(in)viabilidade de mediar nas varas da violencia doméstica

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
REFLEXÕES SOBRE A (IN)VIABILIDADE DE MEDIAR NAS
VARAS DA VIOLENCIA DOMÉSTICA
Claudia Ernst P. Rohden
Professora, Advogada, Mestre em Filosofia e Ética Social
Uniritter/Laureate Universities
[email protected]
Simone Schroeder
Professora, Advogada, Mestre em Direito
Uniritter/Laureate Universities
[email protected]
Juliana Leite Ribeiro do Vale
Professora, Advogada, Mestre em Direito
Uniritter/Laureate Universities
[email protected]
Resumo: O presente trabalho pretende refletir sobre a (in)viabilidade de aplicar a
mediação nas Varas da Violência Doméstica. Objetiva pensar sobre as possíveis situações que
podem ser encaminhadas a mediação, considerando que a violência não pode ser mediada,
entretanto, diante das diversas e peculiares situações apresentadas ao judiciário e ao Núcleo
de Prática Jurídica de Violência Doméstica questiona-se: se é justa a imposição da medida
protetiva sem a oitiva, no judiciário, da parte adversa, porquanto, em algumas situações, a
verdade apresentada pela dita vítima não é a realidade vivenciada pela família, ou seja, será
que há questões subjacentes e mal resolvidas que poderiam ser mediadas? Problematizar as
relações familiares em cotejo com as relações de poder e o discurso jurídico perquirindo se a
parte mais vulnerável na relação familiar está sendo resguardada com a aplicação da Lei Maria
da Penha. A Lei Maria da Penha cuida da questão do gênero e pensar sobre a abordagem
dada pela legislação as mulheres vítimas de violência intra-familiar é refletir a figura da mulher
e a permanecia ou não da subjugação, bem como o quanto as relações de poder podem ainda
perpetuar a discriminação e/ou exclusão da mulher. Essas relações operam em diferentes
espaços da sociedade e disseminam-se entre os vários segmentos que a compõem e o objeto
do estudo e construção da extensão está em, também, pensar sobre as possibilidades de
estabilização social e como o discurso jurídico e as relações sociais tecem os comportamentos.
X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação
SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014
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Centro Universitário Ritter dos Reis
1 Introdução
O presente trabalho tem como cerne refletir sobre a (in)viabilidade de
aplicação da mediação nas Varas da Violência Doméstica. As considerações
aqui pensadas resultam da preocupação que o operador do direito deve ter,
quando da aplicação da medida protetiva, sem a oitiva da parte adversa,
porquanto, em algumas situações concretas, tal medida mostra-se excessiva.
Em outras palavras, desproporcional ao relato apresentado na ocorrência
policial, causa da instauração da apontada medida protetiva.
De todo modo, por cautela, necessário destacar que entendemos que a
violência não pode ser mediada. Em verdade, nosso conjeturar se entrelaça
com a proporcionalidade da medida em casos onde a relação entre o par ou a
família não tem histórico de violência, tratando-se de caso singular, dentro
daquela estrutura familiar.
Nosso âmago está em questionar e pensar quais os mecanismos
adequados a possibilitar que os envolvidos em uma controvérsia – no qual foi
aplicável ou é aplicável a Lei Maria da Penha – possam se apropriar, se
empoderar e olhar e valorizar a si, como ser que merece ser respeitado, por
qualquer um, em suas escolhas e pensamentos.
Juan Carlos Vezzula aponta que:
Quando duas pessoas brigam, o crescimento ou escalada da
violência confunde de tal maneira a comunicação, que já ninguém
sabe com certeza, qual foi a verdadeira causa que deu início à briga,
que interesses opostos a geraram (VEZZULA, 1998, p. 33).
O autor ressalta que o homem, desde o seu nascimento, diante das
pressões que sofre tem seu aparelho psíquico estruturado em uma unidade
fragmentada, destacando que:
... Somos pessoas, graças a este constituinte que nos dá a ilusão de
ser um e ao mesmo tempo muitos, com contradições de desejos,
pensamentos e atos. Isso é, precisamente, a chave das falhas na
comunicação com os outros (VEZZULA, 1998, p. 33).
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De modo que, fundamental, conhecer o outro e, esse conhecer o outro,
na mediação virá do discurso que apresenta. Pelo discurso o mediador tem
condições de avaliar quais são os interesses inculcados dos envolvidos na
contenda, desvendando o que pode ser mediado ou não. Assim, estamos a
defender aqui, a importância da escuta, de avaliar os sentimentos, de
desbravar o oculto, compreendendo que o discurso, nos possibilita tal
verificação.
2 O DISCURSO E O GENERO
Quanto ao tema discurso versus gênero, Denise Radesca Alvares Scaff
e Fernando Facury Scaff destacam:
Se a lei, enquanto discurso do grupo – portanto, sócio-histórica -, nos
torna, a todos, iguais; se sustenta nossas relações; se nos move a
nos projetarmos no futuro; ou seja, se nos constitui, assim como
cremos que a violência o faz, porque não usarmos essas duas forças
para criarmos uma legitimação que entenda a Lei simbólica como
força interna , que no exercício legítimo de sua violência una a todos
nós, “meninos perdidos”, a caminhar por outras trilhas rompendo com
nossos modelos já coroados por moas e instaurando novas leis,
mesmo que de modo frágil. (SCAFF; SCAFF, 2011, p. 76)
A partir da palavra, acessa-se o mundo do conhecimento e do subjetivo
do indivíduo e, esse acesso ocorre pela dialética, que pode caracterizar a
necessidade e a subjetividade. Explica-se: a necessidade está amalgamada no
problema e, na linguagem/diálogo transparece o pensar dos locutores – eu sei
o que o outro ignora ou questiona, o pensamento pode ser buscado no não
dito.
A Lei Maria da Penha cuida da questão do gênero e pensar sobre a
abordagem dada pela legislação as mulheres vítimas de violência intrafamiliar
é refletir a figura da mulher e a permanecia ou não da subjugação, bem como o
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quanto as relações de poder podem ainda perpetuar a discriminação e/ou
exclusão da mulher.
Essas relações operam em diferentes espaços da sociedade e
disseminam-se entre os vários segmentos que a compõem através de
mecanismos disciplinadores que devem servir para retirar a submissão e se
constituir de instrumento de interpelação ideológica.
Althusser refere-se ao vínculo entre o sujeito de direito (aquele que se
relaciona de forma contratual com seus iguais) e o sujeito ideológico (aquele
que se reconhece como indivíduo identificado), vínculo este de natureza
superestrutural, determinado pela infraestrutura econômica, entre o aparelho
repressivo de Estado (o aparelho jurídico-político) e os aparelhos ideológicos
de Estado (igreja, escola, mídia, etc.).
Permite-se aqui com base em Foucault, ultrapassar as noções de
aparelho repressivo de Estado e de aparelhos ideológicos de Estado,
concebendo que a interpelação também é determinada por aparelhos de saber.
Com isso, pretende-se dizer que o processo de assujeitamento do sujeito dá-se
não só em nível de Estado como também em instâncias menores,
microestruturais, da sociedade, que ele incide em diferentes pontos da rede
social, podendo ou não estar integrado ao Estado. Em suma, não se restringe a
uma infraestrutura econômica, também tem uma base sociocultural. Sob esse
ponto de vista, o processo de interpelação é uma relação de poder, um poder
disciplinador que, de acordo com Foucault, atravessa toda a sociedade e está
em todos os espaços sociais, hierarquizando, comparando, homogeneizando, o
que significa dizer, normalizando.
O direito é uma das formas mais explícitas de exercício do poder e,
como tal, um instrumento de dominação. Dentre as três instâncias do poder
institucional – legislativo, executivo e judiciário – esse último é o que, de forma
mais visível, constitui-se num espaço de sanções normalizadoras ou num
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sistema disciplinador da conduta humana que funciona, de maneira
privilegiada, frente aos outros. Ainda que os poderes sejam independentes na Constituição Federal, nossa lei maior - reza que os poderes devem,
também, ser harmônicos – o poder judiciário abre a possibilidade de o indivíduo
questionar decisões do legislativo e do executivo e a eles se opor. Todavia,
essa oposição, na prática, dificilmente se estabelece em função dos jogos de
poder existentes. A “harmonia” entre os três poderes, apregoada pela
Constituição, na realidade, deve lutar no sentido de apoiar e manter o poder da
população em geral.
O sujeito pragmático, ignorando esse emaranhado jogo de poder, sentese seguro porque tem a lei que o “protege”, assujeitando-se à instituição sem
questioná-la. A rede de poder na qual está envolvido é de tal ordem que o
aprisiona em suas malhas, fazendo-o acreditar que ali está a salvo de qualquer
ameaça. Será que a Lei Maria da Penha consegue colocar a mulher sob a
proteção de qualquer ameaça?
Para Foucault, apesar de as grandes máquinas de poder terem sido
acompanhadas de produções ideológicas, o que está em seu alicerce são
instrumentos reais de formação e de acumulação de saber. Isso mostra que o
poder, para exercer-se em mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e
pôr em circulação saberes.
Obviamente,
está-se
aqui
aproximando
a
questão
do
poder,
desenvolvida por Foucault, à questão da ideologia, procuramos evidenciar, ao
estabelecer essa relação, que o processo de interpelação é uma relação de
poder que ultrapassa o Estado, que se encontra expandida em toda a
sociedade e que penetra em nossa vida cotidiana.
Essa forma de poder, que se pratica sobre a vida cotidiana imediata e
que, segundo ele, classifica os indivíduos em categorias, designando-os por
sua própria individualidade, unindo-os a sua própria identidade, impondo-lhes
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uma lei de verdade que devem reconhecer e que os outros devem reconhecer
neles, é que transforma os indivíduos em sujeitos.
O autor mostra que o poder não é uma propriedade que se possui ou
não. Não podemos separar de um lado os que detêm o poder e, de outro, os
que dele estão privados. Assim, não existe o poder, mas práticas ou relações
de poder, encontrando-se disseminadas em toda estrutura social. Em
contrapartida, não existe o lugar da resistência, mas pontos móveis e
transitórios que também estão distribuídos por toda a estrutura social. Dessa
forma, o autor mostra que os indivíduos tanto podem estar em posição de
exercer este poder quanto de sofrer a sua ação. Nunca são o alvo inerte ou
consentido do poder, mas são simultaneamente efeito de poder e seu centro
de transmissão: O poder passa através do indivíduo que ele constitui (1992,
p.184).
A partir do conjunto de representações do sujeito, que justificam e
explicam a ordem social, das condições de sua vida e das relações com os
outros que o homem constrói seus discursos. Por isso o discurso é mais o lugar
da reprodução que o da criação. Assim, o discurso não só determina como
também é determinado pelas coerções de ordem ideológica. É um produto
histórico
e
social
e
não
existem
representações
ideológicas
senão
materializadas na linguagem. Portanto, ele serve para consubstanciar relações
de poder e organizar o comportamento dos indivíduos.
Normalmente, o discurso jurídico, apesar de se apresentar como neutro,
universal e científico, na realidade, trabalha no sentido de tornar normais e
uniformes os comportamentos sociais ou de manter valores que assegurem a
coesão do corpo social.
Desses valores, aqui se destacam aqueles referentes à questão do
gênero. Observa-se que a mulher, cada vez mais, vem consagrando atuação e
participação efetiva dentro da sociedade, passando a ter um novo papel dentro
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da família, bem mais amplo e significativo. Contribui e decide, servindo de um
novo exemplo para os filhos e para o marido, o que antes não era possível
diante do padrão de comportamento imposto a ela. Dessa forma, vem
alterando a metafísica dos sexos que instituía a inferioridade das mulheres no
início do século.
Warat refere que:
As crenças que nos foram impostas pela condições moderna
acabaram por desumanizar-nos, nos deixam inumanos. O que
outorga ao ser humano sua humanidade não é o pensamento
inteligente, seu complexo conjunto de verdades; o que outorga
humanidade ao homem é o amor. Os homens falam, comunicam-se,
estabelecem vínculos porque buscam amor. Privados de amor,
bloqueada a comunicação amorosa, o homem se desumaniza.
Devolver-lhe a humanidade é reinscrevê-lo no amor. A modernidade
apostou nas virtudes da razão e desconfia até o descrédito nas
virtudes de nossa sensibilidade, de nosos (sic) sentimentos. A
identidade do homem e sua condição de sujeito dependem de um
outro que o reconheça amorosamente. Sem o reconhecimento
amoroso do outro o homem se transforma em sujeito inumano. Sem o
outro que o reconheça a humanidade se cancela a humanidade. ...
(WARAT, 2004, p. 196)
A família de hoje é o lugar para o pleno desenvolvimento do sujeito e de
todos os seus membros, calcada em igualdade, democratização, respeito,
assistência e amor – não restando lugar para a violência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de extensão vem trabalhando no estudo e nas temáticas
relativas à violência doméstica, bem como pretende realizar um observatório
junto as Varas de Violência Doméstica para dirimir e poder construir um espaço
próprio para discussão de alternativas para solução dos conflitos familiares,
quando possíveis pela mediação. E, tal estudo esta sendo tecido pela análise
das verdades apresentadas pelas partes nos casos de aplicabilidade da Lei
Maria da Penha.
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REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa:
Presença, 1974.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1992.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1984.
SACAFF, Denise Radesca Alvares; SCAFF, Fernando Facuri. Onde está o
mal estar no senhor das moscas. In Direito e Psicanálise: Interseções e
Interlocuções a partir de O Senhor das Moscas de William Golding.
Organizadora: Helen Hartmann. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e Prática da Mediação. 5. ed. Curitiba: IMAB,
1998.
WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca: O Ofício do Mediador.
Coordenaores: Orides Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover,
Cláudia Sevilha Monteiro. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
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