30 ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

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30o ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS
GT 1: Cidades: Sociabilidades, Cultura, Participação e Gestão
A Contribuição de Alain Touraine para a Produção do Conhecimento na Sociologia
Urbana: sujeitos coletivos e multiculturalidade.
Autora: Maria da Glória Gohn
Uninove/ Unicamp. Apoio CNPq
24-28 de Outubro 2006
Caxambu/MG
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A Contribuição de Alain Touraine para a Produção do Conhecimento na Sociologia
Urbana: sujeitos coletivos e multiculturalidade.
Maria da Glória Gohn- Uninove/Unicamp. Apoio CNPq
Resumo
O trabalho analisa a contribuição de Alain Touraine a partir de duas temáticas
básicas: o papel do sujeito coletivo nos processos de sociabilidade, participação e mudança
social- tomando como referência os movimentos sociais; e a questão da multiculturalidade
nos conflitos urbanos contemporâneos.
O paper se compõe de duas partes. A primeira faz um resgate da produção de
Touraine a partir dos anos 60, como ele foi construindo a idéia de sujeito coletivo e qual o
papel deste sujeito na construção da identidade de movimentos sociais e culturais que
ocorrem no urbano. A segunda parte focaliza, na atualidade, o tratamento que Touraine dá
para a problemática dos direitos culturais, valores morais e categorias de pertencimento
(etnia, raça, religião, territorialidade, e grupos etários) na produção dos conflitos sociais na
sociedade civil, especialmente nas grandes cidades, na luta por políticas sociais que
contemplem a questão da multiculturalidade. Quais os elementos que constroem as
identidades e quais as descontrõem.
Apresentação
Em Julho de 2006 a Associação Internacional de Sociologia – ISA outorgou a Alain
Touraine o prêmio da Foundation Mattei Dogan Prize for Life-Achievement in Sociology,
uma distinção criada para premiar a cada quatro anos um sociólogo que tenha tido um
papel relevante nas várias partes do globo. Touraine tem cerca de 50 anos de trabalho
dedicado ao ensino e à pesquisa sociológica. Publicou, até 2005, 40 livros na língua
francesa (sendo 30 de autoria individual e 10 com outros autores), e centenas de artigos em
revistas acadêmicas, periódicos e na imprensa do mundo todo. Grande parte de seus livros
foi traduzida em inúmeras línguas. Ele orientou dezenas de teses e trabalhos acadêmicos,
sendo muitos de latino-americanos, acolhendo -os na França com muita generosidade. Na
Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, Touraine participou da criação do
Centro de Análises e Intervenção Sociológica, onde é diretor, assim como é membro da
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Academia de Ciências de Nova York. Atualmente, sua opinião e análise sobre os conflitos,
movimentos e contexto político nacional e internacional, é respeitada e ganha destaque na
mídia em várias partes do globo.
A América Latina, especialmente o Brasil, têm papel central na produção de
Touraine. Ele sempre trabalhou com os grandes temas da teoria sociológica e desenvolveu,
ao longo de sua trajetória, teorias e concepções próprias sobre as ações sociais e o papel dos
sujeitos nestas ações. A sociedade e a cultura têm sido seu grande foco: como ela se
representa, se reproduz, se transforma – alterando-se ou resistindo às mudanças - vide,
principalmente:Touraine (1973,1974, 1992,1994, 1997 e 2005). Touraine é, há mais de
quatro décadas, uma das referências básicas no estudo sobre as ações coletivas dos
movimentos sociais – tema que renovou as pesquisas na Sociologia nas últimas décadas do
século XX, e a Sociologia Urbana em especial, por colocar em cena sujeitos sociais que
protagonizam eventos denunciando as péssimas condições de qualidade de vida e de
habitação no meio urbano, os efeitos do crescimento econômico voltado apenas ao lucro e
aos interesses do capital imobiliário etc. Estes sujeitos gestaram também novas formas de
sociabilidade e de soluções de desenvolvimento sustentável, criaram cooperativas de
reciclagem de materiais, demandaram políticas que contemplem seus direitos culturais etc.
O paradigma teórico de Touraine alicerça-se no que se convencionou chamar de
“ciência da ação social”, denominado por alguns teóricos como accionalismo (Giddens,
1993: 645-647; Weisshaupt 1993). Sabemos que o accionalismo tem como um dos supostos
básicos que: toda ação é uma resposta a um estímulo social. O axioma implícito enfatiza o
comportamento social, ou seja, a conduta dos indivíduos e grupos em termos de conflito ou
de integração.
O objeto da teoria da ação social de Touraine é o sujeito histórico. O conceito
central focalizado é o da ação coletiva e o tema da dominação tem grande importância.
Touraine desenvolve uma análise da sociedade em termos geral e histórico. Entretanto, em
sua análise geral há uma recusa à visão desta sociedade como sendo dominada pelas
macroestruturas, por leis naturais de um sistema social ou por determinações de qualquer
espécie. O que ele propõe é uma análise centrada no desempenho dos atores sociais
enquanto sujeitos que atuam na sociedade mais geral, com suas culturas, pertencimentos e
historicidade. Desde seus primeiros estudos ele elaborou uma teoria das condutas e
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comportamentos sociais a partir da análise dos movimentos sociais, estes últimos vistos
como elementos de um modo específico
de construção da realidade social.
Progressivamente ele passou a estudar também os sistemas e as mudanças sociais na
sociedade, centralizando cada vez mais na análise o papel dos movimentos sociais. O
sujeito dos movimentos analisado foi se deslocando ao longo da obra de Touraine, ou
alternando-se - trabalhadores industriais (Touraine, 1955,1961 a-b e c, 1965, 1966, 1982,
1984), estudantes (1968, 1978, 2005), movimentos populares na América Latina e outras
partes do globo(1973, 1976, 1987, 1988), movimentos antinucleares (1980), o movimento
Solidariedade na Polônia (1992) movimentos de mulheres (1994b, 2005). A partir dos anos
90 aprofunda a análise crítica de temas como a modernidade, a democracia e os efeitos da
mundialização/globalização (1992, 1994, 1997,1999,2000, 2005).
“A crise da Modernidade”, título de um de seus livros mais conhecidos, demarca o
debate de temas da atualidade para que possamos compreender o mundo contemporâneo e
suas crises, especialmente nas grandes metrópoles: as diferenças sócio-culturais e
religiosas, crise de valores, dificuldades de integração dos indivíduos na sociedade, os
efeitos do desemprego e da segregação sócio-espacial sobre as populações imigrantes, a
defesa dos direitos culturais e as resistências às diferenças, o choque e os conflitos de
concepções
como
a
defesa
do
republicanismo/universalismo
frente
aos
particularismos/especificidades/ regionalismos/direitos comunais etc.
Em 2005 Touraine retoma o tema da modernidade e afirma que os efeitos da
globalização econômica tem produzido uma modernização extremada. Ele publica “Um
Nouveau Paradigme- pour comprendre le monde d ´aujourd´hui” onde destaca o
desaparecimento da sociedade como sistema integrado e portador de um sentido geral, a
decomposição do social, a rejeição de valores tidos como universais e a emergência de
reivindicações culturais trazendo à cena um neocomunitarismo - que apela ao sujeito
pessoal, a reivindicação de direitos culturais, o crescimento do individualismo. (2005: 27).
Analisa a guerra, a violência, a emergência do individualismo e do particularismo
sobrepondo o universalismo, a criação de uma sociedade da informação operando via
networks, com predomínio do capital financeiro; observa o perfil dos empresários que
detém uma nova concepção de sociedade, construída sob um novo modo de conhecimento e
investimentos que se viabilizam on line. Neste cenário os conflitos e as lutas deslocam-se
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de problemas internos dos estados/nações para as estratégias transnacionais das redes
financeiras. Surgem os movimentos anti e alter- globalização que lutam contra a direção da
economia na sociedade, economia esta que gera desemprego e caos urbano tanto nos países
em desenvolvimento como nos desenvolvidos, dado os novos conflitos dos imigrantes face
às novas políticas sociais.
Em síntese, o paper objetiva sistematizar e destacar a contribuição e a atualidade de
um sociólogo que há décadas tem colaborado na formação de toda uma geração de
pesquisadores voltados para a análise das ações e manifestações coletivas da sociedade
civil, especialmente aquelas que ocorrem no meio urbano. Estas manifestações e
movimentos
têm criado novos desenhos nas relações entre grupos e classes sociais,
refletindo diretamente no território das cidades, nas suas formas de sociabilidades e de
participação sociopolítica e cultural
.
1- O sujeito coletivo na obra de Touraine
A preocupação em destacar a questão do sujeito advém da
importância desta
categoria na análise da realidade social e a contribuição que Touraine nos dá para sua
compreensão. Consideramos “sujeito” como uma categoria fundamental, que constitui e
posiciona indivíduos na história dos processos sociais, culturais e políticos de uma
sociedade. Ela confere protagonismo e ativismo aos indivíduos e grupos sociais,
transforma-os de atores sociais, políticos e culturais, em agentes de seu tempo, de sua
história, de sua identidade, de seu papel como ser humano, político, social; o sujeito é
reconhecido- objetivamente, e reconhece-se - subjetivamente, como membro de uma classe,
de uma etnia, parte de um gênero, uma nacionalidade, e muitas vezes de uma religião, culto
ou crença. Os sujeitos se constituem no processo de interação com outros sujeitos, em
instituições, privadas e públicas, estatais ou não. Sujeitos coletivos expressam demandas de
diferentes naturezas, tem capacidade de interlocução com a sociedade, civil e política. Eles
têm também a capacidade de propor ações, criam e desenvolvem uma identidade ao grupo
que o compõe, baseada em crenças, valores compartilhados. A noção de sujeito coletivo
tem a ver com a capacidade de se interferir nos processos sociais. Eles criam sistemas de
pertencimentos.
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Sabemos que, na análise dos processos de mudança e transformação social, a
confusão ao redor do termo “sujeito” é grande; ele tem sido utilizado segundo diferentes
concepções e paradigmas epistemológicos: no passado já significou agente histórico de
processos revolucionários, depois esta interpretação foi negada por muitos como algo
ultrapassado; foi substituído pela categoria ator social, ou foi mistificado, e banalizado. Na
maioria das vezes, sujeitos e atores sociais são duas terminologias utilizadas largamente
nas estratégias metodológicas de pesquisa que remetem a visões e paradigmas
diferenciados dos processos e procedimentos da investigação.
Touraine trabalha com as duas categorias: sujeito e ator, de forma articulada. Sua
Sociologia se fundamenta na busca de compreensão da orientação que os atores dão a suas
condutas, comportamentos, às suas ações em suma. Neste processo, os atores criam valores,
dão uma historicidade à sociedade. Diferentemente de Weber que diz que a história que
constitui uma classe, para Touraine, é a classe que dá historicidade à sociedade.
“A análise do sujeito histórico será o objeto da ação de Touraine[...] O
ator social, enquanto sujeito histórico, define a sociedade como um todo
coletivo, orientado por valores de criação e de controle[...]Touraine
identifica numa mesma problemática o sujeito histórico, sua consciência
e suas obras” (Weisshaupt, 1993:12, 13).
Touraine afirma que é difícil liberar a idéia de Sujeito das grandes tradições de
pensamento e suas formas históricas. Ocorreram mutações sucessivas que o localizaram no
campo das idéias políticas e das relações sociais de trabalho, antes de tornar-se, como
ocorre hoje, associada à idéia de experiência de vida das pessoas, especialmente quando
atuam em coletivos. A idéia universalista do Sujeito humano, definida no campo do direito,
separada de toda experiência, foi, primeiramente, substituída pela idéia de classe particular,
carregada de uma missão universalista de libertação. Ele diz que este apelo fundou poderes
absolutos, muitas vezes totalitários, a exemplo do que nos demonstrou M. Foucault. Para
Touraine, na história moderna, a idéia de sujeito é constituída por tendências opostas,
observa-se à emergência do Sujeito pessoal e também a influência crescente de um poder
moralizador e normatizador a partir das instituições. Ele nos lembra que, quando se falava
do homem e seus direitos, na época das revoluções, falava- se da cidadania mas havia
também o terror. Na época, a defesa dos direitos dos trabalhadores engendrou o sonho de
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uma sociedade mais justa e igualitária mas desembocou também em cerceamento das
liberdades políticas em nome da liberdade social.
A idéia de Sujeito esteve, para Touraine, sempre associada estreitamente a um
princípio superior de inteligibilidade e de ordem, segundo concepções históricas, religiosas,
filosóficas e políticas do Sujeito. Por isso, na atualidade, muitos declararam a morte do
Sujeito, desse sujeito único, superior. Ele vê o nascimento do Sujeito pessoal no processo
de decomposição daquele Sujeito coletivo abstrato.
Para Touraine, na atualidade, o Sujeito é o ator que luta pela produção de si próprio,
de sua história de vida individual, sua ação se traduz no esforço do indivíduo para
transformar experiências vividas em construção de si mesmo, como ator. Ele busca a
afirmação de sua própria liberdade contra as ordens sociais. É uma luta sua, baseada em seu
trabalho pessoal e
em sua cultura.
A consciência que tem de si mesmo o ajuda a
desprender-se das influências sofridas. Transforma- se em consciência de si, ele é uma
força de libertação. "O Sujeito não tem outro conteúdo que a produção de si mesmo"
(Touraine, 1997: 21), em um mundo em mudança permanente e incontrolável. O Sujeito é
uma afirmação de liberdade contra o poder dos estrategistas e seus aparatos (os verdadeiros
detentores do poder na atualidade), ou para se proteger contra a ditadura de comunidades
autoritárias. O Sujeito é aquele que resiste às ideologias que querem adequá-lo ao mundo
ou à comunidade. Neste sentido, o apelo ao Sujeito é a única resposta à dissociação entre a
economia e a cultura operada pela globalização. Ele conclui dizendo: "Afirmação de
liberdade pessoal, o Sujeito é também, e ao mesmo tempo, um movimento social”
(1997:21).
“A idéia de sujeito não se opõe à de indivíduo, mas ela é uma interpretação muito
particular dele[...]quando eu falo do Sujeito, isto é, da construção do indivíduo como ator, é
impossível separar o indivíduo de sua situação social” (Touraine, 1994b: 248 e 280). Há um
princípio básico para o entendimento do papel do Sujeito em Touraine. Os "indivíduos só
se transformam em Sujeitos por meio do reconhecimento do outro, um Sujeito que trabalha,
a sua maneira, para combinar uma memória cultural com um projeto instrumental" (1997:
21). Ou seja, combina-se uma pertença herdada, como cor, etnia, sexo etc.; ou a resistência
a uma dada regra, norma ou outro constrangimento sócio-cultural, político ou econômico;
ou ainda a busca de distanciamento de certas situações ou circunstâncias, com a luta para
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demarcar espaço na sociedade, nos diferentes campos da vida social. Luta-se por cotas nas
universidades, espaços nos concursos públicos ou no mercado de trabalho em geral. Num
mundo competitivo/excludente, isso agrega valor ao indivíduo. A idéia de Sujeito, posta
nestes termos, governa a idéia de "Comunicação Intercultural".
O conjunto dessas idéias nos fornece a resposta a uma pergunta básica de um dos
livros de Touraine, já na segunda metade dos anos 90 “Como poderemos viver juntos, em
uma sociedade cada vez mais dividida entre redes que nos instrumentalizam e comunidades
que nos encerram e impedem que nos comuniquemos com os outros”?
Touraine desenvolveu também a idéia de que tanto o Sujeito pessoal, como a
necessária comunicação intercultural entre os Sujeitos deve ter "Proteções Institucionais",
ou seja, a liberdade do Sujeito deve estar assegurada por instituições que estejam a seu
serviço, recolocando uma idéia antiga - da democracia como vontade geral, pela idéia de
instituições a serviço da liberdade do sujeito, e a necessidade da comunicação entre os
Sujeitos num mundo cada vez mais globalizado. Isso gera, para Touraine, uma Política do
Sujeito, que se aplica em domínios importantes como o da educação, representando o que
se pode chamar de "Escola do Sujeito". (Touraine, 1997: 22).
Disso resulta que, para Touraine,
“não podemos viver juntos” combinando a
unidade de uma sociedade com a diversidade das personalidades e as culturas, se não
colocarmos a idéia do papel do Sujeito pessoal no centro de nossas reflexões e de nossas
ações. "O sonho de submeter todos os indivíduos as mesmas leis universais da razão, da
religião ou história sempre se transformaram em pesadelos, em instrumento de dominação;
a renúncia a todo princípio de unidade, a aceitação de diferenças sem limites, conduz a
segregação ou a guerra civil" . Para sair desse dilema, Touraine propõe tratar o Sujeito
como uma combinação de uma identidade pessoal e como afirmação de sua liberdade e
responsabilidade. Somente com este enfoque poderemos viver juntos, iguais e diferentes.
Ele também defende que se deve conceber novas formas de vida coletiva e pessoal porque
ninguém, indivíduos ou instituições, podem ter a certeza de que seu êxito no passado o
capacitará para compreender e dominar as novas formas de vida pessoal e coletiva.
2. Alain Touraine, o Accionalismo dos Atores Coletivos e os Movimentos Sociais
Alain Touraine trabalha com o tema dos movimentos sociais na Europa e em outras
partes do mundo há muitas décadas. Dada sua importância e a sua contribuição específica
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sobre os movimentos sociais, faremos uma breve reconstrução de sua análise sobre o tema,
com destaques para a trajetória histórica desta produção. Observaremos que ele não só
acompanhou a trajetória das ações coletivas no mundo ocidental como produziu e interferiu
no debate sobre os rumos destas ações na sociedade e na política. Até chegar aos supostos
destacados acima, sobre o papel do sujeito individual no mundo moderno, e sua articulação
com sujeitos coletivos, houve uma trajetória de acompanhamento e análise dos movimentos
sociais, especialmente movimentos que ocorrem nas grandes cidades. Para ele, a idéia de
sujeito se liga com a de movimento social.E essa idéia contém duas afirmações centrais: a
primeira é que o sujeito é vontade, resistência e luta, e não experiência imediata de si (não
se trata também da vida interior do Sujeito). A segunda idéia é que não há movimento
social possível a margem da vontade de libertação ou liberação do sujeito. O Sujeito não é
uma reflexão do indivíduo sobre si mesmo, seu interior ou o espelho de sua intimidade. Ele
é ação, é um trabalho, que nunca coincide com a experiência individual. A experiência a
que ele se refere é a coletiva, o aprendizado a partir do coletivo.
Touraine questiona as interpretações tradicionais que atribuem, a priori, papéis
determinados às classes dominadas (ou o povo, categoria genérica dos que não tem poder
ou estão em posições subordinadas). Acredita-se (e espera-se) que ele, povo, se levante
contra a dominação e a exploração, tidas como intoleráveis. Ele assinala que nesta visão o
movimento social sempre se subordina a uma ação e a uma consciência vinda de fora.
Mesmo o movimento operário se subordina a direção de um partido político. Nestes
estudos, a elite intelectual - política seria a única que sabe interpretar o sentido da História,
submeter às práticas sociais à razão, tornar realidade o progresso. Ele afirma que a História
nos demonstra que foram movimentos sociais que buscaram superar contradições e criaram
um sujeito coletivo (religioso, comunitário, político ou de classe). Na concepção tradicional
o movimento social sempre busca abolir a relação de dominação, fazer triunfar um
princípio de igualdade, criar uma nova sociedade que rompa com as formas antigas de
produção, gestão e hierarquia. Touraine acha que esta concepção se corrompeu e se
degradou. Os princípios morais se destacam. Com isso Touraine concluiu:
“Um movimento social é sempre um protesto moral; coloca -se por cima da
sociedade para julgá-la ou transformá-la, e não no centro para manejá-la e orientá-la no
sentido que exigem a Razão ou a História." (1997:79). Por isso o protesto dos estudantes
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em Maio de 68, ou das mulheres, sempre foi baseado num discurso igualitário de tipo
republicano ou
socialista, impregnado de valores que dizem respeito à cultura e a
personalidade. Disto tudo ele conclui: o Sujeito não é portador de um modelo ideal de
sociedade, temos que encontrar o Sujeito pessoal no Sujeito histórico (e também no
religioso), que sempre está presente no centro das visões de sociedade e de mundo.
3. A trajetória da construção do conceito de Movimento Social em Touraine
Data dos anos 60 do século XX as primeiras produções de destaques de Touraine
sobre os movimentos sociais. Ele partiu da noção de projeto para criar uma teoria sobre os
movimentos sociais. Jean - Paul Sartre também havia escrito a respeito da categoria projeto
e as pesquisas sociológicas em geral preocupavam-se com a questão do projeto das classes
sociais. Touraine estava estudando o comportamento da classe trabalhadora, o grande tema
que ocupava as atenções dos sociólogos em geral.
Guilhon de Albuquerque (1977)
sintetiza a posição de Touraine a esse respeito.
"Projeto é usado por Touraine num sentido teórico, não designa,
portanto, uma coisa mas um conceito, um conhecimento. Esse conceito
não expressa o conhecimento de uma coisa, nem de um indivíduo, nem
de uma propriedade de um indivíduo. O termo projeto expressa um tipo
de ligação entre as propriedades observáveis de indivíduos. A noção de
projeto refere-se ao fato de que, em uma situação dada, a possibilidade
do ator dar sentido às suas próprias condutas permanece sempre aberta,
por oposição ao sentido já dado no sistema social".
Observa-se portanto que o mérito da abordagem de Touraine residia na importância
conferida aos sujeitos na história, como agentes dinâmicos, produtores de reivindicações e
demandas, e não como simples representantes de papéis pré-atribuídos pelo lugar que
ocupam no sistema de produção. O dinamismo dos sujeitos/atores é visto em termos
culturais, de confronto de valores (uns são afirmados e outros reivindicados).
Estes
elementos são denominados por Touraine como "dialética de criação e controle" afirmando
que eles se fundam a partir de hipóteses levantadas por Marx, sobre o funcionamento
econômico da sociedade.
O movimento social apresenta-se na abordagem accionalista como a ação de um
grupo, um ator coletivo. Para tal é necessário que ele "se defina por sua situação nas
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relações sociais de produção, isto é, que ele situe suas reivindicações e sua oposição a um
grupo adversário no interior dos problemas de sociedade industrial”.
Ainda nos anos 60, Touraine afirmava que só existe movimento social se houver
combinação de três dimensões essenciais: classe, nação e modernização.
Estas três
dimensões da chamada ação coletiva abrangiam movimentos de natureza diferenciada, os
quais ele denominava de movimentos políticos. A partir da abordagem influenciada pela
teoria dualista da modernização, Touraine assinalava que todo movimento social é ao
mesmo tempo um movimento de classe, um movimento anticapitalista, oposto à dominação
estrangeira, e voltado para a integração e modernização nacional. A nação era um elemento
presente todo o tempo na análise do autor, principalmente quando aborda as chamadas
"sociedades dependentes", e esta idéia conferia um esvaziamento às lutas entre as classes
antagônicas da sociedade.
Em texto publicado na França nos anos 70, Touraine dedicou-se à análise dos
movimentos sociais nas sociedades dependentes em termos comparativos aos movimentos
sociais das sociedades dominantes. A industrialização é um elemento básico nesta análise
desde que o "modelo" teórico subjacente é o dualismo entre as esferas do rural e do urbano,
da Teoria da Modernização. Ele afirma que nas sociedades dependentes a industrialização
é introduzida e dirigida por uma burguesia estrangeira, através de sistema de intercâmbios
internacionais. Enquanto nas sociedades dominantes ganham importância os movimentos
sociais contestatórios, em nome dos direitos do trabalho, ao contrário, nas sociedades
dependentes "o fato mais visível é a coexistência, sem verdadeira integração, dessas
diferentes formas de ação coletiva dos movimentos sociais, de um lado, e da ação crítica de
outro"(Touraine,1977:33). Segundo ele, faltava aos movimentos das sociedades
dependentes, unidade nas ações; eles eram frágeis, heterogêneos, dilacerados internamente
e tendem à fragmentação. Apresentavam-se como projetos, intenções. Sua consciência era
defensiva e contestatória devido ao "atributo" fundamental da sociedade dependente: o
dualismo estrutural. Devido às causas assinaladas, Touraine concluía que: "nas sociedades
dependentes, o único agente capaz de aglutinar as forças presentes nos movimentos
populares é o Estado, enquanto força política exterior, agente unificador de uma sociedade
cortada em dois" (Touraine,1977:37).
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Nos anos 70, Touraine afirmou que os movimentos sociais são sempre, em
última análise a expressão de um conflito de classes. Por outro, eles possuem um duplo
caráter: defensivos e contestatórios, isto é, contra-ofensivos. Ele afirmou também que todo
movimento social é voltado para uma ação crítica e esta repousa sobre a contradição e não
sobre o conflito. Em 1973 ele estabeleceu uma distinção entre movimentos sociais e lutas
históricas. Estas últimas resultam de modificações advindas dos movimentos sociais.
Em 1968 Touraine publica “ Le mouvement de mai ou le communisme utopique”,
um estudo sobre o movimento dos estudantes na França. Em 1973 publica o livro
“Production de la Societé” onde há um capítulo sobre os movimentos sociais que foi um
marco referencial na sua produção e para muitos estudantes do tema na época,
especialmente em países da América Latina que viviam sob o jugo de ditaduras militares e
aspiravam a reconstrução dos processos democráticos. Ele coloca também a questão da
reflexividade na análise social dos movimentos.
Touraine destaca três elementos construtivos em um movimento social: o ator, seu
adversário e o que está em jogo no conflito. Existiam três princípios de interpretação dos
movimentos sociais - identidade, oposição e totalidade. Eles "reagrupam, ao nível da ação
coletiva, a dialética de criação e controle situados, desta vez, imediatamente ao nível dos
problemas da sociedade industrial (princípio de totalidade). Isto permite à análise
reencontrar, por trás da ação coletiva, o projeto pessoal dos atores individuais. São portanto
três os princípios que se encontram na base do modelo explicativo de Touraine sobre os
movimentos sociais: o de totalidade, de identidade e o de oposição.
“O sujeito histórico (princípio de totalidade) pode ser, e é,
reivindicado particularmente (princípio de identidade) embora todos,
quer dizer os outros também (princípio de oposição) sejam,
efetivamente, o seu portador.” (Weisshaupt, 1993: 20).
Na obra “Production de la societé” Touraine distingue um grupo de pressão de um
movimento de idéias ou de movimentos reivindicativos, pelos tipos de princípios que os
orientam. Somente movimentos sociais desenvolvem os três princípios. O movimento
social dá resposta as perguntas: Quem somos? Quem são nossos inimigos? Porque
ganharemos a luta, guerra ou batalha?
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Para Touraine os movimentos sociais são frutos de uma vontade
coletiva.
"Eles falam de si próprios como agentes de liberdade, de
igualdade, de justiça social ou de independência nacional, ou ainda
como apelo à modernidade ou a liberação de forças novas, num mundo
de tradições, preconceitos e privilégios" (Touraine,1978:35).
Eles, movimentos, não seriam heróis coletivos, acontecimentos
dramáticos ou excepcionais; nem elementos ou forças novas na sociedade.
São simplesmente partes do sistema de forças sociais dessa sociedade,
disputando a direção de seu campo cultural. Eles não são, em si mesmos,
agentes negativos ou positivos da História, do processo de modernização, ou
da libertação da humanidade. Eles são fruto de uma relação de produção e
organização social, uma relação dupla - de identidade e de oposição e não se
dirigem fundamentalmente contra o Estado, pois não são lutas por meras
conquistas de poder. Estas afirmações, nos anos 70, afastaram muitos
pesquisadores latino-americanos das obras de Touraine, especialmente no
Brasil. Isto porque o momento conjuntural do país era de crença e esperança
no poder de reorganização da sociedade civil, via movimentos populares de
base, atribuindo-lhes o papel de novos sujeitos históricos, num sentido que não
cabia nas análises de Touraine. Ele assinalava ainda que seria um erro ver os
movimentos como agentes de mudança histórica ou forças de transformação
do presente e construção do futuro. Afirmava que os movimentos não são, em
si mesmos, agentes negativos ou positivos da história, do processo de
modernização, ou da libertação da humanidade. Eles são fruto de uma relação
de produção e organização social, uma relação dupla - de identidade e de
oposição e não se dirigem fundamentalmente contra o Estado, pois não são
lutas por meras conquistas de poder. Um movimento social é ao mesmo tempo
um conflito social e um projeto cultural. Touraine discordava (e discorda
ainda) da tese que atribuí aos movimentos uma racionalidade instrumental
dirigida.
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É interessante recuperar também a concepção de Estado de Touraine pois ela
contribui para esclarecer sua abordagem sobre os movimentos sociais e a recusa de alguns
pesquisadores latino-americanos, nos anos 70 e parte dos 80, em relação sua abordagem,
Estes últimos confundiam governo com Estado e viam no Estado o grande inimigo a ser
combatido. Os regimes militares, que instauraram governos com ditaduras autoritárias em
vários países da América Latina, eram vistos como “o problema”, e a solução estava na
organização da sociedade civil, na participação e desenvolvimento da consciência social.
Os movimentos eram vistos “contra o Estado”. A expressão “de costas para o Estado”
tornou-se um jargão em muitos estudos. Para Touraine, numa concepção até próxima de
Gramsci, o Estado não seria apenas monopólio da violência e da busca da legitimação,
embora ele tenha sempre vínculos com a classe dirigente.
Ele é também agente de
transformação histórica por dirigir as mudanças organizacionais - que são também
mudanças institucionais. Portanto, para Touraine, o Estado não é apenas aparelho de poder.
É um agente social de reação e de transformação, uma força social de mudança histórica.
Nesse sentido, o Estado ao responder a um movimento social estaria repondo a
ordem e abrindo caminhos para a mudança através da institucionalização de novas formas
de relações. Os movimentos teriam, para Touraine, o papel mais de agente de pressão social
do que ator principal das transformações sociais propriamente dita.
Ao mesmo tempo, Touraine assinalava que os movimentos eram as forças centrais
da sociedade por serem sua trama, o pulsar da sociedade, o seu coração. Considerava seu
estudo como fundamental para entender o processo de mudança no mundo, mas isto não
significa que eles sejam agentes ou forças privilegiadas deste processo. São forças culturais
indispensáveis. Suas lutas não são, a priori, elementos de recusa, marginal à ordem, mas,
ao contrário, podem ser de reposição da ordem. Ele chegou a postular que a Sociologia
contemporânea seria o estudo dos movimentos sociais pois trata -se de um objeto de análise
que trás o ator social de volta, ator este que estava em crise desde as críticas e a descrença
sobre a existência de classe social com uma missão histórica- o proletariado- visto como
agente e ator por excelência das mudanças históricas. (Touraine, 1984).
Assim sendo, uma teoria dos movimentos deve ser construída, para
Touraine, ao redor das ações coletivas, das representações e lutas dos atores. Eles devem
ser vistos dentro de uma teoria mais geral que é a teoria dos conflitos. Nesta, existiriam seis
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categorias básicas de conflito: os que perseguem interesses coletivos, os que se desenrolam
ao redor da reconstrução da identidade social, cultural ou política de um grupo; os que são
forças políticas que buscam a mudança das regras do jogo; os que defendem o status quo e
os privilégios, os conflitos derivados da busca de controle dos principais modelos culturais;
e os conflitos derivados da busca de construção de uma nova ordem social. Para Touraine
os movimentos sociais derivam fundamentalmente dos conflitos ao redor do controle dos
modelos culturais (Touraine,1985).
Nos anos 80 Touraine aprofunda seus estudos sobre os movimentos sociais
concentrando-se em questões metodológicas, cria um método de investigação sobre como
pesquisá-los e analisá-los empiricamente. Ele aperfeiçoa e desenvolve com a cooperação de
Michel Wieviorka, e outros, o método da Intervenção Sociológica onde busca resgatar a
trajetória de movimentos sociais (1882, 1984). Como exemplo podemos citar suas
pesquisas sobre o sindicato Solidariedade na Polônia, ou a ação de grupos extremistas na
Itália, as Brigadas Vermelhas. O método preconiza uma situação de interação entre o
entrevistador e o entrevistado, por um certo período de tempo, dividido em etapas. Procurase reconstruir os fatos e captar as explicações que os atores das ações formulam por terem
agido de uma determinada forma. A metodologia visava, fundamentalmente, criar
condições de distanciamento ideológico entre o pesquisador e o objeto da análise.
Em 1985 Touraine destacou que:
“muito freqüentemente, os autores, enquanto pensam que eles estão
descrevendo ações coletivas ou
eventos históricos, expressam
cruamente suas próprias opiniões…é indispensável comparar nossas
próprias categorias com outros tipos de construção da realidade
social….O problema, entretanto, não é perseguir uma objetividade pura,
abstrata, mas colocar os limites da ideologia e fazer discussões entre os
cientistas sociais mais significativos submetendo nossos trabalhos à
crítica” (Touraine,1985:750-751).
O tema da objetividade é um outro elemento que explica a não utilização das
análises de Touraine, no Brasil, nos anos 70 por muitos pesquisadores nacionais que
trabalhavam com a temática dos movimentos sociais. Vários destes pesquisadores
participavam dos movimentos, como assessores pedagógicos ou mediadores, seguindo os
16
supostos de Paulo Freire da “Pedagogia do Oprimido” , que preconizava a participação dos
intelectuais como mediadores nos círculos de cultura. E Touraine afirmava que um
militante não poderia analisar o movimento do qual fazia parte.
Ainda nos anos 80 Touraine publicou “Le Retour de l’ Acteur” (1984) e um livro
enfocando a América Latina “Palavra e Sangue” (1989). Neste último, ele reafirma que os
movimentos sociais ocupam lugares centrais na sociedade, lugares onde tende a se
formarem os conflitos mais centrais, onde a capacidade dos homens de fazer a história
atinge seu ponto mais elevado. Eles levam a formação de atores sociais (Touraine,
1988:285). A reflexão sobre alguns tipos de movimentos sociais latino-americanos foi outra
contribuição de Touraine em “Palavra e Sangue”, onde ele abordou os movimentos
camponeses, indígenas, messiânicos, étnicos, movimentos de reivindicações urbanas, o
comunitarismo religioso, movimentos de lutas nacionais etc. Todos eles são analisados
como lutas gerais entre adversários e apresentam vários tipos de condutas: reivindicativas,
revolucionárias, populistas e comunitaristas.
Na realidade, progressivamente, o tema dos movimentos sociais ganhou, na obra de
Touraine, não apenas maior importância mas ele o elegeu como o centro de estudo da
própria Sociologia. Esta disciplina passou a se organizar, em seus livros, ao redor do
conceito de movimento social.
Mas Touraine vê várias limitações nos movimentos, entre elas sua subordinação à
ação do Estado. Na ocasião ele atribuía ao Estado o papel de ator principal porque seu
próprio papel seria o de manter a continuidade da sociedade por meio de suas mudanças
econômicas e sociais, sendo o principal agente de desenvolvimento social, intervindo na
própria sociedade civil. As lutas históricas são vistas como conflitos sociais em situação de
mudança, e as modificações nos próprios movimentos são vistas como resultado da
intervenção do Estado
Os
elementos
constitutivos
dos
movimentos
sociais
foram
ligeiramente
reformulados nos anos 80 em relação aos anos 60. Eles seriam: a definição do próprio ator
social, a de seu adversário, do campo de disputa e do campo de seu conflito. Touraine
continuou analisando a sociedade e os movimentos em termos de classes e conflitos sociais.
Um detalhe curioso a ser registrado é: alguns pesquisadores norte-americanos
consideravam
Touraine como um autor marxista. Trata-se de uma polêmica que na
17
atualidade não faz mais o mínimo sentido mas é importante ser registrada porque ela
explica, em parte, porque houve um grande silêncio sobre a produção de Touraine na
maioria da produção sociológica norte-americana sobre os movimentos sociais até o a
metade dos anos 80. Somente nos anos 90 e primeiros anos dos 2000, Touraine passa a ser
ponto de diálogo na produção norte-americana. Atualmente ele integra a Academia de
Ciências de Nova York, realiza seminários na New School University etc. Para nós, latinoamericanos, Touraine sempre esteve mais próximo de Weber do que de Marx, mas sempre
dialogou com este último em seus trabalhos.Sempre realizou análises contemplando a
totalidade e tratou do tema dos conflitos sociais.
Touraine afirma que os movimentos opõem uma classe à outra, uma categoria
social à outra. Diferentemente do paradigma norte-americano predominante na abordagem
sobre os movimentos sociais, que enfatiza a teoria da Mobilização de Recursos, Touraine
não se preocupa com a intencionalidade dos atores, os motivos que os levam a se engajar
em ações coletivas. Sua preocupação é entender a dinâmica de um dado processo social
onde há a presença de movimentos.Os movimentos são ações orientadas para interações
entre adversários em conflito de interpretações e modelos societais opostos, assim como
campos culturais divididos, separados. Os movimentos sociais são ações coletivas que se
desenvolvem sob a forma de lutas ao redor do potencial institucional de um modelo
cultural, num dado tipo de sociedade. Assim os conflitos sociais entre os atores devem ser
entendidos em termos normativos e culturais.
Cohen e Arato (1992) distinguem três pontos na abordagem de Touraine em relação
à tradição clássica norte-americana. Primeiro: ele não aceita a tese da anomia social.
Segundo: ele vê os movimentos não como fatos excepcionais ou anormais mas como
criadores de vida social, por meio de suas práticas, normas e instituições. Terceiro,
diferentemente de Parsons, Touraine não vê as orientações culturais de uma dada sociedade
como incontestavelmente dadas. Ele argumenta que o caminho que uma sociedade se
utiliza para institucionalizar suas orientações culturais envolvem conflitos e relações sociais
de dominação.(Cohen, Arato,1992:514).
Touraine atribuí importância à sociedade civil, num sentido contrário ao que lhe dá
Arato. Para Touraine, não se trata de reafirmar a sociedade civil mas de negar certas
práticas existentes nesta. É a sociedade civil que, prioritariamente, os movimentos estão
18
questionando, tentando mudar suas orientações culturais, e não o Estado ou o mercado. A
sociedade civil focaliza a ação coletiva dos agentes sociais e aí os movimentos sociais são
os grandes destaques.
Observa-se que para Touraine a sociedade civil é um espaço de disputas, de lutas e
de processos políticos. É o espaço onde se localiza o processo de criação de normas,
identidades, instituições e relações sociais de dominação e de resistência, porque ela tem
uma capacidade de auto-reflexão. E é esta capacidade que é importante ser analisada nos
movimentos sociais e não o seu repertório de suas ações.
Ainda segundo Cohen e Arato, Touraine:
“faz uma sociologia da ação social quando trata dos novos
movimentos sociais mais ele não formula uma teoria da sociedade civil.
Fica-se num dilema: interpretar os movimentos segundo a lógica
estratégica da organização - envolvendo a pressão de grandes estruturas
como o Estado e a economia; ou opta-se por uma ênfase sobre a
identidade, as normas, os modelos culturais e as formas associativas
articuladas pelos próprios atores, ou instituições da sociedade civil [...]
cria uma hierarquia das formas de lutas sociais, uma espécie de tipologia
sem desenvolver uma teoria da auto-reflexão.” (Cohen e Arato,
1992:520).
Scott (1990) também fez várias críticas à teoria de Touraine afirmando que suas
formulações falham porque ele subordina o significado empírico das atividades dos
movimentos sociais a uma teoria de desenvolvimento societal, caindo nos mesmos erros de
teorias que ele critica. Scott conclui que Touraine também tem uma análise normativa onde
se observa que há um agente social privilegiado: os movimentos sociais (Scott, 1990: 06).
Nos anos 90 Touraine volta-se para a reflexão sobre a sociedade em geral e os
rumos da humanidade. Publica “Critique de la Modernité” (1992) e revê sua teoria sobre os
movimentos
em
função
de
transformações
provocadas
pela
globalização
e,
fundamentalmente, as mudanças no sistema capitalista e as transformações na sociedade e
no mundo do trabalho. Partindo de uma concepção de movimento social como uma
representação geral da vida social, antes que um tipo particular de fenômeno social,
Touraine assinala que esta representação difere da imagem liberal
que vê a sociedade
19
como um mercado aberto, assim como daquela que a identifica com um poder central ou
uma série de mecanismos implacáveis para manter a ordem social. Ele identifica uma crise
na noção de movimento social advinda de mudanças na natureza do conflito social, nesta
etapa da globalização. No século passado, e boa parte deste século, a lógica deste conflito
esteve guiada pelos interesses antagônicos entre a burguesia e os trabalhadores. O processo
de trabalho era o espaço onde as relações entre as duas categorias se desenvolviam. As
recentes transformações da era da globalização levaram Touraine a assinalar a perda da
importância do processo de produção, a transformação do mundo do consumo como o
grande espaço de socialização das relações sociais, a importância das comunicações etc.
Estas mudanças têm levado ao crescimento do individualismo - os indivíduos passam a
estar mais centrados em si próprios, sobre seus desejos e interesses ligados a saúde,
educação, lazer etc. As demandas não estão organizadas em torno de um princípio central.
Há uma dissociação entre o mundo dos negócios e o mundo da cultura. Das lutas sociais,
Touraine assinala que, o que restou foi à luta contra o totalitarismo, em suas várias formas.
Touraine argumenta nos anos 90 que a idéia de movimento social é mais
apropriada para países que têm experimentado o desenvolvimento capitalista genuíno. Os
movimentos opõem atores da sociedade civil, pressupondo não somente que a sociedade
civil seja distinta do estado (Touraine,1994 b: 380).
Tanto na “Crítica da Modernidade” como em “Qu´est-ce que la Democratie” ,
Touraine retoma a tese do sujeito (histórico) afirmando:
“o sujeito só existe como movimento social, como contestação da lógica
da ordem , tome esta uma forma utilitarista ou seja simplesmente a busca
da integração social” (Touraine,1994 b:249).
Ele explicita suas diferenças em relação a Marx afirmando que:
“a noção de movimento social deve tomar o lugar da noção de classe
social” [.. ...] “não se trata mais de lutar pela direção dos meios de
produção e sim sobre as finalidades das produções culturais que são a
educação, os cuidados médicos e a informação de massa”[...] “As novas
contestações não visam criar um novo tipo de sociedade, menos ainda
libertar as forças de progresso e de futuro, mas ‘mudar a vida’, defender
os direitos dos homens, assim como o direito à vida pelos que estão
20
ameaçados pela fome e pelo extermínio , e também o direito à livre
expressão ou à livre escolha de um estilo e de uma história de vida
pessoais” (Touraine, 1994 a:257-260-261-262).
Ele concluí afirmando que os movimentos sociais mobilizam princípios e
sentimentos. O que está em crise, e em vias de desaparecimento, é o papel dos partidos
políticos como representante da necessidade histórica, acima dos atores sociais e muitas
vezes contra eles. Os novos movimentos sociais falam mais de uma autogestão que de um
sentido de história e mais de democracia interna do que de tomada de poder. Cabe aos
intelectuais, e em especial aos sociólogos, como novas tarefas, resgatar sua tradição,
“descobrir o que está oculto, sair de si mesmo e de seu meio para restabelecer a distância
com o objeto estudado”[...] “Descrever e analisar os modelos culturais, as relações e os
movimentos sociais que lhes dão forma, as elites políticas e as formas de mudança social
que agitam o que pode aparecer por um breve instante como um mundo além da
historicidade”
(Touraine,1994a:267/268).
Curiosamente,
desta
forma,
Touraine
reaproxima-se dos pesquisadores latinos que estavam distantes dele nos anos 70. Estes
pesquisadores também elaboraram uma crítica ao desenrolar dos acontecimentos políticos
nos países latino-americanos, nos anos 70 e 80, e passaram à análise dos movimentos a
partir de um olhar externo, de fora, com um certo distanciamento, e não mais a partir de
dentro, como um de seus membros coadjuvantes, assessores etc.
4- A visão de Touraine sobre os movimentos sociais na atualidade
Em 1996 Touraine afirmou que hoje temos que revisar o conceito de movimento
social não apenas em relação há 100 anos atrás, ou em relação apenas ao movimento dos
trabalhadores, mas revisá-lo na produção recente, dado as mudanças e o impacto da
globalização na territorialidade e na soberania das nações; a crise e o declínio das
instituições; as tensões individuais e dos grupos sociais entre o que eles querem ser, (seus
valores) e o que realmente são na sociedade. (1996 a e 1998 a). Ele
passou a enfatizar a
importância do político/cultural na análise das ações dos movimentos e volta-se novamente
ao estudo dos mesmos na América Latina. Ele escreveu;
“hoje, vemos os movimentos sociais e culturais voltarem-se ao sistema
político para firmarem alianças e contribuir ao renascimento de uma vida
política que, seja no caso do México ou da Colômbia e mesmo da
21
Venezuela, atingiu um grau avançado de decomposição. Aqueles que
vêem na ação dos zapatistas de Chiapas um novo surto guerrilheiro,
responsável por criar de forma esporádica focos de violência nas várias
partes do território mexicano, enganam-se profundamente. A ação
armada não é mais essencial para os zapatistas; o que importa a Marcos
e aos demais líderes do movimento é desempenhar um papel decisivo na
transformação do sistema político.” (Folha de São Paulo, Caderno MAIS
13/10/1996, p.3).
Em 1997 Touraine elabora novas contribuições para uma teoria sobre os
movimentos sociais tratando dos temas da igualdade e da diferença. No livro "Podremos
vivir Juntos" (1997), ele afirma que:
"a noção de movimento social só é útil se permite por em
evidência a existência de um tipo muito específico de ação coletiva,
aquela pela qual uma categoria social, sempre particular, põe em questão
uma forma de dominação social, por vez particular e geral, e invoca
contra ela valores, orientações gerais da sociedade que comparte com
seus adversários para privá-lo de tal modo de legitimidade. A
importância dos movimentos sociais obedece a seu lugar na vida social,
não somente estão no centro ou no topo da sociedade: sua presença ou
ausência determina quase todas as formas de ação social (Touraine,
1997: 132).
Touraine destaca que todo movimento social tem duas vertentes: Uma é utópica, a
outra é ideológica. Querem mudar a vida mas também querem transformar a sociedade.
Longe de ser um personagem profético, um movimento social é um conjunto mutável de
debates, tensões e desgarramentos internos. Vive entre a expressão da base e os projetos
políticos dos dirigentes. E são escritores e oradores - a margem do movimento é quem
proclama o sentido da ação coletiva e se referencia a ele (que o fazem, o torna um
movimento social). (Touraine, 1997:104).
Dada a proliferação de ações coletivas no mundo todo, protestando contra os efeitos da
globalização, buscando suas afirmações identitárias, patrocinadas por ONGs e/ou
programas institucionais para mobilizar grupos sociais ao redor de determinados projetos,
22
ou programas sociais advindos do chamamento de políticas sociais públicas, Touraine
lembra-nos que um movimento social é mais que um grupo de interesse ou um instrumento
de pressão política; ele (movimento) põe em questão o modo de utilização social de
recursos e modelos culturais. O que constitui um movimento societal é verdadeiramente a
associação de um chamamento moral e um conflito diretamente social, e portanto, que opõe
um ator socialmente definido a outro. (Touraine, 1997:108). Todo movimento social se
manifesta por meio de um projeto e quer obter resultados e se mantém , no coração das
negociações que conduz, como um núcleo de impugnação permanente. Observa-se que o
modelo inicial básico de análise dos movimentos, criado nos anos 60, se mantém.
Em "Poderemos viver Juntos" Touraine apresenta também uma nova nomenclatura para
classificar os movimentos sociais em: societais, históricos, culturais (embora esses termos
possam não ser excludentes). Ele chama de movimentos societais aqueles que questionam
orientações gerais da sociedade. Já os movimentos históricos não se opõem aos donos de
uma ordem social estável senão as elites que dirigem a mudança. Põem em questão mais
uma elite que uma classe dirigente. Opõem o povo às elites; os que sofrem as mudanças e
os que a dirigem (o movimento antiglobalização ele o classifica nesta categoria). Os
movimentos culturais são movimentos de afirmação mais do que de impugnação (ou
contestação). Eles levam em si mesmo um trabalho de subjetivação, e são movimentos de
liberação, ainda quando estejam animados por uma imagem pessimista da humanidade,
como sucede com freqüência nos movimentos de reforma religiosa (Touraine, 1997:115).
São atravessados por conflitos sociais entre liberalização cultural e a afirmação de direitos
específicos de ator cultural.
Para Touraine, os movimentos culturais mais importantes da história foram os
religiosos. Atualmente são os das mulheres, da ecologia política e os de defesa de minorias
(étnicas, nacionais, morais, religiosas). Eles mobilizavam categorias. Não são definidos
socialmente. Os novos movimentos culturais – apelam ao sujeito mesmo, a sua dignidade
ou a sua auto-estima como força de combinação
de papéis instrumentais e uma
individualidade. Supõe uma especificidade psicológica e cultural e sua capacidade de
criação funda –se
sobre a razão dos indivíduos. A identidade não se constrói pela
identificação com uma ordem do mundo, um grupo social ou uma tradição cultural, e nem
23
sequer com a própria individualidade. Forma-se, ao contrário, por “desindentificação”, por
um chamamento a si mesmo. (Touraine, 1997: 112/113)
Movimentos culturais e movimentos históricos estão mais presentes na sociedade atual
que os movimentos societais (embora haja possibilidade de resistência contra as estratégias
de mercado, a
exemplo: educandos contra um sistema de ensino, saúde contra uma
reforma, cidadãos contra um programa de TV etc).
Touraine considera que na atualidade muitos movimentos culturais se converteram
em movimentos morais e eles têm a importância que tiveram no passado os movimentos
religiosos, políticos e economicistas - isto porque há uma inversão de perspectiva que
desorientou os movimentos sociais. Eles não podem mais se ligar exclusivamente a uma
utopia única, forte, não pretenderem abolir a História em curso e remontar um novo
processo, ou apresentarem -se como um novo princípio fundador. Ao contrário, hoje eles se
dirigem diretamente contra os poderes que dominam o universo da instrumentalidade
(dada pelo mercado e órgãos financeiros) e pela identidade (que buscam preservar ou
construir). O novo sujeito histórico não pode alienar-se da ordem existente (Touraine,
1997:103). Entretanto, Touraine vê com cautela a entrada destes Sujeitos para lutar pela
reforma desta ordem, ou inserir-se nos problemas da comunidade e lutar para participar do
poder político, na política de parcerias. Isto porque eles correm o risco de se por a serviço
de um partido político, sentido que os novos movimentos descartam na atualidade.
Observa-se nesta citação que Touraine volta a utilizar, como muita ênfase e como
forma de ordenação/organização de todo o livro, a categoria SUJEITO, sempre escrita com
S maiúsculo.
Nesta nova fase, os movimentos buscam eixos próprios de orientação de
suas demandas; combina-se uma pertença herdada, como cor, etnia, sexo etc; ou a
resistência a uma dada regra, norma ou outro constrangimento sócio-cultural, político ou
econômico, ou ainda a busca de distanciamento de certas situações ou circunstâncias, com a
luta para demarcar espaço na sociedade, nos diferentes campos da vida social. Luta-se por
cotas nas universidades, espaços nos concursos públicos ou no mercado de trabalho em
geral. Num mundo competitivo/excludente, isso agrega valor ao indivíduo (é importante
lembrar que estes temas fazem parte da agenda atual dos movimentos dos afro-descentes e
dos indígenas no Brasil). A idéia de Sujeito, posta nestes termos, governa a idéia de
24
"Comunicação Intercultural", tema relevante que ele analisa e que é fundamental para a
análise de novos conflitos no urbano, a exemplo das recentes manifestações de imigrantes,
na França e nos Estados Unidos.
Disso tudo Touraine conclui: o Sujeito não é portador de um modelo ideal de
sociedade; temos que encontrar o Sujeito pessoal no Sujeito histórico - e também no
religioso, que sempre está presente no centro das visões de sociedade e de mundo (a
exemplo dos conflitos na Índia, Paquistão; no Irã e Iraque; Palestina e Israel; e muitos
outros).
5. A questão da multiculturalidade nos conflitos urbanos contemporâneos.
Touraine destaca que se deve atentar, na atualidade, para a necessária comunicação
multicultural entre os Sujeitos. Consideramos sua análise sobre a temática da cultura e do
multiculturalismo peculiar porque, partindo de uma crítica aos valores da modernidade, ele
enfatiza a importância da cultura mas não a coloca como substituindo a dimensão do
político como fazem vários estudiosos da temática da multiculturalidade nos quais só
existiria na atualidade a dimensão sociocultural. Touraine não descarta o político de sua
análise, ao contrário,
ele destaca o político como um fator determinante no
redirecionamento da ação coletiva do sujeito. O novo sujeito histórico não pode alienar-se
da ordem existente, conforme assinalamos acima. Ele não decreta a morte do político, sua
negação ou sua irrelevância. Ele a situa num campo diferente na atualidade, percebe um
enfraquecimento das forças políticas, especialmente os partidos políticos. Observa que:
“as novas contestações não visam criar um tipo novo de
sociedade, menos ainda liberar as forças de progresso e de futuro, mas
‘mudar a vida’, defender os direitos do homem, assim como o direito à
vida dos que estão ameaçados pela fome e pelo extermínio, e também o
direito à livre expressão ou a livre escolha de um estilo e de uma história
de vida pessoais” (Touraine, 1994 b: 262)
Ele destaca que desde os primórdios de nossa modernidade, pensamos os fatos
sociais em termos políticos – ordem, desordem, soberania, autoridade, nação, revolução. A
revolução industrial substituiu as categorias políticas por categorias econômicas e sociais –
classe, lucro, concorrência, investimento, negociação coletiva). As mudanças no mundo
25
atual são tão profundas que nos conduzem a afirmar que um novo paradigma está para
substituir o paradigma social; trata-se do paradigma cultural, centrado nos direitos culturais
– os quais se exprimem pela defesa de atributos particulares como universais. À vontade
dos indivíduos de ser ator de sua própria existência, Touraine denomina Sujeito (ou sujeito
contemporâneo). Este indivíduo, transformado por ele mesmo em Sujeito, necessita se
comunicar e ser reconhecido em suas diferenças. Categorias sociais que estiveram até agora
em situação de inferioridade, como as mulheres, têm formado movimentos sociais para se
libertarem. Essas categorias sociais são parte das tensões no mundo ocidental mas também
são fontes de dinamismo, além de serem, como no caso das mulheres, as “atrizes
principais” de um novo e possível modo de recomposição do mundo. As mulheres, por
terem vivido a dominação em suas experiências, poderão vir a ter ações mais gerais, de
recomposição de todas as experiências individuais e coletivas.
“Uma sociedade de
mulheres” é o título do capítulo que ele escreve para analisar o novo protagonismo da
mulher na sociedade (Touraine, 2005: 297-334)
Na atualidade, nas demandas dos grupos organizados, não predominam mais os
direitos pela cidadania, os direitos sociais, e os direitos universais, fundados em princípios
de uma lógica racional e respeito aos direitos políticos universais; na separação entre
Estado e Igreja, religião e laicismo, sociedade e comunidade. (Touraine, 2005: 337).
Predomina a luta e a defesa dos direitos culturais. Essas lutas apenas aprofundaram o
sentido geral dos movimentos sociais, já indicados no início dos anos 90 quando ele
assinalava:
“ Não se trata mais de lutar pela direção de meios de produção, e
sim sobre as finalidades dessas produções culturais que são a educação,
os cuidados médicos e a informação de massa” (Touraine, 1994b:260).
Ao analisar os conflitos que ocorreram em 2005 na França, Touraine chama a
atenção para a rejeição ao comunitarismo naquele país, marcado pela defesa do
republicanismo- visto sob a perspectiva do universalismo. A defesa da cidadania, sob a
perspectiva do universalismo, se choca com as políticas sociais destinadas aos grupos que
demandam e clamam pelos direito à diferença - quanto a seus direitos culturais num
contexto de comunicação intercultural. Para Touraine, o comunitarismo se define por
oposição à cidadania. O comunitarismo atenta para as liberdades individuais e a cidadania
26
atenta para os direitos políticos dos cidadãos num país democrático (Touraine, 2005:
235/236). Entretanto, ele considera justo falar em direitos culturais desde que o tema se
articule aos direitos políticos-que são universais e têm lugar no interior da organização
social.
Quando grupos de jovens e imigrantes incendiaram carros nas ruas de Paris e
adjacências, em 2005, ele afirmou: a sociedade francesa tradicional parece ter dificuldade
de repensar a si própria neste novo contexto. Esta afirmação assenta-se na distinção que
Touraine faz entre multiculturalismo e interculturalidade. Para ele, o multiculturalismo da
forma como é tratado por alguns autores, é uma idéia confusa porque supõe a hipótese de
culturas diferentes coexistindo.Ele diz que isto não faz sentido porque, ou as relações entre
as diferentes culturas são geradas pelo mercado, pela violência, ou são reconhecidas a partir
da presença de elementos universalistas nas mesmas. Portanto, o multiculturalismo
absoluto seria um absurdo e o que existe são relações interculturais, gerando uma
mestiçagem cultural.
Ao discutir o tema dos direitos culturais, Touraine retoma mais uma vez à definição
do que é um movimento social. Ele diz que movimento social é uma categoria muito
particular no interior de um vasto conjunto de ações de reivindicação. Define-se pela
vontade de obter novos direitos. E o NOVOS Movimentos Sociais são aqueles que exigem
o reconhecimento de um novo tipo de direito: os direitos culturais. Touraine assinala:
“Eles defendem a liberdade e a responsabilidade de cada
indivíduo, só ou coletivamente, contra a lógica impessoal do lucro e da
concorrência. São também contra uma ordem estabelecida que decide o
que é normal ou anormal, permitido ou proibido”.(Touraine, 2005: 250).
As demandas dos novos movimentos sociais são diferentes das que ocorriam nas
sociedades industriais– quando havia ênfase dos trabalhadores nos direitos sociais, e nas
sociedades pré-industriais, quando as lutas foram por direitos políticos (Touraine, 2005:
243).
A análise dos direitos culturais exemplifica claramente a relação entre ator e sujeito,
apresentada no início deste texto. Assim, Touraine afirma: “o alvo principal do movimento
social é a realização de si como ator, capaz de transformar sua situação e seu meio
ambiente, quer dizer reconhecer como sujeito.” (Touraine, 2005: 244).
27
O tema da identidade, associado por muitos pesquisadores à obra de Touraine,
recebeu dele, recentemente, considerações bem peculiares ao afirmar que:
“quando o movimento de libertação nacional transforma-se em
nacionalismo, quando a luta de classe se reduz ao corporativismo,
quando o feminismo se limita a supressão das desigualdades entre
homens e mulheres, eles cessam de ser movimentos sociais e cedem
lugar a obsessão pela identidade” (Touraine, 2005:246).
Em suma, o apelo à identidade pode ter orientação democrática,
como pode ser particularista, comunitarista, que rejeita o princípio de
alteridade porque não reconhece o outro, apoiando-se sobre a teoria do
direito natural ou crenças do passado.
6. A cidade e os Direitos culturais
Parte da literatura sobre os movimentos sociais latino-americanos destaca que eles,
movimentos, constroem sujeitos sociopolíticos. Esta literatura, nos anos 70/80 do século
XX, apresentou os movimentos sociais como novos sujeitos que tinham a força e a
capacidade propulsora de realizar transformações sociais. Touraine, naquela época,
destacava a importância dos movimentos de uma outra forma, como agentes de inovações
porque tinham a capacidade de pensar a si próprios, atuavam como sujeitos coletivos,
indicando os pontos onde os conflitos estavam mais tencionados, lutavam para a reposição
da ordem, de um lado ou de outro.
Nos anos 90, os movimentos – populares ou não, alteraram suas práticas e
demandas face às novas conjunturas, econômica, política e social, em todas as partes do
globo. Eles se tornaram mais culturais e menos políticos- no sentido de politização,
polarização ideológica ou organicidade em relação a algum projeto exterior a si próprios.
Novas teorias explicativas surgiram, com recortes construídos a partir de eixos mais
humanísticos; destacando as práticas solidárias, a capacidade dos movimentos de colocar o
ser humano no centro do universo e não o mercado, ou a luta pelo poder, o desejo de
consumo e os novos parâmetros da felicidade no mundo moderno etc. Algumas elaborações
nem chegam a se constituírem em teorias, –são releituras do funcionalismo, recheadas de
pressupostos neoliberais, de exaltação às ações voluntárias; ou são orientações normativas
28
sobre a necessidade da “comunidade” se organizar em movimentos para resolver seus
problemas etc.A categoria do militante passa a ser ressignificada para “ativista social”, um
modelo pré-moldado.
Touraine não embarcou nas aventuras do individualismo, nem deslocou o eixo de
suas análises, ao contrário, aprofundou-as. A ênfase que ele sempre deu ao plano da cultura,
aos valores e às orientações culturais das condutas dos indivíduos, possibilitou-lhe perceber
e analisar as mudanças nos movimentos, captar o sentido das demandas em direção às
questões da subjetividade e formas de subjetivação das demandas coletivas; ele analisou
estas mudanças em termos de um novo paradigma – aquele que destaca prioritariamente os
direitos culturais. Ele sempre trabalhou com a tese: “Um movimento social é ao mesmo
tempo, um conflito social e um projeto cultural” (Touraine, 1994b:254)
Tanto suas primeiras abordagens, nos anos 60/70/80, como as dos anos 90/2000
enfocam a discussão no plano das lutas de sujeitos que buscam criar novas relações a partir
daqueles que sofrem experiências que negam suas identidades, sofrem opressões ou estão
excluídos ou discriminados, ou resistem às regras que são impostas (novas políticas para
imigrantes, por exemplo). Na realidade não é possível discutir sujeitos e emancipação
social sem discutir as formas de processo de trabalho de uma sociedade, que tipo de
sociedade que temos, e qual a sociedade que os que estão se organizando estão querendo
(eles, movimentos, não o pesquisador, ou o intelectual). E é este o caminho que Touraine
faz para analisar um movimento, de forma muito peculiar- destacando sempre a cultura dos
sujeitos, suas representações sobre a realidade social, suas ações coletivas para alterar a si
próprio dentro desta realidade, e como eles se colocam neste mundo relacional. Se o mundo
do trabalho mudou, as representações dos sujeitos sobre a sociedade também mudaram, e
conseqüentemente, os movimentos e suas ações coletivas .
Fala-se na atualidade da crise do paradigma dominante da modernidade, de
transformações societárias e inovações que tem levado ao reconhecimento de uma transição
paradigmática. Isso tudo leva a rediscussão dos paradigmas explicativos da realidade.
Indaga-se: qual o horizonte das lutas geracionais, sociais, das mulheres, dos afrodescententes, e muitas outras, sob a perspectiva de novos direitos culturais. Está sendo
gerado um novo paradigma emancipatório ou não? Estaremos retrocedendo a formas
particularistas de defesa de interesses de grupos? Qual o horizonte de movimentos como o
29
Fórum Social Mundial? As análises de Touraine possibilita-nos
seguir em busca de
respostas a estas questões. Para ele, o novo paradigma está formação, destacando os direitos
culturais, ele se coloca acima dos econômicos, sociais e políticos, sem eliminar os demais..
As mulheres, os imigrantes, as lutas ambientalistas, são categorias e problemáticas que dão
conteúdo aos novos movimentos do paradigma cultural.
Os sujeitos deste novo paradigma têm feito das CIDADES, palco de suas
manifestações. De um lado, eles atingem à sociedade via ataques à cidade:bloqueiam- se
ruas, paralisa-se o trânsito, queimam-se carros, ocupam-se prédios abandonados, paralisamse escolas, hospitais e serviços públicos, denuncia-se entidades que praticam atos
discriminatórios etc.Decreta-se a morte da SOCIEDADE, não do político. Suas ações são
políticas, escrita e inscrita em uma nova gramática. A cidade é o espaço próximo e possível
da luta. Discrimina-os mas também ela pode ser reapropriada por suas ações. Entretanto, a
cidade não é só objeto de agressão. Ela é também sujeito, palco de ações coletivas que a
reconstrói dando-lhe novos usos e significados. O lixo se transforma em novos objetos via
o
trabalho
de
uma
rede
que
vai
dos
catadores,
separadores,
recicladores,
cooperados,vendedores etc. Os ambientalistas constroem atos de resistência que pressionam
por mudanças nas leis e destruições arbitrárias do patrimônio e ambiente construído. As
mulheres sustentam, majoritariamente, as redes solidárias que trabalham pela inclusão de
crianças e adolescentes nas ruas; educadores das escolas articulam-se com grupos
comunitários e desenvolvem trabalhos contra a violência e o uso de drogas. O conjunto
destas ações une categorias sociais, que criam Sujeitos, que produzem movimentos sociais.
Os novos movimentos sociais buscam, à margem de partidos, sindicatos e estruturas
estatais, modificar as instituições de forma que os reconheçam como interlocutores
legítimos.
Articulando o conceito de movimento social ao de Sujeito pessoal, na atualidade,
Touraine afirma que não há construção possível do sujeito à margem das ações coletivas.
Por isso, o ponto central da reflexão dele é: a idéia de Sujeito se liga com a de movimento
social. E essa idéia contém duas afirmações centrais: a primeira é que o Sujeito é vontade,
resistência e luta, e não experiência imediata de si (não se trata também da vida interior do
Sujeito). A segunda idéia é que não há movimento social possível a margem da vontade de
libertação ou liberação do Sujeito. O Sujeito não é uma reflexão do indivíduo sobre si
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mesmo, seu interior ou o espelho de sua intimidade. Ele é ação, é um trabalho, que nunca
coincide com a experiência individual (1997:85-86). A questão da experiência é
importante, mas é a experiência coletiva, vivida no coletivo, o aprendizado a partir do
coletivo. A consciência também não é individualística, é universalista, de liberdade e
vontade de existência, experiência e memória vivida em um trajeto de vida particular.
(1998 b:88).
Conclusões
Para Touraine, na atualidade, o Sujeito não se forma como no modelo clássicoassumindo papéis sociais, conquistando direitos e meios de participação; o Sujeito atual se
constrói impondo à sociedade instrumentalizada, mercantil e técnica, princípios de
organização e limites conforme seus desejos de liberdade e a vontade de criar formas de
vida favorável à afirmação de si mesmo e o reconhecimento do outro como Sujeito (1997
:90). Por isso a idéia de direitos humanos é tão importante hoje, assim como o direito de
resistência à opressão, presente tanto em Hobbes y Locke como em Rousseau, e oposto aos
direitos do cidadão que insiste mais no dever cívico que sobre a liberdade individual. (idem,
p. 90).
Concluímos: a leitura da obra de Touraine nos possibilita destacar vários temas e
problemáticas tais como a questão do Sujeito. Ele responde inúmeras questões mas
também nos coloca vários desafios tais como: como traduzir em princípio universais,
lutas sociais locais, sem a capitulação da sociedade ao Sujeito coletivo criado e
desenvolvido naqueles territórios? Como se constrói o Sujeito a partir do local? Como
compatibilizar temas como o da igualdade com processos de inclusão social que não
trate apenas do econômico, que contemple também a dimensão da diversidade cultural e
a cultura em geral?As políticas de inclusão tem preservado os Sujeitos locais e suas
lutas históricas? como ir além do reconhecimento da luta dos Sujeitos que demandam
participar de processos de gestão social, sem atrela-los às redes burocráticas existentes?
Consideramos que o território local é uma estrutura que oportuniza aos Sujeitos
potencializar suas ações porque é no território que surgem novas relações sociais, novas
estrutura produtiva, alternativa à crise do modelo fabril aliada ao Estado Providência,
até então vigentes. O território local das cidades é um espaço ambíguo: de um ladofragmentado, objeto de disputas políticas, apropriações particularistas; mas de outro
31
lado, é também espaço de produção de saberes, registro de memórias e lócus de
identificações. Os movimentos sociais são fontes e processos de construção desses
saberes sistematizados.
Esperamos continuar dialogando com Touraine para respondermos a estas questões
e a estes desafios.
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