descobertas do século XIX,
e a união permanece estável até os dias atuais.
A unificação da Alemanha, em 1871, precipitou um novo
império econômico: a indústria química alemã. A nova nação assumiria, em pouco tempo, a liderança mundial
desse setor. Os químicos alemães abriam frentes
de pesquisa em diversos setores: corantes,
medicamentos e indústria pesada. A economia mundial conheceria novas potências
alemãs: Bayer, Hoechst, Agfa e Basf e essa
última descobriria a fórmula de fabricação do corante índigo e dos fertilizantes.
A Bayer, em 1897, liquidou o gosto amargo
e intragável do ácido salicílico extraído do
salgueiro e utilizado para o tratamento de
febre, gota, artrites crônicas e febres reumáticas.
Como? Acrescentou o radical acetil à molécula.
Nasceu o ácido acetilsalicílico. A nova droga também eliminava as constantes dores estomacais da droga antecessora.
Reumatologistas e infectologistas agradeceram.
O córtex da glândula suprarrenal foi esmiuçado na década
de 1930. Moléculas descobertas emergiram no laboratório
do químico americano Edward Kendall. A substância E foi
finalmente sintetizada em 1948. Não mais a adquiriam na bile
ou suprarrenal separadas dos abatedouros. E mais, no mesmo
ano, uma jovem de 29 anos, acamada por artrite reumatoide,
levanta-se e caminha após doses diárias intramusculares da
substância E: a cortisona. A comemoração reumatológica
ampliou seu uso para outras doenças e, em pouco tempo,
descobriu-se nova rota de colisão entre as especialidades:
doses elevadas dos corticoides precipitavam doenças infecciosas. Ambas as especialidades fundem-se novamente com
o aprendizado da corticoterapia.
10
Novas drogas antimaláricas
A luta contra a malária intensificou-se no século XX e os
EUA conseguiram expulsá-la de seu território sulino, bem
como os países europeus banhados pelo Mediterrâneo, e Mao
Tsé-Tung do sul chinês. Parte desse sucesso veio com a descoberta de novas drogas antimaláricas mais eficazes que o antigo
quinino isolado nas cascas de árvores dos Andes. Até mesmo
o Brasil distribuiu sal com cloroquina pelos municípios da
Amazônia para controlar a doença. Essa luta favoreceu os
reumatologistas, “presenteados” com a cloroquina.
Em 1975 o Departamento de Saúde de Connecticut foi
alertado sobre um aumento do número de casos de Artrite
Idiopática Juvenil (AIJ), que não despertaria interesse
se não fosse o fato de ocorrer em uma frequência
cem vezes maior do que a esperada. Além
disso, outros sintomas cutâneos e sistêmicos
alertaram para uma provável nova doença.
As investigações confirmaram isso. A
infectologia agradeceu a descoberta de
uma nova doença e, posteriormente, seu
agente etiológico. O local dessa epidemia
de AIJ? Os arredores da pequena cidade
rural de Lyme, que cunhou a doença de Lyme
transmitida pelos carrapatos.
O avanço da medicina proporcionou o esclarecimento da fisiopatologia das doenças. Novamente as doenças
reumatológicas e infecciosas partilham algumas vias comuns.
Descobrimos agentes infecciosos causadores de sintomas
reumatológicos. Avançamos em novas drogas reumatológicas
que, por interferirem na resposta imunológica, elevam o rigor
no controle de infecções. Cada vez mais se consolida a união
entre infectologistas e reumatologistas. Por fim, estamos
na iminência do surto de uma nova doença que precisará,
provavelmente, de ambas as especialidades na sua condução:
a epidemia do vírus chikungunya com sua febre e artrite.
“
Falando da relação entre as duas áreas, podemos dizer
que o noivado de ambas emergiu na Antiguidade, o
casamento se concretizou com descobertas do século XIX,
e a união permanece estável até os dias atuais.”
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
Por
q u E m E to r N E i r E u m ato lo g i S ta ?
Influência dentro de casa
Pai ou mãe reumatologista muitas vezes
pode ser um fator determinante para a escolha do filho que,
além do desejo de tornar-se médico,
ainda envereda igualmente pela reumatologia.
Acompanhe três depoimentos que comprovam a eficácia da
influência materna ou paterna na escolha da área.
Rodrigo Luppino Assad
Marina Verdi de Almeida
A medicina é minha escolha desde a
infância. Em relação à reumatologia,
devo admitir que demorou um pouco
a acontecer. Na infância dizia que seria
pediatra, porém, após começar a cursar
medicina, essa ideia foi ficando para trás
e no sexto ano decidi-me pela clínica
médica ainda sem saber o que faria
depois. Durante os dois anos de clínica,
as dúvidas aumentavam a cada estágio.
Até que ao passar pela reumatologia
me identifiquei e vi ali a oportunidade
de exercer um pouco de cada área da
medicina – da psiquiatria a ortopedia,
passando por toda a clínica médica – devido à enorme variedade e complexidade
das doenças reumatológicas.
Nesse momento então pude começar
a entender a paixão do meu pai pela reumatologia. Impossível não se apaixonar
por uma área tão instigante, em constante transformação e crescimento, com
o surgimento de novos diagnósticos e
possibilidades terapêuticas, além da exigência de anamnese e exame físico bem
feitos para realização de diagnósticos.
Felizmente após vivenciar dois anos
de residência em reumatologia na FMRP
- USP, aprendendo diariamente com
grandes reumatologistas, pude compreender a magnitude da especialidade.
Após o fim da residência, optei voltar
para Araçatuba e trabalhar na mesma
clínica que meu pai buscando exercer
a medicina que aprendi a admirar e
conhecer desde a infância.
Para quem ainda não sabe, sou filha do
dr. Paulo de Tarso Nora Verdi, excelente
Marina e seu pai, o reumatologista
Paulo de Tarso Nora Verdi.
reumatologista e um homem que sempre
praticou a verdadeira medicina, pois
além da formação técnica impecável tem
uma bondade e real desejo de ajudar o
paciente que o tornam único e especial
para todos que têm a oportunidade de
conhecê-lo.
Eu fiz reumatologia pelo desafio que
a especialidade nos proporciona. O
reumatologista está sempre pensando
nas diversas possibilidades diagnósticas
e necessita avaliar o paciente por inteiro.
Outra possibilidade foi aventada por um
grande mestre, quando eu fazia residência de clínica médica na Escola Paulista
de Medicina. Era o prof. Aroldo Liberatori, que dizia que, quando crianças, eu
e minha irmã Ana Paula, que também é
reumatologista, ganhávamos de nossa
mãe, Rozeane, reumatologista, “joelhinhos” e “coluninhas”, que eram brindes
dos laboratórios, ao invés de brinquedos
convencionais. De fato, aparelhos de
laboratório, pôsteres de imunoflorescência, aparelhos de fisioterapia sempre nos
foram objetos familiares. Portanto, essa
segunda hipótese levantada pelo prof.
Liberatori não é desprezível...
Boris Afonso Cruz
A tradição da medicina é forte em
minha família: meu bisavô por parte
de mãe, meu avô paterno e meu pai
são médicos. Assim desde criança me
projetei seguindo a ascendência na
escolha profissional. Já na faculdade
de medicina, a evolução para a clínica
médica foi natural. Tenho o privilégio de
ter como pai o professor Achiles Cruz
Filho, reumatologista que foi pioneiro,
é respeitado e querido por todos. A influência dele foi indelével e ainda cedo
em minha formação médica mostrou-me o quão complexa e abrangente é a
reumatologia. Assim, fui conduzido a
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
Boris, filho do reumatologista Achiles Cruz Filho.
esta especialidade médica em um caminho que tem desafios e alegrias que se
renovam a cada momento.
11
E S Pa ç o
do rESidENtE
Transplante de células-tronco nas
Por vezes, o reumatologista precisa mostrar as suas “garras”,
adotando procedimentos terapêuticos mais agressivos
Maria Carolina de Oliveira
Professora doutora da Divisão de Imunologia Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
T
odos nós, reumatologistas, vamos um dia nos
deparar com um caso clínico de difícil manejo
e desfecho sombrio. Muitos já acompanhamos vários
desses pacientes ainda durante a residência médica.
Embora a reumatologia tenha evoluído muito nas
últimas décadas, o arsenal terapêutico é finito e, em
alguns casos, pouco eficaz. Assim, existe espaço para
abordagens terapêuticas mais agressivas, que devem
ser restritas a casos graves, refratários e progressivos.
O transplante de células-tronco hematopoéticas tem
sido explorado, nos últimos anos, como um tratamento para tais pacientes, mostrando-se cada vez
mais promissor.
Esse procedimento surgiu ainda em 1996, de modo
muito tímido e cercado de críticas. O sucesso inicial
contagiou muitos centros de transplante, que passaram a tratar pacientes com variadas doenças autoimunes. O procedimento consiste em tratar o doente
com altas doses de medicamentos imunoablativos,
seguidas pela infusão de células-tronco autólogas (do
próprio paciente), previamente colhidas e criopreservadas. A terapia promove a destruição do sistema
imunológico auto-agressivo e sua renovação (resetting
imunológico) através das células reinfundidas. O
novo sistema imunológico apresenta-se mais tolerante
aos auto-antígenos, e a agressão aos tecidos é interrompida. Hoje, aproximadamente 3 mil pacientes já
foram transplantados em todo o mundo, incluindo
Europa, América do Norte, Ásia, Austrália e, aqui
na América do Sul, o Brasil. As doenças reumáticas
correspondem a pelo menos metade dos transplantes,
entre esclerose sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico,
artrite idiopática juvenil e algumas vasculites, em
ordem decrescente de frequência.
14
Resultados animadores
Hoje, a esclerose sistêmica é a doença reumática mais
transplantada no mundo, com resultados muito animadores. Após o transplante, os pacientes apresentam
pronta melhora do acometimento cutâneo e pelo menos
estabilização do envolvimento pulmonar. Além disso,
dois estudos randomizados, comparando o transplante
com pulsos mensais de ciclofosfamida, mostraram
que os pacientes transplantados apresentam melhores
desfechos clínicos, de qualidade de vida e de sobrevida
do que aqueles tratados com pulsoterapia. Os casos de
lúpus eritematoso sistêmico são transplantados com
frequência menor, pela maior disponibilidade de medicamentos para o tratamento convencional das formas
graves da doença. São encaminhados para transplante
pacientes com envolvimento renal, cardíaco, pulmonar
e de sistema nervoso central, refratários ao tratamento,
mas ainda apresentando sinais de atividade. Para esses
casos, o transplante proporciona controle da atividade
da doença durante muitos anos. Na artrite reumatoide,
entretanto, os resultados iniciais mostraram falhas de
resposta e reativações precoces e portanto essa doença
tem sido pouco transplantada. Curiosamente, a artrite
idiopática juvenil, principalmente em sua forma sistêmica, responde bem ao procedimento.
Embora os transplantes sejam, na maioria dos centros, coordenados pela Hematologia, a inclusão de
pacientes reumáticos na lista de doenças transplantadas tem criado uma demanda por reumatologistas.
Os transplantes para doenças reumáticas apresentam
características únicas e muitas vezes requerem a expertise da nossa especialidade para seu manejo. Assim, o
reumatologista é fundamental em todas as etapas do
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
doenças reumáticas
“
Esse procedimento surgiu ainda em 1996,
de modo muito tímido e cercado de críticas.
O sucesso inicial contagiou muitos centros de
transplante, que passaram a tratar pacientes
com variadas doenças autoimunes.”
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
procedimento, desde a seleção correta do paciente
até o seguimento pós-transplante. Nessas ocasiões,
a reumatologia deixa o consultório e mostra suas
“garras”, associando-se a outras especialidades,
fazendo-se indispensável e incorporando mais essa
habilidade ao seu grande conjunto de atuações.
Em um futuro próximo, o transplante de células-tronco hematopoéticas deverá ser aprovado pelas
autoridades brasileiras como tratamento padrão
para casos selecionados de doenças como a esclerose sistêmica. Desse modo, criar-se-á um espaço
para a atuação do reumatologista que, se espera,
será oportunamente preenchido com competência
e dedicação.
O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo)
possui uma unidade exclusiva para os transplantes
de pacientes com doenças autoimunes. A unidade
é coordenada pelas divisões de Imunologia Clínica
(Reumatologia) e Hematologia e conta com três
leitos para internação, além de um hospital-dia e
ambulatório. Por ano, são realizados aproximadamente 20 transplantes para doenças autoimunes.
Hoje, nossa unidade é a segunda maior do mundo
em número de transplantes realizados, precedida
somente pelo centro da Northwestern University,
em Chicago, Estados Unidos. Contamos com uma
equipe multidisciplinar e abrigamos diversas pesquisas, algumas multicêntricas com participação
de instituições europeias e americanas. A unidade
oferece vaga para um reumatologista que deseja
adquirir mais experiência no manejo e no acompanhamento de pacientes transplantados, com
possibilidade de bolsa durante um ano.
15
Por
oNdE aNdEi
Viva Las Vegas!

Themis Mizerkowski Torres e Leandro Parmigiani
Reumatologistas do Complexo Hospitalar Prof. Edmundo Vasconcelos.
Sim, a mente vai direto imaginar hotéis e cassinos, mas a cidade é
muito mais. É infindável a quantidade de atrações, porém o quanto
você conseguirá conhecer dependerá do seu tempo de permanência

“C
idade de luz brilhante, vai
ligar minha alma. Vai deixar
minha alma em fogo”. Como disse Elvis
Presley, Las vegas não se traduz apenas
por hotéis luxuosos e extravagantes, mas
por diversão certa para todas as idades.
Se você tem vontade de conhecer esta
cidade incomum, uma boa dica é chegar
em Los Angeles e alugar um carro. A
viagem de carro entre Los Angeles e
Las Vegas é bem popular entre os turistas. O trajeto que corta o deserto até a
cidade tem cerca de
450 quilômetros e
uma boa dica para o
motorista é encher o
tanque do automóvel antes de sair da
Califórnia porque
postos de gasolina
são difíceis de encontrar ao longo da
viagem. No caminho você irá passar
pela Calico Ghost Town, no Condado
de San Bernardino ainda na Califórnia.
Vale a pena uma parada para conhecer
a pequena cidade fantasma fundada em
1881 com a descoberta de minas de
prata e que possuía, em seu pleno auge,
500 minas, 1.200 habitantes, bordéis,
restaurantes, bares, armazém, cadeia e
xerife. Contudo, com o declínio do comércio deste metal a cidade começou a
ser abandonada, foi restaurada, tornou-se parque estadual e foi proclamada em
2005 pelo governador da Califórnia,
Arnold Schwarzenegger, como a Cidade
Fantasma da Corrida da Prata na Califórnia. O parque funciona até as 17 horas
16
e a entrada custa US$ 8. Você também
pode alugar cabanas e acampar no local
por US$ 100. É opção muito divertida
para quem realmente curte filmes do
Velho Oeste.
Saindo de Calico rumo a Las vegas,
a estrada é movimentada, mas, como
a maioria das estradas dos EUA, muito
bem pavimentada e faz você curtir a viagem pelo deserto. Coloque no GPS para
chegar pela Las Vegas Boulevard e não
pela Las Vegas Freeway, assim você irá
passar pelo famoso “Welcome to Fabulous Las Vegas Sign”. Se você chegar no
começo da noite, como fizemos, verá a
cidade radiante na escuridão do deserto.
Todos os hotéis – como Bellagio,
Paris, MGM, Luxor, Excalibur, Planet
Hollywood, Mandalay Bay, Winn,
Encore, Cosmopolitan, Aria, Monte
Carlo, Mirage, Caesar’s, Treasure Island,
Venettian, Pallazzo e Stratosphere –
merecem uma visita, pois possuem um
tema diferente, com decorações inusitadas e várias atrações como parques
Calico Ghost Town.
aquáticos, parques de diversão, teatros
com espetáculos exclusivos, shoppings
e restaurantes com chefes renomados. O
tempo necessário para visitar os hotéis
depende muito de quantos dias você irá
ficar em Las Vegas.
Las Vegas não é grande e todos os
principais hotéis, cassinos e atrações
estão na Las Vegas Strip, que é a principal avenida da cidade. Por mais que
esteja tudo concentrado nesta rua, ela é
enorme e demora horas para chegar de
uma ponta a outra. Por isso, usar o trem
Monorail que percorre toda a Strip pode
ser uma boa opção se você não gosta de
caminhar. O trem funciona das 7 às 2
horas de segunda a quinta e, nos outros
dias, até as 3 horas. O valor do tíquete é
US$ 5, mas há uma opção de 12 dólares
que tem validade de 24 horas. Além
desse, há trens com distâncias menores
entre alguns hotéis, que são gratuitos,
como o que liga o Bellagio ao Monte
Carlo e o Treasure Island ao Mirage.
Nós ficamos no Mirage. O hotel é
Passeio de Gôndola
dentro do Venettian,
reportando Veneza.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
Insanity – as cadeiras giram em alta
velocidade, os braços do brinquedo
abrem e você vê a cidade ao seus pés.
Hotel Mirage.
enorme, como todos na cidade. Para
economizar, o melhor é escolher diárias
entre segundas e quintas-feiras; muitas
vezes o preço cai pela metade no meio
da semana e, não se preocupe, pois o
clima de fim de semana impera todos os
dias. No quarto, não ouvíamos o barulho
do cassino e nem sentíamos o cheiro de
fumaça, contrariamente a uma reclamação frequente nos sites de hotéis em Las
Vegas. Em frente a este hotel você irá encontrar um posto do Tix 4 Tonight, onde
há promoções para shows e jantares em
diversos restaurantes famosos de Vegas.
Os shows mais procurados, como “O”
e “Love” dos Beatles, ambos do Cirque
du Soleil, valem o espetáculo. Se você
gosta de uma balada, neste hotel há a
“OAK”, famosa por suas noites quentes
e que duram até o amanhecer.
Bela vista da cidade
Não deixe de ir ao Stratosphere Hotel,
que tem uma altura de 350 metros, equivalente ao um prédio de 11 andares. Tem
uma bela vista panorâmica da cidade e
os brinquedos mais radicais de Vegas:
X-Scream, Insanity, Big Shot e, se você
gosta de muita adrenalina, o Sky Jump.
Passear pela Fremont Street à noite
é obrigatório. Com um painel de LED
na cobertura da rua que sincroniza com
suas músicas, você irá conhecer onde
nasceu Las Vegas e visitar famosos
cassinos como o Four Queens. A Fremont Street também tem sua cota de
créditos em filmes de Hollywood. Ela
foi o cenário da produção “ Viva Las
Vegas” (1964), com Elvis Presley, e do
longa “James Bond: Os diamantes São
Eternos”, de 1971.
Para a maioria dos brasileiros, uma
viagem para os Estados Unidos não
está completa sem uma passadinha por
algum outlet e conosco não foi diferente.
O Las Vegas North Premium Outlets fica
dentro da cidade e tem ônibus regulares
de vários pontos de Vegas.
Se o tempo não for um problema para
você, uma viagem que vale a pena é a
Love Beatles, Cirque du Soleil.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
ida ao Grand Canyon, a 195 km de Las
Vegas, que dura, em média, duas horas.
No Grand Canyon West fica a Skywalk,
uma passarela de vidro onde você pode
caminhar sobre uma parte do Canyon
com uma sensação indescritível. O ingresso para entrar no parque e ir na Skywalk
não é dos mais baratos (custa US$ 87),
mas vale a visita. Existe uma Borda Sul
do Parque, mais longe de Vegas (cerca
de 450 km), mas é por ela que você
poderá visitar a represa Hoover Dam
que abastece a cidade, uma parada interessante na viagem. Agora, se você não
quer perder todo esse tempo, pode ir até
lá de helicóptero; o passeio demora, em
média, três horas e meia, com direito a um
piquenique no Gran Canyon e sobrevoo
pela Strip, que custa US$ 350 por pessoa.
Com todas estas atividades e lugares
para conhecer, você pode entender porque esta cidade é sinônimo de aventura e
diversão e, com seus hotéis e suas placas
iluminadas, seduzem para que a noite
nunca acabe.
Fremont Street.
17
Foco
Em
Serviço do HGF é o maior do Estado do Ceará
N
a década de 1990, o dr. Walber
Pinto Vieira empreendeu esforços e conquistou a criação do Serviço
de Reumatologia do Hospital Geral de
Fortaleza (HGF), atualmente o maior
do Estado do Ceará e um dos maiores
da região Norte-Nordeste. Historicamente, o serviço é o maior responsável,
no Estado, pelo maior contingente de
atendimento aos pacientes com doenças
reumáticas na região.
O serviço encontra-se alocado no
HGF, membro da rede de hospitais da
Secretaria de Saúde do Estado do Ceará
(Sesa-CE). Em sua estrutura física, conta
com 14 leitos para internação clínica,
sendo nove leitos para adultos e cinco
para crianças e adolescentes; centro de
infusão para administração das medicações imunobiológicas, bem como para
acompanhamento clínico dos pacientes,
com capacidade para 12 pacientes; dez
salas para atendimento ambulatorial; miniauditório para sessões clínicas e clubes
de revista; e sala de videoconferência.
Em média, o serviço realiza por ano
cerca de 12 mil consultas, recebendo
pacientes da capital, do interior e de outros Estados da região Norte-Nordeste.
Existem acompanhamentos periódicos
em ambulatórios específicos das mais
Equipe do serviço de reumatologia do HGF.
18
diversas áreas da reumatologia, como:
colagenoses (lúpus, Sjogren, miopatias
e esclerodermia); artrite reumatoide;
espondiloartrites; metabolismo ósseo;
vasculites; ambulatório de dor; reumatologia pediátrica; e ambulatório de
triagem.
Além disso, o serviço conta com procedimentos e parcerias importantes dentro da especialidade como: densitometria óssea, capilaroscopia periungueal,
ultrassonografia articular, acupuntura,
laboratório de autoimunidade, radiologia e infiltração do sistema musculoesquelético, dentre outros. O Centro de
Infusão de Imunobiológicos funciona
diariamente, atendendo à demanda do
Estado com relação à necessidade de administração das medicações e ao acompanhamento desse grupo de pacientes,
atualmente com 760 em seguimento. A
equipe participa de videoconferências
nacionais (Rute – Rede Universitária
de Telemedicina) e tem colaboração
ativa do Grupo de Apoio ao Paciente
Reumático do Ceará (Garce).
A residência em Reumatologia Geral
foi inaugurada em 2002, contando atualmente com quatro vagas para o primeiro
ano, quatro vagas para o segundo ano
e uma vaga para o terceiro ano. Recen-
temente, em 2013, foi inaugurada a
Residência em Reumatologia Pediátrica,
uma das únicas do Norte-Nordeste, com
uma vaga para o primeiro e segundo
anos. Além dos estágios em enfermaria e ambulatório de reumatologia, os
residentes estão inseridos também em
vivências de ortopedia, laboratório de
autoimunidade, fisiatria e reabilitação,
dermatologia (colagenoses), radiologia
e centro de infusão. O serviço também
está envolvido no ensino de internos,
residentes de clínica médica e pediatria
geral das mais diversas instituições de
ensino médico do Estado.
Equipe tem
15 especialistas
O corpo clínico do Serviço de
Reumatologia do Hospital Geral de
Fortaleza (HGF) conta atualmente
com 15 médicos especialistas, sendo
12 médicos reumatologistas gerais
e três reumatologistas pediatras.
Dentre os médicos assistentes, cinco
possuem título de doutorado e dois
de mestrado.
• Reumatologia geral:
Dr. Walber Pinto Vieira - Chefe do
Serviço; dra. Maria Roseli Monteiro
Callado; dra. Rejane Maria Rodrigues
de Abreu Vieira; dra. Francisca
Edwiges Araújo Moura; dra. Niedja
Bezerra Frota; dra. Kirla Wagner
Poti; dra. Mailze Campos Bezerra;
dra. Sâmia Araújo de Sousa Studart;
dra. Andréa Rocha de Sabóia
Mont’Alverne; dra. Lysiane Maria
Adeodato Ramos Fontenelle; dr.
André Xenofonte Cartaxo Sampaio;
e dr. Joerun de Carvalho Oliveira.
• Reumatologia pediátrica:
Dr. Carlos Nobre Rabelo Júnior; dr.
Marco Felipe Castro da Silva; e dra.
Ana Raquel Xavier Feitosa.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
coluNa NEuBarth
Os príons e os ídions
“O termo príon, uma conjunção de “proteína” e “infecciosa”, foi inventado,
segundo ironiza Prusiner em seu livro “Madness and Memory: The Discovery
of Prions – A New Biological Principle of Disease” (Yale University Press, 2014),
na falta do conhecimento de um termo grego mais inteligente.”
Fernando Neubarth *
O
neurologista americano Stanley
B. Prusiner, da Universidade da
Califórnia, mereceu o prêmio Nobel em
1997 por ter descoberto os Príons, um
novo princípio biológico na gênese das
infecções. Seus estudos partiram do interesse pela doença de Creutzfeldt-Jacob
e outras doenças do grupo das assim
chamadas encefalopatias espongiformes
transmissíveis, como a Síndrome de
Gertsmann-Sträussler-Sheinker (GSS),
a Insônia Familial Fatal e o Kuru, causa
de uma epidemia nos anos 50 e 60 do
século passado entre os papuas da Nova
Guiné, praticantes da antropofagia.
Essas enfermidades também acometem
animais; além de ovinos e espécies exóticas, a mais conhecida é a que atinge
os bovinos, a Síndrome da Vaca Louca.
No princípio da década de 70, a
causa dessas doenças era inteiramente
obscura. Alguns casos pareciam obviamente genéticos, mas outros surgiam
“do nada”. Os pesquisadores tentavam
encontrar agentes para o contágio, mas
não eram identificados. Nem bactérias,
nem fungos, nem parasitas ou vírus e,
mais do que isso, nada de DNA ou RNA,
marca registrada de infecção. A grande
dúvida: infecção sem agente vivo? Aos
poucos, o dr. Prusiner foi desenvolvendo
a teoria de que uma proteína vilã é o
fruto da replicação de proteínas normais
até assumir sua patogenicidade.
O termo príon, uma conjunção de
“proteína” e “infecciosa”, foi inventado,
segundo ironiza Prusiner em seu livro
“Madness and Memory: The Discovery
of Prions – A New Biological Principle of
Disease” (Yale University Press, 2014),
na falta do conhecimento de um termo
grego mais inteligente. O príon faz
lembrar a manifestação dual do clássico
de Stevenson, “O Médico e o Monstro”,
ora no comportamento confiável do dr.
Jeckyll, ora na índole assassina de mr.
Hyde. São proteínas celulares inócuas
que possuem uma capacidade inata
de modificarem-se estruturalmente em
partículas perigosas, causadoras de
doenças cerebrais do tipo demencial e,
invariavelmente, mortais.
Prusiner sempre foi alvo de muitas
críticas em relação a sua teoria por parte
da comunidade científica. Mas o fato é
que ela pode nos servir de metáfora, para
tentar entender um fenômeno que tem
acontecido nas assim chamadas mídias
sociais – essas que, segundo Umberto
Eco, tem dado voz à sanha opiniática
de legiões de idiotas. Reflexões que não
sairiam de uma conversa entre comadres ou do âmbito da mesa de um bar
adquirem uma virulência tamanha, que
torna a singeleza e a inocência máquinas mortíferas espalhando difamação,
rancor, desprezo ao diferente. Capazes
de provocar linchamentos morais e
literais. Um perigoso meio no qual a
antropofagia parece ser a determinante
do cardápio. Onde tudo acabava em
pizza é possível que acabe em rodízio
dos próprios comensais.
Certas atitudes expressas em palavra
escrita no Facebook, Twitter e outras comunicações de nossos dias, assim como
na voz de representantes da imprensa ou
do povo, refletem mais do que extravagância, estouvamento ou imprudência.
Os doidivanas da hora arriscam-se a
perder a democracia para não perder
a piada. Germes do renascimento de
ideologias totalitárias e nazi-fascistas.
Numa dessas o rebanho vai e a vaca
louca pode não ser bem quem estão
pensando que é.
* Médico e escritor. Presidente da SBR, gestão 2006-2008
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
19
coluNa SEda
Florbela Espanca e a dor
em cem anos de poesia
Hilton Seda
Dedicado ao professor dr. Ueliton Vianna
O
s reumatologistas cuidam da dor
física; Florbela Espanca cantava,
em seus versos, a dor da alma:
Coveiros, sombrios, desgrenhados,
Fazei-me depressa a cova,
Quero enterrar minha dor
Quero enterrar-me assim nova.
Coveiros, só o corpo é novo,
Que há poucos anos nasceu;
Fazei-me depressa a cova
Que minha alma morreu.
Essa grande poetisa, embora tenha
escrito, em 11 de novembro de 1903,
o poema “A vida e a morte”, começou
realmente a compor seus sofridos versos
a partir de 1915, portanto há cem anos.
Isto se prova com o fato de ter ela, em
meados de abril de 1916, selecionado,
dentre sua produção poética, cerca de 30
peças produzidas a partir de 10 de maio
de 1915, com as quais inaugurou o projeto e o manuscrito “Trocando Olhares”,
onde estão 88 poemas e três contos(1).
Florbela d’Alma da Conceição Espanca nasceu no princípio da
madrugada do dia 8 de dezembro de 1894, em Vila Viçosa,
Alentejo, Portugal, na casa de
sua mãe, à Rua do Angerino.
Na Igreja Nossa Senhora da
Conceição de Vila Viçosa,
consta que é “filha ilegítima
de pai incógnito”, do mesmo
modo que seu único irmão.
Isto, entretanto, não corresponde à verdade. Seu pai foi
João Maria Espanca. Herdeiro
20
da profissão de sapateiro, não a exerceu,
tendo se dedicado a várias atividades:
antiquário, negociante de cabedais,
desenhista, pintor, fotógrafo e cinematografista, sendo um dos introdutores do
“Vitascópio de Edison” em Portugal. Era
casado com Mariana do Carmo Toscano
(ou Ingleza), mas não foi de sua união
com ela – que era estéril – que Florbela
nasceu e sim de um caso extraconjugal
com Antônia da Conceição Lobo. Do
mesmo modo, três anos depois, nasceu
seu irmão Apeles, em 10 de março de
1897. Curiosamente, João Espanca fez
sua esposa madrinha de batismo de Florbela e o amigo Daniel da Silva Barroso
seu padrinho, em cerimônia realizada
no dia 20 de junho de 1895. Criou seus
filhos em sua casa, com a colaboração
da esposa, mas só reconheceu Florbela
como filha, em cartório, após sua morte, no dia 13 de junho de 1949. João
Maria Espanca faleceu em 3 de julho
de 1954(1,2).
Florbela frequentou a escola primária,
entre 1899 e 1908, em Vila Viçosa. Em
1908, ano em que sua mãe faleceu, aos
Liceu de Évora
Parte I
29 anos de idade, nessa mesma cidade,
ingressou no Liceu de Évora, onde
estudou até 1912, quando sua família
para lá se mudou. Em 1913, casou-se
em Évora, no dia de seu aniversário,
com Alberto de Jesus Silva Moutinho,
seu antigo colega de escola, indo morar
em Redondo. Em 1915, o casal, em
dificuldades financeiras, voltou para
Évora, instalando-se na casa do pai. No
ano seguinte, regressaram a Redondo.
Neste momento, Florbela iniciou uma
atividade jornalística em três publicações: Modas e Bordados (suplemento de
O Século de Lisboa); Notícias de Évora;
e A Voz Pública, também de Évora. João
Maria Espanca, mais uma vez, fazendo
das suas, ainda em companhia de Mariana, vivia em casa com a empregada
Henriqueta de Almeida, mas acabou
divorciando-se, em 9 de novembro de
1921, para casar-se com Henriqueta em
4 de julho de 1922. Mariana morreu em
dezembro de 1925(1,2).
Em 9 de março de 1916, Portugal começou a participar da Primeira Grande
Guerra Mundial. O fato levou Florbela
a realizar o projeto “Alma de Portugal”
dizendo ser “homenagem humilíssima
à pátria que estremeço”. Em outubro
de 1916, a poetisa voltou para Évora,
atuando como explicadora no Colégio
Nossa Senhora da Conceição. Em novembro desse mesmo ano, retornou ao
Liceu que havia interrompido e concluiu
o Curso Complementar de Letras, em
24 de julho de 1917. Ainda em 1917,
vivendo em Lisboa subsidiada pelo pai,
matriculou-se na Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa, mas, em
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
meados de 1920, abandonou o curso.
Em abril de 1918, Florbela teve um aborto espontâneo com infecção de ovários
e pulmões, indo repousar com o marido
em Quelfes (Olhão), no Algarve. Nessa
ocasião apresentou os primeiros sinais
de neurose(1,2).
A vida matrimonial de Florbela foi
conturbada. Em 1920, ainda casada, foi
viver com Antônio José Marques Guimarães, alferes de artilharia da Guarda
Republicana. Em 30 de abril de 1921,
divorciou-se de Moutinho e casou-se
com Antônio José no dia 29 de junho de
1921 no Porto. O casal deslocou-se para
Lisboa, pois Guimarães foi indicado
chefe de gabinete do Ministério do Exército. Em novembro de 1923, Florbela,
adoentada, foi para Gonça (Guimarães)
tratar-se. Não durou muito o casamento
com Guimarães, tendo este pedido o
divórcio em 4 de abril de 1924, pedido
deferido em 23 de junho de 1925. Vale
relatar que Antônio José criou uma agên-
cia de “Recortes” para coletar matérias
publicadas sobre autores, que contém
abundante material sobre Florbela, constituído de 133 recortes. Após o segundo
divórcio, novo casamento, agora com o
médico Mário Pereira Lage, de 32 anos,
que conhecia desde 1921 e com quem
vivia desde 1924. O casamento foi realizado em 15 de outubro de 1925 em
cartório e, em 29 de outubro, na Igreja
de Bom Jesus de Matosinhos. Passaram
a viver na casa dos pais do médico em
Matosinhos. Em 1927, Florbela iniciou
colaboração no D. Nuno de Vila Viçosa
e também a atividade de tradutora de
romances franceses para a Editora Civilização, do Porto(1,2).
Uma tragédia ocorreu em 6 de junho
de 1927: o irmão de Florbela morreu
quando mergulhou com um hidroavião
no Tejo, após o falecimento de sua noiva
Maria Augusta Teixeira de Vasconcelos.
O fato teve grande repercussão negativa na poetisa que fez versos em sua
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jul/ago/set/2015
memória e escreveu o conto “Máscaras
do destino”: “A meu irmão, ao meu
querido Morto”. Vem uma fase em
que está mais deprimida, “doente dos
nervos”, fumando desbragadamente e
emagrecendo. Em 1928, teria tentado
o suicídio pela primeira vez. Em 1930,
colaborava na publicação “Portugal
feminino”, recentemente fundada, escrevendo contos e poemas; e nas revistas
“Civilização” e “Primeiro de Janeiro”,
ambas do Porto(1,2).
Na passagem de 7 para 8 de dezembro
de 1930, Florbela suicidou-se em Matosinhos, ingerindo altas doses de barbitúrico. Era a data de seu aniversário de 36
anos. A família tentou esconder que se
tratava de suicídio. Apelaram para uma
doença cardíaca ou pulmonar. Nos meses anteriores, de outubro e novembro,
já havia tentado esse mesmo ato. Foi
sepultada no próprio dia 8 no Cemitério
de Sedim. Em 17 de maio de 1964, seus
restos mortais foram transferidos para
o Cemitério de Vila Viçosa(1,2).
A obra de Florbela Espanca é, antes
de tudo, poética, abordando temas como
solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. Mas contém ainda contos,
traduções, epístolas e diário. Enquanto
vivia, só teve dois de seus livros publicados: Livro de Mágoas
(1919) e Livro de Sóror
Saudade (1923). Postumamente: Charneca em Flor
(1931), Cartas de Florbela Espanca (a Dona Júlia
Alves e a Guido Battelli)
(1931), As Máscaras do
Destino (1931), Sonetos completos (Livro
de Mágoas, Livro de
Sóror Saudade, Charneca em Flor,
Reliquiae) (1934), Cartas de Florbela
Espanca (1949), Diário do último ano
(1981), O Dominó Preto (1982), Obras
completas de Florbela Espanca em oito
volumes (1985-1986) e Trocando Olhares (1994)(1-3).
Referências, na segunda parte,
próxima edição do boletim SBR.
21
além
da
r E u m ato lo g i a
Reumatologista, roqueiro e beatlemaníaco
A banda em que toca o
reumatologista Valderílio
Feijó Azevedo conseguiu
uma façanha extraordinária:
apresentar-se no famoso
Cavern Club, onde os Beatles
começaram, em Liverpool
“N
ão sou um reumatologista que
toca guitarra e tira espaço
de um músico no palco. Sou, além de
médico, músico profissional e adoro
me apresentar em shows.” A frase é do
reumatologista Valderílio Feijó Azevedo
e mostra bem com que seriedade ele
encara essa atividade artística paralela
à medicina. Autodidata, Valderílio é
escritor, músico, cantor e compositor
e lida com atividades musicais desde
criança. Aos 13 anos ganhou, como
cantor e compositor, o projeto O Jovem
Diz o Samba, com o seu samba “O que
falta”, no município do Rio de Janeiro.
“Como um dos prêmios, ganhei um
violão”, diz ele.
Em seu caminho, porém, apareceram
os Beatles e, por consequência, o rock,
estilo pelo qual se apaixonou. Participou
de diversos grupos. Começou com o
Rock Atividade, considerado o primeiro
cover do grupo AC/DC no Brasil, no
início da década de 80. No final dos anos
90, foi guitarrista e vocalista principal do
grupo Metralhas Beatles Again, famosa
banda paranaense da qual posteriormente saiu para fundar a banda Heyah, em
2001, seu atual grupo musical.
A Heyah tem tido uma trajetória impressionante de reconhecimento como
grupo de rock e de tributo aos Beatles.
Tanto que, em 2003 a banda foi convidada para tocar no Cavern Club, para os
beatlemaníacos o local “sagrado” onde
os Beatles estrearam, em Liverpool. A
Heyah é formada por Valderílio e mais
dois médicos, além de dois músicos,
com quem mantém ensaios regulares.
A especialidade da banda é o seu show
22
Efeito Liverpool, em que conta um
pouco da história dos Beatles através
de suas músicas e de clássicos do rock.
Valderílio explica ainda que a música
não é a única via artística à qual se dedica. Ele é também desenhista, escritor,
pintor e... palhaço. Sim, atuou na TV,
em diversos eventos beneficentes para
crianças carentes interpretando o palhaço Paçoca. Uma de suas principais
apresentações ocorreu durante a comemoração de cem anos de fundação das
escolas médicas no Brasil no Congresso
da Associação Brasileira de Educação
Médica-Abem, em Salvador, em 2008.
Tudo isso junto, claro, com suas atividades profissionais, que se estendem ao
O prazer de fazer
música é tanto que
dela ele recarrega
suas energias para
enfrentar o cotidiano
da medicina
seu centro de pesquisa, onde conduz testes clínicos para novos biológicos e onde
fica seu próprio consultório. Também
faz palestras dentro e fora do Brasil e é
professor adjunto em Reumatologia da
Universidade Federal do Paraná desde
1996, onde vai quatro vezes na semana.
Como consegue? “Sou apaixonado
por todas as atividades e procuro me
organizar mesmo que dentro de uma
‘desorganização’ e felizmente tenho conseguido dar conta do recado”, explica. E
a verdade, continua, é que o prazer de fazer música é tanto que dela ele recarrega
suas energias para enfrentar o cotidiano
da medicina, outra grande paixão que o
conquistou ao longo da vida.
Valderílio formou-se em 1989 na
Universidade Federal do Paraná e
lembra que no início de sua carreira
médica pensava que sua vocação maior
era mesmo a música. “Por alguns anos,
tive dificuldade em reconhecer que a
medicina era muito forte e importante
para a minha vida. Ao longo do tempo,
porém, percebi que era também uma de
minhas vocações”.
Banda Heyah, com Valderílio na guitarra: tributo aos Beatles e clássicos do rock.
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