Efeito Da Injeção Subcutânea De Doses Baixas De

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ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 223-230, 2002.
ISSN 0102-6380
EFEITO DA INJEÇÃO SUBCUTÂNEA DE DOSES BAIXAS
DE CETAMINA EM EQÜINOS
(EFFECT OF SUBCUTANEOUS INJECTION OF LOW DOSES
OF KETAMINE IN HORSES)
A. H. SOUZA1 , C. A. A. VALADÃO2, A. QUEIROZ-NETO3, G. ZAMUR4, V. COELHO5
RESUMO
A cetamina possui ação complexa no Sistema Nervoso Central e, nos últimos anos, tem sido descrito efeito
analgésico quando administrada por via subcutânea. Neste estudo, buscou-se registrar e avaliar os possíveis efeitos de
doses baixas de cetamina administrada por via subcutânea (SC), em eqüinos. Aplicou-se cetamina nas doses de 1 e 2 mg/
kg/SC ou água destilada em 13 éguas da raça Puro Sangue Inglês, nas quais se avaliou a atividade locomotora espontânea
(ALE) e a analgesia induzida por estímulo térmico cutâneo (TA). Foi observado aumento na ALE principalmente aos 60
minutos da aplicação. Não foram observadas diferenças de resposta ao TA após os tratamentos, sendo observada a mesma
latência para a resposta ao estímulo nociceptivo em todos os grupos. Conclui-se que a cetamina aplicada isoladamente nas
doses de 1 e 2 mg/kg, por via subcutânea, em eqüinos, aumenta a ALE sem produzir efeito analgésico para o estímulo
térmico cutâneo.
PALAVRAS-CHAVE: Cetamina. Eqüinos. Analgesia. Atividade locomotora. Subcutâneo. Estímulo térmico.
SUMMARY
Ketamine has a complex action. It increase the cerebral concentration of dopamine and serotonin, produce excitation
and increase the motor activity by dissociation of stimuli between the thalamic and cortical regions. This experiment was
designed in order to record and evaluate the effect of ketamine administrated by subcutaneous (SC) in horses. Thirteen
Thoroughbred mares was treated with ketamine at the dose of 1.0 or 2.0 mg/Kg/SC. They were submitted to analgesic test
by cutaneous heat stimuli. Their spontaneous locomotor activity was evaluated. The data demonstrated a increase in
spontaneous locomotor activity mainly after 60 minutes of the administration of the drug. There was no difference for the
type of response to the heat stimuli after the treatments. All groups showed the same response to nociceptive stimuli.
Therefore, it was concluded that ketamine, when administrated alone at the dose of 1.0 or 2.0 mg/Kg, increase the motor
activity and do not produce analgesic effect for cutaneous heat stimuli.
KEY-WORDS: Ketamine. Horses. Analgesia. Locomotor activity. Subcutaneous. Heat stimuli.
1 Pós-Graduanda, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, FCAV, Unesp, Campus de Jaboticabal - SP.
2 Professor Adjunto, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, FCAV, Unesp, Campus de Jaboticabal - SP.
3 Professor Adjunto, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, FCAV, Unesp, Campus de Jaboticabal - SP.
4 Pesquisador colaborador, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, FCAV, Unesp, Campus de Jaboticabal - SP.
5 Médico Veterinário, formado na FCAV, Unesp, Campus de Jaboticabal - SP.
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A. H. SOUZA , C. A. A. VALADÃO, A. QUEIROZ-NETO, G. ZAMUR, V. COELHO. Efeito Da Injeção Subcutânea De Doses Baixas De Cetamina Em Eqüinos
/ Effect Of Subcutaneous Injection Of Low Doses Of Ketamine In Horses. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 223-230, 2002.
INTRODUÇÃO
A cetamina tem o seu uso difundido nas diversas
espécies animais em virtude do seu alto índice terapêutico
(PADDLEFORD, 1999). Inúmeros estudos têm sido conduzidos para determinar as bases neuroquímicas dos efeitos comportamentais induzidos pela cetamina que, às vezes, assemelham-se à estimulação de receptores
dopaminérgicos centrais, produzindo estereotipia, rotação
ipsilateral e aumento da atividade locomotora, podendo
interferir com os mecanismos de liberação e recaptação
de monoaminas, como a serotonina, a dopamina e a
noradrenalina (McCARTY et al.,1965, MYSLOBOSDKY
et al., 1981, TAKAHASHI, 1984, HETZLET &
WAULTLET, 1985, VALADÃO, 1990).
O uso da cetamina, em animais, tem sido prejudicado pela falta de conhecimento sobre seu perfil
farmacocinético em algumas vias de administração. KAKA
et al. (1979) estudaram a farmacocinética da cetamina,
em eqüinos, injetada por via intravenosa, constatando uma
rápida distribuição do fármaco. MUIR (1991) descreveu
a absorção e eliminação prolongadas após injeção
intramuscular da cetamina, considerando essa via inadequada pelos efeitos colaterais indesejáveis. Embora se saiba que a distribuição possa diferir entre as diversas vias
de administração, estes resultados têm ajudado na compreensão do início e duração dos efeitos da cetamina administradas por outras vias.
Se injetada isoladamente por via intravenosa, a
cetamina produz reações adversas que se relacionam à
estimulação límbica, tais como: excitação, disforia, alucinação, aumento da atividade locomotora, hipertonia muscular tônico-clônica e convulsões (MUIR et al., 1977,
MUIR, 1991, STURMER & GLEED, 1998, TAYLOR &
CLARKE, 1999). Ela diminui ou altera a resposta do Sistema Nervoso Central (SNC) ao impulso sensorial por
antagonismo dos receptores do N-metil-D-aspartato
(NMDA) na medula espinhal e no tronco cerebral. Pesquisas com animais demonstraram que os receptores do
tipo NMDA desempenham papel fundamental na
hiperexcitabilidade central (HALLEY et al., 1990). A redução da resposta nociceptiva ocorre por bloqueio de
sinapses excitatórias localizadas em cadeias neuronais
espinhais ascendentes, em estreita correlação com os receptores opióides do tipo sigma (ANIS et al.,1983, MUIR,
1991).
1
Francotar® - LAB. VIRBAC, São Paulo, SP.
Banner Engineering Corp., Minneapolis,MN.
3
Campbell Scientific, Inc., Logan, UT.
2
224
Nos últimos anos, grande atenção tem sido dada
aos efeitos analgésicos induzidos pela cetamina, sendo
descrita a diminuição da dor pós-operatória subseqüente
à injeção subcutânea (WARNCKE et al., 1997,
PEDERSEN et al., 1998, SCHMID et al., 1999,
WARNCKE et al., 2000). Sabe-se que a ativação de receptores do tipo NMDA cutâneos induz hiperalgesia mecânica ou alodinia interpretadas como dor, e a injeção local de antagonistas atenua essas respostas (CARLTON et
al., 1995). Na artrite induzida em ratos, demonstrou-se
que injeção subcutânea de doses baixas de cetamina durante quatro semanas reduziu significantemente a dor inflamatória, sem produzir efeitos adversos relevantes
(WANG et al., 2000). As doses de cetamina necessárias
para bloquear os receptores do tipo NMDA são consideravelmente menores que aquelas necessárias para induzir
anestesia cirúrgica, o que explica porque este anestésico
conserva propriedades anti-hiperalgésicas mesmo em doses sub-anestésicas (RYDER et al., 1978). Segundo
CARLTON et al. (1995), a presença de receptores do tipo
NMDA nos axônios sensoriais periféricos pode ser a base
da analgesia periférica induzida pela cetamina na pele de
ratos.
Pela importância dessa substância nos procedimentos anestesiológicos, intencionou-se avaliar os efeitos
comportamental e analgésico de doses baixas de cetamina
injetada por via subcutânea, em eqüinos.
MATERIAL E MÉTODOS
Avaliação Comportamental
Foram utilizadas cinco éguas adultas e sadias, da
raça Puro Sangue Inglês, pesando entre 400 e 500 kg. A
esses animais foram administrados 10 ml de água destilada ou cetamina1 nas doses de 1 e 2 mg/Kg, por via subcutânea, com intervalo mínimo de quinze dias entre as administrações.
Para a avaliação comportamental, os animais foram colocados, entre as 5 e 6 horas da tarde do dia anterior à realização dos experimentos para adaptação ao ambiente, em uma baia de 4 x 4 m e equipada com quatro pares
de sensores fotoelétricos2. Ao se locomover, o animal causava a interrupção do feixe infravermelho, entre os pares
de sensores, gerando um pulso elétrico que foi traduzido
em contagens por minuto, coletado e retido em um
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/ Effect Of Subcutaneous Injection Of Low Doses Of Ketamine In Horses. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 223-230, 2002.
armazenador de dados3 conectado a um computador. A
Atividade Locomotora Espontânea (ALE) foi avaliada por
270 minutos, durante os períodos pré e pós tratamentos,
quantificada através do método de KAMERLING et al.
(1988). Simultaneamente, ao período de 120 minutos, os
eqüinos foram observados continuamente para o registro
de outras alterações comportamentais.
Avaliação Analgésica
Neste experimento, foram utilizadas oito éguas
adultas e sadias, da raça Puro Sangue Inglês, pesando entre 400 e 500 kg. Os animais foram colocados nas baias
uma hora antes do início dos tratamentos para a adaptação
ao ambiente. Decorridos 30 minutos após o período de
adaptação, realizou-se a primeira aferição da sensibilidade. Aguardaram-se mais 30 minutos e aplicaram-se 10 ml
de solução salina (controle) ou cetamina (1 ou 2 mg/Kg),
por via subcutânea. Após as aplicações, a mensuração foi
repetida em nove intervalos preestabelecidos. Cada animal recebeu todos os tratamento respeitando-se um intervalo de 15 dias entre as aplicações. A avaliação da resposta ao estímulo térmico, assim como as relações tempo
e dose resposta analgésica, para os tratamentos, foram
determinadas pela latência de resposta à projeção de calor
induzido por uma lâmpada4 adaptada a partir da descrição de KAMERLING et al. (1985a) e KAMERLING et
al. (1985b).
A exposição rápida ao foco de luz foi utilizada
como estímulo doloroso, sendo direcionado para os seguintes locais:
- boleto, isto é, região da face lateral da falange proximal
do membro torácico do cavalo, quando então mediu-se a
Latência para o Reflexo de Retirada do Membro, definido como o tempo que transcorre entre a focalização e a
retirada do membro;
- região do tórax do cavalo no 5º espaço intercostal, imediatamente posterior ao olécrano, onde se mediu o tempo de Latência para o Reflexo do Frêmito Cutâneo, caracterizado pela esquiva ou tremor de pele após o estimulo térmico;
- região da cernelha do cavalo, porção dorsal da escápula,
onde se mediu o tempo de Latência para o Reflexo do
Frêmito Cutâneo, definido como o tempo que transcorre
entre o início do estímulo doloroso e o tremor da pele.
Para a exposição ao foco de luz, realizou-se a
4
tricotomia da região e tingiu-se a pele com uma tinta preta
lavável, para uniformizar o reflexo de luz e, conseqüentemente, a absorção de calor. Para prevenir injúria dos tecidos, a interrupção do estímulo térmico ocorreu, invariavelmente, quando o tempo de exposição alcançou o máximo de 10 segundos. Uma lâmpada secundária, não focalizada, foi freqüentemente utilizada para confundir o animal e reduzir a possibilidade da ocorrência reflexo ser
condicionada à percepção da luz, ao invés do estímulo
doloroso causado pelo feixe de luz localizado.
Os dados foram analisados utilizando-se o PROC
GLM do programa computacional SAS v.6.11 (1995).
Todos os efeitos considerados no modelo foram fixos.
Foram feitas, também, análises estatísticas comparandose, dentro de um mesmo grupo, o efeito do tempo e, num
dado tempo, o efeito do tratamento. Adicionalmente, foram avaliadas a relação entre o local e as doses, para o
cálculo do efeito analgésico médio após 150 minutos de
cada tratamento. Para todas as análises, empregou-se o
ANOVA seguido do teste de Tukey-Kramer. O nível de
significância crítico para todas as análises realizadas foi
de p<0,05 (5%).
RESULTADOS
Avaliação comportamental
Como pode ser observado na Figura 1, cinco minutos após a administração das doses de cetamina (1 e 2
mg/kg) ocorreu aumento, embora não significativo, da
atividade locomotora espontânea dos animais testados, que
retornou próximo aos valores basais aos 30 minutos, a
partir de então aumentou gradativamente, atingindo picos
elevados após 60 minutos da aplicação. Na Tabela 1, onde
são comparadas as médias de ALE entre os grupos, para o
tratamento da cetamina, pode-se observar um aumento,
ainda que não estatisticamente significativo a partir dos 5
minutos até 270 minutos da administração do fármaco,
comparado ao grupo controle. Na análise da média entre
os diferentes tempos, dentro de cada grupo, não se observou diferença significativa entre as médias obtidas antes
(-30 e -15) da injeção do fármaco e aquelas obtidas nos
demais tempos. A avaliação comportamental dos animais
evidenciou, além do aumento da ALE, fasciculações mus-
Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Kentucky, EUA.
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TABELA 1 - Atividade locomotora espontânea de éguas observadas em baia comportamental, tratadas com 10 ml de água
destilada (ccontrole) ou 1,0 ou 2,0 mg/kg de cetamina, por via subcutânea. Resultado expresso em média ± DPM.
Médias seguidas da mesma letra em cada linha não diferem entre si a 5% de probabilidade do teste de Tukey-Krramer..
C.V. = Coeficiente de Variação
F = Resultado do teste F de análise de variância
NS = Não significativo.
culares, movimentos esteriotipados de levantar e abaixar
a cabeça, movimentos da cabeça de um lado para outro,
levantar as patas e cavar o chão, mastigação, movimentação das narinas associada a relinchos e bocejos e rotação
ipsilateral, principalmente entre os tempos 15 e 30, período no qual não houve ambulação na baia. Já os animaiscontrole andavam na baia em ritmo menos acentuado e,
quando parados, não exibiam comportamento
esteriotipado.
Avaliação da analgesia
A administração da cetamina não produziu mudanças nas respostas ao estímulo nociceptivo deflagrado pela
focalização do feixe de luz. A mensuração da resposta ao
estímulo térmico impingido pela projeção de calor por
meio da focalização da lâmpada não apresentou diferenças entre os tratamentos para as regiões do boleto e da
cernelha. Todavia, observaram-se diferenças de resposta
para a região do tórax decorridos 5, 10,30, 45, 60 e 90
minutos da aplicação, em que foi observado, paradoxalmente, que os animais tratados com a cetamina diminuíram o tempo de latência para a resposta ao estímulo
nociceptivo (Figura 1). A análise do efeito analgésico
médio para os três pontos de focalização do feixe de luz
mostrou que os intervalos de tempo de resposta dos animais dos grupos cetamina 1 e 2 mg/Kg não diferem daquele do grupo controle (Tabela 2).
TABELA 2 - Efeito analgésico das doses de cetamina de 1 e 2 mg/kg nas regiões da cernelha, do tórax e do boleto após
150 minutos. Resultado expresso em tempo de latência para o Reflexo do Frêmito Cutâneo e em tempo de
latência do Reflexo de Retirada do Membro em segundos.
Médias seguidas da mesma letra em cada linha não diferem entre si a 5% de probabilidade do teste de Tukey.
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DISCUSSÃO
FIGURA 1 - Resposta, em segundos, ao estímulo térmico aplicado nas regiões do boleto, cernelha e
tórax de éguas tratadas com água destilada
(grupo controle) ou cetamina na dose de 1
ou 2 mg/kg, por via subcutânea, observadas
por 150 minutos. Estão representadas as médias e os respectivos erros padrão da média; n=8.
* p<0,05 em relação ao grupo controle..
A ocorrência de estimulação locomotora observada no presente trabalho em éguas, após a aplicação subcutânea de doses baixas de cetamina, poderia estar relacionada aos “sinais motores” correspondentes à estimulação
extrapiramidal e do sistema límbico e, também, da formação reticular (STOSKOPF, 1979).
A atividade locomotora espontânea tem sido bastante utilizada como parâmetro na avaliação de mudanças
comportamentais induzidas em animais após manipulações
farmacológicas (KAMERLING et al., 1985b ,
KAMERLING et al., 1988, QUEIROZ-NETO et a.., 1997,
QUEIROZ-NETO et al., 1998, ZAMUR et al., 2000). Dados da literatura mostram que podemos diferenciar os efeitos da cetamina sobre os receptores dopaminérgicos présinápticos e pós-sinápticos por meio da análise
comportamental. Assim, doses altas de agonistas
dopaminérgicos podem aumentar a ALE antes de induzir
estereotipia pela ação em receptores pós-sinápticos. Por
sua vez, doses baixas diminuem a ALE, induzindo sedação
por atuarem em receptores pré-sinápticos (SCAVONE,
1988). Sabe-se que a cetamina induz rotação ipsilateral e
hiperatividade entre outras respostas comportamentais
mediadas por estimulação de receptores dopaminérgicos
pós-sinápticos (TAKAHASHI et al., 1984). No mesmo
sentido, observou-se que a cetamina aumentou a ALE em
eqüinos, tanto na dose de 1 mg/Kg como na dose de 2 mg/
Kg, sugerindo estimulação de receptores dopaminérgicos
pós-sinápticos.
BETHUYSEN et al. (1989) demonstraram existir
uma relação dose-resposta no comportamento apresentado
por gatos após administração de cetamina, caracterizado
por excitação motora inicial, anterior à catalepsia. Quando
administrada em doses efetivas do isômero mais potente
[S(+)], o animal passa rapidamente pela fase de excitação
motora e ataxia, tornando-se cataléptico, enquanto dose
baixa da forma R (-) não induz catalepsia, mas o animal
permanece com a atividade locomotora aumentada, com
ataxia por um tempo prolongado. No entanto, em dose
mais elevada da forma R(-) o animal apresenta
comportamento semelhante àquele exibido pelo isômero
mais potente. VALADÃO (1990), utilizando a cetamina
racêmica, demonstrou que dose sub-hipnótica deste
fármaco produz ativação do SNC, caracterizada pelo
aumento da locomoção, com ataxia, e dose maior conduz
imediatamente a um estágio de depressão, caracterizado
por catalepsia com conseqüente redução da atividade
locomotora. A excitação motora estaria relacionada ao
isômero R(-), uma vez que estudo realizado em ratos
constatou, após a administração intravenosa dos isômeros
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da cetamina, um aumento a atividade locomotora em uma
extensão muito maior para o isômero R(-) do que para o
isômero levógiro (MARIETTA et al.,1977). Isso
provavelmente possa explicar o aumento da ALE nos
eqüinos deste estudo.
KAKA et al.(1979) relataram que a alta solubilidade lipídica e rápida redistribuição no SNC e nos demais
tecidos asseguram a curta duração da ação da cetamina.
Sendo assim, o aumento da ALE observado em eqüinos,
principalmente após 60 minutos, poderia estar relacionado à uma absorção mais lenta do fármaco, uma vez que a
injeção subcutânea poderia proporcionar maior período
de latência e de duração dos efeitos, favorecendo o aparecimento de efeitos similares àqueles de uma dose menor.
O aumento da ALE cinco minutos após a injeção
da cetamina possivelmente relaciona-se à manipulação dos
animais, pois o fármaco, administrado pela via subcutânea, não apresenta um período de latência tão reduzido.
Adicionalmente, esse efeito tendeu a retornar ao valor basal
nas avaliações seguintes, mostrando que não houve a ação
do fármaco. Além disso, também se registrou elevação da
ALE no grupo controle no mesmo momento, com posterior retorno à atividade basal.
O comportamento estereotipado (movimentos motores repetitivos, sem variação e aparentemente sem
objetivo) é um comportamento relacionado com a
estimulação dos receptores dopaminérgicos pós-sinápticos
particularmente os do sistema nigroestriatal (MORATO
& TAKAHASHI, 1986, SPINOSA & GÓRNIAK, 1996).
Esse comportamento pode, portanto, ser induzido pela administração de várias drogas, entre elas, agonistas
dopaminérgicos (COSTALL et al., 1972). Nesse sentido,
os presentes resultados demonstraram que a cetamina induziu ao comportamento estereotipado em eqüinos similar à estimulação de receptores dopaminérgicos. Os receptores dopaminérgicos poderiam também estar envolvidos na rotação ipsilateral induzida pela cetamina, uma
vez que ela reflete primariamente, uma ação assimétrica
em receptores dopaminérgicos nigroestriatais. A participação gabaérgica também estaria implicada, pois esta rotação pode ser alterada pelo pré-tratamento com inibidores
da GABA-transaminase (HETZLER & WAUTLET, 1985).
A ocorrência de bocejos reforça essa hipótese, já que o
aparecimento destes também relaciona-se à estimulação
de receptores dopaminérgicos (GOWER et al., 1984).
SEGURA et al. (1998) observaram que a
administração epidural de cetamina em eqüinos produz
efeito analgésico. Em estudos recentes, RÉDUA et al.
(2000) e OLESKOVICZ et al. (2002) demonstraram que
doses baixas de cetamina injetada por via epidural reduz
em a dor pós-incisional em eqüinos. Considerando a falta
228
de dados disponíveis na literatura consultada relativos ao
uso da cetamina, por via subcutânea, em eqüinos, ficou
evidenciado que, pelo menos na dor aguda induzida por
estímulo térmico, não ocorre benefício. A ausência de analgesia ou, ainda, a ocorrência de provável quadro de
hiperestesia, associado à resposta paradoxal observada nos
grupos tratados com cetamina, poderia ser imputada à
hiper-reflexia descrita por WRIGHT(1982).
CONCLUSÃO
Concluiu-se que a cetamina aplicada por via subcutânea, nas doses de 1 e 2 mg/kg, em eqüinos, produz
efeitos estimulantes, aumentando a atividade locomotora
espontânea sem auferir analgesia, mediante um estímulo
térmico cutâneo.
ARTIGO RECEBIDO: MARÇO/2001
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