Entrevista com Marina Marcos Valadão

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Texto complementar
Entrevista com
Marina Marcos Valadão
CIÊNCIAS
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Ciências
Assunto: Doenças Sexualmente Transmissíveis
Entrevista com Marina Marcos Valadão
Marina Marcos Valadão é enfermeira, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo e professora na Universidade de Taubaté. Especializou-se na área de promoção
da saúde na escola e participou de vários projetos voltados para a prevenção da infecção pelo HIV e da aids
entre adolescentes.
Pergunta: Por que ainda parece ser tão complicado falar de sexualidade?
Marina: Sexualidade é um assunto delicado porque está relacionado a muitos temas complexos:
afetividade, história das relações entre homens e mulheres, características pessoais que não podem ser
padronizadas, valores e crenças da sociedade. Não é fácil mexer nessas coisas.
Mas, ainda assim, acho que é mais fácil falar em sexualidade do que pode parecer. Fica complicado
quando o objetivo da conversa é “moldar” o comportamento das pessoas de acordo com um padrão único,
que, no final, não serve para ninguém. É mais fácil quando o objetivo é criar uma oportunidade para que as
pessoas identifiquem, de forma participativa, as dificuldades que estão enfrentando para viver a sexualidade
com liberdade, prazer e responsabilidade.
Pergunta: Que dúvidas são mais frequentes entre os adolescentes que você encontra em seu trabalho?
Marina: As dúvidas mais frequentes, por incrível que pareça, estão relacionadas com a falta de informações úteis. Recebemos milhares de informações todo o tempo, mas muita coisa não corresponde à
realidade; é puro mito. Por exemplo: Usar duas camisinhas protege mais do que usar uma? As doenças de
transmissão sexual podem ser adquiridas no uso de banheiros públicos ou no uso de alicates de cutícula?
Quando a gente é fiel à namorada ou ao namorado, pode-se dispensar a camisinha?
Convivemos com esses mitos o tempo todo. Quando o trabalho é mais prolongado e torna-se possível
aprofundar a conversa, as dúvidas mais frequentes estão relacionadas com a busca de novos caminhos para
ter relações afetivas e sexuais mais satisfatórias.
Pergunta: Você concorda com a ideia de que os relacionamentos entre jovens estão se esvaziando de
afeto e acentuando mais a atração e o prazer físico? Por quê?
Marina: Os meios de comunicação procuram passar, o tempo todo, a mensagem de que o valor das
pessoas se mede por sua capacidade de provocar atração sexual. Nessa forma de pensar, o corpo e a sexualidade são como todas as mercadorias. Só servem pra vender cerveja, programas de televisão, revistas ou
roupas. É claro que isso interfere em nossa forma de lidar com os afetos, que são parte importante da nossa
sexualidade, e influencia bastante a cultura dos adolescentes e jovens que estão começando a estabelecer
relações amorosas com parceiros e parceiras.
Mas não concordo que a onda de “ficar”, por exemplo, seja sinal de desvalorização do afeto. Os relacionamentos entre jovens continuam sendo carregados de afetividade.
Pergunta: Existe muito preconceito e discriminação entre os próprios adolescentes? Explique.
Marina: Entre os adolescentes, podemos encontrar os mesmos preconceitos que existem entre pessoas
das outras faixas etárias. Às vezes, isso não aparece porque as pessoas mais velhas ocupam posições diferentes
na família e na sociedade. Mas, quando começamos a abrir o jogo, percebemos que os preconceitos estão lá,
mesmo que estejam escondidinhos sob uma aparência de tolerância.
Recentemente, uma pesquisa feita com estudantes brasileiros mostrou que a maioria não gosta de ter
colegas homossexuais em sua turma de escola.
Por isso é tão importante conversar sobre sexualidade e relações humanas desde a infância – para que
a gente aprenda a questionar os tabus e preconceitos que prejudicam nossa vida pessoal e social e levam
ao prejuízo dos direitos de todos.
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Luiz Claudio Barbosa/ Futura Press
Pergunta: Como a família e a escola podem ajudar o adolescente nas questões relativas à sexualidade?
Marina: Criando espaços de convivência nos quais os adolescentes possam contar com liberdade e
proteção para conversar, trocar ideias e experiências, obter informações e questionar as próprias dificuldades
e preconceitos. É muito importante, também, que as escolas e as famílias atuem em conjunto com os serviços
de saúde. Para um adolescente se cuidar, não basta apenas ele querer: é preciso ter acesso à camisinha e ao
atendimento médico para acompanhamento da saúde sexual.
Pergunta: A televisão e outros meios de comunicação ajudam ou atrapalham na discussão dessas questões?
Marina: Mais atrapalham do que ajudam, porque, na maioria das vezes, passam uma falsa impressão de
tratar essas questões com liberdade, quando, de fato, estão somente reforçando preconceitos.
Frequentemente, são divulgadas informações incompletas e transmitidas imagens estereotipadas de
homem e de mulher, caricaturas do homem potente e da mulher modelo. Como, na vida real, pouca gente
se enquadra nesses tipos, a maioria das pessoas fica se sentindo insuficiente. Sem dúvida, esses espaços
precisam ser mais bem aproveitados, e algumas poucas iniciativas mostram que isso é possível.
Pergunta: Por que tantas jovens ainda engravidam sem querer? Há falta de informação?
Marina: Muitas mulheres adultas também engravidam sem querer. Só que, quando uma mulher adulta
fica grávida, a sociedade entende que isso é positivo. Na adolescência, a gravidez é entendida, hoje em dia,
como um evento que prejudica a formação escolar, a profissionalização, o futuro.
É importante dizer que as pesquisas mais recentes mostram que a gravidez na adolescência está começando a diminuir no Brasil. É possível que o grande número de projetos voltados para a prevenção da aids
esteja ajudando nisso. O uso da camisinha aumentou bastante entre os adolescentes e jovens brasileiros.
Mas muitas adolescentes ainda não conseguem negociar o uso da camisinha com seus parceiros. Às vezes,
pensam que, “se for uma vezinha só, não vai acontecer comigo”. Ou ficam com receio de ter camisinha em
casa, ou na bolsa, e serem descobertas pelos pais ou pelos próprios namorados, que vão desconfiar de sua
fidelidade. Só que, além da gravidez, as adolescentes precisam prevenir a aids. Hoje, no Brasil, já temos mais
adolescentes do sexo feminino com aids do que adolescentes do sexo masculino.
Pergunta: É difícil ser adolescente? Por quê?
Marina: Tem suas dificuldades, como todas as fases da vida. Primeiro porque existe muito preconceito,
também, contra os adolescentes. Essa história de “aborrecentes” cria um estereótipo das pessoas nessa
idade que não corresponde à realidade. Além disso, o papel do adolescente na sociedade é muitas vezes
encarado apenas como uma “passagem”. Não dá para estar nem lá nem cá. A maior parte dos adolescentes
brasileiros, de fato, está vivendo as dificuldades do mundo do trabalho.
Pergunta: Que mensagem você deixaria aqui ao adolescente que deseja viver esta e outras etapas da
vida de modo pleno e sadio?
Marina: Aproveitar bastante a adolescência para ouvir, ver, aprender com as pessoas que são diferentes
de você. Com as pessoas parecidas, que pensam e vivem igual a você, aprender é inevitável.
Aprender a lidar com as diferenças pode ser difícil, mas é necessário para que cada adolescente possa
contribuir para um mundo no qual as pessoas possam viver e conviver com alegria, respeito mútuo e em paz.
Distribuição gratuita de preservativos
promovida pelo Programa Municipal de DST
em São Paulo, SP, 2012.
Entrevista concedida pela enfermeira Marina Marcos Valadão.
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