Elaboração de Material Didático_uma necessidade na

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ANDREIA DE LIMA CAMPOS ROCHA
ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: UMA NECESSIDADE NA EDUCAÇÃO
DE SURDOS
Monografia apresentada ao Programa de PósGraduação Lato Sensu em Libras da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do certificado
de Especialista em Libras.
Orientadora: Prof.ª MSc. Layane Rodrigues de
Lima
Brasília
2012
Monografia
de
autoria
de
Andreia
de
Lima
Campos
Rocha,
intitulada
“ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: UMA NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO
DE SURDOS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de
Especialista em Libras da Universidade Católica de Brasília, em 08 de agosto de 2012,
defendida e/ou aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
Prof.ª MSc. Layane Rodrigues de Lima
Orientadora
Programa de Pós-Graduação em Libras - UCB
Prof.ª Esp. Valícia Ferreira Gomes
Programa de Pós-Graduação em Libras - UCB
Brasília
2012
Dedico esse trabalho a todos os alunos surdos
e seus professores.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho somente foi possível porque contei com a colaboração de
muitas pessoas; pessoas amigas e queridas, para as quais nutro profunda estima e registro
meus sinceros agradecimentos:
Como não poderia ser diferente, primeiramente, a Deus, por me fazer ver e sentir seu
imenso amor a cada manhã; ao Senhor Jesus, meu Mestre, por me dar sua vida e sua tão
grande Salvação; ao Espírito Santo, por sua presença constante ao meu lado.
Ao meu Amado Esposo, Marcos Augusto, por sua compreensão e generosidade, ao
abnegar-se de muitas horas de minha companhia ao seu lado para que eu desenvolvesse este
trabalho. A você “Amor Meu”, o meu amor!
À Família pelo apoio de sempre, tão necessário. A vocês Mãe, Keka e Thingo, muito
obrigada!
À Amiga Gerciane, pelas orações ao Bondoso Deus por minha vida. Vivenciei a
resposta de cada um de seus pedidos. Obrigada Amiga!
À Turma da Pós em Libras, por compartilhar comigo tantos ensinos e pontos de vista
permitindo-me aprender ainda mais.
Aos mais novos Amigos, que foram fundamentais nesse processo de construção do
conhecimento: Dário, Gisele, Chelon e Rúbia. Vocês são importantes para mim, são como
molas propulsoras que me impulsionam a estudar, pesquisar e desenvolver sempre!
Aos professores do curso, que sem eles, não teria chegado até aqui. Em especial, à
Prof.ª Dr.ª Sandra Patrícia que com imensa generosidade e simplicidade compartilhou toda a
sua riqueza de conhecimentos sobre o universo surdo; à Prof.ª MSc. Layane, orientadora desta
pesquisa, pela benevolência de ter me aceitado como sua orientanda, mesmo não podendo.
Obrigada Layane por acreditar em mim!
A todos vocês, minha admiração e gratidão!
“E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo,
ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor?”
Êxodo 4:11, Bíblia Sagrada
RESUMO
O presente trabalho aborda a elaboração de material didático na educação de surdos e traz à
discussão a necessidade de se construir materiais didáticos ao aluno surdo para os diferentes
níveis educacionais. Para esta análise, tornou-se imprescindível estudar as características da
pessoa surda, o processo histórico educacional do aprendiz, aspectos culturais e questões
relevantes para seu aprendizado. No tocante à atividade de elaboração de material didático
para a educação de surdos, não apenas relatou-se algumas experiências como também, a partir
das análises realizadas, extraiu-se dessas algumas indicações que poderão servir de
orientações pedagógicas à construção de recursos audiovisuais para o público pesquisado, ou
seja, alunos surdos. Diante das pesquisas realizadas, tanto concernente aos referenciais
teóricos quanto às realizadas por meio de observações em sala de aula em materiais
produzidos pelos docentes, constatou-se que, de fato, há uma premente necessidade dos
professores de surdos elaborar material didático das disciplinas as quais licenciam
independente do nível educacional em que as ministram, haja vista a diferença linguística e
percepção visual do aprendiz surdo. Doutra forma, evidenciar-se- á a exclusão educacional a
esse grupo de educandos iniciando pelo recurso didático oferecido não correspondente à suas
necessidades educacionais especiais.
Palavras-chave: Educação. Material didático. Surdos.
RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
This paper discusses a didactic material elaboration of education for the deaf and broaches a
subject to behind the one you need to build materials teaching deaf student for different
educational levels. This analysis has become essential to study how characteristics of deaf
people, the process of the learner's educational background, cultural aspects and issues
relevant paragraph your learning. Regarding the activity preparation of teaching material for
the deaf education, not only reported if some experiences as also, from the analyzes
performed, extracted if some of these indications that could serve as guidelines for teaching
construction resources audiovisual paragraph the public researched, deaf students. Given the
research conducted, in both in publications and observations in classroom, it was found that in
fact there is a pressing need for teachers of the deaf to prepare didactic material of which
educational process disciplines such as the independent educational level, given the language
difference visual perception and the deaf student. Otherwise, it will show in fact an
educational process that exclude deaf group starting at appeal-guided students not offered
corresponding to your special educational needs.
Key words: Education. Didactic Material. Deafer.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 10
1.1. Sujeito Surdo.................................................................................................................. 10
1.2. A língua de sinais e a manifestação da Cultura Surda ................................................... 12
1.3. Educação de Surdos ....................................................................................................... 16
1.3.1. Processo histórico da educação dos Surdos ............................................................ 16
1.3.2. O advento da inclusão educacional dos Surdos ...................................................... 20
1.3.3. O processo de ensino/aprendizagem do Surdo........................................................ 23
2. PRODUÇÃO DE MULTIMEIOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS................................... 25
2.1. Material Didático: origens e definições ......................................................................... 25
2.1.1. Definições de material didático ............................................................................... 26
2.2. Elaboração ou adaptação de material? ........................................................................... 27
2.3. Diretrizes à elaboração de material didático .................................................................. 29
2.3.1. Das abordagens e métodos do ensino de segunda língua ........................................ 30
2.3.2. Da elaboração de material didático para o ensino de Língua Portuguesa como
segunda língua ................................................................................................................... 32
3. METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS ...................................................................... 35
3.1. Metodologia ................................................................................................................... 35
3.2. Observação e Análise dos dados .................................................................................... 36
3.2.1. Material Didático para o ensino de Português escrito ............................................. 36
3.2.1.1. Análise do material didático ................................................................................. 38
3.2.2. Material Didático para o ensino de Biologia ........................................................... 40
3.2.2.1. Análise do material didático ................................................................................. 42
3.2.3. Considerações Parciais ............................................................................................ 42
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 44
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 45
9
INTRODUÇÃO
Contar com recursos didáticos que facilitem o processo de ensino-aprendizagem na
educação formal e que ainda possibilitem maior autonomia ao estudante é o desejo de todo
professor. O uso do material didático na prática educativa não é algo novo, ao contrário,
advém desde o século XVI.
De lá para cá, inúmeras foram as mudanças na área educacional, inclusive no tocante
ao modo de ensinar. Mudanças essas constantemente requeridas ao professor, especialmente
para atender aos anseios de uma educação inclusiva e proporcionar um ensino de qualidade a
todos. Qualidade de ensino perseguida para os alunos surdos, atualmente incluídos em salas e
escolas de ensino regular, em sua maioria do sistema de ensino público.
Uma educação de qualidade refere-se ao ensino eficaz, pelo qual se alcancem
resultados satisfatórios que, concernente à educação de surdos, as práticas educativas devem
convergir às suas necessidades educacionais especiais, para as quais, necessariamente, devem
satisfazer as peculiares do “modo surdo de ser”.
Será que os materiais didáticos (livros didáticos, textos, exercícios, mural de avisos,
avaliações, aula expositiva, etc.) construídos sob a perspectiva de uma língua de modalidade
oral-auditiva contemplam e proporcionam igualdade de oportunidades educativas a alunos
falantes de línguas diferentes? E ainda, sendo o surdo uma pessoa essencialmente visual e
tendo o português como sua segunda língua, o material didático massiçamente desenvolvido
na língua na qual não possui domínio, estaria ele de fato aprendendo?
Neste sentido, busca-se identificar os tipos de materiais didáticos que satisfariam o
processo de ensino-aprendizagem do aluno surdo, privilegiando sua experiência visual e ainda
a necessidade desses serem confeccionados por seus professores das várias disciplinas que
compõem o currículo educacional.
Para responder a essas questões, a presente pesquisa, dividida em três capítulos,
abarcará no primeiro capítulo a fundamentação teórica, a qual foi realizada por meio de
levantamento bibliográfico, em que se contemplaram as questões relacionadas à pessoa
(aluno) surda. Em seguida, um capítulo também conceitual, o segundo capítulo abarcará os
conceitos e história dos recursos audiovisuais, focando em especial os materiais didáticos
desenvolvidos para a educação de surdos. E, por último, no terceiro capítulo serão
apresentadas análises dos recursos propostos na prática como material didático pelos
professores de alunos surdos.
10
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
À luz de uma revisão da literatura, o presente capítulo abordará as questões
relacionadas ao aprendiz surdo, perpassando desde a sua caracterização, processo educacional
e forma de aprendizagem, como intuito de proporcionar a real compreensão de sua diferença
linguística e a implicação dessa no contexto educacional.
1.1. SUJEITO SURDO
A pessoa surda é definida por Sá (2002, p. 48-49) como sendo alguém que vivencia
um déficit de audição que a impede de adquirir, de maneia natural, a língua oral/auditiva
usada pela comunidade majoritária e que constrói sua identidade com base, principalmente,
nesta diferença, e para isso utiliza estratégias cognitivas e de manifestações comportamentais
culturais diferentes da maioria das pessoas que ouvem.
Corroborando na definição, Brito (1993, p. 28, 86) define o surdo como uma pessoa
pertencente de uma comunidade com uma língua diferente da que os ouvintes falam, não
obstante, esta língua possui regras gramaticais, princípios pragmáticos e regras de polidez
próprias. Para a linguista, o reconhecimento dessa diferença é o primeiro passo à promoção da
integração do surdo na comunidade ouvinte que o circunda. Além de encarar a realidade
relativa ao surdo, é importante também, segundo Brito (1993, p.45) “reconhecer sua
habilidade linguística que se manifesta na criação, uso e desenvolvimento de línguas gestuaisvisuais, ou seja, de Língua de Sinais”.
De uma forma simplificada, Felipe define que ser surdo é:
saber que pode falar com as mãos e aprender uma língua oral-auditiva através dessa,
é conviver com pessoas que, em um universo de barulhos, deparam-se com pessoas
que estão percebendo o mundo, principalmente, pela visão, e isso faz com que eles
sejam diferentes e não necessariamente deficientes (FELIPE, 2005, p.44).
Para além da mera conceituação dessa pessoa, o importante, segundo Brito (1993, p.
85), é reconhecer e respeitar a diferença da pessoa surda utilizando os termos “surdo” e
“surdez”, uma vez que os termos “deficientes auditivos” e “deficiência auditiva” escondem
preconceitos com relação às pessoas surdas por considerarem-nas “defeituosas”, e que uma
língua foi criada em função da falta de audição, levando-as a desenvolver habilidades
específicas. No entanto, essas pessoas apresentam um impedimento de ordem sensorial na
11
percepção das distinções fonêmicas da fala, que consequentemente prejudica a compreensão
dos significados, propiciando assim o desenvolvimento linguístico através de uma modalidade
gestual-visual o que levou ao surgimento de uma língua diferente da língua oral falada. Surge
então uma língua com estrutura própria e, portanto, codificadora que revela uma “visão de
mundo” específica: a língua de sinais que, como a própria pesquisadora afirma, é o símbolo
por excelência da surdez.
Perante a legislação brasileira, conforme consta no Decreto nº. 5.626/05, a pessoa
surda é concebida como “aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o
mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da
Língua Brasileira de Sinais – Libras” (BRASIL, 2005).
O Decreto n.º 5.626/05 veio regulamentar a Lei n.º 10.436, de 24 de Abril de 2002, a
qual já reconhecia a Libras como meio legal de comunicação e expressão do surdo,
denominada assim de a Lei da Libras. Todavia, ressalta que a Libras não poderá substituir a
modalidade escrita da Língua Portuguesa (BRASIL, 2002).
Face ao que é posto ao surdo – duas línguas – Felipe (2005, p. 21) nos alerta quanto
aos mitos em torno da Libras que precisam ser desfeitos, entre eles está na crença de que a
Libras é o português feito com as mãos, acreditando que os sinais substituem as palavras desta
língua. Como toda língua de sinais, a Libras é “uma língua de modalidade gestual-visual que
utiliza, como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que
são percebidos pela visão” (FELIPE, 2005, p. 21).
E como língua, a Libras também apresenta os mesmos níveis linguísticos (fonológico,
morfológico, sintático e o semântico) e à composição do item lexical utilizam-se os
parâmetros
(configuração
das
mãos,
ponto
de
articulação,
movimento,
orientação/direcionalidade e expressão facial e/ou corporal) que combinados formam os
sinais, o mesmo que palavra na Língua Portuguesa (FELIPE, 2005, p. 22-23).
Dessa maneira, o surdo se caracteriza por suas necessidades, desejos, peculiaridades
etc., comuns a qualquer outra pessoa, tendo por característica marcante, sua diferença
linguística e forma de captar o mundo à sua volta; pelo olho ele recebe as informações e seus
pensamentos são exteriorizados pelas mãos. Essa diferença lhe confere uma condição de
indivíduo e, consequentemente, produtor de uma cultura própria, a qual merece ser
compreendida e respeitada pela sociedade.
12
1.2. A LÍNGUA DE SINAIS E A MANIFESTAÇÃO DA CULTURA SURDA
A língua de sinais foi criada pelos surdos em decorrência da impossibilidade de
adquirirem, de forma natural, a língua oral. Assim, desenvolveram-na e a transmitiram de
geração em geração através da modalidade de recepção e produção viso-gestual. A língua oral
passou a ser para os surdos uma segunda língua (SKLIAR, 1997, p. 89).
Sacks (1998, p. 88) conta que até os fins da década de 1950, a língua de sinais ainda
não era considerada propriamente uma língua, antes, como uma espécie de pantomima ou
código gestual. Coube ao linguista William Stokoe perceber e provar que aquela se tratava de
uma língua genuína. Em 1960, através da publicação da primeira pesquisa científica em
língua de sinais Sign Language structure ficou comprovado que se tratava de fato de uma
língua.
A linguista brasileira pioneira no estudo da Libras, Lucinda Ferreira Brito (1993,
p.14), constatou no início de suas pesquisas, que essa língua de modalidade gestual-espacial
“é para as pessoas surdas de vital importância, tanto no que se refere ao seu desenvolvimento
linguístico-cognitivo como também à sua socialização e integração na sociedade em que
vivem”. Acrescenta ainda, que essa língua, criada espontaneamente pelos surdos, possui
estrutura altamente sofisticada, em que pese recorrer às mãos, à expressão facial, ao corpo, ao
espaço e ao movimento; é dotada de dupla articulação (unidades distintas e significativas)
além de possuir sintaxe e morfologia tão elaboradas como qualquer outra língua de
modalidade oral-auditiva.
Para essa pesquisadora, as línguas de sinais são tão abstratas como as línguas orais,
assim como complexas, o que permite aos surdos fazer o que desejar por meio dela: de
poesias/transmissão de sentimentos a reflexões filosóficas/linguísticas/lógicas. Ainda ao
contrário do que muitos podem pensar, também desmistifica a universalidade da língua de
sinais. Brito aponta que, como qualquer outra língua, essa língua de modalidade gestualvisual apresenta suas variantes regionais e está relacionada aos costumes e especificidades
ambientais e culturais de cada região.
A língua, além de representar o desenvolvimento cognitivo, também representa a
cultura a que o indivíduo participa. Brito (1993, p.75) ressalta que a
língua é cultura e língua e pensamento objetivo são coisas intimamente ligadas e que
a ausência de uma implica na outra. (...) Além de ser o principal veículo de
comunicação, é também o mais importante meio de identificação do indivíduo com
sua cultura e o suporte do conhecimento da realidade que nos circunda.
13
Como pessoas desenvolvedoras de uma cultura própria, os surdos manifestam a
cultura surda por meio de sua língua. Segundo Felipe (2005, p. 44), a palavra “cultura” possui
vários significados, e essa, relacionada ao contexto da pessoa surda, representa identidade,
isso porque cada pessoa tem uma forma peculiar de apreender o mundo.
Na perspectiva de constituição de grupo social, Sá (2002, p. 91) diz que os surdos
estabelecem seus grupos a partir dos interesses, objetivos, lutas e direitos em comum, e como
qualquer outro, está sujeito aos conflitos e tensões típicos de grupos sociais.
A cultura é analisada sob a forma global de vida ou como experiência vivida de um
grupo social, conforme afirma Sá (2002, p. 83), e, dessa forma, para os estudos culturais, a
cultura é concebida como um campo de luta em torno da significação social. Tangenciando,
nos Estudos Culturais, para a autora, a cultura dos surdos é abordada através de uma
reconstrução da posição social dos seus usuários. Dentro então desse grupo de pessoas surdas,
o principal fator de integração é o uso da língua de sinais, o que a autora considera uma
“evidência básica” ao pertencimento dessa comunidade surda. Muito embora a língua de
sinais faça parte da experiência vivida da comunidade surda, a língua – considerada artefato
cultural – também é submetida à significação cultural.
Neste sentido, torna-se relevante trazer à tona o conceito de artefato cultural. De
acordo com Strobel (2009, p. 39), o conceito de artefato ultrapassa o relacionamento do
materialismo cultural; artefato é tudo aquilo que ilustra uma cultura, ou seja, são as
“produções do sujeito que revelam seu modo de ser, ver, entender e transformar o mundo”. A
cultura surda é então ilustrada por oito artefatos culturais, que para Strobel (2009, p. 40-87),
são os mais importantes: 1) experiência visual; 2) linguístico; 3) familiar; 4) literatura surda;
5) vida social e esportiva; 6) artes visuais; 7) política e 8) materiais.
O artefato cultural experiência visual diz respeito à forma como o povo surdo percebe
o mundo; a informação e compreensão de mundo lhe vêm pela visão. Tanto as ocorrências
cotidianas como as percepções emotivas são adquiridas por meio da interpretação visual de
cada experiência vivenciada. A ausência do recurso visual compromete a eficiência da pessoa
surda nos mais variados ambientes (STROBEL, 2009, p. 40).
Já o artefato linguístico está relacionado à língua viso-espaço-gestual – a língua de
sinais. Todavia, ressalta-se que neste artefato, além dos sinais próprios da língua, também
estão incluídos os sinais caseiros, ou seja, aqueles criados por surdos isolados de comunidades
surdas. Dentro ainda desse artefato está o sistema de escrita de sinais – SignWriting (SW) – o
qual no Brasil, é reconhecido como Escrita em Língua de Sinais – ELS (STROBEL, 2009, p.
47).
14
Outro importante artefato é a família. É o meio mais propício ao aprendizado e
desenvolvimento da criança. Contudo, para a criança surda com família ouvinte, a aquisição
de uma identidade surda pode ser comprometida caso essa família não a insira numa
comunidade surda a fim de que esta “aprenda a ser surda” e tenha exemplos adultos para isso;
segundo a autora, quem não foi surdo, não sabe ser surdo, daí a importância da família
compreender as necessidades e diferenças culturais da pessoa surda e promover este contato o
mais cedo possível. Por outro lado, a criança ouvinte na família surda aprende a transitar nas
duas culturas: ouvinte e surda (STROBEL, 2009, p. 53).
O artefato cultural literatura surda abrange as publicações de autores e pesquisadores
surdos os quais demonstram em suas produções “o jeito surdo de ser”; importante para o
próprio povo surdo como aos participantes de comunidades surdas (STROBEL, 2009, p. 61).
A vida social e esportiva também é um artefato cultural, haja vista despertar nas
pessoas surdas comportamentos e atitudes diante de situações que necessitam da voz e da
audição. Outro aspecto revelado neste artefato é a forma com a qual os sujeitos surdos se
apresentam pelo grau da surdez ou não. Esse ato já antecipa o entendimento do outro à
compreensão de sua imersão à cultura ou comunidade surda (STROBEL, 2009, p. 67).
Por meio das artes visuais, os surdos também se revelam culturalmente. Pela própria
questão da relevância do visual na vida dos surdos, as artes visuais são tão afloradas. Muitos
são os surdos que desenvolvem trabalhos artísticos como desenhistas, pintores, escultores,
atores, produtores teatrais e de cinema (STROBEL, 2009, p. 73).
A política também consiste num importante artefato cultural, já que por meio dela, da
consciência que os surdos adquirem enquanto cidadãos, esses conquistam os direitos
pleiteados através de lutas e diversos movimentos. Prova do uso dessa consciência, é que o
povo surdo está organizado em federação, confederação e outras representações. Dessa luta
alcançaram o reconhecimento de sua língua – Libras; o dia do Surdo; a organização e oferta
de um curso superior – Letras/Libras; e atualmente, luta por uma Pedagogia Surda ao ensino
de Surdos (STROBEL, 2009, p. 78).
E, por último, o artefato materiais, o qual é representado pelos materiais criados
segundo as especificidades e necessidades do público surdo, como por exemplo: o telefone
TDD1, telefones, rádios e campainhas com luzes, programação com legendas, aplicativos de
mensagens instantâneas e de celulares, entre outros (STROBEL, 2009, p. 84).
1
Telecommunications Device for the Deaf (TDD) trata-se de um telefone de texto típico que se parece com uma
máquina de escrever elétrica com uma pequena tela em que cabe uma linha única de texto e um receptáculo
15
Na medida em que a pessoa surda percebe que seu modo de ser produz uma cultura
diferente da que está a sua volta – cultura majoritária – ela também se percebe como diferente.
Sá (2002, p. 99-100), analisando a experiência da surdez, menciona dois aspectos
intrinsecamente relacionados: a identidade e diferença. Segundo a autora, a identidade surda é
construída ao reconhecer-se diferente da pessoa ouvinte. Essa compreensão remete ao
entendimento sobre o “eu”, que aliado ao significado de linguagem e cultura permitirá a
adoção de uma identidade. As identidades surdas são desenvolvidas e fundamentadas na
diferença. Assim, tantos surdos como a comunidade surda são plurais, como todo
agrupamento humano. Sá (2002, p.103) conclui que “toda identidade é dinâmica e é
transformada continuamente”.
Segundo Perlin (2010, p. 54-72), a condição de ser surdo é a diferença que separará a
identidade surda da ouvinte. Ela afirma que os surdos são surdos em relação à experiência
visual e não a auditiva como se pensava. São as experiências visuais e diferenças que
identificarão as categorias das identidades surdas. Perlin apresenta cinco categorias de
identidades: 1) Identidades surdas – sobressai a militância, reconhece-se como
definitivamente diferente; 2) Identidades surdas híbridas – características de surdos que
nasceram ouvintes e tornaram-se surdos, vivenciam as duas línguas; 3) Identidades surdas de
transição – são os surdos que passaram da identidade ouvinte para a surda; 4) Identidade surda
incompleta – surdos que não se aceitam como surdos e buscam a reprodução da identidade
ouvinte; 5) Identidades surdas flutuantes – surdos que buscam atender ao grupo social em que
estão inseridos, constroem suas identidades com fragmentos das múltiplas identidades. Para a
pesquisadora, a educação precisa caminhar no sentido da identidade da pessoa surda,
permitindo também a presença do professor surdo (PERLIM, 2010, p. 72).
No sentido de aceitar a identidade da pessoa surda, Sá (2002, p. 54) pondera que
muitas vezes a surdez não é concebida por identidade cultural por representar o enfrentamento
das consequências (mudanças nos objetivos educacionais, o desalojamento de posições de
educadores ouvintes e o incentivo para a formação e colocação de professores surdos, a
necessidade de oficialização da língua de sinais e as obrigações estatais decorrentes, a
providência de intérpretes de língua de sinais nos locais públicos, etc.) tornando-se “mais
fácil” negar as diferenças.
As diferenças linguísticas são, assim, um produto cultural; as quais revelam as
crenças, ideologias, posturas e comportamentos dos indivíduos surdos, sua comunidade e sua
duplo embutido para a inserção dos bocais da parte do telefone em que normalmente se fala e escuta
(CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2009, p. 2094).
16
cultural que, por sua vez, são levadas a todos os ambientes, inclusive para os espaços
educacionais.
1.3. EDUCAÇÃO DE SURDOS
Por um longo período da história, a pessoa com deficiência foi desconsiderada pela
sociedade e até pela própria família. Sá (2002, p. 51-52) aponta que na Antiguidade os surdos
– enquadrados entre os deficientes – eram, geralmente, lançados dos penhascos. Pessotti
(1984, p. 4) relata que a pessoa com deficiência era tratada de forma até desumana: com
desprezo, abandono, misticismo e até eliminação. Com o advento do Cristianismo, os
sentimentos de piedade e caridade recaíram sobre a pessoa com deficiência e um novo
tratamento nas relações familiares foi proposto para com o familiar deficiente. A
responsabilidade pela deficiência foi delegada à divindade. Este passou a ser visto então como
filho de Deus, como os demais seres humanos, e, por conseguinte, possuidor de alma, e dessa
forma não poderia ser eliminado, abandonado ou vendido como escravo. Considerado como
membro da família, o direito da educação também lhe foi ofertado, inclusive aos surdos.
1.3.1. Processo histórico da educação dos Surdos
Segundo Slomski (2010, p. 26), por séculos a pessoa surda foi concebida como não
educável ou sem capacidade para responder por seus atos. Tal concepção persistiu até o
século XV e somente a partir do século seguinte cogitou-se a possibilidade de iniciar sua
educação com a prática do preceptorado, cuja educação focava-se no ensino e
desenvolvimento da fala em surdos da nobreza. Surgem, no século XVIII, sob os ideais
iluministas, as primeiras instituições escolares especializadas às pessoas surdas.
Assim, a partir do século XVIII, aparecem as informações de surdos em situações
educacionais. Conforme relata Sá (2002, p. 52), a educação de surdos iniciou-se em Paris,
1756, com um grupo de crianças surdas, quando o Padre Abbé l’Épée interessou-se pela
instrução daquelas crianças. A pequena escola cresceu; recebeu o apoio real e assim ganhou
fama internacional. Sacks (1998, p. 30-31) nos conta que o abade, associando sinais a figuras
e palavras escritas, ensinou os surdos a ler e com isso deu-lhes o acesso aos conhecimentos e
à cultura do mundo. Na combinação da língua de sinais nativa com a gramática francesa
17
traduzida em sinais, permitiu aos alunos surdos escrever e ler, adquirindo dessa forma,
educação.
Brito (1993, p. 4) relata que a primeira escola para surdos no Brasil foi fundada pelo
imperador D. Pedro II em 1856, o Instituto dos Surdos-Mudos (ISM), influenciado pela obra
do francês Hüet. Segundo Lemos (1981, apud JANNUZZI, 2006, p. 13), o educador Edouard
Hüet, surdo congênito, ficou incumbido pelo imperador a organizar o primeiro educandário
para o ensino dos surdos. De acordo com Jannuzzi (2006, p. 13), o Instituto teve a
denominação alterada por duas vezes: em 1857 para Instituto Nacional dos Surdos-Mudos
(INSM) e, posteriormente, em 1957 para Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
Para Jannuzzi (2006, p. 11), a proximidade de pessoas interessadas em transmitir
ensinamentos especializados aceitos como fundamentais ao alunado considerado excepcional
– incluindo os surdos – corroborou na criação de uma instituição especializada à sua
educação.
Além do INES, tivemos no Brasil duas outras escolas especiais para surdos, que em
virtude de sua importância devem ser referenciadas. Segundo Brito (1993, p. 6), essas três
escolas tiveram um relevante papel na educação de surdos ao promover o desenvolvimento e
uso da língua de sinais, são elas: INES (1956) no Rio de Janeiro; Instituto Santa Terezinha
(1929) em São Paulo, voltado à educação de moças surdas; e o Instituto Domingos Sávio em
Recife.
A essa lista, Felipe (2005, p. 158) acrescenta outras escolas, tanto de iniciativa privada
como pública, destinadas às crianças surdas: Escola Concórdia em Porto Alegre (1954),
Escola de Surdos em Vitória-ES (1957), Escola Rompendo o Silêncio – Rezende/RJ, Escola
Municipal Anne Sullivan – São Caetano do Sul/RJ, Escola Hellen Keller – Caxias do Sul/RJ.
Nessas escolas, segundo a pesquisadora, a proposta implementada à educação de surdos é o
bilinguismo, na qual a Libras é ensinada e o aprendizado conta com metodologia apropriada
da Língua Portuguesa e da Libras.
Muito antes da instituição da escolarização dos surdos no Brasil, em outros países já
eram desenvolvidos métodos à educação de surdos. Slomski (2010, p. 27) ressalta que, de
acordo com algumas afirmações, os primeiros educadores de surdos desenvolveram métodos
diferenciados para educá-los. O alemão Samuel Heinicke (1729-1790) criou o método oral,
hoje conhecido por leitura orofacial, no qual se baseou na língua oral para ensinar os surdos a
falar mediante movimentos normais dos lábios, atribuindo grande valor à fala. O francês
Abade l’Épée (1712-1789), fundador da primeira escola pública para surdos, criou o método
gestual após pesquisar as línguas de sinais; por meio de suas iniciativas, garantiu aos surdos o
18
direito de aquisição de uma língua natural. Já o inglês Thomas Braidwood (1715-1806) a
partir de códigos visuais, criou o método combinado para facilitar a comunicação com seus
alunos; tal método não se configurou como uma língua. Essas três metodologias, vigentes até
hoje na educação de surdos, originaram disputas metodológicas em torno do
oralismo/gestualismo. A partir de meados do século XVIII até a primeira metade do século
XIX perduram as experiências educativas por meio da língua de sinais.
Skliar (1997, p. 77) considera dois grandes períodos históricos na educação de surdos:
a fase anterior do Congresso em Milão, fase em que as práticas educativas de surdos eram
baseadas no uso da linguagem de sinais – termo assim utilizado porque ainda não se
reconhecia a comunicação por sinais como língua – e uma posterior ao Congresso, na qual a
educação dos surdos equacionou-se absolutamente à língua oral.
Segundo Slomski (2010, p. 28), o percurso da educação de surdos foi alterado com a
realização do segundo Congresso Internacional sobre a Educação de Surdos, em 1880, em
Milão, na Itália, onde se estabeleceu o Método Oral como o mais adequado à educação da
criança surda. Conforme a autora ainda afirma, o oralismo tornou-se hegemônico na educação
de surdos até a década de 1960, atribuindo à linguagem de gestos uma concepção
tradicionalista e acientífica; quando, enfim, novas concepções sobre surdez embasadas na
Linguística e em suas diferentes disciplinas originam novas percepções sobre a pessoa surda e
sua educação, propiciando diversificadas alternativas pedagógicas.
Skliar (1997, p. 80) remete o fracasso da educação de surdos ao oralismo. Para ele, o
fracasso pedagógico do método contribui para a marginalização social de algumas
comunidades de surdos. Na tentativa de esconder os surdos e a surdez, ou seja, de negar e
aceitar a condição de ser surdo, provocou nas crianças surdas o desenvolvimento de dois tipos
de identidade cultural: uma identidade deficitária a qual ressalta de que não ouvintes; e outra,
a identidade surda ao pertencerem à sua comunidade surda. Essa crise, que o oralismo não
resolveu, origina uma séria de problemáticas psicossociais, permeia não só o ambiente escolar
como o lar da criança.
Luchesi (2003, p. 20-21) faz significativas observações a respeito do processo de
educação dos surdos. De acordo com essa autora, ao longo da história educacional dos surdos,
a escolarização desses foi marcada pela dualidade do uso de técnicas, ora submetendo-os ao
desenvolvimento da fala e da leitura labial, ora o uso de sinais; adotaram-se diferentes
métodos: oralismo, gestualismo ou o método combinado – também conhecido como
comunicação total –, e para cada um deles atribui-se a responsabilidade pela qualidade do
ensino, dos sucessos ou dos fracassos alcançados. Para a autora, o que se verifica na adoção
19
desses procedimentos, embora necessários, é a atribuição de valor absoluto à surdez, como se
a essência do indivíduo fosse sua condição de não ouvir. Dessa forma, ora educam o surdo
para ser normalizado, por meio de processos reabilitatórios, ora para integrá-lo em seus
grupos de iguais, aceitando sua forma de comunicação.
Muito embora o oralismo tenha se mantido dominante na educação de surdos até os
anos 60, anterior ao surgimento do bilinguismo, outra filosofia educacional surgiu como
desdobramento das investigações relacionadas à comunicação gestual do surdo. Estudos
mostraram que sua aquisição não prejudicava o desenvolvimento cognitivo e linguístico, e os
estudos concernentes à sua estrutura e gramática contribuíram para a valorização linguística
da comunicação gestual e suas possibilidades de expressão. Todos esses avanços favoreceram
ao desenvolvimento da abordagem “comunicação total”, assim como de outras abordagens
metodológicas (LUCHESI, 2003, p. 20).
A comunicação total é definida por Kirk e Gallagher (1991, p. 254) como “uma
filosofia que requer a incorporação de modelos auditivos, manuais e orais adequados para
assegurar a comunicação eficaz com e entre pessoas deficientes auditivas”. Luchesi
complementa, afirmando que a comunicação total:
utiliza-se das práticas oralistas (linguagem oral, leitura labial, aparelhos de
amplificação sonora para desenvolvimento de pistas auditivas), assim como de
traços da abordagem gestual (linguagem de sinais, sinais gramaticais modificados e
marcadores para elementos não presentes na comunicação gestual de surdos). Seus
adeptos acreditam que, dessa forma, facilitam a aquisição e a compreensão da
linguagem oral, bem como a aquisição da leitura e da escrita (LUCHESI, 2003, p.
21).
Percebe-se nos posicionamentos dos autores acima, que a filosofia comunicação total
concebe a surdez sob a perspectiva clínica, haja vista em preocupar no favorecimento da fala
ao surdo.
Mas, de acordo com Brito (1993, p. 65), o bilinguismo não se trata de uma filosofia
recente. Já em 1986, durante o evento Primer Encuentro Latinoamericano de Investigadores
de los Lenguajes de Señas de los Sordos, em Montevidéu, o bilinguismo, por unanimidade,
foi considerada a melhor filosofia para educar surdos. Para a autora, o bilinguismo “constituise na única possibilidade de desenvolvimento psico-social e cognitivo do surdo, na sua
plenitude”. E, depois de tantas disputas por qual filosofia adotar à educação de surdos, a
pesquisadora considera apenas duas, pois estas persistem até os dias atuais: Oralismo (defende
o aprendizado apenas da língua oral) e o Bilinguismo (defende o aprendizado da língua oral,
modalidade escrita, e da língua de sinais por reconhecer o surdo na sua diferença e
especificidade).
20
Atualmente, no Brasil, conforme o Decreto n.º 5.626/05, a filosofia empregada à
educação de surdos é o bilinguismo, em que se prevê o ensino da Libras e a Língua
Portuguesa, na modalidade escrita.
1.3.2. O advento da inclusão educacional dos Surdos
Após aceitar o compromisso de uma Educação para Todos com a Declaração de
Jomtien, em 1990, o Brasil adotou medidas políticas com o propósito de atender às diretrizes
de inclusão de todos na escola (Universalização do Ensino) estabelecidas na referida
declaração. Na sequência, em 1994, o país se tornou signatário também da Declaração de
Salamanca, documento no qual se especificou as ações a serem adotadas à implementação de
um processo de inclusão de crianças e jovens com deficiência na rede regular de ensino, com
o foco, sempre, da promoção da educação para todos, sem distinção. Dessa forma, o Brasil
adotou por política educacional a Educação para Todos, fundamentalmente voltada aos alunos
da Educação Especial, todavia na perspectiva de inclusão. Tal modalidade, prevista no
Capítulo V da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBN) – Lei n.º 9.394/96
assegura aos educandos serviços de apoio especializados. O ensino passa a ser oferecido não
mais em escolas, classes ou instituições especiais, mas sim em salas regulares, alcançando
inclusive o ensino superior, contando assim, com os recursos metodológicos – também
denominados de ajuda técnica.
À guisa da inclusão dos alunos surdos às escolas e salas de aulas regulares, há os que a
defendem e os que discordam pelas mais variadas razões.
De acordo com Tunes (2003, p. 7), a inclusão educacional de crianças e jovens com
distúrbios biológicos (anomalias sensoriais, genéticas, da fala etc.) perpassa pela maneira a
qual se concebe a anomalia biológica, se sob a perspectiva naturalista ou socialista. A doutora
explica que sob a visão naturalista entende-se que a disfunção biológica acarreta um distúrbio
no processo de desenvolvimento intelectual do indivíduo, enquanto que na visão socialista, a
mesma disfunção biológica é concebida como “uma manifestação da diversidade da espécie
humana” (p. 8). Os que adotam essa última visão acreditam ser necessário assim, buscar
meios sociais que aproveitem o potencial criativo de tais pessoas, principalmente, no âmbito
educacional. Neste sentido, Tunes aponta para o caráter desafiante que a anomalia se revela
ao educador, quando requererá investigação, descobertas e buscas pelos conhecimentos e
ferramentas para tal tarefa. Ainda sob esse enfoque, Tunes nos leva à reflexão quando afirma:
21
Falamos de inclusão porque, vendo a diferença de constituição biológica como uma
barreira socialmente intransponível, realizamos práticas sociais de exclusão. Mas
hoje mesmo podemos instituir novas práticas sociais. Basta não excluir e aceitar a
diferença biológica como um desafio a ser socialmente enfrentado e vencido. Tratase, pois, de uma opção: a de promover socialmente a pessoa biologicamente
diferente, não a apartando de nós, respeitando, portanto, a sua condição de ser
humano entre os seres humanos (TUNES, 2003, p. 10).
Seguindo o princípio da diferença humana, Edler (2006, p. 27) aponta como positivo o
aprendizado a partir da convivência com a diversidade. Para a pesquisadora, “uma turma
heterogênea serve como oportunidade para os próprios educandos conviverem com a
diferença e desenvolverem os saudáveis sentimentos de solidariedade orgânica”. Edler
acrescenta ainda que, o ambiente educacional cuja prática pedagógica é inclusiva corrobora ao
envolvimento de todos e a cada um, onde todos são motivados à aprendizagem, favorecendo
assim, por meio das atividades em grupo, o desenvolvimento das relações de cooperação (p.
32).
Outro aspecto positivo da escola inclusiva apontado por Edler (2006, p. 28-36) é a
especialização dos professores nos aprendizes, de forma mais genérica e não mais
especializados nas especificidades dos grupos de alunos: cegos, surdos, com paralisia
cerebral, autistas etc. O conhecimento específico deve ser compartilhado pelos professores de
métodos e recursos, os antigos professores das classes especiais, os quais devem atuar como
consultores de apoio. Para Edler, a abordagem da educação inclusiva “implica,
incondicionalmente, na mudança de atitudes frente às diferenças individuais” (p. 36),
considerando que somos todos diferentes. Ainda ressalta de que o direito à educação inclusiva
– educação de qualidade para todos – perpassa pelo direito à igualdade de oportunidades, em
que se traduz em educar a cada um segundo seus interesses e características individuais,
segundo o que necessita e não educar a todos de modo igual (p. 35).
Na preconização da escola inclusiva, estabelece-se por ideal que toda criança e jovem
sejam integrados ao sistema de ensino regular por meio da matrícula em uma escola de seu
bairro, independentemente se possuir ou não necessidades educacionais especiais. Quadros
(2005a, p. 1) aponta uma incongruência à eficiência de implementação dessa política
educacional com base na legislação brasileira. De acordo com a pesquisadora, o direito
linguístico do surdo é garantido assim como o acesso aos conhecimentos escolares por meio
da língua de sinais, mas na prática não é o que acontece, pois não há uma estrutura para
oferecer uma educação em língua de sinais pela falta de professores bilíngues, minimamente
conhecedores da língua. O ensino é oferecido em Língua Portuguesa – a segunda língua, na
modalidade escrita, para os surdos – segundo uma metodologia ouvintista, ou seja,
22
prevalecendo a forma de aprendizagem da maioria dos alunos da sala de aula, sem relevar as
questões metodológicas, culturais e sociais do aluno surdo. Levando a questionar o acesso à
educação e a permanência desse aluno surdo na escola regular. Procurando driblar esta
situação, recorreu-se à atuação do intérprete de língua de sinais nas salas de aulas, conforme
ressalta Quadros (2005a, p. 2).
Da maneira como a educação inclusiva é praticada atualmente, cria-se uma falsa
imagem de que ela é um sucesso, pois, apesar de presente fisicamente, o aluno surdo não é
considerado em vários aspectos (LACERDA, 2006a, p. 181).
No viés da legitimação do direito do acesso e permanência à educação, concedidos
pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), outras leis foram sancionadas com o propósito de
discriminar e regulamentar os recursos à acessibilidade; que, para os fins educacionais do
educando surdo, se consiste na eliminação das barreiras na comunicação, pelo que, conforme
Lei n.º 10.098/00, essa barreira na comunicação da pessoa com deficiência auditiva será
ultrapassada “por meio da linguagem de sinais” – termos utilizados na referida Lei.
Para que o aluno surdo passasse a frequentar salas de aulas do ensino regular algumas
medidas foram adotadas, como por exemplo, a inserção de outro agente educacional – o
intérprete de língua de sinais (ILS).
Apesar de antiga a profissão, o ILS teve sua atividade laboral regulamentada no Brasil
recentemente pela Lei n.º 12.319/10. Com a regulamentação, vieram também as definições de
suas atribuições. Segundo o 6º Art. da referida lei, são atribuições do Tradutor/Intérprete de
da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS:
I - efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdoscegos, surdos-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa;
II - interpretar, em Língua Brasileira de Sinais - Língua Portuguesa, as atividades
didático-pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis
fundamental, médio e superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos
curriculares;
III - atuar nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino e nos
concursos públicos;
IV - atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim das instituições
de ensino e repartições públicas; e
V - prestar seus serviços em depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou
policiais (BRASIL, 2010).
O intérprete de LIBRAS tem por papel fundamental mediar a comunicação entre duas
línguas dentro do espaço inclusivo e sua presença não pode ser concebida como a solução dos
problemas enfrentados na inclusão do estudante surdo, a sua simples e pura presença numa
sala de aula regular não pode ser entendida também pela promoção de uma educação
23
inclusiva. Neste aspecto, Lacerda (2010b, p.35) é incisiva ao afirmar que “a inclusão do
intérprete não soluciona todos os problemas educacionais dos surdos, sendo necessário pensar
a educação inclusiva, em qualquer grau de ensino, de maneira ampla e consequente”.
Todavia, a atuação do ILS é mais incisiva nos últimos anos (6º ao 9º) do Ensino
Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior da educação brasileira. Na Educação Infantil e
Ensino Fundamental – anos iniciais (1º ao 5º), em virtude da própria característica desses
ensinos – a permanência de apenas um docente em sala - recomenda-se a presença de
professores surdos ou com conhecimento em língua de sinais.
Quadros (2005, p. 15) também aponta que a educação inclusiva não é o modelo
educacional que os próprios surdos desejam. Segundo a pesquisadora, em 1999, motivados
pelo V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para Surdos, realizado em Porto
Alegre/RS, os surdos se reuniram e escreveram um documento no qual expressavam seu
desejo de escola e educação. O documento intitulado por “A educação que nós queremos”
teve ampla divulgação em todo país, tanto a surdos, organizações governamentais e nãogovernamentais. Entre as proposições do documento, constou uma proposta detalhada de uma
educação em língua de sinais, com professores surdos e bilíngues.
O desejo educacional dos surdos, expressos no documento, reflete e converge para o
significado da proposta de uma educação inclusiva, o qual é oferecer um ensino de qualidade
a todos. Esse é o desejo dos surdos: uma educação de qualidade que respeite sua diferença
linguística.
1.3.3. O processo de ensino/aprendizagem do Surdo
Para a linguista Brito (1993, p. 49), o ideal ao desenvolvimento da criança surda é sua
exposição à língua de sinais desde a mais tenra idade, e, gradativamente ela aprenderia uma
segunda língua, que no Brasil é a Língua Portuguesa. Considerando a evidência de seu o canal
natural para o ensino/aprendizagem do surdo é o visual, a partir dos três anos de idade dá-se
ênfase à escrita. Ao adquirir um bom desempenho em língua de sinais, o surdo terá mais
conteúdo semântico a dizer, proporcionando-lhe um desenvolvimento cognitivo equivalente
ao do ouvinte. Mas para isso, segundo propõe, todas as disciplinas dos ensinos fundamental e
médio devem ser ministradas por professores fluentes em língua de sinais.
Neste sentido, Denton (1987, apud BRITO, 1993, p. 29) afirmou que, embora
tenhamos uma grande divulgação da Língua de Sinais nas escolas, precisamos compreender
24
definitivamente que, “a via primária para atingir o intelecto do indivíduo surdo é o olho”.
Brito (1993) ainda ressalta outra importância da língua de sinais para os surdos, pois além da
função comunicativa, as línguas naturais – como a língua de sinais é para o surdo – dão o
suporte linguístico à estruturação do pensamento, aspecto este que não pode ser negligenciado
pelos educadores que geralmente somente a veem por meio de comunicação.
No processo de aprendizagem da criança surda, Brito (1993, p. 49) ressalta que esta
deverá adquirir a língua de sinais como sua primeira língua (L1) e paralelamente ser exposta
ao processo de aprendizagem da segunda língua (L2) que, no caso aqui, se tratará da Língua
Portuguesa, em que este último aprendizado terá ênfase à modalidade escrita.
Segundo Sá (2002, p. 361), por muito tempo a escolarização foi negligenciada o que
se viu foram propostas de qualificação para o mercado de trabalho. Para ela, para que haja os
desejáveis avanços educacionais, faz-se necessária a conscientização dos educadores em
trabalhar por uma educação plural, que valorize diferentes saberes na produção do
conhecimento, e que considere o universo cultural e singular dos grupos minoritários. Neste
sentido, o papel da escola é crucial para diferentes segmentos da população brasileira em que
a diferenciação sociocultural deve ser concebida como uma enorme riqueza de possibilidades.
Assim, o desafio que se nos apresenta é a construção de uma escola, juntamente com os
surdos, que leve em consideração a língua, as formas culturais e os projetos da comunidade
surda, uma escola não terapêutica, mas antes enriquecida por uma significativa prática
pedagógica que verdadeiramente gere um processo de produção de conhecimentos e de
formação de recursos humanos surdos. Nas palavras instigativas de Sá:
É imprescindível que, assim, a educação se torne, de fato, um processo socializador,
e que seus agentes respondam às exigências das diferenciações sócio-culturais. A
educação formal de surdos, nesta perspectiva, é, realmente, um desafio (SÁ, 2002, p.
362).
Dessa forma, para oferecer uma educação de qualidade à pessoa surda, é necessário
conhecê-la em sua plenitude; concebendo-a por uma pessoa diferente linguística e
culturalmente; respeitando sua forma de aprender, de ver e de interagir com o mundo. Para
isso, é necessário conhecer sua história e suas peculiaridades.
25
2. PRODUÇÃO DE MULTIMEIOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS
No presente capítulo serão abordadas as experiências relatadas concernentes à
elaboração de material didático para a educação de surdos, bem como as orientações e
diretrizes – encontradas no processo de revisão de literatura – que norteiam tal atividade,
perpassando, antes, pela origem da utilização de material na sala de aula no processo de
ensino-aprendizagem.
2.1. MATERIAL DIDÁTICO: ORIGEM E DEFINIÇÕES
O material didático tem sua origem com o surgimento do livro didático, a partir da
invenção da imprensa, no século XV, e intrinsecamente associado ao ensino de línguas
(PAIVA, 2012, p. 1).
O livro passou a assumir uma característica didática no momento em que adentrou ao
ambiente de ensino, cujos registros, nele contidos, apoiavam o ensino de determinada língua.
Em virtude da escassez dos livros, esses ficavam na mão do professor e seu conteúdo era
repassado aos alunos por meio do ditado e discutidos dialogicamente. Assim, até o final do
século XVII, era comum ter por “livro didático” as gramáticas, haja vista, também, que o
ensino de língua à época se firmar no ensino da estrutura gramatical com referência à sua
forma escrita (KELLY, 1969, apud PAIVA, 2012, p. 2).
O primeiro registro de livro didático voltado ao ensino de uma língua é a obra Orbis
Pictus de João Amos Comenius, escrita em 1654, para o ensino de latim. Por defender o
emprego de recursos de concretização no ensino, Comenius escreveu uma obra em que as
palavras foram ilustradas com representações pintadas, por acreditar que as representações
visuais, principalmente os desenhos ilustrativos e gravuras, estimulariam os sentidos, a
memória e a inteligência dos estudantes (HAIDT, 2000, p. 227).
Paiva (2012, p. 3, apud THOMPSON, 2000) comenta que esta obra de Comenius
serviu de modelo para outros livros didáticos do século XVIII e XIX. Segundo a autora, na
primeira metade do século XX, entre os livros adotados no Brasil para o ensino de línguas,
adotou-se um material didático considerado bastante inovador para época: o livro didático
“An English Method, do Padre Julio Albino Pinheiro, publicado em Coimbra, em 1930” (p.
5). Sua inovação se deve ao conceito de língua nele praticado, em que a língua também é
26
concebida como comunicação e como veículo de práticas sociais diversas. O material
didático, construído sob essa perspectiva, tinha o intuito de promover autonomia do aprendiz
por meio dos diálogos nele inclusos e exercícios de conversação. Assim, o livro didático era
acompanhado de um disco, em cuja tecnologia sonora, estavam gravados os sons dos
símbolos fonéticos. Para Paiva (2012, p. 7), esse livro inaugurou, no Brasil, a incorporação da
tecnologia sonora (material gravado) como material didático. Depois dos discos para uso no
gramofone, “vieram os cassetes, CDs, CD-Roms e agora a internet” (p.8).
Diante da evolução no uso de recursos variados na prática educativa, faz-se necessário
abordar uma definição do que hoje está sendo considerado por material didático além do livro
didático.
2.1.1. Definições de material didático
Vilaça (2009, p.4) amparado nas definições de Tomlinson (2004) e Salas (2004),
compreende que material didático se refere a tudo aquilo que é usado para auxiliar a
aprendizagem/aluno e, consequentemente, auxiliar o ensino/professor, traduzindo-se assim na
sua função: auxiliar o processo de ensino/aprendizagem de forma a contribuir à aprendizagem
bem-sucedida. Segundo o autor, enquanto para Tomlinson os materiais didáticos estão ao
serviço do professor, para Salas eles servem tanto a professores como alunos, permitindo
compreender que “os livros didáticos, juntamente com resumos, tarefas, CD-Roms, vídeos,
CDs, exercícios fotocopiados elaborados pelo professor, entre outras possibilidades, são,
portanto, formas ou modalidades de realização e emprego de materiais didáticos” (VILAÇA,
2009, p. 5).
Haja vista o emprego de inúmeros materiais e recursos no auxílio do processo de
ensino-aprendizagem, a expressão “material didático” é associada à tradicionalidade,
tornando-se mais usual a expressão “recurso audiovisual”, conforme afirma Parra (1974b, p.
77): “podemos identificar os recursos audiovisuais com os tradicionais materiais didáticos,
entendendo-se por isso todos os auxiliares ou meios materiais que se dirigem, inicialmente,
aos órgãos sensoriais”.
Haidt (2009) aponta que o emprego da expressão material ou recurso audiovisual é
novo entre os educadores, mais precisamente na metade do século XX, após a Segunda
Guerra Mundial. Mas, segundo a autora, há muito tempo “vários educadores já defendiam a
necessidade de usar recursos auxiliares do ensino, com o objetivo de ilustrar a palavra do
27
professor, tornando as lições mais concretas e mais ligadas à realidade” (HAIDT, 2009, p.
226). A autora salienta de que os recursos audiovisuais “constituem num instrumento, um
meio e não um fim em si mesmos” (p. 235), de modo que podem ser classificados de variadas
formas.
A classificação mais difundida dos materiais auxiliares do processo ensinoaprendizagem é a proposta por Parra (1972a, p. 32), a qual os divide em três categorias de
acordo com o critério adotado: recursos visuais – voltados à visão; recursos auditivos –
voltados à audição e; recursos audiovisuais – reúnem os dois estímulos. Aos recursos visuais
empregam-se os materiais: quadro de giz, flanelógrafo, imanógrafo, quadros de pregas,
cartazes, gravuras, modelos, museus, espécimes, diafilmes, filmes, fotografias, álbum seriado,
mural didático, exposição, gráficos, diagramas, mapas, objetos, transparências, entre outros.
Já aos recursos auditivos estão o rádio, os discos, as fitas magnéticas. Por último, os recursos
audiovisuais tratam-se dos filmes com som, cinema sonoro e televisão.
Diante do ano em que a classificação foi proposta, alguns dos materiais mais
conhecidos na atualidade não foram mencionados, como, por exemplo: videocassete, aparelho
de DVD, CD, etc.
Percebemos então, que todos os materiais ou recursos utilizados para ajudar tanto na
aprendizagem do aluno como na prática educativa do professor podem ser considerados
materiais didáticos – recursos didáticos, recursos audiovisuais, materiais auxiliares do
processo ensino-aprendizagem, etc.
2.2. ELABORAÇÃO OU ADAPTAÇÃO DE MATERIAL?
Conforme já foi tratado no capítulo anterior, os alunos surdos recebem uma educação
especial de forma inclusiva. Dessa forma, lhe são assegurados alguns direitos previstos em lei
de acesso ao conteúdo. No Capítulo V, Art. 59 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – Lei n.º 9.394/96 – é assegurado aos alunos da educação especial “currículos,
métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas
necessidades”.
Na literatura pesquisada, como Herrero (2000), Glat (2006), Valle e Guedes (2003),
entre outros, encontraram-se algumas referências em que o termo mais utilizado foi
“adaptação curricular”, as quais, na maioria das vezes, são relatos de experiências de
28
professores que sugerem uma maneira de adaptar o conteúdo de acordo com as necessidades
de seus alunos (deficiência visual, intelectual, etc.).
Em apenas um dos materiais encontramos uma orientação clara de como se proceder a
uma adaptação de unidade de conteúdo. Segundo as orientações de Herrero (2000, p. 145),
citando Coll (1986), a adaptação curricular é realizada com base nos objetivos da prática, a
partir da seleção dos conteúdos/unidades que requeiram adaptação quanto à forma de acesso
ao conteúdo.
Percebe-se que a orientação trazida por Herrero (2000) é convergente ao ato de
adaptar, semanticamente falando. De acordo com a definição de Houaiss (2004), adaptar é
“ajustar ou acomodar (uma coisa a outra), modificar (obra escrita) para torná-la mais de
acordo com o público a que se destina [...]”. Neste sentido, a adaptação curricular é plausível
quando o conteúdo, método, materiais e objetivos permanecerão os mesmos, necessitando
apenas de se modificar a forma como o aluno experimentará – terá acesso – tal aprendizagem.
Em outras palavras, em caso prático, citamos como exemplo a adaptação de material a alunos
com deficiência visual. Para que eles tenham a mesma oportunidade de aprendizagem dos
demais alunos, o conteúdo/unidade primordialmente apresentado em tinta (digitado,
datilografado, escrito, etc.) deverá ser transcrito para Braille. Neste caso, modificou-se a
forma de acesso; de uma forma inicial impossível de acesso à informação para uma maneira
possível à sua leitura.
Seguindo a premissa da adaptação, como essa seria possível aos alunos surdos? Para
responder a essa questão, necessitamos antes refletir e retomar alguns aspectos de
caracterização do aluno surdo.
A característica mais marcante da pessoa surda com relação às demais pessoas é sua
diferença linguística. Enquanto a língua de sinais é sua primeira língua (L1) a língua
portuguesa (LP) escrita é sua segunda (L2). Por este fator lhe foi garantido, no Brasil, o
direito a uma educação bilíngue – conforme Decreto n.º 5.626/2006 – em que corresponde o
acesso à educação por meio de sua L1 e o ensino da L2 na modalidade escrita (QUADROS;
SCHMIEDT, 2006, p. 15-18). A adaptação do material didático, nesse contexto, deveria ser
então em transpor o conteúdo da língua portuguesa escrita para a língua de sinais, a qual no
âmbito nacional se trata da Libras, uma vez que não se é adotado o sistema de escrita da
língua de sinais, a saber o SignWritting, criado há cerca de 30 anos por Valerie Sutton na
Califórnia, mas não difundido nacionalmente (STUMPF, 2004, p. 147).
Ao mesmo tempo em que lhe é outorgado o acesso à educação por meio de sua língua
de instrução (L1) também lhe é imposto o aprendizado da escrita da L2. E, para se chegar à
29
informação (conteúdo), contida no material didático, palpável e escrita, é necessário,
prioritariamente, que o aluno surdo domine a L2. Entramos, assim, num círculo vicioso!
Deparamos-nos então na impossibilidade de adaptar o conteúdo para a educação de
surdos, já que não contamos com um sistema de escrita de sinais, não se é possível transpor o
conteúdo escrito em Língua Portuguesa para a Libras escrita.
É nesse momento que adentramos na perspectiva da “elaboração” de material didático,
a qual pela própria significação semântica nos possibilita refletir sobre outra proposta de
material didático para a educação de surdos. Partindo assim do mesmo pressuposto: a
compreensão semântica, elaborar significa “preparar laboriosa e paulatinamente; realizar,
organizar com grande cuidado; fazer com que fique assimilável; [...]” (HOUAISS, 2004).
Neste sentido, é necessário que o material à educação de surdos seja preparado de forma que
se propicie a compreensão, primeiro, da língua portuguesa e em seguida ao conteúdo
especificamente, independentemente da natureza do conhecimento.
Percebemos assim, que a elaboração de material didático à educação de surdos
perpassa, na verdade, pela metodologia de ensino de línguas. Não é por acaso que a maioria
dos referenciais teóricos que tratam dessa temática nos subsidiam, substancialmente, a
respeito da elaboração de material didático para o ensino de língua portuguesa para surdos.
Dessa forma, é importante ressaltar que traremos à tona, no capítulo 3 deste trabalho,
as orientações, relatos de experiência ou sugestões concernentes à elaboração de material que
tangenciam a educação de surdos, inclusive, às focadas no ensino de LP, em que pese não ser
este o único objetivo desta pesquisa.
2.3. DIRETRIZES À ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Com base nos subsídios resultantes da revisão de literatura, a elaboração de material
encontra-se no mesmo patamar que a adaptação curricular: informações de caráter sugestivo a
partir das experiências exitosas de professores que ensinam alunos surdos. E, conforme já
abordado, muitas dessas sugestões referem-se ao ensino de LP escrita como segunda língua.
Dentre os conhecimentos da educação formal, o único para o qual se tem um
direcionamento à prática educativa é o ensino de segunda língua/língua estrangeira. Esse
ensino está fundamentado em abordagens e métodos de ensino, o que certamente norteiam a
elaboração de material didático. Daí a importância de se abordar, também, tais conceitos, haja
30
vista seu desdobramento na preparação de material à educação de surdos, cujo ato perpassará
os demais ensinamentos, em que todos, fundamentalmente, estarão ancorados na LP.
2.3.1. Das abordagens e métodos do ensino de segunda língua
Para o ensino de uma língua faz-se necessário, primeiramente, estabelecer a concepção
de língua para que então, seja traçado modo de ensino e de aprendizado. Desta forma, são
concebidas as abordagens e os métodos de ensino, fundamentados no conceito de língua, os
quais são encontrados e respaldados no âmbito da linguística. A abordagem está associada às
concepções teóricas enquanto o método, à implementação dessas concepções à prática de
ensino, amparado por técnicas específicas. Três abordagens são consideradas principais neste
século, a saber: a estruturalista, a funcionalista e a interacionista (SALLES, et al., 2004, p.
98).
Na abordagem estruturalista, adotada nos anos 50 a 60, entendia-se que a
aprendizagem de uma língua se dava no domínio dos elementos do sistema linguístico
(unidades fonológicas, gramaticais, operações gramaticais e itens lexicais), pela qual se
originou o método audiolingual. Já na abordagem funcionalista, praticada nos anos 70, o
objetivo da aprendizagem enfatizava a compreensão semântica e comunicativa da língua, cuja
forma de ensinar – ensino comunicativo – provocou significativas mudanças tanto na
elaboração do material didático como nos procedimentos em sala de aula, isso porque a língua
era concebida como instrumento de comunicação. E por último, a abordagem interacionista,
praticada desde os anos 80, como o próprio nome revela, a língua é aprendida pela interação
entre as pessoas, pelo exercício comunicativo por meio de uma construção do discurso. Os
métodos de ensino, nesta abordagem, priorizam a interação contextualizada, em que sejam
buscadas e aproveitadas as situações naturais ao cotidiano dos alunos, tanto dentro de sala de
aula como fora dela (SALLES, et al., 2004, p. 99-107).
Dessa forma, a aprendizagem da L2/LP pelo aprendiz surdo assume características
especiais, pois essa não será adquirida de forma natural, mas de maneira formal na escola e no
modo escrito, que, por esses motivos, Salles et al. são contundentes ao afirmarem:
Diante da ausência de trocas orais, fica claro que o texto escrito não pode se
restringir a transmitir informações estruturais e lexicais, mas caberá a ele assumir o
papel de contextualizador, trazendo aspectos pragmáticos, sociolinguísticos e
culturais (SALLES, et al., 2004, p. 115).
31
Nas considerações das autoras, encontramos ainda, o que podemos considerar como
diretrizes à elaboração do material didático ao ensino de LP/L2 para surdos, orientações à
seleção de textos para esse ensino segundo a abordagem interacionista. De acordo com Salles
et al., os textos precisam:
 ser autênticos, sempre que possível;
 conter temas relacionados à experiência dos aprendizes, levando a um maior
envolvimento pessoal e provocando relações e manifestações;
 estar associados a imagens – a boa opção seria artigos de revistas e jornais, que
costumam estar ilustrados, bem como propagandas (SALLES, et al., 2004, p. 115 –
transcritos conforme o original).
As autoras ainda recomendam a não aceitação de materiais didáticos os quais
apresentem a língua de forma estática; orientando que nesses a língua esteja inserida nas mais
variadas situações comunicativas, para que dessa forma, a partir do que se aprendeu, o aluno
não apenas faça uso dessa língua em sala de aula como também seja capaz de comunicar
adequadamente fora dela (SALLES, et al., 2004, p. 117).
Na mesma perspectiva, Nascimento (2010, p. 21) defende um ensino instrumental da
LP para surdos. De acordo com a autora, o ensino de L2 contempla o desenvolvimento das
quatro habilidades linguísticas: fala, audição, leitura e a escrita, as quais podem ser
desenvolvidas concomitante ou separadamente. Essa especificidade do ensino de L2 que lhe
distingue como ensino instrumental. Em seu método de ensino a surdos, Nascimento (2010)
enfoca no ensino de L2 duas habilidades: a leitura (compreensiva) e a escrita, por considerar
que essas duas habilidades cumpriram seu papel social para os surdos, conferindo-lhes a
fluência necessária na LP, uma vez que “o registro escrito da língua substitui a audição e a
leitura visual, com os olhos, substitui a fala” (p. 22).
Uma das características dos surdos contemplada no método de Nascimento (2010) nos
fornece um subsídio de como o material didático desses alunos deverá ser produzido.
Conforme a autora, “uma vez que os Surdos são sujeitos visuais, será aproveitado no ensino
de português como língua segunda todo o tipo de estratégia visual que possa vir a contribuir
para a leitura e a escrita” (NASCIMENTO, 2010, p. 22).
Fica evidente, diante dos apontamentos acima que, à elaboração de material didático
para a educação de surdos, faz-se necessário considerar, acima de tudo, sua característica
predominante: percepção visual, bem como ancorar a linguagem escrita – a LP – na condição
de segunda língua.
32
2.3.2. Da elaboração de material didático para o ensino de Língua Portuguesa como
segunda língua
Segundo Quadros e Schmiedt (2006, p. 99), há inúmeros recursos didáticos que podem
ser utilizados no ensino de português (L2) para surdos, dependendo apenas da criatividade do
professor. Apesar disso, as autoras afirmam ser comum se deparar com professores
angustiados pela falta de material para essa prática de ensino, pelo que ressaltam a
necessidade desses confeccionarem seu próprio material de apoio, a fim de levar a criança à
compreensão do conteúdo e, por conseguinte, ao aprendizado da língua em sua modalidade
escrita.
Conforme as próprias autoras ponderaram, as sugestões trazidas por elas não tiveram o
objetivo de esgotar o assunto concernente à elaboração dos recursos didáticos, haja vista as
várias situações enfrentadas as quais requererão um material diferente e adequado à realidade.
Na verdade, a intenção de Quadros e Schmiedt (2006, p. 99), ao abordar o tema, é repartir
algumas ideias de materiais já utilizados no trabalho com surdos os quais demonstraram bons
resultados no ensino da L2.
Entre as sugestões de materiais didáticos para o ensino de português (L2) para surdos,
há a indicação do fichário, o qual consiste em uma caixa contendo diversas fichas
padronizadas com figura e palavra correspondente; o objetivo desse material é mostrar “o
nome das coisas”; as fichas devem ser confeccionadas com figuras nítidas que se aproximam
ao máximo da realidade do aluno, além de serem “limpas”, ou seja, que não haja outros
elementos diferentes ao da palavra-chave (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 101).
Outra sugestão interessante é o dicionário configuração de mãos/português. Trata-se
de um caderno no qual as configurações de mãos estarão coladas na borda das folhas.
Diferentemente da lógica do dicionário em português, neste, a sequência lexical se dá pela
configuração da mão e não pela ordem alfabética, cujo objetivo é incentivar o aluno a buscar
sozinho, as palavras desejadas à construção textual em português. Os sinais ou as figuras
correspondentes às determinadas configurações de mão serão agrupados, colados e
identificados pela palavra que o nomeia (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 103).
Quadros e Schmiedt (2006, p. 104) ainda sugerem as caixas de gravuras, de verbos,
de alfabeto Libras e Português e uma de histórias em sequência. Para a caixa de gravuras,
as autoras recomendam selecionar imagens ricas em informações com as quais se estimule o
aluno a produzir textos sobre a informação que gravura passa. Com relação à de verbos, a
33
orientação é para que apenas um verbo esteja destacado na imagem, por exemplo, se o verbo é
“sorrir”, não deve ter na gravura uma pessoa sorrindo ao mesmo tempo em que realiza outra
ação, como abrir uma porta concomitante ao ato de sorrir. Já os alfabetos, tanto em Libras
como em Português, devem ser confeccionados em cartelas a fim de propiciar a construção de
palavras. Com relação às histórias, as autoras recomendam fichas com diferentes números de
cenas sequenciais para as quais os alunos deverão escrever seu enredo, estimulando dessa
forma a produção de frases ou texto, do pensamento e da criatividade.
O material didático sugerido por Grannier e Silva (2007, p. 1) é direcionado ao ensino
do português-por-escrito – expressão utilizada por Grannier (2002, apud GRANNIER;
SILVA, 2007, p. 2) – às crianças com surdez profunda, as quais chegam à escola com
conhecimento de Libras, mas não de português. Na proposta das autoras, o material didático
refere-se ao texto-base e às atividades didáticas e ressaltam que, tanto o material didático
como o professor tem o papel de facilitar o contato direto do aprendiz surdo com a língua (p.
7).
Para Grannier e Silva (2007, p. 2), os textos, assim como no ensino a ouvintes, devem
ser criteriosamente selecionados. A principal característica dos materiais utilizados é o gênero
textual, pois, de acordo com as autoras, ele permite o desencadeamento de um conjunto de
atividades, servindo de instrumento para o desenvolvimento de capacidades de linguagem: de
ação, discursivas e linguístico-discursivas.
Dessa forma, os textos selecionados devem ser autênticos e chamar a atenção dos
alunos, de preferência, textos em cores e conter as referências bibliográficas. Com base no
texto selecionado, o gênero textual deve ser trabalhado a partir de perguntas e diferentes tipos
de
atividades,
cujas
quais
considerem
“leitura,
compreensão
e
interpretação;
gramática/vocabulário e produção textual” (GRANNIER; SILVA, 2007, p. 3).
Considerando tratar-se do ensino da L2 para surdos, e esta deve ser funcional
(NASCIMENTO, 2010, p. 21), de acordo com Grannier e Silva (2007), alguns gêneros
textuais propiciam noções relevantes e necessárias a respeito do português, em especial a
respeito de alguns pontos gramaticais específicos, como por exemplo:
- textos descritivos/expositivos: formas do presente, verbos regulares, verbos ser e
estar e outros;
- textos narrativos: pretérito perfeito, pretérito imperfeito; noções de tempo,
ordenação de fatos; expressões do cotidiano; duplo sentido e outros;
- textos dissertativos: formas do modo subjuntivo, construção de passivas, uso de
expressões conectivas, noções de oposição, causa, consequência e outras
(GRANNIER; SILVA, 2007, p. 3).
34
Para se destacar e reforçar os aspectos estruturantes da língua, os quais se objetiva
trabalhar, Grannier e Silva (2007, p. 12) orientam a confecção de fichas e tiras contendo os
diálogos do texto, as expressões, as estruturas com preposições, vocabulários e itens
gramaticais, ou seja, tudo aquilo que o professor desejar focar no ensino com base no texto
selecionado. As fichas e tiras comporão o material didático permitindo atividades variadas em
que aproximará o aprendiz da língua de acordo com a dinâmica adotada.
Tanto nas sugestões de Quadros e Schmiedt (2006) como na de Grannier e Silva
(2007) a condição visual do aluno surdo foi considerada para a elaboração de material
didático no ensino do português escrito, mostrando dessa forma, que essa característica não
pode ser menosprezada na preparação dos recursos didáticos para a educação de surdos,
principalmente no tocante ao ensino de L2, uma vez que as palavras (frases, textos, estruturas
gramaticais, etc.) serão para eles mais algumas imagens.
35
3. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo, dividido em duas seções, será apresentada a metodologia empregada
na pesquisa e a discussão dos dados. Primeiramente, caracterizar-se-á o espaço pesquisado e,
em seguida, a descrição da coleta de dados, que, em virtude da forma como se deu, optou-se
pelo relato de observação concomitante com a análise dos dados.
3.1. METODOLOGIA
Face aos procedimentos de investigação utilizados à pesquisa, esta assume as
características de dois tipos de pesquisa: exploratória e descritiva qualitativa.
Exploratória em virtude do levantamento bibliográfico realizado por meio de livros,
dicionários e artigos científicos disponíveis na internet. Descritiva qualitativa pela
necessidade da pesquisa em campo, em que se utilizou o método de observação seguida da
análise dos materiais confeccionados e utilizados pelas professoras em suas práticas
educativas (BEZZON, 2005, p. 23).
A pesquisa em campo foi realizada no mês de maio de 2012 em uma escola de ensino
regular de Taguatinga Norte, em que há alunos surdos incluídos, cuja unidade está ligada à
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF).
Inicialmente, buscou-se observar os materiais didáticos elaborados por professores do
Ensino Fundamental e Médio. Contudo, somente foi possível observar os materiais das
disciplinas Português e Biologia do Ensino Médio, face à sutil resistência encontrada nos
professores da escola do ensino fundamental em submeter seu material à pesquisa, ainda que
se ressaltasse o objetivo maior: observação (tão somente) dos materiais e não a avaliação
desses.
Em que pese o foco da observação ter sido os materiais didáticos elaborados para o
ensino de surdos, muitas informações e explicações a respeito deles foram obtidas a partir da
observação da aula em que foram utilizados e por meio de conversas com as professoras
elaboradoras e aplicadoras dos tais.
Dessa forma, a seguir, tanto as visitas como os materiais didáticos (recursos
audiovisuais) e os comentários das professoras serão relatados, seguidos das análises
possibilitadas pelo conhecimento obtido por meio da fundamentação teórica.
36
3.2. OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Conforme apontado anteriormente, o foco das observações se concentrou nos
materiais didáticos elaborados para emprego no processo ensino-aprendizagem do aluno
surdo.
3.2.1. Material Didático para o ensino de Português escrito
A primeira observação oportunizada se deu na sala ambiente para o ensino de
Português para Surdos do Ensino Médio. A sala se configura num ambiente propício à
educação de surdos, pois privilegia a experiência visual do surdo e o contato (visualização)
com a língua em sua modalidade escrita. Há na sala uma variedade de recursos visuais
(materiais didáticos) como: cartazes com alfabeto em português com imagens e a palavra
correspondente à letra estampada, dicionários dos próprios alunos ou do acervo da
professora/escola, livros de literatura, ficha de inscrição de leitor (ficha da biblioteca) mural
de avisos, mural didático, álbum seriado, quadro branco, projetor DataShow, textos com
respectivas atividades e internet.
Tanto na aula para o 1º ano como nas aulas do 2º ano, pôde-se não apenas ter acesso
aos materiais elaborados pelas professoras como observar sua aplicação.
Logo no início da observação (e das conversas), uma das professoras da disciplina
esclareceu de que o material é construído de acordo com a necessidade e característica da
turma.
O primeiro material didático de autoria de uma das professoras foi um “Roteiro de
Leitura”, o qual foi registrado no quadro branco para que os alunos o copiassem. Os alunos
deveriam escolher e ler um livro de leitura e, na data marcada, entregar o roteiro respondido.
Além de trabalhar a habilidade da escrita, o roteiro propiciaria também a leitura
compreensiva, pois nele, os alunos deveriam responder algumas questões e contar a história,
ou seja, redigir um resumo da obra. O preenchimento do roteiro iniciava pelo cabeçalho com
os dados do aluno/leitor e em seguida, pelos dados do livro lido: título da obra, autor, editora
e ano de publicação. Posteriormente, redigiria um texto abordando o início, o meio e o fim da
história. Para aferir o nível de compreensão da leitura, o aluno ainda deveria registrar os
aspectos interessantes da história, respondendo às perguntas a respeito do que tinha gostado,
gostado mais e do que não gostou.
37
Condizente com a afirmação inicial da professora, conforme surgem as necessidades,
o material é aperfeiçoado. Foi exatamente o que se verificou.
Ao aplicar o roteiro para uma segunda turma, precisou acrescentar mais algumas
instruções à atividade de leitura e preenchimento do roteiro. As orientações acrescentadas
perpassaram desde a indicação de pesquisas ao dicionário, leitura diária e marcação da
interrupção da leitura. Instruiu-se também quanto às distinções do ato de contar/copiar uma
história além das orientações metodológicas de como ler e redigir um texto.
O segundo recurso observado – esse de autoria da outra professora da disciplina –
refere-se a um material impresso composto por um texto autêntico e atividades didáticas. O
texto, de gênero textual, se trata de uma entrevista da Vanessa Vidal, modelo surda e
coordenadora do Concurso Miss Surda Brasil, concedida ao Blog Vendo Vozes. A primeira
recomendação constante no material, em forma de comando e bem destacada, recomendava o
uso do dicionário para leitura do texto e resposta às questões. O primeiro comando
relacionado à atividade didática solicitava a leitura do texto; na segunda atividade o aluno
deveria escrever outras três perguntas que ele faria à entrevistada; e por último, na terceira
atividade, o aluno deveria recortar as imagens fornecidas no material e colá-las nos
respectivos espaços com frases relacionadas à informação das fotos, além de completar as
lacunas das frases. Essa terceira questão já não se relacionava ao texto, mas ao gênero textual:
entrevista (texto jornalístico), em que o foco permaneceu a modelo surda acrescentando-se
outros entrevistadores. Evidenciando-se assim o grupo lexical a ser trabalhado:
ENTREVISTA – ENTREVISTADA – ENTREVISTADOR – ENTREVISTADORA.
O terceiro material, também de autoria das professoras, fica exposto de contínuo na
sala por se tratar de um álbum seriado fixado na parede. Neste material, em cada uma de suas
folhas de papel pardo, há uma palavra, escrita na cor vermelha e em caixa alta, a qual intitula
o grupo lexical. Assim como na última atividade descrita acima, são acrescentadas àquele
grupo lexical novas palavras, em cor diferente, compreendidas pelo mesmo sentido
semântico. A intenção é que o aluno perceba os vários sentidos e formas de uso de um
determinado léxico. Objetivo alcançado em uma das aulas, quando um dos alunos percebeu,
no momento em que copiava o Roteiro de Leitura (primeiro material descrito), que no grupo
do léxico LER faltava a palavra “lido”. Imediatamente a palavra foi incluída pela professora,
a qual chamou a atenção dos demais alunos da turma para este acontecimento.
Por acreditar que a visualização desse material possibilitará uma melhor compreensão
do que fora relatado, esse será representado a seguir por uma ilustração, de autoria desta
38
pesquisadora e observadora dos materiais didáticos, face à falta de autorização para fotografálo.
Ilustração 1: Representação do Material Didático observado
LER
À medida que surgem novas palavras, essas são acrescentadas ao grupo lexical, como
aconteceu com o vocábulo “lido”, ou um novo grupo é incluído ao material, o que de certo
será feito em virtude do novo grupo estudado: ENTREVISTA.
3.2.1.1. Análise do material didático
O primeiro material didático observado, a saber, o Roteiro de Leitura, recorreu a
vários outros recursos didáticos para se constituir como tal: um recurso visual. Para construílo, a professora utilizou não apenas o quadro branco como também recorreu ao desenho. Após
escrever as instruções no quadro, ela desenhou um esboço da estrutura do trabalho, indicando
inclusive quantas linhas seriam necessárias para responder às questões propostas. Em seguida,
em Libras, explicou item a item de como deveria ser feito o trabalho. A começar pela
originalidade e criatividade da professora, seguida pela estrutura metodológica adotada no
roteiro e a forma de apresentação do guia (representação gráfica), demonstrou consideração
pelas características do aluno surdo, possibilitando-o contato e o ensino da língua por meio do
visual.
As estruturas semânticas dos comandos facilitavam a compreensão do aluno
concernente ao que tinha de fazer. Os comandos eram simples e diretos, demonstrando o foco
da prática educativa: o ensino funcional da língua. Atendendo dessa forma, aos preceitos
legais do ensino do português como segunda língua.
Assim como o primeiro, o segundo material didático para ensino de português
observado também privilegiou a experiência visual do surdo, destacando ainda mais o que era
39
imprescindível ao aluno observar para compreender o texto. Utilizando-se dos mais variados
tipos de destaques textuais, as professoras acabam por demonstrar, inclusive, o método o qual
seguem para elaborar materiais didáticos. Os comandos são iniciados sempre por verbos e
esses são escritos em caixa alta e negritados. Algumas palavras-chave recebem o mesmo
tratamento. Essa característica pode ser verificada com os extratos do material didático,
anexados a seguir:
Figura 1 – Extrato do Material Didático observado
Fonte: Atividade Discursiva – 1º Bimestre
Na questão seguinte, o comando é desmembrado e para cada ação (resposta ao
exercício) aplica-se a mesma técnica de destacar o verbo-chave com letras em caixa altas e
negritadas.
Figura 2 - Extrato do Material Didático observado
Fonte: Atividade Discursiva – 1º Bimestre
40
Atividades como essa corroboram para a compreensão semântica das palavras e para o
despertar no aluno surdo quanto à notar a distinção gráfica dos vocábulos. Essa distinção para
eles, que veem o texto como um conjunto de imagens, é fundamental, haja vista a ausência ou
presença de determinadas letras mudarem a palavra e alterarem o sentido da informação a
qual se deseja passar. Isso fica claro com as situações e combinações propostas no exercício; a
informação referente à Vanessa Vidal será distorcida se ao invés de “entrevistada” o aluno
escrever “entrevistadORA”.
Outro aspecto salutar nesse material didático elaborado é a autenticidade do texto –
conforme orientam as autoras Grannier e Silva (2007) – e, principalmente, a valorização da
cultura surda. O texto trouxe de forma muito positiva um par semelhante: uma surda
sinalizante. O tema é instigante à leitura, pois envolve o aluno ao contexto do texto; é atual e
trouxe informações pertinentes e de interesse à faixa etária; o gênero textual possibilita
visualizar a língua em seu processo usual, como de fato é praticada.
As imagens selecionadas são claras, do ponto de vista informacional. Dão pistas para a
compreensão da informação facilitando não apenas sua interpretação como o relacionamento
às frases do exercício. Demonstrando que o apelo ao visual, tanto na seleção das imagens
como nas estratégias utilizadas pelas professoras, são condizentes às premissas de ensino de
português, como L2 para surdos, propostas por Nascimento (2010). Quão bom seria se o
material tivesse sido fotocopiado em cores, propiciando (mais) nitidez às imagens.
3.2.2. Material Didático para o ensino de Biologia
Em virtude de na escola existir em seu corpo docente mais de um professor de
Biologia, e dentre eles existir uma professora com fluência em Libras, construiu e equipou-se
uma sala para o ensino específico, possibilitando dessa forma, uma sala ambiente da
disciplina para surdos.
Nesta sala há diversos recursos visuais, tais como: mural de notícias, o quadro branco,
internet, espécimes de insetos em conserva; livros didáticos, móbiles de algumas partes do
corpo humano e apostilas de textos e exercícios.
Apesar de ter à disposição variados livros didáticos, a professora diz ser necessário
elaborar seu próprio material didático, pois os textos dos livros didáticos são de difícil
compreensão para os alunos surdos. A linguagem rebuscada em português e a estrutura de
41
como os conceitos são trabalhados não favorecem a compreensão daqueles para os quais o
português é segunda língua. Por isso, essa professora elabora seu próprio material, focando
sempre na estrutura textual de L2, ou seja, os conceitos são redigidos de forma clara e direta,
amparados sempre pelas imagens dos respectivos conceitos, segundo a professora.
Para estruturar o conteúdo no material produzido, uma apostila, a professora indicou o
tema da unidade curricular e construiu pequenos textos com foco nos conceitos. Sempre que
possível e identificado na internet, ela complementa o material impresso com apresentação de
vídeos disponíveis na rede, dando preferência pelos vídeos publicitários, por considerar a
linguagem de cunho educativo, simples e direta quanto à informação que se deseja transmitir.
Assim como aos conceitos, a professora também redigiu os comandos dos exercícios
de forma objetiva, como por exemplo: “Preencha os espaços abaixo.”, “Relacione as
colunas.”, etc. O material é muito rico em imagens. Ora usadas para ilustrar um conceito, ora
como metodologia de interpretação e resposta de exercícios.
Após trabalhar cada um dos conceitos planejados, ela solicita aos alunos que anotem
os vocábulos novos num caderno, uma espécie de dicionário particular e temático, ou seja,
apenas dos temas relacionados à disciplina Biologia.
Cada aluno tem um caderno formatado à semelhança de uma agenda telefônica, em
que as bordas das folhas são identificadas por uma letra do alfabeto na sequência em que são
ordenadas. Dessa forma, na medida em que se é trabalhado um conceito, esse é registrado nos
dicionários personalizados. Assim, quando necessitam rever qualquer conceito, eles recorrem
às suas anotações. Um dos exemplos observados foi de “mitocôndria”, cujo conceito estava
registrado na página da letra “M”. Houve alunos que aproveitam para grafar o sinal das
palavras.
Esse caderno é semelhante ao recurso proposto por Quadros e Schmiedt (2006, p.
104), guardadas as devidas adaptações conforme figura a seguir:
Figura 3 – Sugestão de Material Didático para o ensino de Português
42
3.2.2.1. Análise do material didático
A apostila elaborada pela professora se ocupa de duas funções: facilitar o acesso do
conteúdo de Biologia ao aprendiz surdo ao mesmo tempo em que o aproxima do português. A
estrutura frasal direta e objetiva favorece a compreensão do conteúdo, na medida em que se
apresenta pela ideia-chave: o que, como, quando e para quê? Os comandos das atividades
didáticas iniciadas por verbos dão a orientação necessária do que o aluno precisa fazer.
A preocupação da professora em sempre selecionar imagens nítidas e livres de
quaisquer outros elementos que possam comprometer a interpretação e associação corretas
conforme os conceitos ensinados, e, recorrer aos vídeos para complementar o material
demonstra estar atenta às características da pessoa surda: informação e leitura de mundo
captadas pela visão.
Contudo, considerando que em determinados conteúdos dessa disciplina, algumas
estruturas, as celulares, por exemplo, são identificadas e distinguidas pelas cores imprimidas
nas ilustrações, o material didático fotocopiado compromete sua eficácia a qual é subsidiar o
aprendiz surdo de conteúdo com igual ou aproximada qualidade de imagem como a
encontrada nos livros didáticos.
Neste sentido, é importante que o livro didático seja mais um subsídio ao processo de
ensino-aprendizagem dessa disciplina para alunos e professora, ainda que este sirva para
analisar as imagens correspondentes a cada conteúdo.
A falta de autorização para anexar a referida apostila ou extratos de seu conteúdo nesta
pesquisa, talvez tenha comprometido o relato da observação, pois possibilitaria uma análise
com mais riqueza de detalhes. Todavia, ainda que tenham faltado as ilustrações desejadas, a
oportunidade de observar um material didático para o ensino de Biologia, possibilita analisar
a necessidade de um ensino com metodologia própria à educação de surdos, e como essa
deveria ser.
3.2.3. Considerações Parciais
Os materiais didáticos elaborados para o ensino de ambas as disciplinas foram
confeccionados a partir da constatação das professoras quanto à necessidade de ter um recurso
pedagógico específico à educação de surdos, cujo qual privilegiasse as características do
43
aluno surdo e fosse eficiente ao processo ensino-aprendizagem desse grupo de aprendizes que
recorrem ao olho para aprender.
Com relação ao ensino da língua portuguesa para surdos, modalidade escrita, a
necessidade de elaboração de material didático é uma unanimidade entre os professores de
português para surdos, uma vez que o tema é recente haja vista o reconhecimento da Libras
em 2002. Isso se comprova pelo número de pesquisas publicadas e em andamento a respeito
desse ensino para esse público.
Agora, com relação ao ensino de outras disciplinas, não se encontra estudos nem
pesquisas que visem a investigação de um método apropriado para a educação de surdos.
É de se questionar então: os alunos surdos estão aprendendo, de fato, as outras
disciplinas, as quais são ensinadas a partir de uma metodologia que atende a maioria
ouvinte, com argumentação (explicação), livros e conteúdos escritos em L2 e contando
apenas com a interpretação?
Talvez essa seja “a pergunta que não quer calar”. Essa merece ser respondida pelo
princípio da inclusão: educação de qualidade para TODOS.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os recursos audiovisuais disponíveis ao sistema de ensino brasileiro, professores e
alunos estão voltados ao processo de ensino-aprendizagem da maioria ouvinte devido à forma
como foram construídos: confeccionados sob a perspectiva da língua oral, o português. Da
expressão oral à escrita, o pensamento, informação e conteúdo estão organizados sob a
estrutura da língua que para o surdo é L2 que, em virtude do precário domínio dessa língua,
pela maioria dos surdos, compromete a aquisição do conhecimento e, por conseguinte, do
aprendizado. Com isso, os surdos já estão em desvantagem com relação aos ouvintes quanto
ao ensino que recebem.
Premente é a necessidade de se elaborar materiais didáticos voltados à educação de
surdos para todos os níveis educacionais. Materiais didáticos com metodologia que privilegie
o “modo surdo de ser”, o qual contemple a experiência visual desse aluno e o ampare em seu
processo de ensino-aprendizagem com uma educação de qualidade.
Muitos dos materiais didáticos produzidos por professores, espalhados pelo Brasil, são
elaborados em virtude das necessidades que se apresentam para desenvolver a prática
educativa com os alunos surdos. Esses professores, comprometidos com a educação e seus
alunos, se desdobram em criatividade e originalidade para criar seu próprio material, os quais
merecem e precisam ser compartilhados para o melhoramento da educação dos surdos, a fim
de que esses tenham, de fato, a mesma educação (de qualidade) e oportunidade a que os
ouvintes gozam.
A resistência enfrentada pelos professores em submeter seus materiais didáticos talvez
advenha da insegurança concernente à eficácia de seus recursos, uma vez que não há na
literatura ou nos órgãos competentes qualquer orientação à elaboração de materiais didáticos
para educação de surdos. A pouca referência encontrada tange o aspecto sugestivo. Ainda
assim, essas experiências necessitam ser publicadas a fim de possibilitar a construção de um
manual, um guia, uma ajuda aos professores, de todas as disciplinas, para a elaboração de seus
materiais didáticos e assim facilitar a aproximação do ensino ao aluno surdo.
A esperança é de que de posse de um material didático que lhe atenda, o aluno surdo
seja tão autônomo na busca do conhecimento como os demais alunos o são, ou ao menos lhe é
propiciado que seja, uma vez que o conhecimento, adquirido na educação formal, está em sua
segunda língua, o português.
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