ANDREIA DE LIMA CAMPOS ROCHA ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: UMA NECESSIDADE NA EDUCAÇÃO DE SURDOS Monografia apresentada ao Programa de PósGraduação Lato Sensu em Libras da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Libras. Orientadora: Prof.ª MSc. Layane Rodrigues de Lima Brasília 2012 Monografia de autoria de Andreia de Lima Campos Rocha, intitulada “ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: UMA NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO DE SURDOS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Libras da Universidade Católica de Brasília, em 08 de agosto de 2012, defendida e/ou aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: Prof.ª MSc. Layane Rodrigues de Lima Orientadora Programa de Pós-Graduação em Libras - UCB Prof.ª Esp. Valícia Ferreira Gomes Programa de Pós-Graduação em Libras - UCB Brasília 2012 Dedico esse trabalho a todos os alunos surdos e seus professores. AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho somente foi possível porque contei com a colaboração de muitas pessoas; pessoas amigas e queridas, para as quais nutro profunda estima e registro meus sinceros agradecimentos: Como não poderia ser diferente, primeiramente, a Deus, por me fazer ver e sentir seu imenso amor a cada manhã; ao Senhor Jesus, meu Mestre, por me dar sua vida e sua tão grande Salvação; ao Espírito Santo, por sua presença constante ao meu lado. Ao meu Amado Esposo, Marcos Augusto, por sua compreensão e generosidade, ao abnegar-se de muitas horas de minha companhia ao seu lado para que eu desenvolvesse este trabalho. A você “Amor Meu”, o meu amor! À Família pelo apoio de sempre, tão necessário. A vocês Mãe, Keka e Thingo, muito obrigada! À Amiga Gerciane, pelas orações ao Bondoso Deus por minha vida. Vivenciei a resposta de cada um de seus pedidos. Obrigada Amiga! À Turma da Pós em Libras, por compartilhar comigo tantos ensinos e pontos de vista permitindo-me aprender ainda mais. Aos mais novos Amigos, que foram fundamentais nesse processo de construção do conhecimento: Dário, Gisele, Chelon e Rúbia. Vocês são importantes para mim, são como molas propulsoras que me impulsionam a estudar, pesquisar e desenvolver sempre! Aos professores do curso, que sem eles, não teria chegado até aqui. Em especial, à Prof.ª Dr.ª Sandra Patrícia que com imensa generosidade e simplicidade compartilhou toda a sua riqueza de conhecimentos sobre o universo surdo; à Prof.ª MSc. Layane, orientadora desta pesquisa, pela benevolência de ter me aceitado como sua orientanda, mesmo não podendo. Obrigada Layane por acreditar em mim! A todos vocês, minha admiração e gratidão! “E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor?” Êxodo 4:11, Bíblia Sagrada RESUMO O presente trabalho aborda a elaboração de material didático na educação de surdos e traz à discussão a necessidade de se construir materiais didáticos ao aluno surdo para os diferentes níveis educacionais. Para esta análise, tornou-se imprescindível estudar as características da pessoa surda, o processo histórico educacional do aprendiz, aspectos culturais e questões relevantes para seu aprendizado. No tocante à atividade de elaboração de material didático para a educação de surdos, não apenas relatou-se algumas experiências como também, a partir das análises realizadas, extraiu-se dessas algumas indicações que poderão servir de orientações pedagógicas à construção de recursos audiovisuais para o público pesquisado, ou seja, alunos surdos. Diante das pesquisas realizadas, tanto concernente aos referenciais teóricos quanto às realizadas por meio de observações em sala de aula em materiais produzidos pelos docentes, constatou-se que, de fato, há uma premente necessidade dos professores de surdos elaborar material didático das disciplinas as quais licenciam independente do nível educacional em que as ministram, haja vista a diferença linguística e percepção visual do aprendiz surdo. Doutra forma, evidenciar-se- á a exclusão educacional a esse grupo de educandos iniciando pelo recurso didático oferecido não correspondente à suas necessidades educacionais especiais. Palavras-chave: Educação. Material didático. Surdos. RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA This paper discusses a didactic material elaboration of education for the deaf and broaches a subject to behind the one you need to build materials teaching deaf student for different educational levels. This analysis has become essential to study how characteristics of deaf people, the process of the learner's educational background, cultural aspects and issues relevant paragraph your learning. Regarding the activity preparation of teaching material for the deaf education, not only reported if some experiences as also, from the analyzes performed, extracted if some of these indications that could serve as guidelines for teaching construction resources audiovisual paragraph the public researched, deaf students. Given the research conducted, in both in publications and observations in classroom, it was found that in fact there is a pressing need for teachers of the deaf to prepare didactic material of which educational process disciplines such as the independent educational level, given the language difference visual perception and the deaf student. Otherwise, it will show in fact an educational process that exclude deaf group starting at appeal-guided students not offered corresponding to your special educational needs. Key words: Education. Didactic Material. Deafer. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 10 1.1. Sujeito Surdo.................................................................................................................. 10 1.2. A língua de sinais e a manifestação da Cultura Surda ................................................... 12 1.3. Educação de Surdos ....................................................................................................... 16 1.3.1. Processo histórico da educação dos Surdos ............................................................ 16 1.3.2. O advento da inclusão educacional dos Surdos ...................................................... 20 1.3.3. O processo de ensino/aprendizagem do Surdo........................................................ 23 2. PRODUÇÃO DE MULTIMEIOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS................................... 25 2.1. Material Didático: origens e definições ......................................................................... 25 2.1.1. Definições de material didático ............................................................................... 26 2.2. Elaboração ou adaptação de material? ........................................................................... 27 2.3. Diretrizes à elaboração de material didático .................................................................. 29 2.3.1. Das abordagens e métodos do ensino de segunda língua ........................................ 30 2.3.2. Da elaboração de material didático para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua ................................................................................................................... 32 3. METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS ...................................................................... 35 3.1. Metodologia ................................................................................................................... 35 3.2. Observação e Análise dos dados .................................................................................... 36 3.2.1. Material Didático para o ensino de Português escrito ............................................. 36 3.2.1.1. Análise do material didático ................................................................................. 38 3.2.2. Material Didático para o ensino de Biologia ........................................................... 40 3.2.2.1. Análise do material didático ................................................................................. 42 3.2.3. Considerações Parciais ............................................................................................ 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 44 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 45 9 INTRODUÇÃO Contar com recursos didáticos que facilitem o processo de ensino-aprendizagem na educação formal e que ainda possibilitem maior autonomia ao estudante é o desejo de todo professor. O uso do material didático na prática educativa não é algo novo, ao contrário, advém desde o século XVI. De lá para cá, inúmeras foram as mudanças na área educacional, inclusive no tocante ao modo de ensinar. Mudanças essas constantemente requeridas ao professor, especialmente para atender aos anseios de uma educação inclusiva e proporcionar um ensino de qualidade a todos. Qualidade de ensino perseguida para os alunos surdos, atualmente incluídos em salas e escolas de ensino regular, em sua maioria do sistema de ensino público. Uma educação de qualidade refere-se ao ensino eficaz, pelo qual se alcancem resultados satisfatórios que, concernente à educação de surdos, as práticas educativas devem convergir às suas necessidades educacionais especiais, para as quais, necessariamente, devem satisfazer as peculiares do “modo surdo de ser”. Será que os materiais didáticos (livros didáticos, textos, exercícios, mural de avisos, avaliações, aula expositiva, etc.) construídos sob a perspectiva de uma língua de modalidade oral-auditiva contemplam e proporcionam igualdade de oportunidades educativas a alunos falantes de línguas diferentes? E ainda, sendo o surdo uma pessoa essencialmente visual e tendo o português como sua segunda língua, o material didático massiçamente desenvolvido na língua na qual não possui domínio, estaria ele de fato aprendendo? Neste sentido, busca-se identificar os tipos de materiais didáticos que satisfariam o processo de ensino-aprendizagem do aluno surdo, privilegiando sua experiência visual e ainda a necessidade desses serem confeccionados por seus professores das várias disciplinas que compõem o currículo educacional. Para responder a essas questões, a presente pesquisa, dividida em três capítulos, abarcará no primeiro capítulo a fundamentação teórica, a qual foi realizada por meio de levantamento bibliográfico, em que se contemplaram as questões relacionadas à pessoa (aluno) surda. Em seguida, um capítulo também conceitual, o segundo capítulo abarcará os conceitos e história dos recursos audiovisuais, focando em especial os materiais didáticos desenvolvidos para a educação de surdos. E, por último, no terceiro capítulo serão apresentadas análises dos recursos propostos na prática como material didático pelos professores de alunos surdos. 10 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA À luz de uma revisão da literatura, o presente capítulo abordará as questões relacionadas ao aprendiz surdo, perpassando desde a sua caracterização, processo educacional e forma de aprendizagem, como intuito de proporcionar a real compreensão de sua diferença linguística e a implicação dessa no contexto educacional. 1.1. SUJEITO SURDO A pessoa surda é definida por Sá (2002, p. 48-49) como sendo alguém que vivencia um déficit de audição que a impede de adquirir, de maneia natural, a língua oral/auditiva usada pela comunidade majoritária e que constrói sua identidade com base, principalmente, nesta diferença, e para isso utiliza estratégias cognitivas e de manifestações comportamentais culturais diferentes da maioria das pessoas que ouvem. Corroborando na definição, Brito (1993, p. 28, 86) define o surdo como uma pessoa pertencente de uma comunidade com uma língua diferente da que os ouvintes falam, não obstante, esta língua possui regras gramaticais, princípios pragmáticos e regras de polidez próprias. Para a linguista, o reconhecimento dessa diferença é o primeiro passo à promoção da integração do surdo na comunidade ouvinte que o circunda. Além de encarar a realidade relativa ao surdo, é importante também, segundo Brito (1993, p.45) “reconhecer sua habilidade linguística que se manifesta na criação, uso e desenvolvimento de línguas gestuaisvisuais, ou seja, de Língua de Sinais”. De uma forma simplificada, Felipe define que ser surdo é: saber que pode falar com as mãos e aprender uma língua oral-auditiva através dessa, é conviver com pessoas que, em um universo de barulhos, deparam-se com pessoas que estão percebendo o mundo, principalmente, pela visão, e isso faz com que eles sejam diferentes e não necessariamente deficientes (FELIPE, 2005, p.44). Para além da mera conceituação dessa pessoa, o importante, segundo Brito (1993, p. 85), é reconhecer e respeitar a diferença da pessoa surda utilizando os termos “surdo” e “surdez”, uma vez que os termos “deficientes auditivos” e “deficiência auditiva” escondem preconceitos com relação às pessoas surdas por considerarem-nas “defeituosas”, e que uma língua foi criada em função da falta de audição, levando-as a desenvolver habilidades específicas. No entanto, essas pessoas apresentam um impedimento de ordem sensorial na 11 percepção das distinções fonêmicas da fala, que consequentemente prejudica a compreensão dos significados, propiciando assim o desenvolvimento linguístico através de uma modalidade gestual-visual o que levou ao surgimento de uma língua diferente da língua oral falada. Surge então uma língua com estrutura própria e, portanto, codificadora que revela uma “visão de mundo” específica: a língua de sinais que, como a própria pesquisadora afirma, é o símbolo por excelência da surdez. Perante a legislação brasileira, conforme consta no Decreto nº. 5.626/05, a pessoa surda é concebida como “aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (BRASIL, 2005). O Decreto n.º 5.626/05 veio regulamentar a Lei n.º 10.436, de 24 de Abril de 2002, a qual já reconhecia a Libras como meio legal de comunicação e expressão do surdo, denominada assim de a Lei da Libras. Todavia, ressalta que a Libras não poderá substituir a modalidade escrita da Língua Portuguesa (BRASIL, 2002). Face ao que é posto ao surdo – duas línguas – Felipe (2005, p. 21) nos alerta quanto aos mitos em torno da Libras que precisam ser desfeitos, entre eles está na crença de que a Libras é o português feito com as mãos, acreditando que os sinais substituem as palavras desta língua. Como toda língua de sinais, a Libras é “uma língua de modalidade gestual-visual que utiliza, como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão” (FELIPE, 2005, p. 21). E como língua, a Libras também apresenta os mesmos níveis linguísticos (fonológico, morfológico, sintático e o semântico) e à composição do item lexical utilizam-se os parâmetros (configuração das mãos, ponto de articulação, movimento, orientação/direcionalidade e expressão facial e/ou corporal) que combinados formam os sinais, o mesmo que palavra na Língua Portuguesa (FELIPE, 2005, p. 22-23). Dessa maneira, o surdo se caracteriza por suas necessidades, desejos, peculiaridades etc., comuns a qualquer outra pessoa, tendo por característica marcante, sua diferença linguística e forma de captar o mundo à sua volta; pelo olho ele recebe as informações e seus pensamentos são exteriorizados pelas mãos. Essa diferença lhe confere uma condição de indivíduo e, consequentemente, produtor de uma cultura própria, a qual merece ser compreendida e respeitada pela sociedade. 12 1.2. A LÍNGUA DE SINAIS E A MANIFESTAÇÃO DA CULTURA SURDA A língua de sinais foi criada pelos surdos em decorrência da impossibilidade de adquirirem, de forma natural, a língua oral. Assim, desenvolveram-na e a transmitiram de geração em geração através da modalidade de recepção e produção viso-gestual. A língua oral passou a ser para os surdos uma segunda língua (SKLIAR, 1997, p. 89). Sacks (1998, p. 88) conta que até os fins da década de 1950, a língua de sinais ainda não era considerada propriamente uma língua, antes, como uma espécie de pantomima ou código gestual. Coube ao linguista William Stokoe perceber e provar que aquela se tratava de uma língua genuína. Em 1960, através da publicação da primeira pesquisa científica em língua de sinais Sign Language structure ficou comprovado que se tratava de fato de uma língua. A linguista brasileira pioneira no estudo da Libras, Lucinda Ferreira Brito (1993, p.14), constatou no início de suas pesquisas, que essa língua de modalidade gestual-espacial “é para as pessoas surdas de vital importância, tanto no que se refere ao seu desenvolvimento linguístico-cognitivo como também à sua socialização e integração na sociedade em que vivem”. Acrescenta ainda, que essa língua, criada espontaneamente pelos surdos, possui estrutura altamente sofisticada, em que pese recorrer às mãos, à expressão facial, ao corpo, ao espaço e ao movimento; é dotada de dupla articulação (unidades distintas e significativas) além de possuir sintaxe e morfologia tão elaboradas como qualquer outra língua de modalidade oral-auditiva. Para essa pesquisadora, as línguas de sinais são tão abstratas como as línguas orais, assim como complexas, o que permite aos surdos fazer o que desejar por meio dela: de poesias/transmissão de sentimentos a reflexões filosóficas/linguísticas/lógicas. Ainda ao contrário do que muitos podem pensar, também desmistifica a universalidade da língua de sinais. Brito aponta que, como qualquer outra língua, essa língua de modalidade gestualvisual apresenta suas variantes regionais e está relacionada aos costumes e especificidades ambientais e culturais de cada região. A língua, além de representar o desenvolvimento cognitivo, também representa a cultura a que o indivíduo participa. Brito (1993, p.75) ressalta que a língua é cultura e língua e pensamento objetivo são coisas intimamente ligadas e que a ausência de uma implica na outra. (...) Além de ser o principal veículo de comunicação, é também o mais importante meio de identificação do indivíduo com sua cultura e o suporte do conhecimento da realidade que nos circunda. 13 Como pessoas desenvolvedoras de uma cultura própria, os surdos manifestam a cultura surda por meio de sua língua. Segundo Felipe (2005, p. 44), a palavra “cultura” possui vários significados, e essa, relacionada ao contexto da pessoa surda, representa identidade, isso porque cada pessoa tem uma forma peculiar de apreender o mundo. Na perspectiva de constituição de grupo social, Sá (2002, p. 91) diz que os surdos estabelecem seus grupos a partir dos interesses, objetivos, lutas e direitos em comum, e como qualquer outro, está sujeito aos conflitos e tensões típicos de grupos sociais. A cultura é analisada sob a forma global de vida ou como experiência vivida de um grupo social, conforme afirma Sá (2002, p. 83), e, dessa forma, para os estudos culturais, a cultura é concebida como um campo de luta em torno da significação social. Tangenciando, nos Estudos Culturais, para a autora, a cultura dos surdos é abordada através de uma reconstrução da posição social dos seus usuários. Dentro então desse grupo de pessoas surdas, o principal fator de integração é o uso da língua de sinais, o que a autora considera uma “evidência básica” ao pertencimento dessa comunidade surda. Muito embora a língua de sinais faça parte da experiência vivida da comunidade surda, a língua – considerada artefato cultural – também é submetida à significação cultural. Neste sentido, torna-se relevante trazer à tona o conceito de artefato cultural. De acordo com Strobel (2009, p. 39), o conceito de artefato ultrapassa o relacionamento do materialismo cultural; artefato é tudo aquilo que ilustra uma cultura, ou seja, são as “produções do sujeito que revelam seu modo de ser, ver, entender e transformar o mundo”. A cultura surda é então ilustrada por oito artefatos culturais, que para Strobel (2009, p. 40-87), são os mais importantes: 1) experiência visual; 2) linguístico; 3) familiar; 4) literatura surda; 5) vida social e esportiva; 6) artes visuais; 7) política e 8) materiais. O artefato cultural experiência visual diz respeito à forma como o povo surdo percebe o mundo; a informação e compreensão de mundo lhe vêm pela visão. Tanto as ocorrências cotidianas como as percepções emotivas são adquiridas por meio da interpretação visual de cada experiência vivenciada. A ausência do recurso visual compromete a eficiência da pessoa surda nos mais variados ambientes (STROBEL, 2009, p. 40). Já o artefato linguístico está relacionado à língua viso-espaço-gestual – a língua de sinais. Todavia, ressalta-se que neste artefato, além dos sinais próprios da língua, também estão incluídos os sinais caseiros, ou seja, aqueles criados por surdos isolados de comunidades surdas. Dentro ainda desse artefato está o sistema de escrita de sinais – SignWriting (SW) – o qual no Brasil, é reconhecido como Escrita em Língua de Sinais – ELS (STROBEL, 2009, p. 47). 14 Outro importante artefato é a família. É o meio mais propício ao aprendizado e desenvolvimento da criança. Contudo, para a criança surda com família ouvinte, a aquisição de uma identidade surda pode ser comprometida caso essa família não a insira numa comunidade surda a fim de que esta “aprenda a ser surda” e tenha exemplos adultos para isso; segundo a autora, quem não foi surdo, não sabe ser surdo, daí a importância da família compreender as necessidades e diferenças culturais da pessoa surda e promover este contato o mais cedo possível. Por outro lado, a criança ouvinte na família surda aprende a transitar nas duas culturas: ouvinte e surda (STROBEL, 2009, p. 53). O artefato cultural literatura surda abrange as publicações de autores e pesquisadores surdos os quais demonstram em suas produções “o jeito surdo de ser”; importante para o próprio povo surdo como aos participantes de comunidades surdas (STROBEL, 2009, p. 61). A vida social e esportiva também é um artefato cultural, haja vista despertar nas pessoas surdas comportamentos e atitudes diante de situações que necessitam da voz e da audição. Outro aspecto revelado neste artefato é a forma com a qual os sujeitos surdos se apresentam pelo grau da surdez ou não. Esse ato já antecipa o entendimento do outro à compreensão de sua imersão à cultura ou comunidade surda (STROBEL, 2009, p. 67). Por meio das artes visuais, os surdos também se revelam culturalmente. Pela própria questão da relevância do visual na vida dos surdos, as artes visuais são tão afloradas. Muitos são os surdos que desenvolvem trabalhos artísticos como desenhistas, pintores, escultores, atores, produtores teatrais e de cinema (STROBEL, 2009, p. 73). A política também consiste num importante artefato cultural, já que por meio dela, da consciência que os surdos adquirem enquanto cidadãos, esses conquistam os direitos pleiteados através de lutas e diversos movimentos. Prova do uso dessa consciência, é que o povo surdo está organizado em federação, confederação e outras representações. Dessa luta alcançaram o reconhecimento de sua língua – Libras; o dia do Surdo; a organização e oferta de um curso superior – Letras/Libras; e atualmente, luta por uma Pedagogia Surda ao ensino de Surdos (STROBEL, 2009, p. 78). E, por último, o artefato materiais, o qual é representado pelos materiais criados segundo as especificidades e necessidades do público surdo, como por exemplo: o telefone TDD1, telefones, rádios e campainhas com luzes, programação com legendas, aplicativos de mensagens instantâneas e de celulares, entre outros (STROBEL, 2009, p. 84). 1 Telecommunications Device for the Deaf (TDD) trata-se de um telefone de texto típico que se parece com uma máquina de escrever elétrica com uma pequena tela em que cabe uma linha única de texto e um receptáculo 15 Na medida em que a pessoa surda percebe que seu modo de ser produz uma cultura diferente da que está a sua volta – cultura majoritária – ela também se percebe como diferente. Sá (2002, p. 99-100), analisando a experiência da surdez, menciona dois aspectos intrinsecamente relacionados: a identidade e diferença. Segundo a autora, a identidade surda é construída ao reconhecer-se diferente da pessoa ouvinte. Essa compreensão remete ao entendimento sobre o “eu”, que aliado ao significado de linguagem e cultura permitirá a adoção de uma identidade. As identidades surdas são desenvolvidas e fundamentadas na diferença. Assim, tantos surdos como a comunidade surda são plurais, como todo agrupamento humano. Sá (2002, p.103) conclui que “toda identidade é dinâmica e é transformada continuamente”. Segundo Perlin (2010, p. 54-72), a condição de ser surdo é a diferença que separará a identidade surda da ouvinte. Ela afirma que os surdos são surdos em relação à experiência visual e não a auditiva como se pensava. São as experiências visuais e diferenças que identificarão as categorias das identidades surdas. Perlin apresenta cinco categorias de identidades: 1) Identidades surdas – sobressai a militância, reconhece-se como definitivamente diferente; 2) Identidades surdas híbridas – características de surdos que nasceram ouvintes e tornaram-se surdos, vivenciam as duas línguas; 3) Identidades surdas de transição – são os surdos que passaram da identidade ouvinte para a surda; 4) Identidade surda incompleta – surdos que não se aceitam como surdos e buscam a reprodução da identidade ouvinte; 5) Identidades surdas flutuantes – surdos que buscam atender ao grupo social em que estão inseridos, constroem suas identidades com fragmentos das múltiplas identidades. Para a pesquisadora, a educação precisa caminhar no sentido da identidade da pessoa surda, permitindo também a presença do professor surdo (PERLIM, 2010, p. 72). No sentido de aceitar a identidade da pessoa surda, Sá (2002, p. 54) pondera que muitas vezes a surdez não é concebida por identidade cultural por representar o enfrentamento das consequências (mudanças nos objetivos educacionais, o desalojamento de posições de educadores ouvintes e o incentivo para a formação e colocação de professores surdos, a necessidade de oficialização da língua de sinais e as obrigações estatais decorrentes, a providência de intérpretes de língua de sinais nos locais públicos, etc.) tornando-se “mais fácil” negar as diferenças. As diferenças linguísticas são, assim, um produto cultural; as quais revelam as crenças, ideologias, posturas e comportamentos dos indivíduos surdos, sua comunidade e sua duplo embutido para a inserção dos bocais da parte do telefone em que normalmente se fala e escuta (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2009, p. 2094). 16 cultural que, por sua vez, são levadas a todos os ambientes, inclusive para os espaços educacionais. 1.3. EDUCAÇÃO DE SURDOS Por um longo período da história, a pessoa com deficiência foi desconsiderada pela sociedade e até pela própria família. Sá (2002, p. 51-52) aponta que na Antiguidade os surdos – enquadrados entre os deficientes – eram, geralmente, lançados dos penhascos. Pessotti (1984, p. 4) relata que a pessoa com deficiência era tratada de forma até desumana: com desprezo, abandono, misticismo e até eliminação. Com o advento do Cristianismo, os sentimentos de piedade e caridade recaíram sobre a pessoa com deficiência e um novo tratamento nas relações familiares foi proposto para com o familiar deficiente. A responsabilidade pela deficiência foi delegada à divindade. Este passou a ser visto então como filho de Deus, como os demais seres humanos, e, por conseguinte, possuidor de alma, e dessa forma não poderia ser eliminado, abandonado ou vendido como escravo. Considerado como membro da família, o direito da educação também lhe foi ofertado, inclusive aos surdos. 1.3.1. Processo histórico da educação dos Surdos Segundo Slomski (2010, p. 26), por séculos a pessoa surda foi concebida como não educável ou sem capacidade para responder por seus atos. Tal concepção persistiu até o século XV e somente a partir do século seguinte cogitou-se a possibilidade de iniciar sua educação com a prática do preceptorado, cuja educação focava-se no ensino e desenvolvimento da fala em surdos da nobreza. Surgem, no século XVIII, sob os ideais iluministas, as primeiras instituições escolares especializadas às pessoas surdas. Assim, a partir do século XVIII, aparecem as informações de surdos em situações educacionais. Conforme relata Sá (2002, p. 52), a educação de surdos iniciou-se em Paris, 1756, com um grupo de crianças surdas, quando o Padre Abbé l’Épée interessou-se pela instrução daquelas crianças. A pequena escola cresceu; recebeu o apoio real e assim ganhou fama internacional. Sacks (1998, p. 30-31) nos conta que o abade, associando sinais a figuras e palavras escritas, ensinou os surdos a ler e com isso deu-lhes o acesso aos conhecimentos e à cultura do mundo. Na combinação da língua de sinais nativa com a gramática francesa 17 traduzida em sinais, permitiu aos alunos surdos escrever e ler, adquirindo dessa forma, educação. Brito (1993, p. 4) relata que a primeira escola para surdos no Brasil foi fundada pelo imperador D. Pedro II em 1856, o Instituto dos Surdos-Mudos (ISM), influenciado pela obra do francês Hüet. Segundo Lemos (1981, apud JANNUZZI, 2006, p. 13), o educador Edouard Hüet, surdo congênito, ficou incumbido pelo imperador a organizar o primeiro educandário para o ensino dos surdos. De acordo com Jannuzzi (2006, p. 13), o Instituto teve a denominação alterada por duas vezes: em 1857 para Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM) e, posteriormente, em 1957 para Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Para Jannuzzi (2006, p. 11), a proximidade de pessoas interessadas em transmitir ensinamentos especializados aceitos como fundamentais ao alunado considerado excepcional – incluindo os surdos – corroborou na criação de uma instituição especializada à sua educação. Além do INES, tivemos no Brasil duas outras escolas especiais para surdos, que em virtude de sua importância devem ser referenciadas. Segundo Brito (1993, p. 6), essas três escolas tiveram um relevante papel na educação de surdos ao promover o desenvolvimento e uso da língua de sinais, são elas: INES (1956) no Rio de Janeiro; Instituto Santa Terezinha (1929) em São Paulo, voltado à educação de moças surdas; e o Instituto Domingos Sávio em Recife. A essa lista, Felipe (2005, p. 158) acrescenta outras escolas, tanto de iniciativa privada como pública, destinadas às crianças surdas: Escola Concórdia em Porto Alegre (1954), Escola de Surdos em Vitória-ES (1957), Escola Rompendo o Silêncio – Rezende/RJ, Escola Municipal Anne Sullivan – São Caetano do Sul/RJ, Escola Hellen Keller – Caxias do Sul/RJ. Nessas escolas, segundo a pesquisadora, a proposta implementada à educação de surdos é o bilinguismo, na qual a Libras é ensinada e o aprendizado conta com metodologia apropriada da Língua Portuguesa e da Libras. Muito antes da instituição da escolarização dos surdos no Brasil, em outros países já eram desenvolvidos métodos à educação de surdos. Slomski (2010, p. 27) ressalta que, de acordo com algumas afirmações, os primeiros educadores de surdos desenvolveram métodos diferenciados para educá-los. O alemão Samuel Heinicke (1729-1790) criou o método oral, hoje conhecido por leitura orofacial, no qual se baseou na língua oral para ensinar os surdos a falar mediante movimentos normais dos lábios, atribuindo grande valor à fala. O francês Abade l’Épée (1712-1789), fundador da primeira escola pública para surdos, criou o método gestual após pesquisar as línguas de sinais; por meio de suas iniciativas, garantiu aos surdos o 18 direito de aquisição de uma língua natural. Já o inglês Thomas Braidwood (1715-1806) a partir de códigos visuais, criou o método combinado para facilitar a comunicação com seus alunos; tal método não se configurou como uma língua. Essas três metodologias, vigentes até hoje na educação de surdos, originaram disputas metodológicas em torno do oralismo/gestualismo. A partir de meados do século XVIII até a primeira metade do século XIX perduram as experiências educativas por meio da língua de sinais. Skliar (1997, p. 77) considera dois grandes períodos históricos na educação de surdos: a fase anterior do Congresso em Milão, fase em que as práticas educativas de surdos eram baseadas no uso da linguagem de sinais – termo assim utilizado porque ainda não se reconhecia a comunicação por sinais como língua – e uma posterior ao Congresso, na qual a educação dos surdos equacionou-se absolutamente à língua oral. Segundo Slomski (2010, p. 28), o percurso da educação de surdos foi alterado com a realização do segundo Congresso Internacional sobre a Educação de Surdos, em 1880, em Milão, na Itália, onde se estabeleceu o Método Oral como o mais adequado à educação da criança surda. Conforme a autora ainda afirma, o oralismo tornou-se hegemônico na educação de surdos até a década de 1960, atribuindo à linguagem de gestos uma concepção tradicionalista e acientífica; quando, enfim, novas concepções sobre surdez embasadas na Linguística e em suas diferentes disciplinas originam novas percepções sobre a pessoa surda e sua educação, propiciando diversificadas alternativas pedagógicas. Skliar (1997, p. 80) remete o fracasso da educação de surdos ao oralismo. Para ele, o fracasso pedagógico do método contribui para a marginalização social de algumas comunidades de surdos. Na tentativa de esconder os surdos e a surdez, ou seja, de negar e aceitar a condição de ser surdo, provocou nas crianças surdas o desenvolvimento de dois tipos de identidade cultural: uma identidade deficitária a qual ressalta de que não ouvintes; e outra, a identidade surda ao pertencerem à sua comunidade surda. Essa crise, que o oralismo não resolveu, origina uma séria de problemáticas psicossociais, permeia não só o ambiente escolar como o lar da criança. Luchesi (2003, p. 20-21) faz significativas observações a respeito do processo de educação dos surdos. De acordo com essa autora, ao longo da história educacional dos surdos, a escolarização desses foi marcada pela dualidade do uso de técnicas, ora submetendo-os ao desenvolvimento da fala e da leitura labial, ora o uso de sinais; adotaram-se diferentes métodos: oralismo, gestualismo ou o método combinado – também conhecido como comunicação total –, e para cada um deles atribui-se a responsabilidade pela qualidade do ensino, dos sucessos ou dos fracassos alcançados. Para a autora, o que se verifica na adoção 19 desses procedimentos, embora necessários, é a atribuição de valor absoluto à surdez, como se a essência do indivíduo fosse sua condição de não ouvir. Dessa forma, ora educam o surdo para ser normalizado, por meio de processos reabilitatórios, ora para integrá-lo em seus grupos de iguais, aceitando sua forma de comunicação. Muito embora o oralismo tenha se mantido dominante na educação de surdos até os anos 60, anterior ao surgimento do bilinguismo, outra filosofia educacional surgiu como desdobramento das investigações relacionadas à comunicação gestual do surdo. Estudos mostraram que sua aquisição não prejudicava o desenvolvimento cognitivo e linguístico, e os estudos concernentes à sua estrutura e gramática contribuíram para a valorização linguística da comunicação gestual e suas possibilidades de expressão. Todos esses avanços favoreceram ao desenvolvimento da abordagem “comunicação total”, assim como de outras abordagens metodológicas (LUCHESI, 2003, p. 20). A comunicação total é definida por Kirk e Gallagher (1991, p. 254) como “uma filosofia que requer a incorporação de modelos auditivos, manuais e orais adequados para assegurar a comunicação eficaz com e entre pessoas deficientes auditivas”. Luchesi complementa, afirmando que a comunicação total: utiliza-se das práticas oralistas (linguagem oral, leitura labial, aparelhos de amplificação sonora para desenvolvimento de pistas auditivas), assim como de traços da abordagem gestual (linguagem de sinais, sinais gramaticais modificados e marcadores para elementos não presentes na comunicação gestual de surdos). Seus adeptos acreditam que, dessa forma, facilitam a aquisição e a compreensão da linguagem oral, bem como a aquisição da leitura e da escrita (LUCHESI, 2003, p. 21). Percebe-se nos posicionamentos dos autores acima, que a filosofia comunicação total concebe a surdez sob a perspectiva clínica, haja vista em preocupar no favorecimento da fala ao surdo. Mas, de acordo com Brito (1993, p. 65), o bilinguismo não se trata de uma filosofia recente. Já em 1986, durante o evento Primer Encuentro Latinoamericano de Investigadores de los Lenguajes de Señas de los Sordos, em Montevidéu, o bilinguismo, por unanimidade, foi considerada a melhor filosofia para educar surdos. Para a autora, o bilinguismo “constituise na única possibilidade de desenvolvimento psico-social e cognitivo do surdo, na sua plenitude”. E, depois de tantas disputas por qual filosofia adotar à educação de surdos, a pesquisadora considera apenas duas, pois estas persistem até os dias atuais: Oralismo (defende o aprendizado apenas da língua oral) e o Bilinguismo (defende o aprendizado da língua oral, modalidade escrita, e da língua de sinais por reconhecer o surdo na sua diferença e especificidade). 20 Atualmente, no Brasil, conforme o Decreto n.º 5.626/05, a filosofia empregada à educação de surdos é o bilinguismo, em que se prevê o ensino da Libras e a Língua Portuguesa, na modalidade escrita. 1.3.2. O advento da inclusão educacional dos Surdos Após aceitar o compromisso de uma Educação para Todos com a Declaração de Jomtien, em 1990, o Brasil adotou medidas políticas com o propósito de atender às diretrizes de inclusão de todos na escola (Universalização do Ensino) estabelecidas na referida declaração. Na sequência, em 1994, o país se tornou signatário também da Declaração de Salamanca, documento no qual se especificou as ações a serem adotadas à implementação de um processo de inclusão de crianças e jovens com deficiência na rede regular de ensino, com o foco, sempre, da promoção da educação para todos, sem distinção. Dessa forma, o Brasil adotou por política educacional a Educação para Todos, fundamentalmente voltada aos alunos da Educação Especial, todavia na perspectiva de inclusão. Tal modalidade, prevista no Capítulo V da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBN) – Lei n.º 9.394/96 assegura aos educandos serviços de apoio especializados. O ensino passa a ser oferecido não mais em escolas, classes ou instituições especiais, mas sim em salas regulares, alcançando inclusive o ensino superior, contando assim, com os recursos metodológicos – também denominados de ajuda técnica. À guisa da inclusão dos alunos surdos às escolas e salas de aulas regulares, há os que a defendem e os que discordam pelas mais variadas razões. De acordo com Tunes (2003, p. 7), a inclusão educacional de crianças e jovens com distúrbios biológicos (anomalias sensoriais, genéticas, da fala etc.) perpassa pela maneira a qual se concebe a anomalia biológica, se sob a perspectiva naturalista ou socialista. A doutora explica que sob a visão naturalista entende-se que a disfunção biológica acarreta um distúrbio no processo de desenvolvimento intelectual do indivíduo, enquanto que na visão socialista, a mesma disfunção biológica é concebida como “uma manifestação da diversidade da espécie humana” (p. 8). Os que adotam essa última visão acreditam ser necessário assim, buscar meios sociais que aproveitem o potencial criativo de tais pessoas, principalmente, no âmbito educacional. Neste sentido, Tunes aponta para o caráter desafiante que a anomalia se revela ao educador, quando requererá investigação, descobertas e buscas pelos conhecimentos e ferramentas para tal tarefa. Ainda sob esse enfoque, Tunes nos leva à reflexão quando afirma: 21 Falamos de inclusão porque, vendo a diferença de constituição biológica como uma barreira socialmente intransponível, realizamos práticas sociais de exclusão. Mas hoje mesmo podemos instituir novas práticas sociais. Basta não excluir e aceitar a diferença biológica como um desafio a ser socialmente enfrentado e vencido. Tratase, pois, de uma opção: a de promover socialmente a pessoa biologicamente diferente, não a apartando de nós, respeitando, portanto, a sua condição de ser humano entre os seres humanos (TUNES, 2003, p. 10). Seguindo o princípio da diferença humana, Edler (2006, p. 27) aponta como positivo o aprendizado a partir da convivência com a diversidade. Para a pesquisadora, “uma turma heterogênea serve como oportunidade para os próprios educandos conviverem com a diferença e desenvolverem os saudáveis sentimentos de solidariedade orgânica”. Edler acrescenta ainda que, o ambiente educacional cuja prática pedagógica é inclusiva corrobora ao envolvimento de todos e a cada um, onde todos são motivados à aprendizagem, favorecendo assim, por meio das atividades em grupo, o desenvolvimento das relações de cooperação (p. 32). Outro aspecto positivo da escola inclusiva apontado por Edler (2006, p. 28-36) é a especialização dos professores nos aprendizes, de forma mais genérica e não mais especializados nas especificidades dos grupos de alunos: cegos, surdos, com paralisia cerebral, autistas etc. O conhecimento específico deve ser compartilhado pelos professores de métodos e recursos, os antigos professores das classes especiais, os quais devem atuar como consultores de apoio. Para Edler, a abordagem da educação inclusiva “implica, incondicionalmente, na mudança de atitudes frente às diferenças individuais” (p. 36), considerando que somos todos diferentes. Ainda ressalta de que o direito à educação inclusiva – educação de qualidade para todos – perpassa pelo direito à igualdade de oportunidades, em que se traduz em educar a cada um segundo seus interesses e características individuais, segundo o que necessita e não educar a todos de modo igual (p. 35). Na preconização da escola inclusiva, estabelece-se por ideal que toda criança e jovem sejam integrados ao sistema de ensino regular por meio da matrícula em uma escola de seu bairro, independentemente se possuir ou não necessidades educacionais especiais. Quadros (2005a, p. 1) aponta uma incongruência à eficiência de implementação dessa política educacional com base na legislação brasileira. De acordo com a pesquisadora, o direito linguístico do surdo é garantido assim como o acesso aos conhecimentos escolares por meio da língua de sinais, mas na prática não é o que acontece, pois não há uma estrutura para oferecer uma educação em língua de sinais pela falta de professores bilíngues, minimamente conhecedores da língua. O ensino é oferecido em Língua Portuguesa – a segunda língua, na modalidade escrita, para os surdos – segundo uma metodologia ouvintista, ou seja, 22 prevalecendo a forma de aprendizagem da maioria dos alunos da sala de aula, sem relevar as questões metodológicas, culturais e sociais do aluno surdo. Levando a questionar o acesso à educação e a permanência desse aluno surdo na escola regular. Procurando driblar esta situação, recorreu-se à atuação do intérprete de língua de sinais nas salas de aulas, conforme ressalta Quadros (2005a, p. 2). Da maneira como a educação inclusiva é praticada atualmente, cria-se uma falsa imagem de que ela é um sucesso, pois, apesar de presente fisicamente, o aluno surdo não é considerado em vários aspectos (LACERDA, 2006a, p. 181). No viés da legitimação do direito do acesso e permanência à educação, concedidos pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), outras leis foram sancionadas com o propósito de discriminar e regulamentar os recursos à acessibilidade; que, para os fins educacionais do educando surdo, se consiste na eliminação das barreiras na comunicação, pelo que, conforme Lei n.º 10.098/00, essa barreira na comunicação da pessoa com deficiência auditiva será ultrapassada “por meio da linguagem de sinais” – termos utilizados na referida Lei. Para que o aluno surdo passasse a frequentar salas de aulas do ensino regular algumas medidas foram adotadas, como por exemplo, a inserção de outro agente educacional – o intérprete de língua de sinais (ILS). Apesar de antiga a profissão, o ILS teve sua atividade laboral regulamentada no Brasil recentemente pela Lei n.º 12.319/10. Com a regulamentação, vieram também as definições de suas atribuições. Segundo o 6º Art. da referida lei, são atribuições do Tradutor/Intérprete de da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS: I - efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdoscegos, surdos-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa; II - interpretar, em Língua Brasileira de Sinais - Língua Portuguesa, as atividades didático-pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental, médio e superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares; III - atuar nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino e nos concursos públicos; IV - atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim das instituições de ensino e repartições públicas; e V - prestar seus serviços em depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou policiais (BRASIL, 2010). O intérprete de LIBRAS tem por papel fundamental mediar a comunicação entre duas línguas dentro do espaço inclusivo e sua presença não pode ser concebida como a solução dos problemas enfrentados na inclusão do estudante surdo, a sua simples e pura presença numa sala de aula regular não pode ser entendida também pela promoção de uma educação 23 inclusiva. Neste aspecto, Lacerda (2010b, p.35) é incisiva ao afirmar que “a inclusão do intérprete não soluciona todos os problemas educacionais dos surdos, sendo necessário pensar a educação inclusiva, em qualquer grau de ensino, de maneira ampla e consequente”. Todavia, a atuação do ILS é mais incisiva nos últimos anos (6º ao 9º) do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior da educação brasileira. Na Educação Infantil e Ensino Fundamental – anos iniciais (1º ao 5º), em virtude da própria característica desses ensinos – a permanência de apenas um docente em sala - recomenda-se a presença de professores surdos ou com conhecimento em língua de sinais. Quadros (2005, p. 15) também aponta que a educação inclusiva não é o modelo educacional que os próprios surdos desejam. Segundo a pesquisadora, em 1999, motivados pelo V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para Surdos, realizado em Porto Alegre/RS, os surdos se reuniram e escreveram um documento no qual expressavam seu desejo de escola e educação. O documento intitulado por “A educação que nós queremos” teve ampla divulgação em todo país, tanto a surdos, organizações governamentais e nãogovernamentais. Entre as proposições do documento, constou uma proposta detalhada de uma educação em língua de sinais, com professores surdos e bilíngues. O desejo educacional dos surdos, expressos no documento, reflete e converge para o significado da proposta de uma educação inclusiva, o qual é oferecer um ensino de qualidade a todos. Esse é o desejo dos surdos: uma educação de qualidade que respeite sua diferença linguística. 1.3.3. O processo de ensino/aprendizagem do Surdo Para a linguista Brito (1993, p. 49), o ideal ao desenvolvimento da criança surda é sua exposição à língua de sinais desde a mais tenra idade, e, gradativamente ela aprenderia uma segunda língua, que no Brasil é a Língua Portuguesa. Considerando a evidência de seu o canal natural para o ensino/aprendizagem do surdo é o visual, a partir dos três anos de idade dá-se ênfase à escrita. Ao adquirir um bom desempenho em língua de sinais, o surdo terá mais conteúdo semântico a dizer, proporcionando-lhe um desenvolvimento cognitivo equivalente ao do ouvinte. Mas para isso, segundo propõe, todas as disciplinas dos ensinos fundamental e médio devem ser ministradas por professores fluentes em língua de sinais. Neste sentido, Denton (1987, apud BRITO, 1993, p. 29) afirmou que, embora tenhamos uma grande divulgação da Língua de Sinais nas escolas, precisamos compreender 24 definitivamente que, “a via primária para atingir o intelecto do indivíduo surdo é o olho”. Brito (1993) ainda ressalta outra importância da língua de sinais para os surdos, pois além da função comunicativa, as línguas naturais – como a língua de sinais é para o surdo – dão o suporte linguístico à estruturação do pensamento, aspecto este que não pode ser negligenciado pelos educadores que geralmente somente a veem por meio de comunicação. No processo de aprendizagem da criança surda, Brito (1993, p. 49) ressalta que esta deverá adquirir a língua de sinais como sua primeira língua (L1) e paralelamente ser exposta ao processo de aprendizagem da segunda língua (L2) que, no caso aqui, se tratará da Língua Portuguesa, em que este último aprendizado terá ênfase à modalidade escrita. Segundo Sá (2002, p. 361), por muito tempo a escolarização foi negligenciada o que se viu foram propostas de qualificação para o mercado de trabalho. Para ela, para que haja os desejáveis avanços educacionais, faz-se necessária a conscientização dos educadores em trabalhar por uma educação plural, que valorize diferentes saberes na produção do conhecimento, e que considere o universo cultural e singular dos grupos minoritários. Neste sentido, o papel da escola é crucial para diferentes segmentos da população brasileira em que a diferenciação sociocultural deve ser concebida como uma enorme riqueza de possibilidades. Assim, o desafio que se nos apresenta é a construção de uma escola, juntamente com os surdos, que leve em consideração a língua, as formas culturais e os projetos da comunidade surda, uma escola não terapêutica, mas antes enriquecida por uma significativa prática pedagógica que verdadeiramente gere um processo de produção de conhecimentos e de formação de recursos humanos surdos. Nas palavras instigativas de Sá: É imprescindível que, assim, a educação se torne, de fato, um processo socializador, e que seus agentes respondam às exigências das diferenciações sócio-culturais. A educação formal de surdos, nesta perspectiva, é, realmente, um desafio (SÁ, 2002, p. 362). Dessa forma, para oferecer uma educação de qualidade à pessoa surda, é necessário conhecê-la em sua plenitude; concebendo-a por uma pessoa diferente linguística e culturalmente; respeitando sua forma de aprender, de ver e de interagir com o mundo. Para isso, é necessário conhecer sua história e suas peculiaridades. 25 2. PRODUÇÃO DE MULTIMEIOS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS No presente capítulo serão abordadas as experiências relatadas concernentes à elaboração de material didático para a educação de surdos, bem como as orientações e diretrizes – encontradas no processo de revisão de literatura – que norteiam tal atividade, perpassando, antes, pela origem da utilização de material na sala de aula no processo de ensino-aprendizagem. 2.1. MATERIAL DIDÁTICO: ORIGEM E DEFINIÇÕES O material didático tem sua origem com o surgimento do livro didático, a partir da invenção da imprensa, no século XV, e intrinsecamente associado ao ensino de línguas (PAIVA, 2012, p. 1). O livro passou a assumir uma característica didática no momento em que adentrou ao ambiente de ensino, cujos registros, nele contidos, apoiavam o ensino de determinada língua. Em virtude da escassez dos livros, esses ficavam na mão do professor e seu conteúdo era repassado aos alunos por meio do ditado e discutidos dialogicamente. Assim, até o final do século XVII, era comum ter por “livro didático” as gramáticas, haja vista, também, que o ensino de língua à época se firmar no ensino da estrutura gramatical com referência à sua forma escrita (KELLY, 1969, apud PAIVA, 2012, p. 2). O primeiro registro de livro didático voltado ao ensino de uma língua é a obra Orbis Pictus de João Amos Comenius, escrita em 1654, para o ensino de latim. Por defender o emprego de recursos de concretização no ensino, Comenius escreveu uma obra em que as palavras foram ilustradas com representações pintadas, por acreditar que as representações visuais, principalmente os desenhos ilustrativos e gravuras, estimulariam os sentidos, a memória e a inteligência dos estudantes (HAIDT, 2000, p. 227). Paiva (2012, p. 3, apud THOMPSON, 2000) comenta que esta obra de Comenius serviu de modelo para outros livros didáticos do século XVIII e XIX. Segundo a autora, na primeira metade do século XX, entre os livros adotados no Brasil para o ensino de línguas, adotou-se um material didático considerado bastante inovador para época: o livro didático “An English Method, do Padre Julio Albino Pinheiro, publicado em Coimbra, em 1930” (p. 5). Sua inovação se deve ao conceito de língua nele praticado, em que a língua também é 26 concebida como comunicação e como veículo de práticas sociais diversas. O material didático, construído sob essa perspectiva, tinha o intuito de promover autonomia do aprendiz por meio dos diálogos nele inclusos e exercícios de conversação. Assim, o livro didático era acompanhado de um disco, em cuja tecnologia sonora, estavam gravados os sons dos símbolos fonéticos. Para Paiva (2012, p. 7), esse livro inaugurou, no Brasil, a incorporação da tecnologia sonora (material gravado) como material didático. Depois dos discos para uso no gramofone, “vieram os cassetes, CDs, CD-Roms e agora a internet” (p.8). Diante da evolução no uso de recursos variados na prática educativa, faz-se necessário abordar uma definição do que hoje está sendo considerado por material didático além do livro didático. 2.1.1. Definições de material didático Vilaça (2009, p.4) amparado nas definições de Tomlinson (2004) e Salas (2004), compreende que material didático se refere a tudo aquilo que é usado para auxiliar a aprendizagem/aluno e, consequentemente, auxiliar o ensino/professor, traduzindo-se assim na sua função: auxiliar o processo de ensino/aprendizagem de forma a contribuir à aprendizagem bem-sucedida. Segundo o autor, enquanto para Tomlinson os materiais didáticos estão ao serviço do professor, para Salas eles servem tanto a professores como alunos, permitindo compreender que “os livros didáticos, juntamente com resumos, tarefas, CD-Roms, vídeos, CDs, exercícios fotocopiados elaborados pelo professor, entre outras possibilidades, são, portanto, formas ou modalidades de realização e emprego de materiais didáticos” (VILAÇA, 2009, p. 5). Haja vista o emprego de inúmeros materiais e recursos no auxílio do processo de ensino-aprendizagem, a expressão “material didático” é associada à tradicionalidade, tornando-se mais usual a expressão “recurso audiovisual”, conforme afirma Parra (1974b, p. 77): “podemos identificar os recursos audiovisuais com os tradicionais materiais didáticos, entendendo-se por isso todos os auxiliares ou meios materiais que se dirigem, inicialmente, aos órgãos sensoriais”. Haidt (2009) aponta que o emprego da expressão material ou recurso audiovisual é novo entre os educadores, mais precisamente na metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Mas, segundo a autora, há muito tempo “vários educadores já defendiam a necessidade de usar recursos auxiliares do ensino, com o objetivo de ilustrar a palavra do 27 professor, tornando as lições mais concretas e mais ligadas à realidade” (HAIDT, 2009, p. 226). A autora salienta de que os recursos audiovisuais “constituem num instrumento, um meio e não um fim em si mesmos” (p. 235), de modo que podem ser classificados de variadas formas. A classificação mais difundida dos materiais auxiliares do processo ensinoaprendizagem é a proposta por Parra (1972a, p. 32), a qual os divide em três categorias de acordo com o critério adotado: recursos visuais – voltados à visão; recursos auditivos – voltados à audição e; recursos audiovisuais – reúnem os dois estímulos. Aos recursos visuais empregam-se os materiais: quadro de giz, flanelógrafo, imanógrafo, quadros de pregas, cartazes, gravuras, modelos, museus, espécimes, diafilmes, filmes, fotografias, álbum seriado, mural didático, exposição, gráficos, diagramas, mapas, objetos, transparências, entre outros. Já aos recursos auditivos estão o rádio, os discos, as fitas magnéticas. Por último, os recursos audiovisuais tratam-se dos filmes com som, cinema sonoro e televisão. Diante do ano em que a classificação foi proposta, alguns dos materiais mais conhecidos na atualidade não foram mencionados, como, por exemplo: videocassete, aparelho de DVD, CD, etc. Percebemos então, que todos os materiais ou recursos utilizados para ajudar tanto na aprendizagem do aluno como na prática educativa do professor podem ser considerados materiais didáticos – recursos didáticos, recursos audiovisuais, materiais auxiliares do processo ensino-aprendizagem, etc. 2.2. ELABORAÇÃO OU ADAPTAÇÃO DE MATERIAL? Conforme já foi tratado no capítulo anterior, os alunos surdos recebem uma educação especial de forma inclusiva. Dessa forma, lhe são assegurados alguns direitos previstos em lei de acesso ao conteúdo. No Capítulo V, Art. 59 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n.º 9.394/96 – é assegurado aos alunos da educação especial “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades”. Na literatura pesquisada, como Herrero (2000), Glat (2006), Valle e Guedes (2003), entre outros, encontraram-se algumas referências em que o termo mais utilizado foi “adaptação curricular”, as quais, na maioria das vezes, são relatos de experiências de 28 professores que sugerem uma maneira de adaptar o conteúdo de acordo com as necessidades de seus alunos (deficiência visual, intelectual, etc.). Em apenas um dos materiais encontramos uma orientação clara de como se proceder a uma adaptação de unidade de conteúdo. Segundo as orientações de Herrero (2000, p. 145), citando Coll (1986), a adaptação curricular é realizada com base nos objetivos da prática, a partir da seleção dos conteúdos/unidades que requeiram adaptação quanto à forma de acesso ao conteúdo. Percebe-se que a orientação trazida por Herrero (2000) é convergente ao ato de adaptar, semanticamente falando. De acordo com a definição de Houaiss (2004), adaptar é “ajustar ou acomodar (uma coisa a outra), modificar (obra escrita) para torná-la mais de acordo com o público a que se destina [...]”. Neste sentido, a adaptação curricular é plausível quando o conteúdo, método, materiais e objetivos permanecerão os mesmos, necessitando apenas de se modificar a forma como o aluno experimentará – terá acesso – tal aprendizagem. Em outras palavras, em caso prático, citamos como exemplo a adaptação de material a alunos com deficiência visual. Para que eles tenham a mesma oportunidade de aprendizagem dos demais alunos, o conteúdo/unidade primordialmente apresentado em tinta (digitado, datilografado, escrito, etc.) deverá ser transcrito para Braille. Neste caso, modificou-se a forma de acesso; de uma forma inicial impossível de acesso à informação para uma maneira possível à sua leitura. Seguindo a premissa da adaptação, como essa seria possível aos alunos surdos? Para responder a essa questão, necessitamos antes refletir e retomar alguns aspectos de caracterização do aluno surdo. A característica mais marcante da pessoa surda com relação às demais pessoas é sua diferença linguística. Enquanto a língua de sinais é sua primeira língua (L1) a língua portuguesa (LP) escrita é sua segunda (L2). Por este fator lhe foi garantido, no Brasil, o direito a uma educação bilíngue – conforme Decreto n.º 5.626/2006 – em que corresponde o acesso à educação por meio de sua L1 e o ensino da L2 na modalidade escrita (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 15-18). A adaptação do material didático, nesse contexto, deveria ser então em transpor o conteúdo da língua portuguesa escrita para a língua de sinais, a qual no âmbito nacional se trata da Libras, uma vez que não se é adotado o sistema de escrita da língua de sinais, a saber o SignWritting, criado há cerca de 30 anos por Valerie Sutton na Califórnia, mas não difundido nacionalmente (STUMPF, 2004, p. 147). Ao mesmo tempo em que lhe é outorgado o acesso à educação por meio de sua língua de instrução (L1) também lhe é imposto o aprendizado da escrita da L2. E, para se chegar à 29 informação (conteúdo), contida no material didático, palpável e escrita, é necessário, prioritariamente, que o aluno surdo domine a L2. Entramos, assim, num círculo vicioso! Deparamos-nos então na impossibilidade de adaptar o conteúdo para a educação de surdos, já que não contamos com um sistema de escrita de sinais, não se é possível transpor o conteúdo escrito em Língua Portuguesa para a Libras escrita. É nesse momento que adentramos na perspectiva da “elaboração” de material didático, a qual pela própria significação semântica nos possibilita refletir sobre outra proposta de material didático para a educação de surdos. Partindo assim do mesmo pressuposto: a compreensão semântica, elaborar significa “preparar laboriosa e paulatinamente; realizar, organizar com grande cuidado; fazer com que fique assimilável; [...]” (HOUAISS, 2004). Neste sentido, é necessário que o material à educação de surdos seja preparado de forma que se propicie a compreensão, primeiro, da língua portuguesa e em seguida ao conteúdo especificamente, independentemente da natureza do conhecimento. Percebemos assim, que a elaboração de material didático à educação de surdos perpassa, na verdade, pela metodologia de ensino de línguas. Não é por acaso que a maioria dos referenciais teóricos que tratam dessa temática nos subsidiam, substancialmente, a respeito da elaboração de material didático para o ensino de língua portuguesa para surdos. Dessa forma, é importante ressaltar que traremos à tona, no capítulo 3 deste trabalho, as orientações, relatos de experiência ou sugestões concernentes à elaboração de material que tangenciam a educação de surdos, inclusive, às focadas no ensino de LP, em que pese não ser este o único objetivo desta pesquisa. 2.3. DIRETRIZES À ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Com base nos subsídios resultantes da revisão de literatura, a elaboração de material encontra-se no mesmo patamar que a adaptação curricular: informações de caráter sugestivo a partir das experiências exitosas de professores que ensinam alunos surdos. E, conforme já abordado, muitas dessas sugestões referem-se ao ensino de LP escrita como segunda língua. Dentre os conhecimentos da educação formal, o único para o qual se tem um direcionamento à prática educativa é o ensino de segunda língua/língua estrangeira. Esse ensino está fundamentado em abordagens e métodos de ensino, o que certamente norteiam a elaboração de material didático. Daí a importância de se abordar, também, tais conceitos, haja 30 vista seu desdobramento na preparação de material à educação de surdos, cujo ato perpassará os demais ensinamentos, em que todos, fundamentalmente, estarão ancorados na LP. 2.3.1. Das abordagens e métodos do ensino de segunda língua Para o ensino de uma língua faz-se necessário, primeiramente, estabelecer a concepção de língua para que então, seja traçado modo de ensino e de aprendizado. Desta forma, são concebidas as abordagens e os métodos de ensino, fundamentados no conceito de língua, os quais são encontrados e respaldados no âmbito da linguística. A abordagem está associada às concepções teóricas enquanto o método, à implementação dessas concepções à prática de ensino, amparado por técnicas específicas. Três abordagens são consideradas principais neste século, a saber: a estruturalista, a funcionalista e a interacionista (SALLES, et al., 2004, p. 98). Na abordagem estruturalista, adotada nos anos 50 a 60, entendia-se que a aprendizagem de uma língua se dava no domínio dos elementos do sistema linguístico (unidades fonológicas, gramaticais, operações gramaticais e itens lexicais), pela qual se originou o método audiolingual. Já na abordagem funcionalista, praticada nos anos 70, o objetivo da aprendizagem enfatizava a compreensão semântica e comunicativa da língua, cuja forma de ensinar – ensino comunicativo – provocou significativas mudanças tanto na elaboração do material didático como nos procedimentos em sala de aula, isso porque a língua era concebida como instrumento de comunicação. E por último, a abordagem interacionista, praticada desde os anos 80, como o próprio nome revela, a língua é aprendida pela interação entre as pessoas, pelo exercício comunicativo por meio de uma construção do discurso. Os métodos de ensino, nesta abordagem, priorizam a interação contextualizada, em que sejam buscadas e aproveitadas as situações naturais ao cotidiano dos alunos, tanto dentro de sala de aula como fora dela (SALLES, et al., 2004, p. 99-107). Dessa forma, a aprendizagem da L2/LP pelo aprendiz surdo assume características especiais, pois essa não será adquirida de forma natural, mas de maneira formal na escola e no modo escrito, que, por esses motivos, Salles et al. são contundentes ao afirmarem: Diante da ausência de trocas orais, fica claro que o texto escrito não pode se restringir a transmitir informações estruturais e lexicais, mas caberá a ele assumir o papel de contextualizador, trazendo aspectos pragmáticos, sociolinguísticos e culturais (SALLES, et al., 2004, p. 115). 31 Nas considerações das autoras, encontramos ainda, o que podemos considerar como diretrizes à elaboração do material didático ao ensino de LP/L2 para surdos, orientações à seleção de textos para esse ensino segundo a abordagem interacionista. De acordo com Salles et al., os textos precisam: ser autênticos, sempre que possível; conter temas relacionados à experiência dos aprendizes, levando a um maior envolvimento pessoal e provocando relações e manifestações; estar associados a imagens – a boa opção seria artigos de revistas e jornais, que costumam estar ilustrados, bem como propagandas (SALLES, et al., 2004, p. 115 – transcritos conforme o original). As autoras ainda recomendam a não aceitação de materiais didáticos os quais apresentem a língua de forma estática; orientando que nesses a língua esteja inserida nas mais variadas situações comunicativas, para que dessa forma, a partir do que se aprendeu, o aluno não apenas faça uso dessa língua em sala de aula como também seja capaz de comunicar adequadamente fora dela (SALLES, et al., 2004, p. 117). Na mesma perspectiva, Nascimento (2010, p. 21) defende um ensino instrumental da LP para surdos. De acordo com a autora, o ensino de L2 contempla o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas: fala, audição, leitura e a escrita, as quais podem ser desenvolvidas concomitante ou separadamente. Essa especificidade do ensino de L2 que lhe distingue como ensino instrumental. Em seu método de ensino a surdos, Nascimento (2010) enfoca no ensino de L2 duas habilidades: a leitura (compreensiva) e a escrita, por considerar que essas duas habilidades cumpriram seu papel social para os surdos, conferindo-lhes a fluência necessária na LP, uma vez que “o registro escrito da língua substitui a audição e a leitura visual, com os olhos, substitui a fala” (p. 22). Uma das características dos surdos contemplada no método de Nascimento (2010) nos fornece um subsídio de como o material didático desses alunos deverá ser produzido. Conforme a autora, “uma vez que os Surdos são sujeitos visuais, será aproveitado no ensino de português como língua segunda todo o tipo de estratégia visual que possa vir a contribuir para a leitura e a escrita” (NASCIMENTO, 2010, p. 22). Fica evidente, diante dos apontamentos acima que, à elaboração de material didático para a educação de surdos, faz-se necessário considerar, acima de tudo, sua característica predominante: percepção visual, bem como ancorar a linguagem escrita – a LP – na condição de segunda língua. 32 2.3.2. Da elaboração de material didático para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua Segundo Quadros e Schmiedt (2006, p. 99), há inúmeros recursos didáticos que podem ser utilizados no ensino de português (L2) para surdos, dependendo apenas da criatividade do professor. Apesar disso, as autoras afirmam ser comum se deparar com professores angustiados pela falta de material para essa prática de ensino, pelo que ressaltam a necessidade desses confeccionarem seu próprio material de apoio, a fim de levar a criança à compreensão do conteúdo e, por conseguinte, ao aprendizado da língua em sua modalidade escrita. Conforme as próprias autoras ponderaram, as sugestões trazidas por elas não tiveram o objetivo de esgotar o assunto concernente à elaboração dos recursos didáticos, haja vista as várias situações enfrentadas as quais requererão um material diferente e adequado à realidade. Na verdade, a intenção de Quadros e Schmiedt (2006, p. 99), ao abordar o tema, é repartir algumas ideias de materiais já utilizados no trabalho com surdos os quais demonstraram bons resultados no ensino da L2. Entre as sugestões de materiais didáticos para o ensino de português (L2) para surdos, há a indicação do fichário, o qual consiste em uma caixa contendo diversas fichas padronizadas com figura e palavra correspondente; o objetivo desse material é mostrar “o nome das coisas”; as fichas devem ser confeccionadas com figuras nítidas que se aproximam ao máximo da realidade do aluno, além de serem “limpas”, ou seja, que não haja outros elementos diferentes ao da palavra-chave (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 101). Outra sugestão interessante é o dicionário configuração de mãos/português. Trata-se de um caderno no qual as configurações de mãos estarão coladas na borda das folhas. Diferentemente da lógica do dicionário em português, neste, a sequência lexical se dá pela configuração da mão e não pela ordem alfabética, cujo objetivo é incentivar o aluno a buscar sozinho, as palavras desejadas à construção textual em português. Os sinais ou as figuras correspondentes às determinadas configurações de mão serão agrupados, colados e identificados pela palavra que o nomeia (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 103). Quadros e Schmiedt (2006, p. 104) ainda sugerem as caixas de gravuras, de verbos, de alfabeto Libras e Português e uma de histórias em sequência. Para a caixa de gravuras, as autoras recomendam selecionar imagens ricas em informações com as quais se estimule o aluno a produzir textos sobre a informação que gravura passa. Com relação à de verbos, a 33 orientação é para que apenas um verbo esteja destacado na imagem, por exemplo, se o verbo é “sorrir”, não deve ter na gravura uma pessoa sorrindo ao mesmo tempo em que realiza outra ação, como abrir uma porta concomitante ao ato de sorrir. Já os alfabetos, tanto em Libras como em Português, devem ser confeccionados em cartelas a fim de propiciar a construção de palavras. Com relação às histórias, as autoras recomendam fichas com diferentes números de cenas sequenciais para as quais os alunos deverão escrever seu enredo, estimulando dessa forma a produção de frases ou texto, do pensamento e da criatividade. O material didático sugerido por Grannier e Silva (2007, p. 1) é direcionado ao ensino do português-por-escrito – expressão utilizada por Grannier (2002, apud GRANNIER; SILVA, 2007, p. 2) – às crianças com surdez profunda, as quais chegam à escola com conhecimento de Libras, mas não de português. Na proposta das autoras, o material didático refere-se ao texto-base e às atividades didáticas e ressaltam que, tanto o material didático como o professor tem o papel de facilitar o contato direto do aprendiz surdo com a língua (p. 7). Para Grannier e Silva (2007, p. 2), os textos, assim como no ensino a ouvintes, devem ser criteriosamente selecionados. A principal característica dos materiais utilizados é o gênero textual, pois, de acordo com as autoras, ele permite o desencadeamento de um conjunto de atividades, servindo de instrumento para o desenvolvimento de capacidades de linguagem: de ação, discursivas e linguístico-discursivas. Dessa forma, os textos selecionados devem ser autênticos e chamar a atenção dos alunos, de preferência, textos em cores e conter as referências bibliográficas. Com base no texto selecionado, o gênero textual deve ser trabalhado a partir de perguntas e diferentes tipos de atividades, cujas quais considerem “leitura, compreensão e interpretação; gramática/vocabulário e produção textual” (GRANNIER; SILVA, 2007, p. 3). Considerando tratar-se do ensino da L2 para surdos, e esta deve ser funcional (NASCIMENTO, 2010, p. 21), de acordo com Grannier e Silva (2007), alguns gêneros textuais propiciam noções relevantes e necessárias a respeito do português, em especial a respeito de alguns pontos gramaticais específicos, como por exemplo: - textos descritivos/expositivos: formas do presente, verbos regulares, verbos ser e estar e outros; - textos narrativos: pretérito perfeito, pretérito imperfeito; noções de tempo, ordenação de fatos; expressões do cotidiano; duplo sentido e outros; - textos dissertativos: formas do modo subjuntivo, construção de passivas, uso de expressões conectivas, noções de oposição, causa, consequência e outras (GRANNIER; SILVA, 2007, p. 3). 34 Para se destacar e reforçar os aspectos estruturantes da língua, os quais se objetiva trabalhar, Grannier e Silva (2007, p. 12) orientam a confecção de fichas e tiras contendo os diálogos do texto, as expressões, as estruturas com preposições, vocabulários e itens gramaticais, ou seja, tudo aquilo que o professor desejar focar no ensino com base no texto selecionado. As fichas e tiras comporão o material didático permitindo atividades variadas em que aproximará o aprendiz da língua de acordo com a dinâmica adotada. Tanto nas sugestões de Quadros e Schmiedt (2006) como na de Grannier e Silva (2007) a condição visual do aluno surdo foi considerada para a elaboração de material didático no ensino do português escrito, mostrando dessa forma, que essa característica não pode ser menosprezada na preparação dos recursos didáticos para a educação de surdos, principalmente no tocante ao ensino de L2, uma vez que as palavras (frases, textos, estruturas gramaticais, etc.) serão para eles mais algumas imagens. 35 3. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo, dividido em duas seções, será apresentada a metodologia empregada na pesquisa e a discussão dos dados. Primeiramente, caracterizar-se-á o espaço pesquisado e, em seguida, a descrição da coleta de dados, que, em virtude da forma como se deu, optou-se pelo relato de observação concomitante com a análise dos dados. 3.1. METODOLOGIA Face aos procedimentos de investigação utilizados à pesquisa, esta assume as características de dois tipos de pesquisa: exploratória e descritiva qualitativa. Exploratória em virtude do levantamento bibliográfico realizado por meio de livros, dicionários e artigos científicos disponíveis na internet. Descritiva qualitativa pela necessidade da pesquisa em campo, em que se utilizou o método de observação seguida da análise dos materiais confeccionados e utilizados pelas professoras em suas práticas educativas (BEZZON, 2005, p. 23). A pesquisa em campo foi realizada no mês de maio de 2012 em uma escola de ensino regular de Taguatinga Norte, em que há alunos surdos incluídos, cuja unidade está ligada à Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF). Inicialmente, buscou-se observar os materiais didáticos elaborados por professores do Ensino Fundamental e Médio. Contudo, somente foi possível observar os materiais das disciplinas Português e Biologia do Ensino Médio, face à sutil resistência encontrada nos professores da escola do ensino fundamental em submeter seu material à pesquisa, ainda que se ressaltasse o objetivo maior: observação (tão somente) dos materiais e não a avaliação desses. Em que pese o foco da observação ter sido os materiais didáticos elaborados para o ensino de surdos, muitas informações e explicações a respeito deles foram obtidas a partir da observação da aula em que foram utilizados e por meio de conversas com as professoras elaboradoras e aplicadoras dos tais. Dessa forma, a seguir, tanto as visitas como os materiais didáticos (recursos audiovisuais) e os comentários das professoras serão relatados, seguidos das análises possibilitadas pelo conhecimento obtido por meio da fundamentação teórica. 36 3.2. OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Conforme apontado anteriormente, o foco das observações se concentrou nos materiais didáticos elaborados para emprego no processo ensino-aprendizagem do aluno surdo. 3.2.1. Material Didático para o ensino de Português escrito A primeira observação oportunizada se deu na sala ambiente para o ensino de Português para Surdos do Ensino Médio. A sala se configura num ambiente propício à educação de surdos, pois privilegia a experiência visual do surdo e o contato (visualização) com a língua em sua modalidade escrita. Há na sala uma variedade de recursos visuais (materiais didáticos) como: cartazes com alfabeto em português com imagens e a palavra correspondente à letra estampada, dicionários dos próprios alunos ou do acervo da professora/escola, livros de literatura, ficha de inscrição de leitor (ficha da biblioteca) mural de avisos, mural didático, álbum seriado, quadro branco, projetor DataShow, textos com respectivas atividades e internet. Tanto na aula para o 1º ano como nas aulas do 2º ano, pôde-se não apenas ter acesso aos materiais elaborados pelas professoras como observar sua aplicação. Logo no início da observação (e das conversas), uma das professoras da disciplina esclareceu de que o material é construído de acordo com a necessidade e característica da turma. O primeiro material didático de autoria de uma das professoras foi um “Roteiro de Leitura”, o qual foi registrado no quadro branco para que os alunos o copiassem. Os alunos deveriam escolher e ler um livro de leitura e, na data marcada, entregar o roteiro respondido. Além de trabalhar a habilidade da escrita, o roteiro propiciaria também a leitura compreensiva, pois nele, os alunos deveriam responder algumas questões e contar a história, ou seja, redigir um resumo da obra. O preenchimento do roteiro iniciava pelo cabeçalho com os dados do aluno/leitor e em seguida, pelos dados do livro lido: título da obra, autor, editora e ano de publicação. Posteriormente, redigiria um texto abordando o início, o meio e o fim da história. Para aferir o nível de compreensão da leitura, o aluno ainda deveria registrar os aspectos interessantes da história, respondendo às perguntas a respeito do que tinha gostado, gostado mais e do que não gostou. 37 Condizente com a afirmação inicial da professora, conforme surgem as necessidades, o material é aperfeiçoado. Foi exatamente o que se verificou. Ao aplicar o roteiro para uma segunda turma, precisou acrescentar mais algumas instruções à atividade de leitura e preenchimento do roteiro. As orientações acrescentadas perpassaram desde a indicação de pesquisas ao dicionário, leitura diária e marcação da interrupção da leitura. Instruiu-se também quanto às distinções do ato de contar/copiar uma história além das orientações metodológicas de como ler e redigir um texto. O segundo recurso observado – esse de autoria da outra professora da disciplina – refere-se a um material impresso composto por um texto autêntico e atividades didáticas. O texto, de gênero textual, se trata de uma entrevista da Vanessa Vidal, modelo surda e coordenadora do Concurso Miss Surda Brasil, concedida ao Blog Vendo Vozes. A primeira recomendação constante no material, em forma de comando e bem destacada, recomendava o uso do dicionário para leitura do texto e resposta às questões. O primeiro comando relacionado à atividade didática solicitava a leitura do texto; na segunda atividade o aluno deveria escrever outras três perguntas que ele faria à entrevistada; e por último, na terceira atividade, o aluno deveria recortar as imagens fornecidas no material e colá-las nos respectivos espaços com frases relacionadas à informação das fotos, além de completar as lacunas das frases. Essa terceira questão já não se relacionava ao texto, mas ao gênero textual: entrevista (texto jornalístico), em que o foco permaneceu a modelo surda acrescentando-se outros entrevistadores. Evidenciando-se assim o grupo lexical a ser trabalhado: ENTREVISTA – ENTREVISTADA – ENTREVISTADOR – ENTREVISTADORA. O terceiro material, também de autoria das professoras, fica exposto de contínuo na sala por se tratar de um álbum seriado fixado na parede. Neste material, em cada uma de suas folhas de papel pardo, há uma palavra, escrita na cor vermelha e em caixa alta, a qual intitula o grupo lexical. Assim como na última atividade descrita acima, são acrescentadas àquele grupo lexical novas palavras, em cor diferente, compreendidas pelo mesmo sentido semântico. A intenção é que o aluno perceba os vários sentidos e formas de uso de um determinado léxico. Objetivo alcançado em uma das aulas, quando um dos alunos percebeu, no momento em que copiava o Roteiro de Leitura (primeiro material descrito), que no grupo do léxico LER faltava a palavra “lido”. Imediatamente a palavra foi incluída pela professora, a qual chamou a atenção dos demais alunos da turma para este acontecimento. Por acreditar que a visualização desse material possibilitará uma melhor compreensão do que fora relatado, esse será representado a seguir por uma ilustração, de autoria desta 38 pesquisadora e observadora dos materiais didáticos, face à falta de autorização para fotografálo. Ilustração 1: Representação do Material Didático observado LER À medida que surgem novas palavras, essas são acrescentadas ao grupo lexical, como aconteceu com o vocábulo “lido”, ou um novo grupo é incluído ao material, o que de certo será feito em virtude do novo grupo estudado: ENTREVISTA. 3.2.1.1. Análise do material didático O primeiro material didático observado, a saber, o Roteiro de Leitura, recorreu a vários outros recursos didáticos para se constituir como tal: um recurso visual. Para construílo, a professora utilizou não apenas o quadro branco como também recorreu ao desenho. Após escrever as instruções no quadro, ela desenhou um esboço da estrutura do trabalho, indicando inclusive quantas linhas seriam necessárias para responder às questões propostas. Em seguida, em Libras, explicou item a item de como deveria ser feito o trabalho. A começar pela originalidade e criatividade da professora, seguida pela estrutura metodológica adotada no roteiro e a forma de apresentação do guia (representação gráfica), demonstrou consideração pelas características do aluno surdo, possibilitando-o contato e o ensino da língua por meio do visual. As estruturas semânticas dos comandos facilitavam a compreensão do aluno concernente ao que tinha de fazer. Os comandos eram simples e diretos, demonstrando o foco da prática educativa: o ensino funcional da língua. Atendendo dessa forma, aos preceitos legais do ensino do português como segunda língua. Assim como o primeiro, o segundo material didático para ensino de português observado também privilegiou a experiência visual do surdo, destacando ainda mais o que era 39 imprescindível ao aluno observar para compreender o texto. Utilizando-se dos mais variados tipos de destaques textuais, as professoras acabam por demonstrar, inclusive, o método o qual seguem para elaborar materiais didáticos. Os comandos são iniciados sempre por verbos e esses são escritos em caixa alta e negritados. Algumas palavras-chave recebem o mesmo tratamento. Essa característica pode ser verificada com os extratos do material didático, anexados a seguir: Figura 1 – Extrato do Material Didático observado Fonte: Atividade Discursiva – 1º Bimestre Na questão seguinte, o comando é desmembrado e para cada ação (resposta ao exercício) aplica-se a mesma técnica de destacar o verbo-chave com letras em caixa altas e negritadas. Figura 2 - Extrato do Material Didático observado Fonte: Atividade Discursiva – 1º Bimestre 40 Atividades como essa corroboram para a compreensão semântica das palavras e para o despertar no aluno surdo quanto à notar a distinção gráfica dos vocábulos. Essa distinção para eles, que veem o texto como um conjunto de imagens, é fundamental, haja vista a ausência ou presença de determinadas letras mudarem a palavra e alterarem o sentido da informação a qual se deseja passar. Isso fica claro com as situações e combinações propostas no exercício; a informação referente à Vanessa Vidal será distorcida se ao invés de “entrevistada” o aluno escrever “entrevistadORA”. Outro aspecto salutar nesse material didático elaborado é a autenticidade do texto – conforme orientam as autoras Grannier e Silva (2007) – e, principalmente, a valorização da cultura surda. O texto trouxe de forma muito positiva um par semelhante: uma surda sinalizante. O tema é instigante à leitura, pois envolve o aluno ao contexto do texto; é atual e trouxe informações pertinentes e de interesse à faixa etária; o gênero textual possibilita visualizar a língua em seu processo usual, como de fato é praticada. As imagens selecionadas são claras, do ponto de vista informacional. Dão pistas para a compreensão da informação facilitando não apenas sua interpretação como o relacionamento às frases do exercício. Demonstrando que o apelo ao visual, tanto na seleção das imagens como nas estratégias utilizadas pelas professoras, são condizentes às premissas de ensino de português, como L2 para surdos, propostas por Nascimento (2010). Quão bom seria se o material tivesse sido fotocopiado em cores, propiciando (mais) nitidez às imagens. 3.2.2. Material Didático para o ensino de Biologia Em virtude de na escola existir em seu corpo docente mais de um professor de Biologia, e dentre eles existir uma professora com fluência em Libras, construiu e equipou-se uma sala para o ensino específico, possibilitando dessa forma, uma sala ambiente da disciplina para surdos. Nesta sala há diversos recursos visuais, tais como: mural de notícias, o quadro branco, internet, espécimes de insetos em conserva; livros didáticos, móbiles de algumas partes do corpo humano e apostilas de textos e exercícios. Apesar de ter à disposição variados livros didáticos, a professora diz ser necessário elaborar seu próprio material didático, pois os textos dos livros didáticos são de difícil compreensão para os alunos surdos. A linguagem rebuscada em português e a estrutura de 41 como os conceitos são trabalhados não favorecem a compreensão daqueles para os quais o português é segunda língua. Por isso, essa professora elabora seu próprio material, focando sempre na estrutura textual de L2, ou seja, os conceitos são redigidos de forma clara e direta, amparados sempre pelas imagens dos respectivos conceitos, segundo a professora. Para estruturar o conteúdo no material produzido, uma apostila, a professora indicou o tema da unidade curricular e construiu pequenos textos com foco nos conceitos. Sempre que possível e identificado na internet, ela complementa o material impresso com apresentação de vídeos disponíveis na rede, dando preferência pelos vídeos publicitários, por considerar a linguagem de cunho educativo, simples e direta quanto à informação que se deseja transmitir. Assim como aos conceitos, a professora também redigiu os comandos dos exercícios de forma objetiva, como por exemplo: “Preencha os espaços abaixo.”, “Relacione as colunas.”, etc. O material é muito rico em imagens. Ora usadas para ilustrar um conceito, ora como metodologia de interpretação e resposta de exercícios. Após trabalhar cada um dos conceitos planejados, ela solicita aos alunos que anotem os vocábulos novos num caderno, uma espécie de dicionário particular e temático, ou seja, apenas dos temas relacionados à disciplina Biologia. Cada aluno tem um caderno formatado à semelhança de uma agenda telefônica, em que as bordas das folhas são identificadas por uma letra do alfabeto na sequência em que são ordenadas. Dessa forma, na medida em que se é trabalhado um conceito, esse é registrado nos dicionários personalizados. Assim, quando necessitam rever qualquer conceito, eles recorrem às suas anotações. Um dos exemplos observados foi de “mitocôndria”, cujo conceito estava registrado na página da letra “M”. Houve alunos que aproveitam para grafar o sinal das palavras. Esse caderno é semelhante ao recurso proposto por Quadros e Schmiedt (2006, p. 104), guardadas as devidas adaptações conforme figura a seguir: Figura 3 – Sugestão de Material Didático para o ensino de Português 42 3.2.2.1. Análise do material didático A apostila elaborada pela professora se ocupa de duas funções: facilitar o acesso do conteúdo de Biologia ao aprendiz surdo ao mesmo tempo em que o aproxima do português. A estrutura frasal direta e objetiva favorece a compreensão do conteúdo, na medida em que se apresenta pela ideia-chave: o que, como, quando e para quê? Os comandos das atividades didáticas iniciadas por verbos dão a orientação necessária do que o aluno precisa fazer. A preocupação da professora em sempre selecionar imagens nítidas e livres de quaisquer outros elementos que possam comprometer a interpretação e associação corretas conforme os conceitos ensinados, e, recorrer aos vídeos para complementar o material demonstra estar atenta às características da pessoa surda: informação e leitura de mundo captadas pela visão. Contudo, considerando que em determinados conteúdos dessa disciplina, algumas estruturas, as celulares, por exemplo, são identificadas e distinguidas pelas cores imprimidas nas ilustrações, o material didático fotocopiado compromete sua eficácia a qual é subsidiar o aprendiz surdo de conteúdo com igual ou aproximada qualidade de imagem como a encontrada nos livros didáticos. Neste sentido, é importante que o livro didático seja mais um subsídio ao processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina para alunos e professora, ainda que este sirva para analisar as imagens correspondentes a cada conteúdo. A falta de autorização para anexar a referida apostila ou extratos de seu conteúdo nesta pesquisa, talvez tenha comprometido o relato da observação, pois possibilitaria uma análise com mais riqueza de detalhes. Todavia, ainda que tenham faltado as ilustrações desejadas, a oportunidade de observar um material didático para o ensino de Biologia, possibilita analisar a necessidade de um ensino com metodologia própria à educação de surdos, e como essa deveria ser. 3.2.3. Considerações Parciais Os materiais didáticos elaborados para o ensino de ambas as disciplinas foram confeccionados a partir da constatação das professoras quanto à necessidade de ter um recurso pedagógico específico à educação de surdos, cujo qual privilegiasse as características do 43 aluno surdo e fosse eficiente ao processo ensino-aprendizagem desse grupo de aprendizes que recorrem ao olho para aprender. Com relação ao ensino da língua portuguesa para surdos, modalidade escrita, a necessidade de elaboração de material didático é uma unanimidade entre os professores de português para surdos, uma vez que o tema é recente haja vista o reconhecimento da Libras em 2002. Isso se comprova pelo número de pesquisas publicadas e em andamento a respeito desse ensino para esse público. Agora, com relação ao ensino de outras disciplinas, não se encontra estudos nem pesquisas que visem a investigação de um método apropriado para a educação de surdos. É de se questionar então: os alunos surdos estão aprendendo, de fato, as outras disciplinas, as quais são ensinadas a partir de uma metodologia que atende a maioria ouvinte, com argumentação (explicação), livros e conteúdos escritos em L2 e contando apenas com a interpretação? Talvez essa seja “a pergunta que não quer calar”. Essa merece ser respondida pelo princípio da inclusão: educação de qualidade para TODOS. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os recursos audiovisuais disponíveis ao sistema de ensino brasileiro, professores e alunos estão voltados ao processo de ensino-aprendizagem da maioria ouvinte devido à forma como foram construídos: confeccionados sob a perspectiva da língua oral, o português. Da expressão oral à escrita, o pensamento, informação e conteúdo estão organizados sob a estrutura da língua que para o surdo é L2 que, em virtude do precário domínio dessa língua, pela maioria dos surdos, compromete a aquisição do conhecimento e, por conseguinte, do aprendizado. Com isso, os surdos já estão em desvantagem com relação aos ouvintes quanto ao ensino que recebem. Premente é a necessidade de se elaborar materiais didáticos voltados à educação de surdos para todos os níveis educacionais. Materiais didáticos com metodologia que privilegie o “modo surdo de ser”, o qual contemple a experiência visual desse aluno e o ampare em seu processo de ensino-aprendizagem com uma educação de qualidade. Muitos dos materiais didáticos produzidos por professores, espalhados pelo Brasil, são elaborados em virtude das necessidades que se apresentam para desenvolver a prática educativa com os alunos surdos. Esses professores, comprometidos com a educação e seus alunos, se desdobram em criatividade e originalidade para criar seu próprio material, os quais merecem e precisam ser compartilhados para o melhoramento da educação dos surdos, a fim de que esses tenham, de fato, a mesma educação (de qualidade) e oportunidade a que os ouvintes gozam. A resistência enfrentada pelos professores em submeter seus materiais didáticos talvez advenha da insegurança concernente à eficácia de seus recursos, uma vez que não há na literatura ou nos órgãos competentes qualquer orientação à elaboração de materiais didáticos para educação de surdos. A pouca referência encontrada tange o aspecto sugestivo. Ainda assim, essas experiências necessitam ser publicadas a fim de possibilitar a construção de um manual, um guia, uma ajuda aos professores, de todas as disciplinas, para a elaboração de seus materiais didáticos e assim facilitar a aproximação do ensino ao aluno surdo. A esperança é de que de posse de um material didático que lhe atenda, o aluno surdo seja tão autônomo na busca do conhecimento como os demais alunos o são, ou ao menos lhe é propiciado que seja, uma vez que o conhecimento, adquirido na educação formal, está em sua segunda língua, o português. 45 REFERÊNCIAS BRASIL. Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996... – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002. 65 p. ______. Decreto n.º 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 02 nov. 2011. ______. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 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