CONTROLE DE CONTAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEGUNDO A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: uma abordagem da atuação dos Tribunais de Contas do Brasil a partir de uma leitura pós-positivista dos princípios da legalidade e da eficiência. PALAVRAS CHAVE: Estado de Direito brasileiro; Direito Administrativo; Controle da Administração Pública; Tribunais de Contas; Jurisdição Constitucional. KEYWORDS Brazilian State law; Administrative law; Public Managment control; Court of acounts; Judicial review. RESUMO: O objetivo do presente artigo é analisar a maneira segundo a qual a Administração Pública brasileira é controlada pelos Tribunais de Contas. Neste propósito, situa tal objeto no marco teórico do Estado de Direito brasileiro, a fim de verificar se o controle se compadece com os fundamentos do referido Estado. Ao verificar a prevalência do modelo liberal em detrimento dos demais modelos, delimita tal fato como problema e procura verificar como os efeitos na via prática desta “opção”, contribuem para um recrudescimento das possibilidades de concretização dos direitos fundamentais na órbita da Administração Pública. Indicando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como mecanismo atento ao processo de transformação pelo qual tem passado a sociedade civil contemporânea, propugna que a dimensão científica da inefetividade de direitos fundamentais a residir no positivismo jurídico, deve dar lugar a uma abordagem do Direito Administrativo fundada na efetividade de direitos fundamentais. ABSTRACT: The objective of the present article is to analyse the form which the Public Managment is that control by the Acount Courts. In that purpose situate that object in the landmark theory of the brazilian State of law to aim to verify if the control is according to foundations of it state. Checking the liberal model as more important to the others to control aims that fact how problem and find verify how the effects in pratice view of this “option” to contribute to delay of the possibilities of make real the fundamentals rights in the view of the Public Management. Indicating the jurisprudence of Federal Supreme Court how mechanism attentive about the process of transformation than have pass the civil society nowadays defends on than cientific dimension of the in uneffetiveness of fundamentals rights to locate in legal positivism must be place to perspective of Administrative Law founded in a effetiveness of fundamentals rigts to requalify the hybrid dimension of the brazilian state of law. 1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................................................................3 O CONTROLE DE CONTAS COMO UM FIM EM SI MESMO: (RE)PENSANDO O POSTULADO DE SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E A DICOTOMIA DA FUNÇÃO EXECUTIVA COMO FUNDAMENTO DAS RELAÇÕES ADMINISTRATIVAS..............................................................................................................7 1.1 As tradições do estado de direito brasileiro: compreendendo os vários Estados de Direito brasileiros dentro do Estado de Direito brasileiro....................................................7 1.2 Direito Administrativo como “técnica”: (re)pensando o conceito de função administrativa..........................................................................................................................13 1.3 O princípio da supremacia do interesse público: uma releitura sistêmica do conceito de legalidade............................................................................................................................15 2 Aspectos formais do controle externo da Administração pelos TC’s..............................18 2.1 Perfil institucional dos Tribunais de Contas..................................................................19 2.2 Fundamento.......................................................................................................................21 2.3 Evolução Histórica............................................................................................................23 2.4 Competência......................................................................................................................24 2.5 Conceito e oportunidade...................................................................................................25 2.6 Visão do STF......................................................................................................................26 3. CONCLUSÕES...................................................................................................................28 4. REFERÊNCIAS..................................................................................................................29 2 Introdução O presente trabalho visa analisar, segundo interpretação pós-positivista de os princípios da legalidade e da eficiência, os limites impostos pela Jurisdição Constitucional brasileira ao controle externo, realizado pelos Tribunais de Contas, sobre Administração Pública no exercício de sua função executiva. Historicamente a Justiça brasileira tem atribuído aos Tribunais de Contas o controle formal dos atos administrativos realizados pelos agentes públicos que atuam na Administração Pública. Contudo, esse tipo de controle tem se apresentado insuficiente para garantir de forma efetiva a atuação legal do agente político/administrativo e a eficiência das políticas públicas que, de fato, são os instrumentos de concretização dos direitos sociais garantidos pelo Estado Democrático de Direito brasileiro no Capítulo II da Constituição de 1988. Prova disso é que no exercício de 2008 - que contemplou eleições municipais -, foram emanados 274 pareceres prévios emitidos sobre contas dos chefes do Poder Executivo. Destes, 169 foram pela aprovação com ressalvas, 104 pela rejeição, e apenas 1 por sua aprovação em sua totalidade, em um universo de 1061 processos de contas municipais (BRASIL, TRIBUNAL DE CONTAS DE MINAS GERAIS, 2008). Mas, se o controle meramente formal não garante a efetividade da função executiva, como poderiam atuar os Tribunais de Contas para controlar a legalidade da função administrativa de forma a alcançar os fins que justificam a sua realização? Para entabular essa análise duas hipóteses são apresentadas: (i) a atribuição de maior peso à insindicabilidade do mérito do decisum no controle exercido pela Jurisdição Constitucional legitima a prevalência da forma sobre o conteúdo na prática administrativa. Ao fazê-lo, compromete a aplicação do princípio da boa administração pública. Isto porque ao tratar do controle de contas como exercício de atuação formal, não orientada pelo fim de ação materialmente eficaz, o Judiciário brasileiro reduz a função administrativa à atividade técnica, desprovida de compromisso com seus resultados. Insuficiente, portanto, para concretizar o interesse público que justifica a própria existência da Administração Pública. (ii) Se o princípio da dignidade humana ocupa papel nuclear no ordenamento pátrio, a função central da Administração Pública brasileira deveria estar orientada para a efetividade dos direitos políticos e sociais garantidos por nossa ordem jurídica constitucional. Para tanto, o controle de contas da Administração Pública não poderia ser apenas da regularidade, aferida por meio de operações aritméticas para constatar aferir a legalidade da prestação de contas, mas da efetiva entrega ao cidadão do direito prestacional. 3 Ao não assegurarem a aferição material da legalidade na atuação do administrador público, segundo métodos pós-positivistas de aplicação da lei que concretizem os fins que justificam a necessidade do próprio controle, os Tribunais de Contas tem gerado um déficit de operação, favorecendo a não concretização de direitos políticos e sociais. Em outras palavras, ao aplicarem a lei, a par de sua compreensão, interpretação e aplicação contextualizada, tendo em vista não apenas na literalidade do texto, mas também na leitura do ambiente social, procedimental e arcabouço normativo, os Tribunais de Contas exercem de forma eficaz e efetiva, a função de controle que lhes foi atribuída constitucionalmente. Por essas razões, lançar um novo olhar, direcionado a investigar problemas da sociedade contemporânea, caracterizada pela hiper-complexidade, sobre como a Jurisdição Constitucional tem referendado o controle de contas da Administração Pública parece contribuir para renovar a discussão sob perspectiva atualizada e com metodologia mais apta a delinear caminhos mais seguros para sedimentação de respostas consistentes para a diversidade, e sempre intempestivas demandas do Século XXI. Contribui ainda, para um debate que evidencie a necessidade de os órgãos de controle refletirem acerca da conveniência de incorporarem à racionalidade discursiva de seus julgados, métodos de aplicação pós-positivistas. Tal fato se nos apresenta como solução para a inefetividade de direitos, atualmente percebida. Isto porque a realização dos efeitos que decorrem das tradições do Estado Democrático de Direito brasileiro, deve ser fundamento de toda atuação estatal. Do contrário, a aplicação dos institutos do Direito Administrativo, limitar-se-á à uma mera atuação técnica, sem uma perspectiva finalística. Ampliar os conceitos e institutos administrativistas, salientando sua função instrumental, é medida que contribui para a reabilitação da dimensão híbrida do Estado, a par dos modelos nele condensados. Assim, na medida em que a análise das ações e omissões decorrentes da atividade administrativa é tarefa afeta aos órgãos de controle externo da Administração Pública, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem se inclinado à orientação que mitiga o princípio da inafastabilidade da jurisdição, na questão da análise dos decisi dos TC’S. Já quanto à análise do mérito do ato produzido pela Administração Pública, o STF não tem se furtado ao papel de controlá-lo, conforme enuncia o Min. Celso de Mello através da relatoria da ADPF 45 (BRASIL, STF, 2004). No primeiro caso, verifica-se a conformação da Jurisdição Constitucional, ao modelo de Estado Democrático indicando uma atuação conformada da Jurisdição Constitucional, ao modelo de Estado Democrático, ao menos 4 naquilo que concerne à ratificação via Parlamento local do Parecer prévio produzido pelos TC’s. No segundo caso, contudo, atribui maior peso ao Modelo de Estado Social, considerando que sua realização passa até mesmo pelo controle de políticas públicas. Nesta perspectiva, de modo que ater-nos-emos principalmente ao primeiro tema desfilado – sem prejuízo da análise daquele indicado secundariamente torna-se relevante investigar se há uma relação no controle formal, quanto a alegação de inefetividade decorrente de tal método, em cotejo com a perspectiva de um controle eficacial pleno, que não recaia nas amarras do controle da forma. Assim, se o TC se abstiver de analisar o mérito do ato, a análise da coerência entre a medida que fundamenta a execução de determinada política pública ou medida administrativa, as limitações provenientes da idéia clássica de legalidade, tal qual proposta pela Escola da Exegese, subsistirão na realidade. Forçoso repensar-se inclusive o papel do Direito e o próprio conceito de norma jurídica, para o fim de aferir a congruência entre seus fundamentos e finalidade de efetividade, orientando sua aplicação mais nestes elementos do que na reverência e o temor diante da sanção. As sanções premiais, objeto de análise adiante, indicam outra leitura e aplicação possíveis. Decorre de tal juízo outra questão relevante, que indaga o alcance dos métodos clássicos de aplicação da lei, em face do caráter multifacetado das demandas produzidas por nossa sociedade, que clamam por decisões céleres, pluralistas, resolutivas, consensuais e dialógicas. Diante da afirmação que se antecipa quanto serem ainda distantes, decisões administrativas neste sentido, cabe inquirir até que ponto a racionalização e acomodação não apenas do cidadão, mas principalmente do intérprete da norma (regras e princípios), não deixa de ser uma forma de, a par do pensamento sistêmico, conformar-se com a realidade atual. Gutrie, ao discorrer como esta estrutura de subjetividade meramente descritiva, há muito opera na consciência, trás menção à Górgias, protagonista do ilustrado na Antiguidade Clássica (GUTRIE, W. K. C, 1995, p. 52 ). Nesta atmosfera, não surpreende que devesse ganhar favor uma epistemologia segundo a qual “o que parece a mim é para mim, e o que parece a ti é para ti”, e que ninguém pode estar numa posição para contradizer a outrem. Desse modo, indaga-se até que ponto a racionalização destes problemas neste viés, não deixa de ser uma forma de fundamentar uma inércia operacional, na medida em que a conclusão que caminha para atribuir às teorias sistêmicas, um locus de soluções inatingíveis visando a transformação da realidade atual, produz ou apenas descreve estágios civilizatórios 5 meramente ideais, apenas fundamentando o conformismo social em que vivemos hodiernamente. Nesta direção, o controle proposto é o que integra de forma sistemática o Direito, visando a realização material dos princípios fundamentais. Assim, apenas com educação efetiva (não apenas acesso, mas alfabetização e nutrição), serviço de saúde de qualidade (mais que a vaga ambulatorial, a cura), e práticas qualificadas de desporto, lazer, moradia digna, preparação para o trabalho, renda adequada, transporte eficiente, segurança plena, e principalmente, um Estado justo e honesto nas perspectivas institucional e prestacional, é que indivíduos podem emancipar-se intelectualmente. Com isso, podem atuar produzindo um pensamento crítico e reflexivo, que permita a cada um, atuar em busca da reversão do quadro de alienação total das consciências individual e coletiva, que nos encontramos, no plano da cidadania, participação, construção do respeito à diversidade, autoemancipação, realizando de forma plena a concretização do princípio da dignidade humana. A par desta ordem de idéias, procedimentos complementares, como a adoção de indicadores, processos de monitoramento e qualificação de pessoal, integração federativocooperativa, devem ser incorporados a discussão acerca do tema, diante da indicação que um resultado efetivo, paira sobre o ataque ao produto das componentes na sua totalidade, e não analisadas isoladamente. Assim, ainda que o problema da efetividade não se limite ao debate acerca da eficácia da aplicação do texto legal segundo técnicas formais - que gravitam em torno da norma -, tal recorte, será o ponto de partida para o atingimento das pretensões mais modestas – mas nem por isso simplórias - do presente artigo. O CONTROLE DE CONTAS COMO UM FIM EM SI MESMO: (RE)PENSANDO O POSTULADO DE SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E A DICOTOMIA DA FUNÇÃO EXECUTIVA COMO FUNDAMENTO DAS RELAÇÕES ADMINISTRATIVAS. 6 Qual a importância de identificar como cada regime jurídico conforma a atuação estatal de ordem administrativa? O fundamento de tal fato funda a crítica a institutos clássicos do Direito Administrativo, a partir do marco teórico do Estado Democrático de Direito, autorizando a percepção fiel acerca das possibilidades de atualização semântica dos fundamentos e finalidades da norma, medidas administrativas e emaranhado processual e procedimental que concerne à Administração Pública e seu controle. Permite aferir ainda, como os diversos modelos de Estado conformam a atuação do controle com vistas ao atingimento do princípio ao direito à boa administração pública, possibilitando indicar os modelos mais adequados aos fins de efetividade, ao realçar como cada qual realiza mais, melhor e com exatidão o controle eficacial. O Direito Positivo pátrio concernente ao controle da Administração Pública deve ser estudado em todas as suas interfaces com os diferenciados ramos que compõe o Direito Público e não apenas à luz do arcabouço normativo existente. Para a construção conforme à Constituição é imprescindível contextualizar o controle da Administração Pública pelos TC’s, de acordo com os preceitos orientadores do Estado de Direito brasileiro em suas mais diferenciadas nuances. 1.1 As tradições do estado de direito brasileiro: compreendendo os vários Estados de Direito brasileiros dentro do Estado de Direito brasileiro A despeito de o modelo normativo atual do Estado de Direito brasileiro plasmar uma construção histórica que aglutina vários “Estados de direito brasileiros”, será possível indicar a prevalência de algum destes modelos? Para aferir tal fato, façamos uma breve abordagem dos modelos normativos adotados pelo Estado brasileiro ao longo de sua História, iniciando tal percurso através do modelo republicano. O modelo de Estado republicano tem por característica essencial a reunião de diversos entes políticos, em uma unidade federada. Este Estado federal surge com as seguintes características diferenciadoras: a) autonomia administrativa dos Estados-membros; b) atribuição de competência legislativa aos mesmos; c) participação dos Estados-membros no processo de revisão constitucional; e d) exercício desta competência legislativa sujeita a um poder central (talvez característica precípua do federalismo norte-americano, que inaugura o sistema de controle de constitucionalidade das leis na modernidade). Sobre o surgimento do controle normativo como manifestação do controle do poder, Bonavides (BONAVIDES, 7 2008, p. 316) atribui seu surgimento tanto à demanda gerada pela existência de poderes autônomos coordenados, no mesmo Estado, bem como à tradição cultural de participação dos cidadãos na coisa pública daquela sociedade. Esta participação possuía desde antanho, ênfase na reivindicação de garantias individuais e efetividade de direitos fundamentais. À época da colonização, os incipientes ordenamentos jurídicos existentes nas 13 colônias já respondiam à estas demandas, através da adoção do stare decisis, modelo adiante objeto de estudo. Segundo o referido autor: Algumas causas concorreram poderosamente ao estabelecimento nos Estados Unidos de um controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. A primeira, decorrente da natureza do sistema federativo: a dualidade de ordenamentos estatais e jurídicos produz freqüentes e agudos conflitos de competência. (...) A segunda causa reside na arraigada consciência nacional de defesa dos direitos fundamentais, no caráter profundamente liberal da sociedade americana, no espírito de suas instituições. (...) Uma terceira pode ser vista ainda derivando da tradição política que escolta o país desde o advento constitucional dos três poderes, com um legislativo sempre refreado e limitado, até mesmo pela lembrança de suas antecedências coloniais; um Legislativo que dificilmente poderia acolher ambições pertinentes a um monopólio do poder. Além destes dois fatores, a própria tradição legislativa de práticas moderadas, em oposição ao exercício do poder centralizador e intervencionista por parte da Coroa, contribuiu para que os novos Estados-membros, não incorressem nas práticas contra as quais se insurgiram. No caso brasileiro, cabe aduzir que sob a perspectiva do modelo democrático, nosso sistema político de sufrágio, orienta-se pelo presidencialismo, articulando-se ao aspecto formal deste modelo, (de democracia indireta), a participação popular, com eleições livres, diretas e universais dos dirigentes da comunidade política, adicionadas à idéia de participação diuturna da população para além dos processos eleitorais, a fim de uma legitimação democrática das decisões político-administrativas. Importante observar, portanto, que o novo paradigma constitucional procurou criar âmbito normativo para a construção participativa do interesse público, sendo tarefa da mais alta importância afeta aos dirigentes do Estado e a cada cidadão em particular, implementar na via prática este modelo. Segundo Magalhães (MAGALHÃES, 2006. p. 27): A democracia não é um lugar onde se chega. Não é algo que se possa alcançar e depois se acomodar, pois é caminho, e não chegada. É processo, e não resultado. Dessa forma, a democracia existe em permanente tensão com forças que desejam manter interesses de grupos específicos, sendo que muitas vezes essas forças se desequilibram, principalmente com a acomodação da participação popular dialógica, essência da democracia que defendemos, e o desinteresse de participação no processo da democracia representativa, pela percepção da ausência de representatividade e pelo desencanto com os resultados apresentados. 8 Apenas como ilustração, nos negócios privados, vigora o conceito de autonomia da vontade, vocacionado à proteger as liberdades positivas e negativas, endossando também a opção liberal por cânones deste modelo, redundando em um Estado híbrido que adita aos modelos desfilados, republicanismo e pluralismo. Para Magalhães (MAGALHÃES, 2006, p. 46, 53). A crise da democracia representativa se agrava com a influência cada vez maior do poder econômico nas campanhas eleitorais, e a resistência a que assistimos vem com a força dos fóruns populares dialógicos e democráticos, nos quais, a partir de organizações que surgem em torno de questões locais, ganha-se a perspectiva da indissociabilidade dos níveis territoriais das soluções, ou seja,a construção de um novo ser humano que perceba a precariedade do materialismo, do consumismo e do desenvolvimento capitalista diante das necessidades ambientais, ecológicas e espirituais... Pode-se perceber, nas experiências relatadas, que o orçamento participativo atua de forma complementar à democracia representativa; ele não substitui a democracia representativa, há o prefeito, os legisladores, a aplicação de recursos públicos por meio de uma proposta de lei orçamentária por parte do Executivo que será aprovada pelo Legislativo, ou seja, a democracia participativa não substitui a democracia representativa, mas contribui para o seu aperfeiçoamento. Em outras palavras, a democracia participativa garante que a democracia representativa seja mais democrática. Estes modelos de Estado: “republicano”, “liberal”, “federado”, “democrático”, “social”, “participativo” e “plural” foram incorporados à nossa realidade com o efeito de produzir um sincretismo metodológico. Principalmente das experiências inglesa, francesa, americana, e alemã, onde tal construção da forma de organização do poder político representou, em muitos casos, o coroamento de situações específicas e peculiares, com relação ao processo histórico de cada dos países arrolados a seguir: a aspiração de uma coletividade organizada, e grupos políticos e regiões que em alguns países construíram pacificamente uma nova forma de governo, (Inglaterra, 1689), ou a tomada do poder representou a limitação jurídica do poder estatal e sua divisão em funções, imposto por classes urbanas médias e baixas, e também pela população campesina (França, 1789). Houve também, a preservação de identidades regionais, que a par de um conceito de unificação de regiões (federação), não se sujeitaram a uma descaracterização, étnica e cultural em detrimento da construção de um Estado Nacional (Estados Unidos da América do Norte, 1787) (BONAVIDES, 2008), ou ainda uma nova conotação do conceito de Estado, em sua acepção providência e participação e pluralismo (Estados Unidos das Américas do Norte e Alemanha), como visto no século XX. Ao comentar acerca da dimensão pluralista do modelo de Estado de Direito brasileiro, Álvaro Ricardo Souza Cruz (CRUZ, 2009. p. 25) assevera O respeito à diferença só pode ser fruto de um esforço contínuo, uma vez que a maioria, não reconhecendo como cidadão o integrante de outro grupo, geralmente 9 rejeita-o. É uma tendência etnocêntrica, que se registra pelos antropólogos em todos os grupamentos humanos. Logo, uma discriminação legítima pode facilmente se desvirtuar, pela imposição às coletividades minoritárias de condutas violadoras de sua cultura e tradição. Habermas, (HABERMAS, 2003, p. 263) ao indicar como o modelo liberal apresentava-se como limitado na realização de um modelo de estado que controlasse a observância de uma atuação estatal positiva – e não apenas ciosa de impedir que o estado infringisse a esfera de direitos dos particulares -, pondera como o modelo social inovou na percepção de uma atuação diferenciada do Estado, com o fim de efetividade, verbis: “É certo que as garantias constitucionais correspondendo ao conceito de lei no Direito Público, baseiam-se na exclusão da esfera privada e de uma esfera pública politicamente ativa em relação à intervenção imediata do poder público; para isto serviam também as garantias institucionais da propriedade e da família. Elas só passam a ser complementadas por direitos sociais fundamentais porque não ocorre o preenchimento positivo “automático” do efeito denegatório, pois a delimitação de setores livres do Estado quanto ao “ir de encontro” dos mecanismos sociais imanentes não é mais compensado por uma igualdade de chances, ainda que apenas aproximada, no sentido de participar em indenizações sociais e em instituições políticas; isso passa a ser, então, assegurado expressamente pelo Estado. No Brasil ao contrário, os modelos de Estado foram inseridos em um amálgama étnico e cultural, formado por náufragos, traficantes de escravos, degredados, além das populações locais indígenas, somadas há uma elite acostumada a copiar a elite européia naquilo que ela tinha de pior. Apenas 05 (cinco) províncias (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco) ditavam as regras e sentidos para os caminhos nacionais. Enfim, o Estado brasileiro, já na sua origem, dá prova de uma construção institucional pouco criativa e participativa. A construção de uma verdadeira identidade nacional e instituições com a “cara” do país, não será tarefa das mais fáceis e de breve realização. Entretanto, pensá-la é fundamental para o progresso da nação e a consecução dos objetivos comuns e individuais almejados por nossa comunidade. (BONAVIDES, 2008). Neste sentido, Cruz (CRUZ, 2004, p. 50) Assim, não é possível desconsiderar a formação do Direito no Brasil, pois certamente ali estarão causas do problema atual, por que passa o debate sobre uma Jurisdição Constitucional efetivamente democrática. Wolkmer (2000) anota que o Direito no Brasil não foi produto de evolução gradual de uma comunidade, tal como ocorreu na Europa. Ao contrário, representou um projeto ambíguo da Metrópole, que assumiu características peculiares no Brasil, tais como o patrimonialismo, o conservadorismo e supremacia do interesse público sobre o privado. 10 Uma forma de apreender a evolução dos modelos de Estado é analisar a onda histórica de direitos humanos, ainda que reduzir o fundamento das variações das cadeias de direitos seja um método passível de crítica, no dizer de José Adércio Leite Sampaio (SAMPAIO, 2010, p. 242, 288). Em 1979, o tcheco-francês Karel Vasak apresentou no Instituto Internacional de Direitos do Homem de Estrasburgo uma classificação baseada nas fases de reconhecimento dos direitos humanos, dividida por ele em três gerações, conforme a marca predominante dos eventos históricos e das aspirações axiológicas que a elas deram identidade: a primeira, surgida com as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, valorizava a liberdade; a segunda, decorrente dos movimentos sociais democratas e da Revolução Russa, dava ênfase à igualdade e, finalmente, a terceira geração, nutridas nas duras experiências passadas pela humanidade durante a Segunda Guerra Mundial e da onda de descolonização que a seguiu, refletirá os valores de fraternidade. Pelo menos trinta anos antes, T.H Marshall (1963), analisando a história britânica, já se havia dado conta de que a “cidadania” era uma expressão semanticamente insaciável, pois ampliava no tempo suas reivindicações, primeiro reivindicando direitos da sociedade civil, como a propriedade, a liberdade de expressão e contrato; para depois exigir seu reconhecimento como membro de um “corpo político” por meio dos “direitos de autogoverno” e, enfim, postular os direitos de “cidadania social”.... Há variadas críticas a essa classificação que passam quase sempre pelo seu artificialismo. Discute-se, por exemplo, se é possível fazer uma distinção clara entre as gerações dos direitos, especialmente depois que o discurso dos direitos humanos terminou por incluir cada vez mais palavras em seu dicionário, embolando as gerações. Direitos que seriam estrutural e funcionalmente próprios da primeira geração, como a intimidade, passaram a ser reconhecidos nacional e internacionalmente juntamente com os direitos de terceira e quarta, pondo-se a questão de saber qual o critério a dominar- o tempo ou a estrutura? Assim, forçoso salientar que o olhar lançado pelo Estado e pela sociedade ao longo do tempo seja por questões históricas, políticas, econômicas, ou pela própria dimensão de cientificidade atribuída ao Direito, passa por um processo constante de mutação. Assim, ao considerarmos o sentido do Direito - e o das normas jurídicas que habitam seu sistema – cambiante no tempo e no espaço, devemos necessariamente atribuir-lhe a condição de abertura; material da cultura a comportar um contributo do intérprete a fim de aprimorá-lo como construção humana orientada para diversificados projetos de vida. Neste contexto, além do papel dos produtores e intérpretes da norma, o papel do Estado é fundamental, de modo que sua atuação, ao não limitar-se à gestão, mas estendida também na perspectiva do controle da administração, com vistas à efetividade torna-se central, se apresenta como possível instrumento de intervenção no real. Logo, uma releitura do arcabouço normativo que guarnece o Estado de Direito brasileiro, pode contribuir tanto para a atualização de velhas formas hauridas em um cenário onde ao Direito Administrativo era atribuído à condição de norte para a atuação técnica, como também para o surgimento de 11 novas práticas estatais, que melhor e em tempo razoável atendam as demandas da sociedade colocando as pessoas em primeiro lugar. Nesta medida, avaliar os avanços e o estado da arte das análises acerca das conquistas produzidas pelo texto constitucional é tarefa, pressuposto para toda análise institucional constitucionalmente delineada. Logo, reforçar a condição plúrima da realidade institucional brasileira, no que tange o modelo de estado, permite reduzir a distância hoje reinante entre formulações teóricas e o objetivo de efetividade de direitos. Segundo Álvaro Ricardo de Souza Cruz (CRUZ, 2004, p. 77, 79, 103) Qualquer concepção contemporânea de Constitucionalismo reconhece no princípio do pluralismo, certamente em consonância com o da dignidade da pessoa humana, um de seus eixos centrais. Essa aceitação é, em si mesma, uma verdadeira revolução em conceitos firmemente consolidados até a segunda metade do século passado. Isso porque a sociedade e o Estado eram vistos como fruto do consenso comum entre os homens sobre fatos sócio-culturais relevantes. Tal concepção homogeneizante da sociedade está presente no pensamento dos contratualistas clássicos, tais como Hobbes, Locke e Rousseau... Assim, a grande novidade do paradigma do Estado Democrático de Direito é justamente a noção de pluralismo, o qual tem por pressuposto a admissão, de respeito e proteção a projetos de vida distintos daqueles considerados como padrão pela maioria da sociedade. É, pois, uma proposta de superar uma visão de mundo etnocêntrica, ao reconhecer o direito a projetos de vida alternativos...O paradigma do Estado Democrático de Direito não apenas incorporou no rol de direitos fundamentais novas relações jurídicas, como aquelas atinentes aos direitos difusos, mas também renovou a concepção de outros tantos direitos. Assim, a semiótica jurídica do direito à igualdade, ampliando seu campo de incidência e sua plurissignificação são indispensáveis sob a ótica da dignidade humana. Uma sociedade calcada em tais princípios é, necessariamente, pluralista e inclusiva, pois deve garantir-estimular a participação de todos, aproveitando as diferentes cosmovisões e experiências humanas, reconhecendodesenvolvendo o potencial de cada cidadão. Tal fato se justifica diante da necessidade de apercebemo-nos da condição multifacetada do Estado de Direito, tanto como categoria histórica, e também pela perspectiva de sua estrutura normativa. Esta estrutura, por sua vez, é uma estrutura plural que adiciona ao longo do tempo e espaço, novas formas de organização estatal. Neste sentido, merece crítica a idéia de estar o controle da Administração Pública na ótica dos Tribunais de Contas, ainda fundado na perspectiva do modelo liberal. Decorre desta afirmação, a atuação controladora calcada numa acepção restrita (positivista) do conceito de legalidade, bem como o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Mas se a dimensão do Estado brasileiro é híbrida, um outro olhar por parte dos Tribunais de Contas não deveria ser lançado à Administração, a fim de reabilitar sua condição de agente também de concretização de direitos? 12 1.2 Direito Administrativo como “técnica”: (re)pensando o conceito de função administrativa Situado o tema do controle da Administração Pública no ambiente normativo do Ordenamento Jurídico, tratemos de verificar o estágio de significação e aplicação das regras do Direito Administrativo. De antemão é possível anteciparmo-nos em sua conceituação como emaranhado procedimental e processual de natureza técnica; ou seja, instrumental de atuação e não fundamento de atuação finalística. A fim de contextualizar o presente tema, adotando um conceito de técnica amparado na Filosofia, cumpre indicar a contribuição da hermenêutica de Gadamer, (GADAMER, 2008, 441) acerca a teoria aristotélica da techne: Aqui está o verdadeiro problema do saber ético de que se ocupa Aristóteles em sua ética. O direcionamento que o saber imprime ao fazer aparece sobretudo e de maneira exemplar aí onde os gregos falam de techne. Esta é a habilidade, é o saber do artesão que sabe produzir coisas determinadas. É possível, portanto, afirmar que o conceito de técnica adotado se limita a produzir atuações automáticas, não implicando em uma reflexão que mimetize este fazer para que seja aplicado à própria condição humana, em um processo de autoconstrução e reconstrução sobre a perspectiva da moralidade administrativa, sem prejuízo da efetividade. Com isso, o repisar velhas fórmulas, tende a ampliar a distância do ideal de abolição das práticas e a análise crítica de modelos teóricos que justificam condutas que demonstram a resignação dos sujeitos. Aquilo que Roitman denomina “conformismo social” pode ser apercebido inclusive na atuação estatal, como o mesmo nos adverte (ROSENMANN, 2003, p. 1). O conformismo social é um tipo de comportamento cujo traço mais característico é a adoção de condutas inibitórias da consciência no processo de construção da realidade. Apresenta-se como uma rejeição contra qualquer atitude que acarrete enfrentamento ou contradizer o poder legalmente constituído. Sua articulação social está determinada pela disseminação de valores e que tendem a justificar dita inibição a favor de um melhor processo de adaptação ao sistema-ambiente a que se pertence Considerando que a própria atuação do agente estatal se confunde com a humana (como exemplo de sua exteriorização) não seria desarrazoado defender que a atuação técnica mire fins, e não apenas se contente em respeitar o crivo formal, satisfazendo-se apenas com o respeito aos pressupostos e requisitos procedimentais e processuais. Sendo que tal atuação na esfera administrativa - no que tange ao controle externo da Administração Pública - deve 13 ocupar-se não apenas da verificação de validade dos atos administrativos e despesas públicas, lançar um olhar de natureza valorativa, a ser adicionado no exercício da missão institucional destes órgãos, torna-se ação imperiosa. Do contrário, o arcabouço normativo sempre será apontado como cipoal intransponível pelos modelos teóricos mais ocupados com uma descrição formal do que com o objetivo de efetividade, reproduzindo e replicando tal modo de percepção da realidade, de maneira que a mesma continue inalterada. A análise da atuação dos Tribunais de Contas, na condição de instituições incumbidas constitucionalmente de processar e julgar as contas anuais dos Chefes do Poder Executivo (Art. 71. I da CF/88) (BRASIL, TCU, 2009) servirá de objeto de análise para os propósitos do presente trabalho. Desta maneira, a despeito de deterem tal competência, à ela não é ínsita o caráter de definitividade, de modo que decorre o entendimento que se lhes falece a imposição coercitiva, ao não dimanar do Ordenamento Jurídico comando que se lhes atribua poder para executar tais decisões na via forçada. Por este motivo, as decisões emanadas por tais órgãos não são dotadas de auto-executoriedade. Assegurar a coercibilidade da decisão torna-se, pois, tarefa afeta ao Poder Judiciário, que no ordenamento jurídico brasileiro detêm o monopólio do exercício estatal da jurisdição. Decorre deste poder, substituir a vontade das partes pelos órgãos judiciários nos conflitos de interesses, aplicando o direito ao caso concreto em caráter de definitividade e coercibilidade. Assim, da mesma maneira que a Administração Pública tem de efetivar direitos sem descurar-se do due process, também os órgãos que controlam-na têm que cumprir seu papel constitucional, através de uma atuação conforme a Constituição. Hoje, constatamos a atuação de uma Jurisdição Constitucional cuja competência se agiganta e se avoluma, em virtude da inoperância de alguns órgãos e poderes da República. O estudo dos limites de atuação desta competência - dilargada pela judicialização das políticas públicas e o ativismo judicial (FORTINI e outro, 2008, p. 39) (MAGALHÃES e TEXEIRA, 2008, 141) contribui para atualizar a imperiosa necessidade de agitar nesta discussão, os fundamentos da teoria do Estado Democrático de Direito para restaurar-lhe a integridade, na medida de sua condição plurívoca, que deve ser salientada em todas as suas manifestações. 1.3 O princípio da supremacia do interesse público: uma releitura sistêmica do conceito de legalidade 14 No que tange o Poder Executivo, é consenso que a Administração Pública hoje enfrenta a problemática de prestar serviços públicos com eficiência, qualidade e em algumas situações, celeridade sem desrespeitar o crivo da legalidade. Ressalte-se que o moderno conceito de legalidade, transcende a idéia clássica de “Estado legal kelseniano”; (BATISTA JÚNIOR, 2007, p. 106) ultrapassando a idéia de que o Estado estaria, sob o aspecto normativo, vinculado apenas à regras jurídicas consubstanciadas no texto legal. Hoje, a força orientadora dos valores, e o poder normativo dos princípios, impõem um conceito de legalidade arejado pela teoria dos direitos fundamentais, fundamentando-se no controle sistemático dos atos administrativos como corolário da unidade sistêmica do Direito, a par do princípio do direito à boa administração pública. Segundo ao autor: O princípio da legalidade, nesse compasso, incorpora à sua faceta negativa, de índole liberal, uma faceta positiva, ou seja, a legalidade passa a ser também, o fundamento, além de limite, de toda a atuação administrativa. A idéia de um “Estado de Justiça” em sobreposição a um “Estado Legal” surgiu, assim, a partir do momento em que as declarações de direito saltam de “declarações políticofilosóficas” para atos plenos de juridicidade, vinculantes. Magalhães (MAGALHÃES, 2006, p. 43), ao comentar acerca da inefetividade de direitos fundamentais na realidade brasileira, assevera: O resultado dessas políticas públicas (tanto da direita conservadora como da nova esquerda) é conhecido nosso no século XXI: mais exclusão, mais concentração econômica, mais violência, mais controle social, mais desemprego, menos Estado de bem-estar e mais Estado policial. O mais grave é o fato de que, ainda hoje, vozes que se dizem democráticas e à esquerda, continuam sustentando o mesmo discurso contra o Estado social, defendendo uma sonhada e desejável democracia dialógica construída pela sociedade civil livre, sem perceber que os novos excluídos estão fora do diálogo democrático, passando a fazer parte da crescente massa de clientes do sistema penal em expansão. Os órgãos de controle externo da Administração Pública ocupam nesse contexto, importante papel no que tange a implementação na via prática destes princípios, realizando tal tarefa como múnus institucional, dado serem órgãos técnicos de apoio ao Parlamento quanto à fiscalização das atividades da Administração Pública. Estão abrangidas no rol destas tarefas controladoras, p.ex.: a realização de gastos públicos, o controle sobre licitações e contratos administrativos, a admissão de pessoal, etc. Por possuírem competência constitucional para o exercício do controle - exercendo-a em algumas circunstâncias de forma privativa -, estes órgãos têm o dever de emanarem recomendações pedagógicas, propor alterações na estrutura organizacional e procedimentos dos entes controlados, e é claro, aplicar a sanção para 15 condutas que agridam as leis de regência, presente de forma inovidável o substrato fáticojurídico para tanto. Tal imperativo decorre, por respeito ao princípio da proporcionalidade, a recomendar que a sanção seja proporcional à extensão do dano, e principalmente, à natureza jurídica do ato pressuposto. Segundo Freitas (FREITAS, 2009, p. 125): Nessa altura, a reserva intangível da jurisdição única é componente genético do controle sistemático que assegura, sem passivismo, a eficácia direta e imediata dos princípios e direitos fundamentais, numa performance afirmativa do direito fundamental à boa administração pública, sem os vícios – identicamente censuráveis – do excesso e da omissão. Logo, classificar conforme o ordenamento jurídico a natureza jurídica das decisões emanadas pelos órgãos de controle externo, é fundamental para delimitar os reflexos e impactos de tais decisões no âmbito da Jurisdição Constitucional. Temos que o controle externo da Administração Pública encontra fundamento no modelo de Estado liberal - a ele não se limitando - sendo produto direto da teoria da separação dos poderes. Bonavides (BONAVIDES, 2008b, p.42, 43), ao comentar acerca das inovações trazidas pelo século XIX quanto à Teoria do Estado, pondera: O princípio da separação dos poderes traçava, por indução, raias ao arbítrio do governante, em ordem a prevenir a concentração de poderes num só ramo da autoridade pública. A solene Declaração [Universal dos Direitos do Homem] fundava o Estado de Direito. Não importa a qualificação ou adjetivo que se lhe acrescentasse – Liberal, Democrático ou Social. Se não garantir nem concretizar a liberdade, se não limitar o poder dos governantes, se não fizer da moralidade administrativa artigo de fé e fé pública, ou princípio de governo, se não elevar os direitos fundamentais ao patamar da conquista inviolável da cidadania, não será Estado de Direito. Conforme preâmbulo à reedição da Declaração de Lima sobre Diretrizes para Preceitos de Auditoria de 1977, emanada pela Associação Internacional das Entidades de Auditoria Superior, através de seu Secretário-Geral, Dr. Franz Fiedler, da qual a República Federativa do Brasil é signatária, “O estado de direito e a democracia são, portanto, premissas essenciais para uma auditoria governamental efetivamente independente, além de serem os pilares nos quais a Declaração de Lima se fundamenta”. Neste sentido, uma pesquisa a luz da doutrina relativa aos fundamentos do Estado de Direito brasileiro, como metodologia para aferição da correção e validade do discurso de justificação das proposições desfiladas do objeto no presente estudo, contribui para analisarmos a realização ou não dos modelos indicados, bem como a concretização dos direitos fundamentais aos mesmos ínsitos. Avançar na discussão no sentido de captar na 16 Administração Pública manifestações de uma tradição inovadora e eficiente – materializadora do direito à boa administração -, é medida que permite estabelecer um contraponto em face da atualidade do problema da efetividade, indicando caminhos e possibilidades para o trato da matéria. Ao concebermos com amparo na visão clássica, o Direito Administrativo como referencial teórico de um conjunto de técnicas, não nos apercebemos de sua condição de instrumento relacional do cidadão para com o Estado. Neste sentido, remanescerão fórmulas clássicas que, analisadas sob uma perspectiva de recepção pelo texto constitucional, ao mesmo não se compadecerão. Exemplo é fundamentarmos através da idéia de interesse público e sua condição de princípio de supremacia, as técnicas de tomada de decisão na esfera político-administrativa. Como pensar a compatibilização à esta perspectiva, de um modelo híbrido de Estado, também orientado pelas idéia de pluralismo e participação, as quais estão implícitas as idéias de consensualidade? Conforme adverte Ávila (ÁVILA, 2001p. 5): O conhecimento da norma pressupõe o do sistema e o entendimento do sistema só é possível com a compreensão das normas (postulado da coerência); só é possível conhecer a norma com a análise simultânea do fato, e descrever os fatos com recurso aos textos normativos (postulados da integridade); só é possível conhecer uma norma tendo em vista a sua pré-compreensão pelo sujeito cognoscente, definida como expectativa quanto à solução concreta, já que o texto sem a hipótese não e problemático, e a hipótese, por sua vez, só surge com o texto (postulado da reflexão). Um novo olhar para a questão deve ser lançado. Primeiro para considerar o fundamento na idéia de interesse público não como um mega-princípio, mas sim uma regra de aplicação condicionada que só pode ser imposta ou conformada diante do caso concreto. Questão que contribui para alinhar a questão central ao estágio atual de sua prática é indicar uma movimentação conceitual ou dinamização semântica vivenciada tanto no âmbito do Direito Público, quanto Privado. Segundo Habermas (HABERMAS, 2003, p. 180): os critérios clássicos do Direito Público tornam-se caducos uma vez que a administração pública se utiliza de meios do Direito Privado mesmo em suas funções de distribuir, prover e fomentar. Assim, do âmbito privatista, princípios e valores têm arejado a discussão em torno da condição de supremacia do princípio do interesse público, incorporando ao agir estatal, v.g., eticidade, socialidade e boa-fé, na aplicação do direito nesta seara, como citado alhures. Logo, sob o enfoque publicista, instrumentos formais híbridos, têm sido hauridos para alcançarem demandas modernas, cuja condição plúrima às mesmas inerentes, recomenda a releitura de normas, institutos, processos e procedimentos, abandonando-se com isso a 17 acepção clássica do conceito de técnica como fazer-não- reflexivo. Este imbricamento entre normas de direito público e privado, habita a realidade normativa de nosso Estado de Direito, sendo percebido na adoção pela Administração Pública, de regimes jurídicos e estrutura normativa privatista quanto alguns institutos, como a existência de contratos semi-públicos, tais quais os de seguro, empreitada e financiamento. Exemplo desta atualização semântica no âmbito do Direito Privado, é a incorporação pelo Código Civil (BRASIL, SENADO FEDERAL, 2011) vigente, de princípios como sociabilidade, eticidade e boa-fé. Ainda, as inovações vocacionadas à realização do modelo de Bem-Estar e Participação, como a recuperação judicial de empresas, a governança corporativa, e o fomento do pequeno e médio empresário, ratificam a superação da dicotomia e estabelecem uma relação dialética entre o Direito Público e o Privado, ensejando um novo olhar sobre as relações administrativas. 2. Aspectos formais do controle externo da Administração Pública pelos Tribunais de Contas O Estado de Direito Brasileiro enfrenta atualmente uma crise de legitimidade afeta tanto aos poderes da República, bem como às instituições que se lhes materializam. As transformações sofridas pelo modelo de Estado, no país, após a Constituição de 1988, redundam em inovações e surgimento de entidades, órgãos, procedimentos e positivação de princípios, direitos e garantias, cuja mera existência formal não têm viabilizado na via prática, a realização do conteúdo destes mandamentos, conforme se depreende da realidade. Tal fato, pois, enseja a revisão dos pilares e matizes sob os quais está assentada nossa dogmática constitucional. Talvez uma possibilidade para testar esta hipótese, diga respeito à Administração Pública, e uma primeira resposta, seja a necessidade de um novo olhar para seus princípios reitores, como p.ex.: a releitura do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior (BARACHO JÚNIOR, 2004, p. 509): A idéia de que o interesse privado não é necessariamente um interesse egoístico e que o interesse público não é necessariamente o que melhor atende a coletividade. A idéia de que interesse público e privado podem ser tencionados de forma a se encontrar a decisão mais correta, é o que percebemos a partir destas decisões do Supremo Tribunal Federal, o que poderia caracterizar uma nova jurisprudência em nossa mais alta Corte. 18 Neste sentido, a doutrina relativa aos fundamentos do Estado de Direito brasileiro, utilizada como uma das fontes de justificação das proposições do objeto do presente artigo, permite perceber alguns ajustes que se fazem necessários diante do déficit de operação ínsitos ao controle formal. 2.1 Perfil institucional dos Tribunais de Contas A alteração trazida pela CF/88 quanto ao perfil institucional e missão dos Tribunais de Contas, contribuiu para um controle mais eficaz da execução orçamentária das políticas públicas. Para Guerra1, (GUERRA, 2007, p. 111) ao tratar do perfil institucional, [...]Em consonância com a melhor doutrina especializada, anuímos que os Tribunais de Contas brasileiros têm natureza de órgãos constitucionais autônomos, exercendo o controle externo ao lado do Poder Legislativo, não integrando a estrutura formal, orgânica este poder. Para Kelles (KELLES, 2007, p. 204, 206), Ao serem posicionados, em sua ordem organicista, a latere dos Parlamentos e não funcionalmente vinculados à estrutura orgânica dos mesmos, pretendeu-se conferir aos Tribunais de Contas uma impermeabilização, uma blindagem às inevitáveis e indesejáveis influências políticas oriundas do Legislativo – o que seria natural, posto que o exercício da política é sua razão de ser-, já que se deseja das Cortes de Contas um caráter marcadamente técnico de suas decisões, despidas de quaisquer colorações ou preferências políticas. Isto porque estes órgãos deixaram de ser “apêndices” do Poder Legislativo, sendolhes atribuída independência institucional como órgãos técnicos e entidades despersonalizadas. Também, se lhes ampliou competência do mero controle de legalidade, para um controle eficacial, da legitimidade (MULLER, 2004, p. 70) e economicidade dos gastos públicos. Tais inovações, em muito contribuíram para o fortalecimento destes órgãos, trazendo um melhor desempenho da função de controle, que o tornou mais rigoroso. Para avançar na questão ainda mais, cumpre investigar se o estágio atual do âmbito normativo do controle externo da Administração permite ao administrador público abandonar o método de aplicação da norma por subsunção, adotando-se técnicas mais aptas e adequadas para alcançarem demandas atuais, marcadas pela complexidade. Esta dimensão plúrima, de imbricamento de interesses multifacetados, na medida em que possui acento na realidade, deve também estar refletida na decisão ou medida administrativa que a representa. 19 Deste modo, uma atuação que se paute na conjugação da realidade e das normas, não deveria ser passível de censura pelos órgãos de controle, caso sua atuação finalística se fundamente, nos próprios fundamentos que guarnecem o marco teórico do Estado Democrático de Direito, como o crivo do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito). Para um exemplo prático, cabe refletir na vedação ao reajuste do contrato administrativo de fornecimento de combustíveis, anteriormente ao período de 12 meses. Ora, quantas alterações sucedem na “bomba de gasolina” ao longo de 01 ano (ARAÚJO, 2003, p. 477)? Contudo, na lógica atual, o gestor que se arvorar a atuar principiologicamente neste sentido corre o risco de ser privado do exercício de direitos políticos, em face de uma reprovação das contas do mandato, pelo TC respectivo, após aprovação do parecer prévio pelo Legislativo, nos termos das CF-88. Portanto, a avaliação dos gastos pela Administração Pública – tarefa afeta aos órgãos de controle externo -, hoje é limitada na perspectiva da realização dos valores trazidos pelo paradigma do Estado Democrático de Direito, ainda que tal avaliação implique o enriquecimento ilícito da Administração como no exemplo dado, fato do qual decorre a prevalência do modelo liberal sobre normas e procedimentos decorrentes de modelos normativos de mesma estatura constitucional. Sendo assim, é importante que instrumentos mais adequados, que representem a multiplicidade de componentes existentes nos fatores que implicam os futuros objetos de análise – déficit de legitimidade, operação e efetividade -, sejam legitimados sob a perspectiva metodológica e incorporados às práticas administrativas de atuação e controle. Segundo Bonavides (BONAVIDES, 2008c, p. 378, 383): O Estado social no Brasil está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. Não há para tanto outro caminho senão reconhecer o estado atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem liberdade. [...] A crise da estatalidade social no Brasil não é crise de uma Constituição, mas a da sociedade, do Estado e do Governo; em suma, das próprias instituições por todos os ângulos possíveis. Segundo Aguiar (AGUIAR, 2006, p. 13) , Até 1988, os Tribunais de Contas, a despeito de seus valorosos membros e servidores, não passavam de apêndices do Poder Legislativo. Com o novo Estatuto Maior, esses colegiados ganharam enorme estatura constitucional, verdadeira jurisdição de contas, cuja natureza se extrai diretamente do Texto Magno, exercendo, dentro de um processo de invulgar essência, competências exclusivas no Estado brasileiro, dentre as quais a última palavra sobre a regularidade de atos de gestão, assim como a punição dos maus administradores. 20 A seguir, continuaremos a análise crítica das características institucionais, conceituais e normativas dos Tribunais de Contas, de modo que esta crítica será subsídio para discussão acerca da natureza jurídica das decisões emanadas, a fim de corroborar a linha de raciocínio sustentada no presente artigo. 2.2 Fundamento Kelles ao analisar o modelo liberal e sua conformação com o Estado brasileiro pondera (KELLES, 2007, p. 235): [...]É possível perceber, de maneira meridiana, que o binômio República/Controle das Contas Públicas tem um marco inaugural comum, pois ambos estão inseridos no projeto de preservação do interesse público, deixando patente o afastamento das idéias provincianas e toda a carga autoritária subjacente aos projetos não democráticos. [...] Neste diapasão de idéias, releva observar que pouquíssimos gestores públicos se dispõem a abdicar de parcela de seu poder de mando e administração para reparti-lo com setores da sociedade civil organizada, entrando em sintonia com o ideário de uma sociedade que se pretende democrática, realizando o papel que lhe cabe como promotor de um controle que guarde sintonia com nossos valores maiores, visto que a democracia é um instrumento de realização do direito. A par deste conceito, enfatizamos a importância do modelo de Estado liberal e republicano como importante fundamento em sede de teoria do estado, para o presente trabalho. Entretanto, este fato não exclui a análise aos efeitos e reflexos que as tradições de estado democrático participativo (controle democrático e social); e principalmente o modelo de estado federado - cuja materialização no presente estudo se apresenta através da Jurisdição Constitucional -, articulam-se e sofrem conformações e mitigação diante do modelo republicano, exemplificado no caso através do controle da Administração Pública pelos TC’s. Decorre de tal entendimento, a necessária conclusão quanto à abordagem do controle da Administração não se limitar à tais modelos clássicos, provenientes de experiências dos sécs. XVIII e XIX. Neste sentido, a menção à Ávila torna-se também pertinente na medida em que fazese também necessária a atualização semântica das normas decorrentes destes modelos. Por exemplo, cite-se o princípio da supremacia do interesse público, que em uma análise orientada pelo citado marco teórico, assume a acepção de regra condicionada. Decorre de tal fato dizer, que a aferição de prevalência fica prejudicada em face do entendimento que relega sua 21 aplicação ao caso a caso. Ao citar Assmann, Ávila (ÁVILA apud ASSMANN, 2001, p. 204) pondera: Importante, porém a advertência de SCHIMIDT-ASSMANN: “A determinação do bem comum é antes de tudo uma questão de direito positivo, que para respondê-la deixa normalmente à disposição prescrições procedimentais e matérias. Desta forma, a compreensão e atualização do comando “interesse público” como princípio de supremacia - apto à afastar de antemão, qualquer possibilidade de sopesamento diante de um princípio colidente -, é um indicador da inaptidão quanto a redução da idéia de controle ao modelo liberal. Ora, como é possível sustentar que o marco teórico do Estado de Direito Brasileiro incorpora à sua estrutura normativa, os modelos participativo e pluralista, se as relações jurídicas estabelecidas pela Administração Pública se fundam em um princípio de supremacia? Seria possível que a idéia de consensualidade sobrevivesse ou ao menos fosse passível de apreensão objetiva nos atos produzidos pela sociedade civil, a persistir esta lógica, conforme enuncia Coelho (COELHO, 2001, p. 8), Firme na convicção de que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada; que a norma só vigora na interpretação que lhe atribui o aplicador legitimado a dizer o direito; e que a norma não é o pressuposto, mas o resultado de sua interpretação – verdades contemporâneas que soariam a blasfêmias sob o reino de Montesquieu e que, certamente, condenariam à morte quem ousasse proclamálas -, cuidou Peter Haberle de abrir janelas hermenêuticas para que os agentes conformadores da realidade constitucional, as forças vivas do país, a que se referia Lassalle, pudessem entrar no processo constitucional formal e, por essa via, viessem a participar do específico jogo-de-linguagem no qual se decide – com eficiência contra todos e efeito vinculante – qual o verdadeiro sentido da Constituição. 2.3 Evolução histórica O site do Tribunal de Contas da União ( BRASIL, TCU, 2010) traz a seguinte menção à evolução histórica do órgão: “[...]. A fiscalização se fazia pelo sistema de registro prévio. A Constituição de 1891, institucionalizou o Tribunal e conferiu-lhe competências para liquidar as contas da receita e da despesa e verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso Nacional. [...] Pela Constituição de 1934, o Tribunal recebeu, entre outras, as seguintes atribuições: proceder ao acompanhamento da execução orçamentária, registrar previamente as despesas e os contratos, julgar as contas dos responsáveis por bens e dinheiros públicos, assim como apresentar parecer prévio sobre as contas do Presidente da República para posterior encaminhamento à Câmara dos Deputados. [...] A Constituição de 1946 acresceu um novo encargo às competências da Corte de Contas: julgar a legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões. 22 [...] A Constituição de 1967, ratificada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, retirou do Tribunal o exame e o julgamento prévio dos atos e dos contratos geradores de despesas, sem prejuízo da competência para apontar falhas e irregularidades que, se não sanadas, seriam, então, objeto de representação ao Congresso Nacional.[...] Finalmente, com a Constituição de 1988, o Tribunal de Contas da União teve a sua jurisdição e competência substancialmente ampliadas. Recebeu poderes para, no auxílio ao Congresso Nacional, exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade e a fiscalização da aplicação das subvenções e da renúncia de receitas”. Contudo, a despeito de o TC estar inserido na dogmática do projeto normativo constitucional brasileiro desde 1891, acompanhando ainda que maneira formal o incremento no dito modelo de Estado de vários outros modelos, fato é que na via prática, a realidade indica que tal órgão se prende ainda ao modelo liberal, como tivemos a oportunidade de expor ao longo deste trabalho. Isto implica no exercício do controle da Administração Pública, alheio a métodos e técnicas de compreensão, interpretação e aplicação do texto legal, que tenderiam a alcançar de forma mais consistente a complexidade social que ao longo da História vem justamente justificando o surgimento de modelos de Estado, em evolução em vista de problemas e soluções para as demandas da vida. 2.4 Competência Além do controle de legalidade, há também o controle de legitimidade dos atos, corolário do modelo de controle fiscal implementado através da Lei de Responsabilidade Fiscal. Guerra (GUERRA, 2005, p. 401), ao tratar do controle de legalidade, pondera: Trata-se de controle básico, formal. No caso das despesas públicas, o controle irá comprovar se o ato praticado encontra guarida na lei orçamentária. Ao tratar da competência, Medauar (MEDAUDAR, 2009, p. 401) pondera: As principais atribuições do Tribunal de Contas são as seguintes: a) dar parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo; b) exercer auditoria financeira, orçamentária, contábil, operacional e patrimonial sobre os entes controlados; c) apreciar as contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos; d) apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal e das concessões de aposentadorias, reformas e pensões; e) apreciar a legalidade das licitações e contratos; f) tomar providências ante a verificação de ilegalidades. Desta maneira, temos que a competência constitucional dos órgãos de controle externo foi dilargada pelo novo regramento constitucional. Se tal fato possibilitou, é verdade, 23 a consolidação de procedimentos, como o controle eficacial dos atos, de outro, tem gerado dúvidas acerca da natureza jurídica das decisões emanadas, e respectiva revisibilidade pelo Poder Judiciário. Máxime quando em cotejo com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que assim como a competência dos respectivos órgãos, tem matiz constitucional. Ora, como enfrentar a questão? O texto constitucional, ao mesmo tempo: a) garante que o exercício do poder estatal da jurisdição (poder de aplicar o direito ao caso concreto com atributos de definitividade e coercibilidade) é monopólio do Poder Judiciário (Art. 2º da CF/88); b) garante que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação jurisdicional (Art. 5º, XXXV da CF/88); e, c) outorga competência privativa aos Tribunais de Contas em determinas matérias, como p. ex., o julgamento das contas anuais o chefe do executivo (Art.71, I,II). Assim, investigaremos como uma análise dos fundamentos do controle, e definição do perfil institucional dos respectivos órgãos, pode aclarar a questão acerca dos limites cognitivos de atuação do Judiciário, conformando a co-existência destas regras cuja prevalência de uma sobre outra, não seja possível aferir a priori, ao priorizar-se sopesamento e ponderação em face da pura e simples subsunção normativa. 2.5 Conceito e oportunidade Externo é o controle exercido por um Poder ou órgão distinto, apartado da estrutura e órgão controlado. Lato sensu, é externo o controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os demais poderes, bem como o cumprido pela Administração Direta sobre as entidades da Administração indireta. Segundo Guerra (GUERRA, 2007, p. 93), é da natureza do controle externo, a existência de dois órgãos ou poderes em relação pautada pela avaliação, análise e validação ou correção, dos atos emanados pelo ente que se sujeita ao exercício da controlabilidade, por parte de outro ente investido do poder controlador. Logo, ver-se-á que sua justificação se articula com a clássica divisão dos poderes (ou tripartição do poder). Conforme Barreto (BARRETO, 2004, p. XI): Desde, pelo menos, Karl Lowenstein, que a Teoria da Tripartição do Poder, no modo como concebido por Montesquieu, vem sendo objeto de grandes e graves questionamentos quanto à sua adequação ao Modelo de Estado atual, hoje convergindo alguns autores mais modernos para a visão de preponderência de duas grandes funções estatais: planejamento e controle. Locke (ED. NOVA CULTURAL, 1997, p. 96), que ao defender ainda no século XVII, as mudanças institucionais que vieram a culminar com o advento da monarquia parlamentar na Inglaterra, pode ser considerado um dos seus preceptores na modernidade. 24 Divergências há acerca do momento oportuno do exercício do controle, de maneira que a doutrina, no modelo brasileiro, identifica a possibilidade de controle prévio, concomitante e posterior, como bem registra Guerra (GUERRA, 2005, p. 96), verbis: Como exemplo do controle prévio, podemos citar o exame realizado pelo Tribunal de Contas nos editais de procedimentos licitatórios, visando a verificação dos princípios e regras elencados na Constituição e na Lei de Licitações....O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais realiza controle concomitante sobre a execução orçamentária do Governo de Minas Gerais, acompanhando diariamente, através de comissão especialmente criada para este fim, todos os atos inerentes às receitas e despesas do Estado. [...] É posterior o controle realizado pelos Tribunais de Contas quando recebem, analisam e emitem parecer prévio sobre contas anualmente prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. Emenda o autor, ao defender que o modelo brasileiro privilegia o controle posterior, verbis: Entre nós, porém, a atuação dos Tribunais de Contas ou Conselhos de Contas está fortemente orientada no sentido de realizar-se depois de consumada a despesa. Essa situação no que tange, para citar apenas dois exemplos, ao exame das contas anuais do Executivo, e também dos demais responsáveis pela gestão de quaisquer recursos públicos (CRFB/88, art. 71, I e II). Deve-se observar que também as atividades de verificação de legalidade e subsequente registro, em sendo o caso, aposentadoria ou reforma de pessoal, ou concessão de pensão a seus dependentes (CRFB/88, art. 71, III) acontece depois que tais atos são praticados. 2.6 A visão do STF Para analisar a natureza jurídica das decisões emanadas pelos órgãos de controle, analisaremos a doutrina de Ulisses Jacoby Fernandes (FERNANDES, 2008) que limita a revisão dos atos pelo Poder Judiciário, ao controle de legalidade; corroborando tal entendimento doutrinário o julgado abaixo colacionado da lavra do Ministro Celso de Mello (BRASIL, STF, RE 235.593-MG. DJU 22/04/2004), verbis: O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31). Esta fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivarse no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo – está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram ao prefeito municipal a prerrogativa da plenitude e defesa e contraditório. A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas o Chefe do Poder Executivo local, além de supor o indeclinável respeito ao princípio do devido processo legal, há de ser fundamentada, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Constituição da República. 25 Noutro giro, diante do entendimento defendido por Fernandes (FERNANDES, 2008, p. 117) acerca da natureza jurisdicional do Tribunal de Contas, aduz o Desembargador José Tarcísio de Almeida Melo (MELO, 2008, p. 782, 783), que ao comentar acerca da controvérsia sobre a matéria, traz esclarecedora contribuição ao comentar os seguintes julgados, verbis: No Julgamento do Recurso Extraordinário n. 223.037-1, o Supremo Tribunal federal revelou oposição à legitimidade do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para execução de título extrajudicial representativo de decisão do Tribunal de Contas [...]. Também no Recurso Extraordinário 106/923/ES, o Supremo Tribunal Federal entendeu que somente a pessoa jurídica de direito público a que pertencer o Tribunal de Contas poderá, por seu representante judicial, promover a execução de título extrajudicial com a decisão do Tribunal de Contas. Em substancioso voto, o Ministro Sydney Sanches mencionou que existem entes despersonalizados que, sem possuírem personalidade jurídica própria, são reconhecidas como dotados de personalidade jurídica para efeito de recurso, em mandado de segurança. Indaga-se, pois, se a insindicabilidade do mérito das decisões emanadas pelos órgãos de controle, que tem guarida na jurisprudência do STF, também se aplicaria aos atos administrativos. Freitas (FREITAS, 2009, p. 390), ao aludir ao julgado a seguir clarifica a questão: como averbou o Min. Celso de Mello, “embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. Nesta ordem de idéias, como temos sustentado ao longo do presente trabalho, a natureza complexa do processo de apreciação e julgamento das contas municipais (ao demandar possuir seu processa mento atrelado a mais de uma instância) é procedimento que visa captar a dimensão híbrida do Estado de Direito. Por força desta condição normativa plurívoca, a própria atuação da Jurisdição Constitucional resta mitigada, presente procedimento regular. E isto sucede assim, com a impossibilidade da revisão do resultado, por prevalência dos princípios democráticos e republicanos em face do controle formal preconizado pelo modelo liberal. Contudo, este não é um entendimento uniforme do STF, que a par da sindicabilidade do mérito administrativo, em alguns casos tem admitido uma conformação do princípio da separação dos poderes, em vista das idéias e participação e pluralismo, na perspectiva de concretizar direitos fundamentais. 26 Ainda que tal entendimento por parte do Supremo Tribunal Federal possa representar a relatividade na interpretação da supremacia (da jurisdição) constitucional, fato é que sua jurisprudência tem procurado salientar a condição híbrida do modelo de Estado brasileiro. Tais julgados, são para os Tribunais de Contas consistentes parâmetros para a substituição do método de subsunção de forma integral e definitiva, por um modelo que não abandone tal método em definitivo, mas que possibilite a conformação dos variados modelos em uma análise apenas possível diante do caso concreto. 3. CONCLUSÕES O presente artigo visou proceder a uma avaliação da forma conforme a qual os Tribunais de Contas concebem o controle a ser exercido sobre a Administração Pública no Brasil. Ao criticar o fato de tal controle se prender à acepção restrita da idéia de legalidade, e ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, procurou demonstrar como tal fato denota uma prevalência do modelo de Estado liberal, a despeito da condição híbrida do Estado brasileiro. Isto porque a configuração atual do dito modelo de Estado, aglutina os vários modelos que moldaram a Administração Pública brasileira ao longo da História, até adquirir a configuração atual. Ao delimitar esta ordem de idéias e constatações como problema central, demonstrou como na via prática tal condição se nos distancia do objetivo de efetividade, frustrando as possibilidades de concretização dos direitos fundamentais na órbita da Administração Pública. Defendendo que a reabilitação de tal dimensão plurívoca normativa tem inclusive um caráter científico – não se limitando a ele – propôs uma análise integrada das diversas variáveis que contribuem para a complexidade social vista na realidade e refletida na Administração Pública, articulando ao positivismo jurídico como fator limitador da atuação, os problemas estruturais e históricos da vivência pública brasileira Como exemplo foi indicada a cultura organizacional do serviço público e a desarticulação federativa. Ao apontar como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem alcançado a dimensão híbrida do Estado brasileiro, ao menos no aspecto normativo, sustenta que a dimensão científica da inefetividade de direitos fundamentais a residir no positivismo jurídico, deve dar lugar a uma abordagem do Direito Administrativo fundada na efetividade de direitos fundamentais. Uma primeira ação neste sentido é desconstruir a acepção clássica do Direito Público, concebendo a atividade administrativa não como fim em si mesmo, mas como 27 instrumento de concretização de direitos. Neste momento, o planejamento será considerado pressuposto de toda atuação estatal, merecendo posição de destaque no debate acerca das possibilidades de uma Administração Pública Efetiva e Eficiente: afinada, portanto, com a sociedade – e realidade – que recobre. 4. REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. 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