Rosenara- trabalho de conclusão de curso

Propaganda
0
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL-UNIJUI
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO ESPECIAL:
DEFICIÊNCIA MENTAL E TRANSTORNOS E DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM
DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
A ESCOLA, A DIFERENÇA E OS SUJEITOS QUE NELA OPERAM
IJUI
2012.
1
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL-UNIJUI
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO ESPECIAL:
DEFICIÊNCIA MENTAL E TRANSTORNOS E DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM
DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
A ESCOLA, A DIFERENÇA E OS SUJEITOS QUE NELA OPERAM
ROSENARA BEATRIZ DE OLIVEIRA
PROFESSORA ORIENTADORA SONIA APARECIDA DA COSTA FENGLER
IJUI
2012.
2
Rosenara Beatriz de Oliveira
A ESCOLA, A DIFERENÇA E OS SUJEITOS QUE NELA OPERAM
Monografia apresentada para obtenção do título de
Especialista em Educação Especial:Deficiência
Mental e Transtornos e Dificuldades de
Aprendizagem junto ao DHE- Departamento de
Humanidades e Educação da Universidade Regional
do Noroeste do Rio Grande do Sul- UNIJUI
Orientação: Professora Sonia Aparecida da Costa Fengler
IJUI
2012.
3
Resumo - Embora sendo um estudo localizado, o presente trabalho tem como propósito a
reflexão sobre aspectos considerados relevantes para viabilizar uma educação de fato
inclusiva, bem como quais as condições pessoais / profissionais dos sujeitos da escola para
uma atuação que acolha e respeite a diversidade. Para tanto, além de pesquisa bibliográfica,
nos propomos a ouvir profissionais de uma escola regular, da rede privada do município de
Santo Ângelo- RS, que atuam com sujeitos com necessidades especiais, mantendo constante
interlocução com a literatura da área e a fala dos entrevistados. Para compreendermos a escola
de hoje, torna-se necessário olharmos para o passado. Dessa forma, procuramos fazer um
breve resgate histórico sobre as mudanças e avanços que ocorreram no mundo todo em
relação à Educação Especial, em busca de uma educação inclusiva como forma de combater
atitudes discriminatórias e garantir uma educação para todos.
Palavras-chave: Inclusão – Escola- Diversidade - Educador – Identidade - Diferença
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------------------5
1 CONHECENDO OS ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL---------------------------------------------------------------------------------------------- 8
2 A ESCOLA, A DIFERENÇA E OS SUJEITOS QUE NELA OPERAM----------------18
2.1 A Escola ---------------------------------------------------------------------------------------------18
2.2. A Escola e a Diferença---------------------------------------------------------------------------23
2.3. A Escola e os Sujeitos que nela operam------------------------------------------------------25
CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------------39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS------------------------------------------------------------42
5
INTRODUÇÃO
“A alma dos diferentes é feita de
uma luz além. Sua estrela tem moradas
deslumbrantes que eles guardam para os
poucos capazes de os sentir e entender.Nessas
moradas estão tesouros da ternura humana
dos quais só os diferentes são capazes. Não
mexa com o amor de um diferente. A menos
que você seja suficientemente forte para
suportá-lo depois”.
(Arthur da Távola)
Esta pesquisa reflete de certo modo a experiência de vinte e quatro anos como
profissional da educação, com a oportunidade de experimentar tempos de gestão de sala de
aula e também de gestão enquanto membro de uma equipe diretiva. Reconheço que tal
experiência foi ao mesmo tempo gratificante e desafiadora, a ponto de concluir que todos os
profissionais da educação deveriam ter a oportunidade de passar por essa vivência, uma vez
que, ao ver-se “nos dois lados”, teriam maiores possibilidades de análise e reflexões sobre seu
fazer docente e sobre a realidade da escola. Digo isso, porque ultimamente algumas antigas
inquietações que tenho agora se tornam muito mais pertinentes com o desafio da inclusão em
nossas escolas.
Esta questão surge, porque assim como muitos, e ao contrário de outros, sempre
acreditei que falar de inclusão na escola é reconhecer que a mesma não se refere somente a
pessoas com necessidades educacionais especiais, mas sim a toda a educação, como direito
legítimo de todos.
São confrontos envolvendo o ensinar e o aprender, o dar conta de um currículo, são os
métodos e o processo de avaliação, são os olhares diversos que surgem sobre o educando, os
6
“positivos e os negativos”, os que “condenam e os que compreendem”, os que “acolhem e os
que ignoram”.
Miguel Arroyo (2004), afirma que os confrontos sobre se olhamos e como olhamos os
estudantes, refletem como nos olhamos. São olhares que nos perturbam e desacomodam, pois
nos levam a perguntar como nos vemos, nos convidam a remexer na gaveta dos guardados,
desencadeando sensações agradáveis e outras nem tanto.
Assim, nasce o propósito de nosso trabalho, buscar refletir sobre quais aspectos são
considerados relevantes para viabilizar uma educação de fato inclusiva, quais as condições
pessoais / profissionais dos sujeitos da escola para uma atuação que acolha e respeite a
diversidade.
Para atingir esse objetivo, além da pesquisa bibliográfica, nos propomos a ouvir
profissionais de uma escola regular da rede privada do município de Santo Ângelo que atuam
com sujeitos da Educação Especial.
Mesmo sendo um estudo localizado, procuramos manter constante interlocução com a
literatura da área e a fala dos entrevistados, não com a intenção de buscar conclusões
extensivas ao tema, mas para uma reflexão sobre o mesmo contribuindo com elementos
teórico-práticos na discussão de dados relevantes para viabilizar uma educação de fato
inclusiva no contexto escolar.
Para compreendermos a escola de hoje, torna-se necessário olharmos para o passado e
reconhecermos que as mudanças e progressos que ocorreram no mundo todo em relação à
Educação Especial, principalmente ao longo das últimas décadas, são esforços em busca de
uma educação inclusiva como forma de combater atitudes discriminatórias e garantir uma
educação para todos.
Dessa forma, ao fazermos um breve resgate histórico sobre a inclusão, torna-se
perceptível a sua construção como um processo histórico-cultural, resultante da produção
humana. Trata-se de um longo caminho traçado e marcado pela exclusão daqueles
7
considerados diferentes, perpassando as várias noções de deficiência ao longo da história,
indo dos modelos ditos assistencialistas, a internação do sujeito defendida pelo modelo
médico, até chegar à educação.
As políticas públicas no tocante à educação especial denotam novos enfoques, que
começaram a surgir com as primeiras experiências de integração escolar da criança com
deficiência, tendo como ápice, o encontro internacional de Salamanca, em 1994 (Declaração
de Salamanca) representando avanços globais quanto a projetos político-pedagógicos voltados
para uma educação inclusiva.
No Brasil, na década de 1990, essas ideias foram ganhando espaço até chegar a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, de 1996, definindo como prioridade o
atendimento educacional de sujeitos com deficiências ou com necessidades educacionais
especiais no sistema regular de ensino.
Com certeza, os avanços são muitos, principalmente com as conquistas legais. Porém,
o processo de inclusão ainda enfrenta muitos desafios no contexto escolar, afinal, trabalhar
com a diferença não significa negá-la, ao contrário, procura-se encontrar maneiras de ensinar
que saiam do foco da limitação do sujeito e que respeite e considere suas possibilidades e
especialmente sua singularidade.
Isso implica dizer que a organização escolar como um todo precisa ser repensada,
assim como nossas crenças e atitudes em relação à educação, frente a um novo cenário que se
descortina no século XXI. Pois, ao falarmos de inclusão, falamos da consideração com o outro
como um ser único, respeitando seus interesses, capacidades, diferenças, fortalecendo a
identidade desse sujeito ainda em construção e colaborando para a superação de entraves que
se apresentam no contexto escolar e social.
8
1 CONHECENDO OS ASPECTOS HISTORICOS E LEGAIS DA EDUCACAO
ESPECIAL
Nos variados períodos históricos da humanidade, a segregação das pessoas com algum
tipo de deficiência, marcou o processo de exclusão das mesmas. Com a chegada do novo
milênio, uma nova visão sobre inclusão surge para as pessoas com deficiência. Estamos
falando de uma educação inclusiva.
O assumir a diversidade na escola e na sociedade, supõe, além de um processo
integrativo, o reconhecimento dos direitos iguais para todos os indivíduos e a possibilidade de
um enriquecimento educativo e social.
O surgimento de terminologias ligadas à Educação Especial entre elas a integração, a
normalização, a inclusão, a diversidade, e outras tantas, refletem a sobrecarga que carrega
todo aquele que é diferente, que não se encaixa a modelos pré-estabelecidos que o levem a
fazer parte de grupos homogêneos, que se autodeterminam ser iguais perante outros
considerados diferentes.
Silva aponta a identidade e diferença como resultado de atos de criação, ou seja,
somos nós que as produzimos no contexto das relações culturais e sociais. Ambas são
instituídas como tais, por meio de atos da fala, ou seja, é o resultado de criação lingüística e
estão sujeitas a relações de poder (SILVA apud JULIANI, 2010, p.4).
Ainda, conforme esse autor, afirmar a identidade significa demarcar fronteiras,
significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. Essa demarcação de
fronteiras, essa separação e distinção supõem e, ao mesmo tempo, afirma e reafirma relações
de poder.
Tais relações, também estão exemplificadas nos atos de incluir e excluir, classificar e
normalizar.
Normalizar significa “eleger- arbitrariamente- uma identidade específica como
parâmetro, em relação a qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas” (SILVA
apud JULIANI, 2010, p. 5).
9
Isto aponta que, ao se atribuir a uma identidade específica, todas as características
positivas possíveis, sendo que as demais são avaliadas de forma negativa, institui-se a
normalização.
Se nossos comportamentos e ações são regulados tendo como modelo as identidades
socialmente aceitas e valorizadas, podemos afirmar que nos situamos no mundo a partir da
normalidade instituída pela sociedade moderna. Por outro lado, como vimos anteriormente,
essa linguagem comum instituída, permite aos indivíduos delimitar quem são os normais e os
anormais, e isso varia, conforme épocas e espaços.
Se de um lado, a norma nega, suprime aquelas identidades ditas negativas e
patológicas manifestadas em corpos deficientes, por outro lado surgem normas com a
denominação de educação especial para atendê-los.
Porém, ainda se percebe, no campo da Educação Especial, a separação dos sujeitos em
polos contrários, e uma forma de entendimento que fala e os remete, com suas múltiplas
deficiências, a grupos homogêneos, sobre os quais se pensa a partir de seus traços faltantes.
Como consequência, “investe-se cada vez mais em práticas de normalização aliadas agora a
áreas tecnológicas e suas promessas de cura definitiva” (THOMA apud JULIANI, 2010, p. 6).
Contudo, já se observam manifestações de grupos organizados de pessoas com
deficiência que buscam maior espaço de participação na sociedade. Talvez, seja o momento
de repensarmos o entendimento sobre deficiência numa determinada ótica, alargando
horizontes, de forma a
[...] compreender o discurso da deficiência, para logo revelar que o objeto desse
discurso não é a pessoa que está em uma cadeira de rodas ou que usa um aparelho
auditivo ou o que não aprende segundo o ritmo e a forma como a norma espera,
senão os processos sociais, históricos, econômicos e culturais que regulam e
controlam a forma acerca de como são pensados e inventados os corpos e as mentes
dos outros (SCLIAR apud JULIANI, 2010, p. 7).
Procuramos fazer um pequeno resgate histórico buscando compreender a função dos
indivíduos no cenário histórico da nossa civilização. Isso implica em desfazer-se do arraigado
entendimento que temos, de que a organização e as respectivas ações que constituem a
sociedade, se dão de forma espontânea e natural, para compreendê-las enquanto produtos e
10
escolhas do homem, numa determinada época. Porém, conforme Gugel (2012) ao se buscar
dados sobre o tipo de tratamento dispensado às pessoas com deficiência ao longo da história,
descobre-se que muito pouco se sabe, a se começar pelos primeiros grupos de humanos na
Terra.
Segundo pesquisadores, a preocupação maior dos grupos ao se formarem, era manter a
segurança e sobrevivência dos seus integrantes. Dessa forma, supõe-se que uma pessoa com
deficiência se tornasse um fardo para o grupo, sem contar que só os mais fortes sobreviviam
diante da precariedade das condições de sobrevivência, tais como a dificuldade com abrigos, o
clima e a obtenção de alimentos.
No Egito Antigo, tanto evidências arqueológicas, quanto a arte egípcia, nos levam a
concluir que o indivíduo deficiente era integrado nas diferentes classes sociais, seja do faraó,
nobres, artesãos, até escravos, desenvolvendo entre as ocupações, as de dançarinos e músicos.
Papiros encontrados, contendo ensinamentos morais no Antigo Egito, salientam a necessidade
de se respeitar as pessoas com nanismo e com outras deficiências.
Na Grécia, as crianças nascidas com deficiência eram eliminadas, seja por abandono
ou atiradas em cadeia de montanhas. Assim como em Roma, onde aos pais era permitido
matar as crianças por afogamento, embora muitos não o fizessem, abandonando-os em lugares
considerados sagrados. Os que sobreviviam, desempenhavam ocupações, como bobo ou
palhaço, para diversão dos mais abastados.
Com o surgimento do cristianismo na Idade Média, a situação se modificou, pois todos
passaram a ser considerados filhos de Deus, merecedores do respeito à vida e a um tratamento
caridoso. As condições tanto de vida quanto de saúde eram precárias, o nascimento de
indivíduos com deficiência era tido por alguns, como punição divina, enquanto para outros,
como poder sobrenatural, feitiçaria ou bruxaria.
Na Bíblia podemos encontrar referências ao leproso, ao manco e ao cego como
pedintes, rejeitados pelos demais, ou pelo medo da doença ou tendo-os como fonte da punição
divina, segundo Aranha (2008).
11
Na Idade Moderna, ainda conforme Gugel (2012), deu-se o período de grandes
transformações nas artes, música e ciência, assim como avanços e invenções que visavam
beneficiar pessoas surdas. Entre elas: Código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever, de
Girolamo Cardano, 1501-1576; Método voltado para pessoas com deficiência auditiva
utilizando-se de sinais, criado por Pedro Ponce de León, 1520-1584; Ambroise Paié, 15101590, traz grande contribuição na criação de próteses, aperfeiçoando métodos cirúrgicos para
ligar as artérias, enquanto buscava a cura para ferimentos de guerra que causavam
amputações; Em 1620, surgem os escritos de Juan Pablo Bonet sobre as causas das
deficiências auditivas e problemas de comunicação. Surge o alfabeto na língua de sinais; John
Bulmer, 1600-1650, cria um método para ensinar aos surdos a leitura labial; Louis Braille,
1809-1852,cria um sistema de escrita padrão – o Braille, usado até os dias de hoje.
No final do século XVIII e início do século XIX, a sociedade, finalmente, começa darse conta da necessidade de atender essas pessoas com deficiências, porém, o faz num caráter
mais assistencial que educativo. Enquanto instituições se organizam para estudar os
problemas da deficiência, grupos de pessoas se voltam para a reabilitação de feridos para o
trabalho.
Nessa mesma época, surge com Napoleão Bonaparte a ideia de que ex-soldados
poderiam ser reabilitados, sendo ainda úteis ao exército. Começam a ser criadas as chamadas
escolas especiais, cuja política era separar e isolar as crianças do restante da sociedade,
buscando evidenciar certo empenho na solução de problemas. Tem-se aí, um período de
segregação.
Os primeiros institutos de educação especial foram criados por meio de asilos e
manicômios. Os deficientes visuais eram tirados do convívio social e isolados do restante da
sociedade nas poucas instituições criadas. O que se percebe é que, embora as primeiras
instituições de educação especial não atendessem as reais necessidades da sociedade, as
mesmas foram se expandindo a partir dos anos trinta e quarenta.
No Brasil, o marco da educação especial foi a criação do Imperial Instituto dos
Meninos Cegos, em 1854, e do Instituto dos Meninos Mudos, em 1857, na cidade do Rio de
12
Janeiro, concretizados por Dom Pedro II, 1840-1889, sem uma preocupação direta com a
aprendizagem, somente com cunho assistencial.
Paralelamente, em 1855, também no Rio de Janeiro, surge o primeiro hospital para
doentes mentais, o Hospício de Pedro II, marcando o início da psiquiatria no Brasil.
Ainda no século XIX, conforme Mosquera et al (2006), as pessoas com necessidades
especiais passam a ser objeto de estudo da medicina, tendo nos estudos de Jean Itard, 17751838, na França, o primeiro esforço e estudo sistemático visando a reabilitação de uma
criança diferente, a partir de Vítor, o Menino Lobo, portador de deficiência mental profunda.
Também como esse autor, outros estudos surgem sobre o tratamento de pessoas com
deficiência, com destaque para Philippe Pinel, que por volta de 1800 escreve sobre os
atrasados mentais, Esquirol, 1780-1820, com o estabelecimento da diferenciação entre idiotia
e demência e Seguin, 1840-1870, com a elaboração do método fisiológico voltado à educação
de crianças com atraso mental.
De 1914 a 1918, o mundo vive a Primeira Grande Guerra Mundial. Foram anos
difíceis com muita carestia. Em 1919, é consolidada a paz, e é criada a OIT – Organização
Internacional do Trabalho, com o objetivo de reabilitar as pessoas para o trabalho no mundo,
inclusive aquelas com deficiência.
No mundo ocidental, surge a criação de programas escolares, a abertura, aos poucos,
das instituições e a ampliação e diversificação de serviços especiais – no Brasil, em 1926, é
fundado o Instituto Pestalozzi, especializado no trabalho com portadores de deficiência
mental e tem início a educação escolar voltada para o deficiente mental, fosse ela leve ou
moderada.
Surge nas escolas, alunos com necessidades educacionais especiais, os ANEEs, ou
então chamados “excepcionais”, fato que se deu no Brasil até a década de 50.
Em 1954 é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais- APAE.
Surge o ensino especial como opção à escola regular. Até 1956, grande parte das iniciativas,
13
voltadas para o atendimento de pessoas com deficiências se deram a nível privado ou de
forma isolada por pessoas que se dedicavam a defender os direitos dos mesmos.
Assim, ao longo do século XX, outras organizações governamentais e civis foram
surgindo com a preocupação de melhorar os serviços de reabilitação, tendo em vista os
problemas sociais vividos.
Não podemos deixar de citar que entre 1939 e 1945, o mundo vive a Segunda Guerra
Mundial e as atrocidades nela cometidas chocaram a humanidade. Com o Holocausto,
milhares de pessoas, entre elas judeus e pessoas com deficiência, foram eliminadas em nome
da política da raça ariana pura, sem contar os outros milhares de mortos e sequelas deixadas
pelas bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. O que restou foram cidades a
serem reconstruídas, crianças órfãs, e adultos sobreviventes com sequelas.
Para a busca de solução para os problemas deixados, é criada em 1945, em Londres, a
ONU – Organização das Nações Unidas, assim como também as agências ENABLE –
Organização das Nações Unidas para Pessoas com Deficiência; UNESCO – Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; UNICEF – Fundo das Nações Unidas
para a Infância, e a OMS – Organização Mundial da Saúde.
Em 1948, em reunião na ONU, a comunidade internacional declara em documento
todos os direitos de cada pessoa em todo lugar e tempo. É a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que apresente em seu artigo primeiro: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade”. Neste período se consolidam nos países aquelas
instituições voltadas para pessoas com deficiência.
Assim, como resultado dos diversos acontecimentos e movimentos políticos, sociais e
econômicos, no Brasil, em 1961, é promulgada a Lei de diretrizes e Bases da Educação- LDB,
que garante o direito da criança com deficiência à educação, de preferência na escola regularLDBEN nº 4024/61.
14
Já no ano de 1971, vemos um retrocesso jurídico com a criação da Lei nº 5692, que
determina “tratamento especial” para crianças com deficiência, reforçando as escolas
especiais.
Surge nos países da Europa e das Américas, um amplo movimento que pregava uma
atenção maior aos serviços de educação especial, buscando a garantia e o desenvolvimento de
um processo educativo que se adaptasse às necessidades individuais desses indivíduos.
Com o Decreto nº 72425/73, é criado o Centro Nacional de Educação EspecialCENESP, com o objetivo de gerenciar a educação especial no Brasil. Porém, não se vê ações
que garantam o acesso universal à educação, ao contrário, o que temos mais uma vez é a
segregação dos indivíduos, uma vez que a perspectiva das ações era de integração somente
daqueles que conseguiam acompanhar a escola regular, sem contar com apoio de um
atendimento especializado.
Surge uma nova perspectiva para a educação especial, com a Constituição Federal de
1988, que traz como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação” (art.
3º, inciso IV). Define, no artigo 205, a educação como direito de todos, garantindo o pleno
desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu
artigo 206, inciso I, estabelece “igualdade de condições de acesso e permanência na escola”
como um dos princípios para o ensino e garante como dever do Estado, a oferta do
atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art.
208).
Em1989 é aprovada a Lei nº 7853 que criminaliza o preconceito. No entanto, a
presente lei só é regulamentada em 1999, ou seja, dez anos depois.
No ano de 1990, o país aprova o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, conforme
Lei 8069/90, dá aos pais ou responsáveis a obrigação de matricular os filhos na rede regular
de ensino, garantindo também no artigo 54, o atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. No caso, ainda voltado
somente aos que possuem altas habilidades.
15
Também nos anos 90, realiza-se a Conferência Mundial de Educação, numa parceria
da UNESCO e o governo espanhol, com o objetivo de discutir com especialistas a forma de
atuação do sistema educacional que tende a excluir os considerados diferentes. Documentos
como a declaração de Salamanca (1994) passam a ter influência na formulação das políticas
públicas de educação inclusiva, passando de uma escola integrativa para uma escola inclusiva.
No documento, representantes de 92 países e 25 organizações internacionais reafirmam
[...] o nosso compromisso para com a Educação de Todos, reconhecendo a
necessidade e a urgência de ser o ensino ministrado, no sistema comum de
educação, a todas as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais
especiais, e apoiamos, além disso, a Linha de Ação para as Necessidades na
Educação Especial, cujo espírito, refletido em suas disposições e recomendações,
deve orientar organizações e governos (BRASÍLIA, 2006, p. 15).
O documenta afirma ainda que:
1. Todas as crianças, de ambos os sexos, têm direito fundamental à educação, e que
a elas deve ser dada a oportunidade de obter e manter um nível aceitável de
conhecimentos.
2. Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de
aprendizagem que lhe são próprios.
3. Os sistemas educacionais devem ser projetados e os programas aplicados de modo
que tenha em vista toda a gama dessas diferentes características e necessidades;
4. As pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas
comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de
atender a essas necessidades.
5. As escolas comuns, com essa orientação integradora, representam o meio mais
eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras,
construir uma sociedade inclusiva e dar educação para todos; além disso,
proporcionam uma educação efetiva à maioria das crianças e melhoram a eficiência
e, certamente, a relação custo- benefício de todo o sistema educacional. (UNESCO,
1994).
Além disso, orienta sobre o apoio suplementar aos alunos com necessidades
educativas especiais, buscando assegurar uma educação eficaz e considera a convivência na
Educação Inclusiva de alunos especiais e os ditos normais num rico espaço para o
desenvolvimento da solidariedade.
No entanto, nesse período, a Política Nacional de Educação Especial (1994) determina
“a integração institucional” e ainda condiciona o acesso ao ensino regular àqueles que
possuem condições de acompanhar “os alunos ditos normais”, deixando claro, a tentativa de
manter um padrão homogêneo no contexto educacional.
16
Em 1999, acontece a Convenção da Guatemala promulgada no Brasil pelo Decreto nº
3956/2001, que assegura às pessoas com deficiência, os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação com base na
deficiência toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício dos
direitos humanos e de ter as liberdades fundamentais.
Com o decreto, tornou-se necessário uma reinterpretação da educação especial,
buscando promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização, o que é
reforçado com o documento lançado em 2004 pelo Ministério Público Federal, intitulado O
Acesso de Alunos com Deficiência a Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Tal
documento tem como objetivo disseminar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão,
reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas
turmas comuns do ensino regular. (MOSQUERA et al, 2006)
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução
CNE/CCB nº 2/2001, traz em seu artigo 2º
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas
organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais
especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade
para todos. (BRASIL, 2001, p.1)
Assim, o atendimento especializado assume papel complementar à escolarização. No
ano de 2002 a Resolução CNE/CP1 define que a universidade deve formar professores para
atender alunos com necessidades especiais. No mesmo ano, a Lei nº 10.436/02 reconhece a
língua brasileira de sinais como meio legal de comunicação e expressão, assim como a
Portaria nº 2678 aprova normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do braile em
todas as modalidades de educação.
No ano seguinte, o MEC cria o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade,
que forma professores para atuar na disseminação da Educação Inclusiva. Já em 2007, é
lançado o PDE- Plano de Desenvolvimento da Educação, apresentando como eixos a
formação de professores para a educação especial, a acessibilidade arquitetônica dos prédios
escolares, a implantação de sala de recursos multifuncionais, acesso e a permanência das
17
pessoas com deficiência na educação superior, bem como o monitoramento do acesso à escola
dos favorecidos pelo BPC- Benefício de Prestação Continuada.
Para a implementação do mesmo, é publicado o Decreto nº 6094/2007, estabelecendo
nas diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, a garantia de acesso e permanência no
ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos,
fortalecendo seu ingresso nas escolas públicas.
Finalmente, após anos de debates, é elaborada a Política Nacional de Educação
Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, que acaba com a escolha entre ensino regular
e ensino especial. Ela surge com o objetivo de garantir
[...] o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas
regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades
educacionais especiais, garantindo: transversalidade da educação especial desde a
educação infantil até a educação superior; atendimento educacional especializado;
continuidade da escolarização nos níveis mais elevados de ensino; formação de
professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da
educação para a inclusão escolar; participação da família e da comunidade;
acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos
transportes, na comunicação e informação; e articulação interssetorial na
implementação de políticas públicas (MEC/SEESP, 2007, p.8).
Com a nova política, se percebe uma definição clara de como deve ser oferecida a
educação para todos os que possuem deficiência. Concomitante, vemos pela primeira vez no
cenário educacional, conforme dados levantados pelo Censo Escolar/2006, um maior número
de alunos com necessidades especiais matriculados no ensino regular comparado ao número
de alunos matriculados nas escolas e classes especiais, entre os anos 1998 e 2006 (INEPCenso Escolar, 2006).
Com esse pequeno resgate, fica claro que não podemos ignorar o longo processo
histórico em que foi produzida a inclusão, com a luta constante de diferentes minorias, na
árdua busca pela defesa e garantia de seus direitos enquanto seres humanos e cidadãos.
E no contexto escolar, que aspectos são considerados relevantes para viabilizar uma
educação de fato inclusiva? Somente os aspectos legalistas garantem a inclusão? E se
garantem como o fazem? Quais as condições pessoais / profissionais dos envolvidos no
18
contexto/comunidade escolar para uma atuação na educação inclusiva? É o que procuraremos
responder no capítulo seguinte.
19
2 A ESCOLA, A DIFERENÇA E OS SUJEITOS QUE NELA OPERAM
2.1. A Escola
Nesse momento as escolas, mais por força legal que por convicção, estão a receber
alunos com deficiência, levando professores, direções e toda a comunidade educativa a uma
reflexão mais séria sobre a concepção de escola e das práticas pedagógicas nela
desenvolvidas.
Nessa perspectiva, torna-se urgente uma mudança de olhar a escola não somente com
a tarefa de transmitir conhecimentos, mas mais do que nunca, como um espaço que reconhece
e acredita no outro, em todas as suas dimensões, no qual as diferenças são vistas de forma
natural, sem constrangimentos, barreiras ou empecilhos para aquele que não se enquadra nos
padrões ditados pela sociedade.
No entanto, é importante lembrar que, como vimos anteriormente, a visão de
deficiência é historicamente construída e a visão que temos hoje sobre a mesma, é resultado
de todo esse processo de construção e, portanto, distinta dos primórdios dessa discussão. Foi
com o início da Idade Moderna, quando a deficiência passa a ser vista como doença, que
surge o pensamento de uma educação voltada para os indivíduos com deficiência, e, como se
sabe, de lá pra cá, tímidos avanços começam a surgir.
Resistimos à inclusão escolar porque ela nos faz lembrar que temos uma dívida a
saldar em relação aos alunos que excluímos, por motivos muitas vezes banais e
inconsistentes, apoiados por uma organização pedagógica escolar que se destina a
alunos ideais, padronizados por uma concepção de normalidade e de deficiência
arbitrariamente definida. (MANTOAN et al, 2011, p.78).
Há bem pouco tempo começamos a ouvir e falar sobre Educação Inclusiva. Ela nos
remete a uma escola que aceita, que acolhe e convive com a diversidade de alunos e que sabe
como incluí-los. Quando falamos de inclusão escolar, também falamos daqueles ditos
“normais” a quem a escola exclui, entre eles, os que não aprendem, os que reprovam, os
pobres, os que trabalham, os hiperativos e tantos outros.
A cartilha publicada pela Promotoria Federal dos Direitos do Cidadão reitera nossa
reflexão ao afirmar que
20
[...] a inclusão é um desafio que, ao ser devidamente enfrentado pela escola comum,
provoca a melhoria da qualidade da educação Básica e Superior, pois, para que os
alunos com e sem deficiência possam exercer o direito à educação em sua plenitude,
é indispensável que essa escola aprimore suas práticas a fim de atender às
diferenças. Esse aprimoramento é necessário, sob pena de os alunos passarem pela
experiência educacional sem tirar dela proveito desejável, tendo comprometido um
tempo que é valioso e irreversível em sua vida: o momento do desenvolvimento. A
transformação da escola não é, portanto, uma mera exigência da inclusão escolar da
pessoa com deficiência e/ou dificuldades de aprendizado. Assim sendo, ela deve ser
encarada como um compromisso inadiável das escolas, que terá a inclusão como
consequência. (BRASIL, 2004, p.30)
Pode-se perceber que o perfil da escola de qualidade voltada para todos os tipos de
aluno, tem as mesmas características necessárias para uma escola inclusiva e que o modelo da
escola atual está longe de preenchê-lo. Mas afinal, por que isso ainda acontece?
Segundo Santos (2006) talvez isso ocorra porque a escola ainda teima em não
enxergar as diferenças ao continuar trabalhando com um padrão único. Ao adotar essa
postura, continua sendo de alguns e não de todos, como se vê ao longo da história da
educação apresentada no pequeno resgate que segue.
A partir dos escritos de Aranha (2006), na Antiguidade Oriental, temos uma educação
tradicional e com um dualismo escolar, que destina um tipo de ensino para o povo e outro
para os filhos dos funcionários, sendo a grande massa excluída da escola e restringida à
educação familiar informal.
Na Antiguidade Grega, a educação era centrada constantemente na formação integral
do corpo e espírito. Quando ainda não existia a escrita, a educação era ministrada pela própria
família, seguindo a tradição religiosa. Com o advento das póleis começam a surgir as
primeiras escolas.
Já na Idade Média temos a formação do homem pela fé, pois os parâmetros da
educação se fundavam na concepção do mesmo, como criatura divina. Quanto às técnicas de
ensinar, a maneira de pensar rigorosa e formal, determinava o trabalho escolar.
Com o Renascimento surgem os colégios, do século XVI até XVIII, e a função da
escola, além da transmissão do conhecimento, também se dá com a preocupação com a
formação moral, numa sociedade que se mantém fortemente hierarquizada, excluindo da
21
escola a maioria da população, com exceção dos reformadores protestantes, com interesses
religiosos. Enquanto isso no Brasil, com os missionários, a educação assume papel de agente
colonizador.
Com a Idade Moderna, temos a pedagogia realista com as escolas ainda ministrando
um ensino conservador e grande parte com orientação jesuítica. Aqui começa a escola
tradicional.
Desde o século XVII, nota-se a falta de interesse pela educação básica, tendo grande
parte da população iletrada, fato que pode ser justificado pelo tipo de sociedade da época,
agrária e escravista.
Com o Iluminismo, percebe-se um esforço para tornar a escola leiga e como função do
Estado. Embora houvesse projetos de estender a educação a todos os cidadãos, prevalecia uma
escola para o povo e outra para a burguesia, fato aceito sem o temor de ferir o preceito de
igualdade, pois para a doutrina liberal, talento e capacidade, assim como a riqueza, não são
iguais entre os indivíduos. Já não seriam indícios da exclusão na escola?
No cenário brasileiro, durante o período do Brasil Colônia, tem-se agravado o ensino
já precário assim como o analfabetismo com a expulsão dos jesuítas e a reforma pombalina.
Com a chegada do século XIX, nota-se uma preocupação maior do Estado na busca de
estabelecer uma escola gratuita, obrigatória e leiga. Ocorre a associação educação/progresso,
resultando no grande interesse pelo ensino técnico e a expansão das disciplinas científicas.
Nomes de grandes pedagogos se destacam no cenário educacional, entre eles Pestalozzi,
Froebel e Herbart.
A pedagogia do século XX acentua ainda mais a necessidade da inclusão da cultura
científica no conteúdo a ser estudado nas escolas. A teoria da educação deixa de ser feita
somente com uma visão filosófica, sofrendo influência, a partir de então, da sociologia, com
destaque para Durkheim, da psicologia com Watson e Skinner, Gestalt, Dewey com a visão da
escola progressista. Além desses, também temos representantes da escola nova com grandes
contribuições para educação, entre os quais Gramsci, Snyders, Carl Rogers, até chegarmos às
22
teorias construtivistas, com pensadores que ainda hoje embasam a prática pedagógica de
educadores, com destaque para Piaget e Vygotsky.
No contexto do Brasil do século XX, surge o pensamento liberal democrático, que
defende a escola pública para todos, como possibilidade de se ter uma sociedade igualitária,
sem privilégios. Paulo Freire surge, defendendo uma relação dialógica na educação como
caminho para se superar uma escola excludente, a repetência e a evasão escolar, uma vez que
ainda persiste a grande defasagem entre a educação brasileira e a dos países desenvolvidos,
com um ensino fundamental que deixa a desejar em termos de qualidade.
Assim, adentramos no terceiro milênio, com uma avalanche tecnológica que invade
todos os espaços, inclusive o escolar e que impõe a necessidade de uma educação permanente
e de qualidade, com acesso ao grande fluxo de informações. Então, diante desse contexto,
ficamos a nos perguntar- o que pode e deve a escola fazer, para não mais perpetuar a
definição de aluno ideal e assim garantir o acesso de todos a esse novo cenário, sem
discriminação?
As políticas oficiais em nosso país reconhecem o processo de inclusão como uma ação
educacional que tem por meta possibilitar o ensino de acordo com as necessidades do
indivíduo, assim como documentos como o relatório criado pela Comissão Internacional de
Educação e apresentado pela Unesco (2003), cujo objetivo maior é estabelecer metas para o
século XXI, aponta para a importância das quatro diretrizes, ou seja, os pilares - aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, como metas a serem
desenvolvidas pela educação.
Os quatro pilares da educação deveriam obter igual atenção no contexto escolar,
porém, o que se percebe é um ensino focado no aprender a conhecer e aprender a fazer. O
aprender a conhecer objetiva não só a aquisição de conhecimentos, mas também a
mobilização de instrumentos para sua obtenção, enquanto o aprender a fazer não pode ser
visto como algo a parte do conhecer. Trata-se de o aluno colocar em prática o que aprendeu, o
que se torna tarefa difícil ao professor, quando o mesmo depara-se em sala de aula, com
alunos com deficiência, pois não teve uma formação que o preparasse para lidar com a
diversidade.
23
Delors (2003) aponta para o grande desafio das escolas referente aos dois últimos
pilares, aprender a viver juntos e conviver com a diversidade. Segundo o autor, aprender a ser
está relacionado a poder desenvolver plenamente sua personalidade, a agir com autonomia,
discernimento e responsabilidade.
Diante desse grande desafio, torna-se interessante relembrar o que aponta os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, em relação à ação educativa e à diversidade.
Respeitar as diferenças e não convertê-las em desigualdades deve ser o propósito da escola.
As diferenças não estabelecem obstáculos para o cumprimento da ação educativa: podem e
devem ser fator de enriquecimento. Trata-se de garantir um equilíbrio entre a diversidade dos
alunos e o cumprimento do currículo, diversificando a intervenção pedagógica, estabelecendo
medidas que atendam as necessidades individuais, de modo a criar condições adequadas ao
processo de todos os alunos. (PCN, 1996, p.13)
Como vemos, é a escola que deve se adequar ao aluno e não o contrário. Visto dessa
maneira, a atenção à diversidade precisa estar focalizada no direito de acesso à escola, na
melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, irrestritamente, bem como as
perspectivas de desenvolvimento e socialização. Torna-se necessário a tomada de medidas
que levem em conta não só as capacidades intelectuais e os conhecimentos dos alunos, mas
também seus interesses e motivações, tal como a realização de adequações curriculares que
possam atender as necessidades particulares de aprendizagem dos alunos.
Trata-se, portanto, de se constituir uma real escola para todos, que dê conta das
especificidades, tendo o projeto pedagógico como ponto de referência para definir a prática
escolar e orientar a operacionalização do currículo, em busca do desenvolvimento dos alunos,
levando em consideração os seguintes aspectos: (BRASÍLIA, 2006, p. 60)
1.
A atitude favorável da escola para diversificar e flexibilizar o processo de
ensino – aprendizagem, de modo a atender às diferenças individuais dos alunos.
2.
A identificação das necessidades educacionais especiais para justificar a
priorização de recursos e meios favoráveis à sua educação.
3.
A adoção de currículos abertos e propostas curriculares diversificadas, em
lugar de uma concepção uniforme e homogeneizadora de currículo.
4.
A flexibilidade quanto à organização e ao funcionamento da escola, para
atender à demanda diversificada dos alunos.
5.
A possibilidade de incluir professores especializados, serviços de apoio e
outros, não convencionais, para favorecer o processo educacional.
24
As adequações curriculares passam a ser consideradas, então, possibilidades
educacionais de atuação frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Não se trata de
um novo currículo, como muitos ainda pensam, mas um currículo dinâmico, possível de
ampliação apropriado às peculiaridades de cada aluno e que se dá nas relações. Para os
pensadores humanistas
“o ser aprende por um processo de troca permanente mediado pelas relações que
respeitam o seu tempo de maturação, o seu desenvolvimento e as suas possibilidades
de aprendizagem” (SANCHES, 2005, p.75).
Como se vê, estamos num momento que exige uma reconstrução do retrato da escola,
ressignificação do ensino, da aprendizagem, da formação de professores, dos processos
avaliativos, das promoções, dos currículos.
Como afirma Sanches (2005), essa reconstrução do retrato é o mergulho na proposta
de mudança da escola, algo possível de tornar-se sonho e, quando sonhada coletivamente, tem
grande possibilidade de tornar-se realidade.
2.2 A escola e a diferença
Quando falamos de igualdade na escola, estamos falando do direito de todos à
educação, bem como nas modificações de funcionamento da mesma para a inclusão de todos
os alunos, independente de seu talento, origem socioeconômica, cultural e deficiência. Isso
demanda revisão de conceitos e a adoção de outros, tão necessários para que a inclusão não
seja vista como mais um “modismo” ou uma exigência legal para as escolas. Estamos falando
do acolhimento às diferenças! Afinal, vivemos numa mesma sociedade, “temos tantas coisas
em comum, particularidades e diferenças. Todos, sem distinção, nos aproximamos em alguns
aspectos e nos distanciamos em outros” (BEYER, 2010, p.35) e, “em geral, a posição
socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é de respeito e tolerância para com a
diversidade e a diferença” (SILVA apud JULIANI, 2010, p. 3).
Porém, segundo o mesmo autor, não podemos falar de diferença sem mencionar a
identidade, pois ambas são inseparáveis, estando em uma relação de estreita dependência. As
afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas em sua relação com as
25
afirmações sobre a identidade e vice-versa. Isso se confirma na nossa tendência a tomar aquilo
que somos como sendo a norma pela qual descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos.
Identidade e diferença são criações sociais e culturais assim como são o resultado de
criações linguísticas, pois é apenas por meio de atos de fala que as instituímos como tais.
Como uma relação social, identidade e diferença têm sua definição tanto discursiva como
linguística, sujeitas a relações de poder, que se manifesta em atos como incluir/excluir,
classificar, normalizar, entre outros tantos que adotamos no dia a dia.
O processo de classificação é central na vida social. Ele pode ser entendido como
um ato de significação pela qual dividimos e ordenamos o mundo social em grupos,
em classes. A identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas à forma pelas
quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são sempre feitas
a partir do ponto de vista da identidade. Isto é, as classes nas quais o mundo social é
dividido não são simples agrupamentos simétricos. Dividir e classificar significa,
neste caso, também hierarquizar. Deter o privilégio de classificar significa também
de deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados
(SILVA apud JULIANI, 2010, p.5).
Ao fixar uma determinada identidade como norma, as demais serão avaliadas e
hierarquizadas tendo esta, como parâmetro. Numa sociedade em que a identidade torna-se
cada vez mais descentrada, descobrindo a diferença e o outro, passamos a ter um problema
não só social, mas ao mesmo tempo pedagógico e curricular, uma vez que a convivência com
o diferente é inevitável e muitas vezes, quando ignorado ou reprimido, surge em meio a
conflitos e hostilidades. Este outro está (se manifesta) no gênero, na cor diferente, na opção
sexual, na outra nacionalidade, no corpo diferente. Segundo Silva, os alunos deveriam ser
estimulados pela escola, a questionar o contexto em que se dão as diferenças, afirmando que
[...] uma política pedagógica e curricular da identidade e da diferença tem a
obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a
diferença. “Ela tem que colocar no seu centro uma teoria que permita não
simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e a identidade, mas questioná-las”
(apud JULIANI, 2010, p. 10).
Quando há respeito à diferença, abre-se a possibilidade para que o outro seja como eu
não sou, para que o outro possa ser si mesmo. No contexto escolar, mais do que nunca,
[...] educar significa introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se
limitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo parado, um mundo morto. É
nessa possibilidade de abertura para um outro mundo que podemos pensar na
pedagogia como diferença (SILVA, apud JULIANI, 2010, p. 10).
26
É possível trilhar nossos caminhos para uma nova escola, se contarmos com uma
educação humanizadora. Trata-se de um novo olhar sobre o ensinar e o aprender, que se
traduz na responsabilidade de fazer parte da construção do indivíduo a partir do respeito, do
exercício da razão, da conquista de espaços sociais, evoluindo com a construção de um novo
modelo de homem, considerando os valores éticos, morais e sociais como necessidades vitais.
Visto assim, antes de apontar as dificuldades de aprendizagem, torna-se necessário ao
educador conhecer o contexto e os processos de desenvolvimento do ser humano e as
interferências na sua história de vida, uma vez que a história de formação do educador
brasileiro se deu a partir da reprodução de modelos, sem espaço para a reflexão e a criticidade
sobre o seu fazer.
Quando esta reflexão acontece, percebe-se a escola como um espaço humanizante
onde o educador, com respeito e ética, buscará novas formas para reverter as dificuldades de
aprendizagem do educando, inovando com projetos, métodos, avaliações e didáticas
adequadas e que produzam significado ao ato de aprender, contemplando as distintas
capacidades e a individualização dos sujeitos, suas necessidades e possibilidades. Contudo,
não podemos ter uma visão ingênua, afinal, não é uma imposição legal que garantirá que as
experiências de inclusão escolar tenham sucesso. Para que isso aconteça, deve haver uma
tomada de consciência e a participação no processo, de todos os sujeitos envolvidos, pais,
crianças, educadores, equipe diretiva. Agindo assim, “o educador não será um obstáculo no
caminho do educando, mas a solução” (SANCHES, 2005, p. 20).
2.3 A escola e os sujeitos que nela operam
Esta sequência do trabalho está organizada levando em consideração os dados
levantados das entrevistas com educadores de uma escola particular conforme citado
anteriormente.
Gostaríamos de salientar que nossa opção em relação aos educadores entrevistados,
constando de regentes, monitor e coordenador pedagógico com atuação junto à alunos da
Educação Infantil e Ensino Fundamental, entre estes, os que possuem deficiências, se deve ao
27
fato de acreditarmos que todos, independentemente da função que desempenham carregam
uma história feita de caminhos e objetivos comuns ao mesmo ofício.
A partir das histórias de vida desses educadores, temos a oportunidade de nos
aproximar de seus imaginários e assim, conhecer os significados e sentidos construídos sobre
docência, suas escolhas e sua formação. Trata-se de um espaço para manifesto de suas
inquietações e incertezas.
Elaboramos então, uma entrevista semi-estruturada formada pelas perguntas abaixo
relacionadas, tomando como embasamento a pesquisa realizada pelo GEPEI- Grupo de
Estudos e Pesquisa em Integração/Inclusão Escolar, UFRGS, no ano de 2003:
Quem sou eu?
Como se deu minha escolha profissional?
Qual foi meu primeiro contato com a ideia de educação inclusiva? Como reagi?
Como avalio minha condição pessoal/profissional (experiência, formação,...) para
uma atuação na educação inclusiva?
Quais aspectos aponto como necessários para viabilizar a educação inclusiva no
contexto da escola?
Torna-se um exercício interessante perceber a reação dos sujeitos quando desafiados a
mergulhar em seus imaginários1 e falar de si próprios. Muitos manifestam ser algo difícil de
fazê-lo. Talvez possamos encontrar uma possível resposta para tal reação, pois
[...] o que pensamos que nos tornamos e o que pensamos saber sobre nós mesmos
são perguntas que movimentam imaginários amorosos, sociais, culturais e políticos
que habitam nossos projetos (PERES, 2010 p. 105).
Ainda conforme a autora é desses lugares que fluem os conteúdos fermentadores de
imaginários que vão definindo os contornos identitários da pessoa e do profissional.
Seguem tópicos das respostas dos educadores às questões feitas, e logo após, uma
análise à luz de referencial bibliográfico.
Questão 1. Quem sou eu?
1
Na perspectiva da antropologia do imaginário, preconizada por Gastón Bachelard e Gilbert Durand,
especialmente, pode-se dizer que o imaginário advém das intimações de toda ordem do vivido, sejam elas
culturais, sociais, psíquicas ou de outros tipos. (Machado da Silva apud PERES, p.106, 2009)
28

uma pessoa que busca sempre alcançar os objetivos que se propõe e
aprender a partir das vivências.(PROFESSORA, B)

se define como alguém alegre, extrovertida e sentimental; valoriza muito a
amizade, a família e a sinceridade.( PROFESSORA, M)

cursando terceiro semestre de Pedagogia, pessoa tranquila e aberta à novas
propostas e ideias.(MONITORA, C)
Essas afirmativas apontam, na medida da vivência desses profissionais, o
atravessamento de suas subjetividades e isto se reforça quando se acredita que a educação é
permeada pelos valores/emoções de quem educa e é a partir do significado que é atribuído a
essas experiências e da forma como o educador interioriza e compartilha esses significados ao
longo de sua vida pessoal e profissional, que vai se constituindo sua identidade.
Assim, enquanto narra sua história de vida, esse profissional tem a possibilidade de ir
estabelecendo uma conexão coerente entre suas experiências e os acontecimentos que
considera marcos importantes em sua vida. Ou seja, a partir de um conjunto de percepções,
interesses, dúvidas e circunstâncias que influenciaram de forma significativa, o modo de ser e
agir desse indivíduo.
É preciso ver os professores não como seres abstratos ou essencialmente
intelectuais, mas como seres emocionalmente sociais, com suas identidades pessoais
e profissionais imersos numa vida grupal na qual partilham uma cultura, derivando
seus conhecimentos, valores e atitudes dessas relações, com base nas representações
constituídas nesses processos que é, ao mesmo tempo, social e intersubjetiva
(GATTI apud SCOZ, 2011, p.47).
Na educação isso se traduz na parte afetiva do ensino, à dimensão pessoal e subjetiva
da profissão ligada à vida da sala de aula, à convivência com os colegas, e também aos
momentos em que se encontra sozinho com reflexões sobre planejamento, metodologias,
avaliações, e tudo o mais que envolve seu ofício.
Assim, aos poucos poderão perceber que ao transmitir um currículo, eles próprios são
fruto do currículo do curso da vida e dessa forma, explorar esses acontecimentos
29
estabelecendo relações entre sua vida pessoal e profissional, num eterno processo de
formação.
Questão 2. Como se deu minha escolha profissional?

sempre gostou muito de criança, ainda mais em se tratando de alguém
“diferente”; conta que em sua adolescência, gostava de conversar com um
vizinho que possuía “algumas questões diferenciadas”. (PROFESSORA,
M)

menciona o seu desejo de conhecer e aprender; considera relevante na
trajetória de vida o papel de quem ensina e aprende, aprende e ensina;
sempre foi cobrada pelo pai para que aprendesse e, como não dispunha de
tantos livros e cadernos, seu pai lhe dava “tabuinhas e latinhas” para que
se alfabetizasse. (COORDENADORA, J)

seu processo de escolha se deu ainda menina a partir de um desejo interior,
quando brincava de ser professora; a cada aperfeiçoamento escolar, esse
desejo ia sendo reforçado. (PROFESSORA, B)
Esses relatos dos educadores, alguns mais emocionados, nos fazem perceber o quanto
remexer as gavetas dos guardados pode desencadear lembranças agradáveis e outras nem
tanto, uma vez que podemos nos defrontar com sentimentos, emoções, sensibilidades, valores,
visão de mundo e de ser humano que pulsam dentro de nós e que foram nos constituindo
como vimos, a partir de imaginários e do reservatório do vivido.
O imaginário como reservatório/motor, ao afirmar que
[...] é reservatório porque agrega imagens, sentimentos, lembranças, fatos marcantes.
É motor por impulsionar indivíduos e grupos a estruturar modos de viver ajustando
os limites e as possibilidades para realização dos sonhos (MACHADO DA SILVA
apud PERES, 2009, p. 104).
Quando esse imaginário apresenta-se e representa-se à consciência, traz à tona
imagens do vivido nas interações entre sujeito e meio, bem como os sistemas simbólicos de
leitura construídos nessas interações. E, através de um mecanismo individual/ grupal,
30
sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir aos estar no mundo. Além disso,
possibilita o aprender e o ressignificar nosso mundo exterior, ilustrado no relato de
educadores que desde sua infância, mesmo sem perceber, já sonhavam com a educação. Dessa
forma podemos afirmar que se é através da imaginação que idealizamos o real, também é
através deste que reinventamos o real.
Sobre a relação da felicidade com uma existência significativa
[...] a busca de significado reflete a presença de quatro necessidades principais: a
existência de um projeto futuro que pretende ser alcançado, a presença de valores
que orientam as decisões, a necessidade de um sentimento de eficácia pessoal e o
desejo de auto-valorização. As pessoas que têm essas necessidades satisfeitas irão
manifestar, provavelmente, um sentido em suas vidas e, previsivelmente, também
irão sentir-se mais felizes que aquelas que não têm satisfeitas algumas necessidades
(BAUMEISTER apud MARCHESI, p. 152, 2008).
Dessa forma, um professor só poderá sentir-se bem e feliz em seu trabalho se gostar
dele, se estiver satisfeito com ele, se encontrar sentido na educação dos estudantes.
Ainda atenta às falas, dava-me conta da pluralidade de significados que a vivência
escolar pode ter na vida de alguns educadores. Ir à escola pode estar envolto de expectativas e
aspirações dos pais, podendo significar a experimentação do sucesso e do orgulho, ou até
mesmo do fracasso, enfim, uma pluralidade de sentimentos. Da escola também carregamos
valores, emoções, posturas e convicções. São marcas deixadas e que muitas vezes passam a
ser determinantes no ser e fazer diário desses profissionais, assim como nas suas formas de
aprender , ensinar, conhecer e conceber a educação.
Por fim, trata-se de, ao realizar a escolha pela profissão docente, perceber o
significado da educação.
Educar é acreditar na possibilidade da perfeição humana, na capacidade inata de
aprender e no desejo de saber que a anima; acreditar que há coisas (símbolos,
técnicas, valores, memórias, fatos,...) que podem e merecem ser conhecidos, que nós
homens podemos melhorar uns aos outros por meio do conhecimento. De todas
essas crenças otimistas a gente pode muito descrer em privado, mas quando se tenta
educar ou entender em que consiste a educação, não há outro remédio que aceitá-las.
Com verdadeiro pessimismo é possível escrever contra a educação, mas o otimismo
é imprescindível para estudá-la... e para exercê-la (SAVATER apud MARCHESI,
2008, p. 152).
31
Tornar-se professor é investir no futuro, é realizar um trabalho que convença o aluno
de que, apesar das dificuldades, existe a possibilidade de um futuro diferente para ele.
Questão 3. Qual foi meu primeiro contato com a ideia de educação inclusiva? Como
reagi?

foi com crianças com dificuldades de aprendizagem, durante a graduação e
após, com a criação de uma escola onde atendia crianças com diferentes
deficiências; considera a experiência como um grande desafio, algo
fantástico para sua formação e que exigiu muito estudo, adaptações de
materiais, entre outros. (PROFESSORA, M)

tem familiares com múltiplas deficiências; sua primeira reação foi de
colocar-se no lugar dos pais, sentindo pena; a medida que o acompanhava
seu desenvolvimento, sentia-se comovida; a convite da filha que é
psicóloga, fez visitas a APAES sendo que na época, diz não ter apostando
no desenvolvimento daquelas crianças, não sabia como lidar, como
qualificar o espaço/tempo daquelas crianças; hoje se depara com a
realidade da inclusão na escola em que trabalha, fato que não acreditava
que chegaria até então; sente-se mais tranquila, feliz devido as
aprendizagens que já possui nesse sentido, além do apoio da escola, dos
profissionais que atendem essas crianças.( COORDENADORA, J)
Nesse tópico que tomo a partir desse questionamento, sinto o quanto surge nos
educadores a necessidade de iniciar a reflexão a partir das emoções, por acreditar que o bemestar emocional é uma condição necessária para uma excelente prática educativa,
principalmente se pensarmos num contexto educacional inclusivo, além de ser considerado
fator relevante para a satisfação profissional dos educadores.
Se no dia a dia, o trabalho docente está fundamentado nas relações interpessoais que
se dão quer com os alunos, colegas, pais, ou outros envolvidos, pode-se afirmar que as
experiências emocionais pelas quais passam os professores são permanentes, assim como os
sentimentos que vivem podem ser mais ou menos intensos e com maior ou menor amplitude.
32
Porém, nos dias atuais sua importância parece ser ainda maior, uma vez que as mudanças
ocorridas na sociedade e na família, as diferentes competências exigidas dos professores, a
chegada na escola de novos grupos de alunos na busca por uma educação para todos, nos
ajudam a compreender a grande carga emocional que envolve a tarefa de ensinar.
O amor é constitutivo da vida humana, mas não é nada especial. O amor é o
fundamento do social, mas nem toda convivência é social. O amor é a emoção que
constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do
outro como legítimo outro na convivência, e é esse modo de convivência que
conotamos quando falamos do social. Por isso, digo que o amor é a emoção que
funda o social. Sem a aceitação do outro na convivência, não há fenômeno social
(MATURANA apud CUNHA, 2011, p. 131).
Sendo o afeto um instrumento pedagógico, funciona como um agenciador da
aprendizagem, ligando memória e cognição. Dessa forma, ao ser afetivo, o educador trabalha
com as qualidades, as emoções, os interesses e os sonhos, que por sua vez são
impulsionadores de ações. No entanto, é obvio que não basta amar para ser um bom educador,
é preciso ir além. É justamente esse amor que impulsiona o estudo, a pesquisa, o trabalho, a
responsabilidade e o interesse pelo ofício e que permite descobrir alternativas e instrumentos
mediadores nos processos de ensino e aprendizagem.
Se a influência das emoções também se dá na motivação, no esforço e na ação
desenvolvida pelos professores, por que nem todos experimentam as mesmas emoções,
existindo profundas diferenças?
Convém lembrar, a esse respeito, que as emoções não são simplesmente
experiências subjetivas associadas a mudanças fisiológicas, aliás, derivam da
percepção que as pessoas possam ter de uma situação ou acontecimento em função
das suas metas pessoais (MARCHESI, p.103, 2008).
Ainda segundo o autor, as emoções supõem tendências de ação e estão diretamente
relacionadas à competência profissional desse professor. Por essa razão, não são apenas essas,
motivos que orientam o tipo e a profundidade dos sentimentos que esse professor irá viver,
mas está em jogo sua disposição pessoal para a ação. No entanto, para compreendermos as
emoções dos professores, precisamos ir além da sua individualidade, incluindo o contexto
profissional, social e cultural em que cada um desenvolve seu trabalho.
33
Os professores só terão condições de favorecer o desenvolvimento emocional de seus
estudantes buscando novas estratégias que lhe permitam enfrentar os conflitos que venham a
surgir, se também cuidarem do seu próprio desenvolvimento emocional, sendo essa uma
responsabilidade que deve ser compartilhada pela direção das escolas e pelos próprios
docentes. Trata-se de sentirem-se compreendidos, apoiados, valorizados, incentivados em sua
formação continuada. Só assim estarão melhor preparados para enfrentar, sem ansiedade, as
mudanças educacionais.
Questão 4. Como avalio minha condição pessoal/profissional (experiência,
formação,...) para uma atuação na educação inclusiva?

apesar de pensar que a inclusão é algo ainda novo para os educadores,
entende que apesar de sua formação e experiência profissional lhe darem
aporte para atuar na educação inclusiva, necessita estar sempre
aprendendo. (PROFESSORA, M)

considera ainda tímida e de muita aprendizagem, embora sua capacidade
de busca; reconhece que ainda necessita de referenciais teóricos, revisão
de paradigmas; embora já tenha lido muito, não sente-se preparada para
uma atuação docente, não sabe se no dia a dia conseguiria incluir e acolher
esses sujeitos no processo.( COORDENADORA, J)

acredita que atuar na educação inclusiva torna-se um constante
aprendizado, uma vez que cada criança é única, por mais que tenha um
diagnóstico semelhante à outra; procura estar sempre lendo materiais com
assuntos referentes a educação especial; na graduação, as disciplinas estão
lhe ajudando; uma condição pessoal que considera muito importante para
atuar é a emocional.(MONITORA, C)
Nas respostas apresentadas revela-se a insegurança desses educadores e a preocupação
por qualificar-se, por dominar saberes, métodos, novos conhecimentos para atender as
exigências de uma educação inclusiva.
34
Porém, o ofício de educar vai além de reflexões, leituras ou domínio de teorias e
métodos. Diante de tal colocação tornamos a discutir a questão da identidade na formação do
professor
[...] e os professores, ao agir de determinadas maneiras, revelam/escondem uma
identidade complexa em que representações de conhecimentos, crenças, valores e
atitudes se compõem integrando as vivências nas salas de aula e fora delas (GATTI
apud SCOZ, p.55, 2011).
Vista assim, a identidade passa a ter influência direta na maneira pela qual os
educadores constroem diariamente a natureza de seu fazer, seja na motivação, satisfação ou
competências. Ou seja, a experiência de cada um apresenta uma história e diferentes
significações que são atualizadas no modo como exercem a construção e a produção dos seus
saberes.
Se voltarmos no tempo, veremos que em diferentes tempos e espaços, o homem busca
a origem e a verdade das coisas utilizando-se do conhecimento e dos diferentes saberes.
Assim também nós construímos e “marcamos” nossa relação no mundo, bem como
experienciamos nossa subjetividade, que pari passu se apropria do que está fora e
dentro de nós mesmos como novas demandas formadoras. Por isso, o fora e o dentro
compõem a complexidade de viver e de estar no mundo. Perguntar e responder
pressupõe a apreensão e a análise de um conhecimento imediato (por meio da
percepção, do julgamento, da memória ou da imaginação) de um objeto
relativamente simples, que por sua presença à consciência nos impulsionam sempre
para fora e para frente de nós mesmos (PERES, 2009, p.113-114).
Ainda segundo a autora, no perguntar e responder tem-se a possibilidade da
transformação, que por sua vez, pode resultar de uma emergência interior ou ter sido
provocada pelo meio ambiente.
Mas ficamos a nos perguntar se realmente ao longo de uma formação continuada, temse a garantia de que vão se desconstruindo as visões primárias e preconceituosas que temos
em relação aos indivíduos, como ao classificar uns como “inteligentes e outros não”, “os
fracos”, os “preguiçosos”, os que “não dão para as exatas”, os “desatentos”, e tantas outras.
Não estaria no acompanhamento dos complexos processos do aprender humano, o
sentido da docência?
35
Para que isso de fato ocorra, em tempos de inclusão escolar, procura-se apontar alguns
pontos considerados relevantes sobre o fazer docente, conforme Silveira (2010), esclarecendo
que não se trata de “receita”, e sim contribuições que possam levar a uma reflexão sobre o
mesmo.

Ser capaz de reconhecer-se como uma pessoa com capacidade de
renovação e de relacionar-se com o outro, refletindo sobre os seus saberes
e seu fazer.

Aprender a lidar com as incertezas do cotidiano.

Ver
no
novo,
no
desafiador,
possibilidade
de
construção
de
conhecimentos.

Adquirir resistência aos embates da sala de aula, avaliando constantemente
sua prática.

Conhecer e respeitar a realidade e a diversidade dos sujeitos em formação.

Compreender os sujeitos com sua subjetividade.

Aprender a ouvir, a escutar, mostrando-se sensível ao imprevisível.

Partilhar de uma visão ampla das questões sociais e suas relações com as
situações do cotidiano, falar da ética, das lutas, das desigualdades.
Enfim professor,
[...] ponha em jogo suas representações (...) renuncie a seus próprios preconceitos,
aceite ser desestabilizado, surpreendido, contradito, (é o adulto) que autoriza o aluno
a se liberar do papel que lhe foi atribuído. A escola precisa ser um espaço aberto, um
espaço de segurança em que o risco seja possível, o erro tolerado, as tentativas
aceitas, sem gracejos, sem humilhações nem julgamentos definitivos. Não basta,
contudo, atribuir um novo papel a um aluno. É preciso fornecer-lhe os recursos
necessários para pôr em prática suas tentativas, ajudando-o a adquirir os saberes e as
habilidades sem os quais fracassaria. É preciso dar-lhe o direito de escrever (a sua
história) por si mesmo (BAPTISTA, apud LIMA, 2011, p.33).
Ao relembrar que “o máximo que um aluno pode dar está dentro do máximo que um
educador pode dar” (SANCHES, 2005, p.27), tem-se clareza de que acreditar na esperança é
acreditar na transformação, no ser humano e em todas as suas possibilidades.
Questão 5. Quais aspectos aponto como necessários para viabilizar a educação
inclusiva no contexto da escola?
36

considera essencial a compreensão por parte da comunidade escolar; um
planejamento flexível; o número reduzido de alunos na turma;
profissionais
competentes
e
comprometidos
com
a
inclusão.
(PROFESSORA, B)

considera como mais importante o compromisso ético, cristão e
responsável dos gestores em acolher e viabilizar uma educação inclusiva
de qualidade; cita também o conhecimento da legislação; priorizar o afeto
a superação; acreditar nesse indivíduo e na busca da construção de sua
autonomia. (COORDENADORA, J)

aponta a vontade, a disponibilidade e a aceitação por parte do professor;
observar o aluno, pois o mesmo vai dando os rumos por onde o professor
deve caminhar; parceria entre os pais e a escola. (MONITORA, C)
Este último aspecto abordado traz à tona com a fala desses educadores a necessidade
de se pensar a educação inclusiva, não somente como responsabilidade dos mesmos, mas
como compromisso assumido por toda a comunidade escolar.
Contudo, conforme Mosquera et al (2006) mesmo sabedores de que a inclusão é uma
possibilidade que se abre para crescimento e mudanças no contexto escolar com benefícios
estendidos aos alunos com e sem deficiência, ela necessita de uma disponibilidade interna
para vivenciar as mudanças, algo que não é comum tanto aos educadores como vimos
anteriormente, tão quanto aos sistemas educacionais.
Isso acontece porque
[...] o que entendemos por educação abrange nossa representação imaginária acerca
do professor, do aluno e da escola, bem como dos papéis que atribuímos como
“naturais” a cada um desses “personagens” do processo educativo. Na verdade,
vivemos numa sociedade em que são, constantemente, “inventadas”, “forjadas” e
criadas novas necessidades a cada dia que passa. (CASTORIAIDS apud
TROMBETTA, 2010, slide 25).
37
Ainda, segundo a autora, é com base nesse dinamismo dialético entre o que está posto
(imaginário instituído) e o que pode vir a ser (imaginário instituinte) que há a possibilidade de
criação do novo. Essa criação parte do que já existe, pois é histórica e parte do real.
Talvez resida aí o maior desafio a ser enfrentado pelas escolas na busca por uma
educação inclusiva
[...] elas não foram concebidas para atender à diversidade dos alunos e têm uma
estrutura rígida e seletiva, no que diz respeito à aceitação e à permanência de alunos
que não preenchem as expectativas acadêmicas clássicas, centradas na instrução e na
reprodução de conteúdos curriculares (MOSQUERA et al, 2006, p. 29).
Se pararmos para pensar, a própria formação do professor, da graduação estendendose a formação continuada, é impregnada dessa visão, pois obedece a esse modo tradicional de
ensinar esperando que o aluno lhe devolva passivamente o que lhe foi ensinado. Isso acontece
porque, como vimos acima, há uma idealização de professor e de aluno onde a diferença não
tem vez, é ignorada.
Porém, diante do exposto, faz-se necessário esclarecer que
[...] adaptar o ensino para alguns alunos de uma turma de escola comum não conduz
e não condiz com a transformação pedagógica dessas escolas, exigida pela inclusão.
A inclusão implica uma mudança de paradigma educacional, que gera uma
reorganização das práticas escolares: planejamentos, formação de turmas, currículo,
avaliação, gestão do processo educativo (MANTOAN, 2011, p.37).
Alguns estudiosos da inclusão defendem a ideia de que ao adequar ou selecionar
antecipadamente as atividades para determinado aluno, o professor passa a adotar uma postura
controladora em relação à aprendizagem, desconsiderando a potencialidade desse indivíduo
para a aprendizagem, assim como o faz quando facilita tarefas e adapta currículos e
avaliações. É impossível para qualquer pessoa antever o que a outra é capaz de realizar, e
diante disso, é preciso confiar e acreditar na capacidade desse outro.
Ainda dentro do aspecto da diversidade, há de se fazer uma ressalva já que nossa
experiência como educadora revela que também muitos pais/famílias ainda demonstram ter
dificuldade e preconceito diante da diversidade, com atitudes de intolerância frente ao
diferente e na insistência em cobrar da escola, dos educadores e dos próprios alunos, a
38
continuidade de um modelo de ensino tradicional, competitivo, homogeneizado, impedindo a
todos poder reconhecer a riqueza oriunda das diferenças no processo educativo.
Conforme Arroyo (2000), precisamos de uma postura humana, pedagógica. É preciso
deixar de tratar os saberes humanos como apenas conteúdos, conhecimentos de uma
disciplina, como precondição para passar de série. É preciso deixar de ter o foco somente na
aprendizagem e começar a pensar nos problemas de ensino e no que deve ser mudado para
que se ofereçam oportunidades diferentes de aprender.
Dessa forma, assim como a sustentação de um projeto escolar inclusivo precisa ser
idealizada e executada por todos os envolvidos na comunidade escolar, torna-se interessante
também conhecer as diretrizes que regem o funcionamento da escola, como se dá o trabalho
em equipe, como são resolvidos os conflitos, ajuda e apoio aos professores e a formação
continuada para todos os integrantes da comunidade escolar, formas de comunicação com as
famílias, soluções para a remoção de barreiras para a aprendizagem e participação de todos,
entre tantos outros aspectos aqui não citados e que podem ser de fato norteadores de
mudanças na escola.
Enfim, os novos tempos na educação nos dão sinais de humanização, porém não nos
dão certeza alguma! Todo o ofício passa a ser uma arte reinventada que supõe sensibilidade,
intuição, sintonia com a vida e com o humano. Em educação o que importa conforme Ribeiro,
é que
[...] planta-se e não se sabe quando e onde colher. Em educação, não se marca tempo
ou se estabelecem prazos, ainda que sejamos atormentados pelo imediatismo do
resultado. Mas planta-se! Em educação acredita-se no que se faz, confia-se em seu
projeto educativo e o leva em frente, com convicção própria dos que a escolheram
como missão em suas vidas (RCE, 2010, p.19).
Por fim, no espaço de escuta desses educadores, foi possível caminhar pelos territórios
do imaginário e aprender a dialogar também com o que não se mostra, com o que fica
silenciado, vislumbrando o que “o silêncio significa. [...] Ele passa pelas palavras (ORLANDI
apud TROMBETTA, 2010, Slides 24).
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciar a reflexão com breve levantamento histórico da deficiência, desde os
primórdios até o Brasil de hoje, possibilita a compreensão das formas de exclusão adotadas
pela sociedade ao longo dos tempos. Ou seja, refletir a história é compreender que todas as
atitudes de uma sociedade são produtos culturais que atendem as necessidades dos homens
num determinado contexto ou época e não mais vê-las como espontaneamente naturais.
Na história da humanidade os diferentes sempre foram vítimas da segregação, dada à
ênfase voltada para sua incapacidade física e para sua anormalidade, mostrando-nos uma
trajetória humana marcada pela exclusão.
A partir da criação de programas, convenções, decretos e leis, vê-se elaborada a
Política Nacional de Educação Inclusiva (2008), com a definição de como deve ser oferecida
a educação para todos os que possuem deficiência.
Com tudo isso, fica claro que não podemos ignorar o longo processo histórico em que
foi produzida a inclusão, com a luta constante de diferentes minorias, na árdua busca pela
defesa e garantia de seus direitos enquanto seres humanos e cidadãos. Tampouco, não
ignoramos o fato do quanto, normas e leis foram criadas para sustentar um sujeito que apenas
é diferente e que se busca na norma a eficácia e garantia do respeito à diferença.
Em se falando em inclusão, trata-se de algo bem maior, a necessidade de um
compromisso de toda a sociedade para um repensar a inclusão como ação humana e social,
afinal, “as pessoas com deficiência não têm de pedir licença ou permissão para ser incluídas.
Têm apenas de ocupar seu lugar no universo humano de que fazem parte” (RAMOS, 2011,
p.118).
Atualmente, a grande questão em discussão é a inclusão escolar, cujo objetivo é incluir
os indivíduos anteriormente excluídos, tendo o desafio de não deixar ninguém fora da escola
regular, como determinam as leis.
40
Embora já sabido que trabalhar com a diversidade acolhendo a diferença pode trazer
inúmeros benefícios ao desenvolvimento das crianças com deficiências e para as não
deficientes, na medida em que possam vivenciar a importância da cooperação nas relações
humanas, o como incluir tem se mostrado a maior preocupação dos educadores, pais e
estudiosos da área.
Como já mencionado anteriormente, para que se efetive de fato uma prática
educacional inclusiva, não basta a garantia legal e a presença física dos sujeitos na classe
regular, trata-se de um desafio que compromete a comunidade escolar como um todo e que
pressupõe uma mudança de estruturas, de atitudes dos envolvidos e principalmente, do
trabalho desenvolvido pelos educadores. Preparar-se para dar conta e trabalhar com esses
indivíduos, acolhendo suas diferenças e características individuais, significa também, a escola
perceber as razões sociais, culturais, familiares e pessoais que determinam essas diferenças, o
que vai além da mera função que desenvolve até então, de transmissão de conhecimentos.
Contudo, mesmo sabedora do quanto esse desafio exige, tímidos são os avanços
percebidos para que a escola seja local inclusivo de ensino e de aprendizagem. Ainda temos
uma estrutura escolar impregnada de ranços e modelos considerados arcaicos para a realidade
educacional que se vislumbra na atualidade, que vai desde um modelo ideal de educador a um
modelo de aluno ideal que cada educador elaborou a partir da sua própria trajetória como
estudante e profissional, passando por um sistema de avaliação excludente e que não
considera as potencialidades e principalmente as singularidades dos sujeitos envolvidos.
Segundo Scoz (2011), a eliminação da singularização faz com que tanto educadores
quanto alunos sejam percebidos como elementos padronizados, ou seja, possíveis de serem
classificados num determinado padrão de referência, por conseguinte “a resistência dos
professores à inclusão escolar tem sido o despreparo para ensinar a turma toda, sem
discriminações, ensino adaptado, diferenciado, nas salas das escolas comuns” (MANTOAN,
2011, p. 13).
Ou seja, é necessário abrir mão dos conhecimentos já adquiridos, abandonar velhos
métodos e rever experiências acumuladas para se reconstruir uma pedagogia que vê na
diversidade a possibilidade de novas formas de organizar o contexto escolar. Do contrário,
41
nenhuma ação, seja ela pedagógica ou legal e que não considere o respeito às diferenças, pode
ser chamada de inclusão.
Sob esse ponto de vista torna-se necessário o compromisso dos gestores e dos próprios
educadores para com uma formação pessoal, sendo que nessa, deve encontrar-se também
imbricada a subjetividade, a identidade e o significado da escolha profissional dos envolvidos.
Isso significa considerar o educador como sujeito impregnado de crenças, valores e
expectativas e que vai, a partir desses, produzindo sentidos em relação aos processos de
aprender e ensinar e na sua atuação profissional.
A subjetividade e identidade podem ser compreendidas como algo em construção,
com base nos sentidos que os sujeitos vão produzindo na condição singular em que
se encontram inseridos em suas trajetórias de vida e, ao mesmo tempo, em suas
diferentes atividades e formas de relação. Assim, são o resultado de complexas
sínteses das experiências individuais dos sujeitos em diferentes contextos de
expressão (SCOZ, 2011, p. 29).
As emoções também podem ser vistas como produzidas nesses diferentes momentos e
espaços da vida desses educadores, em situações de ensino e aprendizagem. Elas podem estar
manifestadas nos momentos de segurança ou insegurança, interesse ou desinteresse,
entusiasmo ou desilusão, mostrando que o aspecto afetivo interfere na prática docente. Ignorar
tal aspecto significa negar a possibilidade de transformação das ações docentes,
principalmente numa educação inclusiva.
É na experiência de conviver com a diversidade, alicerçada no respeito, na ética e na
solidariedade, que se vislumbra uma preocupação com o futuro da humanidade, com gerações
que respeitem e acolham o seu próximo e onde todos possam viver a plenitude da cidadania.
Essa pode ser a realidade de todas as escolas!
42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil.
São Paulo: Moderna, 2006.
ARANHA, Maria Salete Fábio. Disponível em:
http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/usr/share/documents/08dez08-biblioAcademicoparadigmas.pdf. Acesso em 15/01/2012
ARROYO, Miguel. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
BEYER, Hugo Otto. Inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades
educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2010.
BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: avaliação para identificação das necessidades
educacionais especiais. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.
______. Saberes e práticas da inclusão: recomendações para a construção de escolas
inclusivas. Brasília: MEC, Secretaria da Educação Especial, 2006.
______. Apostila O Desafio das Diferenças nas Escolas. Brasília: Secretaria de Educação à
Distância, Boletim 21- Nov. 2006.
GUGEL, Mara Aparecida. Disponível em: http://www.ampid.org/Artigos/PD_História. php.
Acesso em 15/01/2012
GUIMARÃES, Valter Soares. Formação de professores: saberes, identidade e profissão.
Campinas, SP: Papirus, 2004.
JULIANI, Moacir. Apostila Corpo(s) e as diferenças: problematizando discursos e
representações. Ijuí: Unijuí, 2010.
LIMA, Juliana de. A escola, a diferença, o sujeito, tessituras da inclusão. Ijuí: Unijuí, 2011.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org.). O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2011.
MARCHESI, Álvaro. O bem-estar dos professores; competências, emoções e valores.
Porto Alegre: Artmed, 2008.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez,
2002.
MÜLLER, Marizete. Apostila Atendimento Educacional. Ijuí: Unijuí, 2011.
PERES, Lúcia Maria Vaz (Org.). Estas coisas do imaginário... diferentes abordagens sobre
as narrativas (auto)formadoras. São Leopoldo, Oikos: Brasília: Líber Livro, 2009.
43
RAMOS, Rossana. Inclusão na prática: estratégias eficazes para a educação inclusiva.
São Paulo: Summus, 2010.
RCE- Cadernos Rede Católica de Educação, nº 5, 2010.
RODRIGUES, Jane T. Donini. Apostila Projetos Educacionais na Inclusão. Ijuí: Unijuí,
2010.
SANCHES, Claudio Castro. Desconstruir construindo um caminho para uma nova
escola: recuperação da escola- pensar o pensado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
SCOZ, Beatriz. Identidade e subjetividade de professores: sentidos do aprender e do
ensinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
STAINBACK, Susan & William. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 1999.
STOBÄUS, C. & MOSQUERA, J. Educação Especial: em direção à educação inclusiva.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.
TROMBETTA, Derlan. Apostila A complexidade do imaginário. Ijui: Unijuí, 2010.
Download