a prática do professor de língua portuguesa e as concepções de

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A PRÁTICA DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA E AS CONCEPÇÕES
DE LINGUAGEM1
Francisco Canindé Tinoco de Luna2
RESUMO: Este artigo visa destacar a importância que as concepções de linguagem
assumem na escolha das metodologias de ensino da Língua Portuguesa. Pretende
levar o professor a compreender que, sua prática pedagógica tem relação direta com
a sua concepção de Linguagem.
Palavras-Chaves: Concepção de linguagem; Prática do Professor; Língua
Portuguesa.
ABSTRACT: This article aims at highlight the importance of the language
conceptions in the preference of Portuguese language teaching – lerning
methodology. The analysis seeks to make the teachers understand that their
teaching practice the Portuguese language has to do with their language conception.
Keywords: Language Conception; Teacher’s pratice; Portuguese language.
1 INTRODUÇÃO
A preocupação em torno do fracasso escolar está ocupando cada vez
mais espaço nas discussões acerca do processo de ensino / aprendizagem da
Língua Portuguesa. Inúmeros lingüistas estão desenvolvendo pesquisas e projetos
de ensino, com o objetivo de propor soluções e apresentar subsídios teóricos e
práticos que contribuam para o aperfeiçoamento da prática pedagógica no ensino da
nossa língua. Problemas como a evasão escolar, reprovações na disciplina,
dificuldades com a escrita, deficiência na interpretação e leitura, preconceito
lingüístico, resistência às regras gramaticais, velhas concepções de linguagem e
1
Trabalho apresentado como parte dos requisitos obrigatórios para a conclusão do Curso de Especialização em
Língua Portuguesa – Leitura e Produção de Textos da Faculdade do Vale do Jaguaribe-FVJ.
2
Aluno do Curso de Especialização em Língua Portuguesa – Leitura e Produção de Textos da Faculdade do vale
do Jaguaribe-fvj.
problemas de incompatibilidade coma própria língua são alguns dos fenômenos
detectados nesses estudos.
No presente artigo, vamos tratados modos pelos quais se concebe a
linguagem, bem como das conseqüências que tais concepções exercem na
metodologia de ensino da língua portuguesa. Veremos até que ponto uma
concepção de linguagem pode terminar a prática pedagógica do professor.
Silva e Outros (1986) destacam que a forma como vemos a linguagem
define os caminhos de ser aluno e professor de Língua Portuguesa, por isso, há de
se buscar coerência entre concepção de linguagem e a de mundo.
Geraldi (1997) afirma que toda e qualquer metodologia de ensino articula
uma opção política com os mecanismos utilizados em sala de aula. Por sua vez, a
opção política envolve uma teoria de compreensão da realidade, aí incluída uma
concepção de linguagem que dá resposta ao “para que ensinamos o que
ensinamos”.
As pesquisas mostram também que nem sempre o professor está
consciente da teoria lingüística ou do método que embasa o seu trabalho. Essa
constatação é lamentável, pois não é possível haver ensino satisfatório sem a
consciência de uma concepção de linguagem e sem uma definição do que seja
língua. Por outro lado, isso deixa claro que, por traz de toda prática pedagógica, há
sempre uma concepção de linguagem, ainda que essa não se manifeste à luz da
consciência.
Vemos aí que, no centro das preocupações com o fracasso escolar,
ganha destaque o debate acerca da relação que o professor mantém com sua
concepção de linguagem, relação esta que, no fim das contas, determina o seu fazer
pedagógico. Essa é uma questão central e determinante no processo de
ensino/aprendizagem no processo de ensino/aprendizagem da língua pátria. O
professor que desejar implantar melhorias no ensino da língua materna deve desde
já, à luz de uma teoria lingüística, refletir sobre a própria língua, repensar
metodologias, atualizar sua prática pedagógica e, acima de tudo, ter consciência de
que toda essa revisão de paradigmas e todo esse redimensionamento de atitudes e
posturas têm tudo a ver com a adoção de uma concepção de linguagem.
Nessa perspectiva, o artigo que ora apresentamos traz como proposta
revisitar os métodos de se conceber a linguagem, relacionando-as com as formas de
se lecionar o português, a fim de que o professor possa, a partir desses dados,
assumir uma concepção que julgue ser mais conveniente, de tal modo que melhores
resultados possam ser alcançados no ensino dessa disciplina.
2 AS FORMAS DE SE CONCEBER A LINGUAGEM
A história dos estudos lingüísticos é atravessada por três distintas
concepções de linguagem, como veremos a seguir.
2.1 A linguagem como expressão do pensamento
De acordo com essa concepção quem não sabe se expressar é porque
também não sabe pensar. Neste caso, a linguagem é “espelho” do pensamento.
Nessa linha de raciocínio, de acordo com Travaglia (1997, p.21), o fenômeno
lingüístico é reduzido a um ato racional, “a um ato monológico, individual, que não é
afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em
que a enunciação acontece”. O fato lingüístico é um ato individual, cuja expressão
só depende da capacidade do falante em organizar o pensamento de maneira
lógica. Daí vem a crença de que um pensamento lógico proporciona uma linguagem
lógica e deve incorporar regras, conceito que deságua na gramática normativa e na
idéia de que saber uma língua é saber teoria gramatical.
A Gramática Normativa, como fruto dessa concepção que ver a
linguagem como expressão do pensamento, prediz os fenômenos lingüísticos em
“certos” e “errados” e privilegia a norma culta em detrimento de outras variedades
lingüísticas.
Franchi (1991, p. 48) diz que a gramática normativa é o “conjunto
sistemático de normas para o bem falar e escrever, estabelecidas pelos
especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores”. Assim
sendo, fala e escreve bem o indivíduo que organiza logicamente o seu pensamento.
A língua é concebida como simples sistema de normas, acabado,
fechado, abstrato e sem interferência do social. As línguas, nesse caso, obedecem a
princípios racionais, lógicos e a linguagem é regida por esses princípios. Dessa
forma, exige-se que os falantes a usem com clareza e precisão, sigam um padrão
previamente estabelecido e prestigiado, pois as idéias devem ser colocadas de
forma lógica, precisa, sem equívocos e sem ambigüidades, rumo à perfeição.
Nessa linha de raciocínio, qualquer problema relacionado à linguagem
nada tem a ver com o interlocutor, com os fenômenos políticos, sociais, históricos e
culturais, nem com qualquer situação de interação comunicativa. Os desvios e
dificuldades de expressão são, neste caso, explicados pela suposta incapacidade do
falante em pensar e raciocinar logicamente.
2.2 A linguagem como instrumento de comunicação
Nesta concepção, a língua é um código, um conjunto de signos,
combinados através de regras, que possibilita ao emissor transmitir uma mensagem
ao receptor, servindo como meio de comunicação entre os indivíduos. Nesse
aspecto, privilegia-se a forma, o componente material da língua, em detrimento do
conteúdo, da significação e dos elementos extralingüísticos.
Saussure e Chomsky deram fundamentação aos estudos da linguagem
nessa concepção, quer com estruturalismo do início do século XX, quer com a
gramática gerativo – transformacional dos anos 50, respectivamente.
Saussure desenvolveu a idéia de que a língua é algo abstrato,
homogêneo, geral, virtual e um elemento da organização social, servindo, portanto
como corpus ideal para um estudo sistemático. Chomsky, apesar de se aproximar do
conceito saussuriano de língua, substitui a sua concepção estática pelo gerativismo,
mostrando que a partir de um número finito de categorias e de regras, pode-se gerar
um número infinito de frases.
A lingüística chomskyana, contudo, não ultrapassa os limites do
estruturalismo. Assim como Saussure, que não demonstrou qualquer interesse pela
fala, Chomsky também não focaliza a performance, terminologia correspondente à
fala na teoria chomsyana.
Nesta concepção falante e ouvinte são seres passivos. O papel deste é
emitir a mensagem e o daquele é decodificá-la. A informação deve ser passada e
recebida tal qual estava na mente do emissor.
2.3 Linguagem como processo de interação social
De conformidade com Travaglia (1997, p. 23), “nessa concepção, o que o
indivíduo faz ao usar a língua não é tão somente traduzir ou exteriorizar um
pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar
sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)”. Nessa proposta, a concepção interacionista
contrapõe-se às visões conservadoras da língua, que a considera um objeto sem
história e sem interferência dos fatores sociais.
Essa concepção é contemplada na lingüística textual, Análise do
Discurso, Análise da Conversação, Semântica Argumentativa e Estudos da
Pragmática, correntes que colocam as condições de produção do discurso no centro
de toda a reflexão sobre a linguagem.
Ao invés de exercícios de descrição gramatical e estudo de regras que só
levam em contra a forma das palavras ou a sintaxe da língua, estuda-se a língua em
uso e em situações concretas de interação.
Bakhtin (1977, p. 95) fulmina as correntes lingüísticas conservadoras, ao
dizer que:
[...] na prática viva da língua, a consciência lingüística do locutor e do
receptor nada tem a ver com o sistema abstrato de formas normativas, mas
apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de
uso de cada forma particular.
Vê-se que a categoria básica de concepção da linguagem em Bakhin é a
interação, cuja realidade fundamental é o seu caráter dialógico.
Na visão sociointeracionista, em oposição a Saussure e Chomsky,
admite-se a existência de variedades lingüísticas. A norma culta é vista como uma
variedade a mais e não como o único instrumento correto e capaz de representar
uma cultura.
3 UM FALSO CONFLITO
Muitos professores vêem na lingüística uma disciplina importante, porém
muito distante da sua atuação em sala de aula. Seria a lingüística, algo muito
teórico, pouco aplicável e que, na prática do dia-a-dia, inevitavelmente cede espaço
e papel principal para a velha gramática. Estabelece-se assim, na prática do
professor de Língua Portuguesa, um conflito teoria x prática.
Não é correto contrapor a teoria à prática. Em qualquer atividade, as duas
articulam-se dialeticamente e complementam-se. Silva e outros (1982, p. 22) jogam
luzes nesse falso conflito:
... A nossa formação não pode ser considerada só teórica, porque é
impossível que se discuta uma teoria sem relacioná-la a uma aplicação. (...)
Da mesma forma, uma prática não pode ser só prática. (...) Não há divisão
entre teoria e prática.
Teoria e prática são, portanto, intimamente ligadas e, na confluência das
duas, viabilizando-se o fazer pedagógico e o processo didático.
4 MÉTODOS E CONCEPÇÕES
Com base no que foi acima exposto, podemos compreender com mais
clareza algumas questões sobre o nosso objeto de estudo e sua relação com a
prática do professor. Vamos então analisar aqui, de modo bem sucinto, a forma
como a língua portuguesa vem sendo trabalhada em sala de aula, bem como a
concepção de linguagem que subjaz a essa prática, apenas o necessário para que
possamos nos posicionar reafirmando ou contestando certas posturas.
A primeira constatação que fazemos é com relação ao problema do
fracasso
escolar
no
ensino
de
Língua
Portuguesa,
fenômeno
que
sido
exaustivamente tratado por renomados teóricos.
Professores insatisfeitos com o seu trabalho, frustrados ou tomados por
uma sensação de derrota, são protagonistas de cenas comuns cujo palco são os
corredores de escolas por todo país, num lamentável “espetáculo” que não sai de
cartaz.
Devido a esse problema, a mitológica nostalgia do ensino bom “era o
ensino de antigamente”, se mistura com uma irresponsável, ou na melhor das
hipóteses, incauta, transferência do problema para os alunos, com queixas do tipo:
“são incapazes de pensar e de se expressar”, “têm preguiça de aprender a
gramática”, além de outras reclamações do gênero.
Raramente o professor se vê como membro participante do processo de
ensino-aprendizagem, fato que leva o profissional a perder de vista o papel que
precisa desempenhar no sentido de equacionar a situação de crise por que passa o
ensino de língua Pátria.
Em função do aumento significativo de alunos matriculados nas escolas,
chegou-se em alguns momentos, a procurar se justificar a existência de uma
suposta deficiência verbal com base no nível sócio-econômico dos alunos. Essa
visão, no entanto, foi contestada por Camacho (1978), em seu artigo sobre variação
lingüística e norma pedagógica.
A atuação da escola, porém, deve ser entendida dentro de uma visão
conjuntural. Dessa forma, a reflexão acerca de como deva se processar o ensino de
Língua Portuguesa pode colher melhores resultados.
Almeida (1985, p. b) coloca que:
A língua é produzida socialmente. Isto quer dizer que a sua produção e
reprodução é fato cotidiano, localizado no tempo e no espaço da vida dos
homens: uma questão dentro da vida e morte, do prazer e do sofrer. Numa
sociedade, como brasileira, que, por sua dinâmica econômica e política,
isola-a em grupos, distribui a miséria entre a maioria e concentra os
privilégios nas mãos de poucos de poucos, a língua não poderia deixar de
ser, entre outras coisas, também a expressão dessa mesma situação.
Miséria social e miséria da língua confundem-se e uma engendra a outra,
formando o quadro triste da vida brasileira, vale dizer, o quadro deprimente
da fala brasileira.
As origens do problema relativo ao fracasso no ensino de Português,
segundo Lívia Suassuna em sua obra “Ensino de Língua Portuguesa – Uma
Abordagem Programática (1999, p. 20), está “no próprio modelo de escola no qual
se encaminha a pedagogia da língua”, o que a autora chamou de “escolarização” da
língua num princípio pedagógico excludente que é o do “certo” em detrimento do
“errado”.
A configuração desse quadro de crise no ensino da língua, é um problema
que tem sido constantemente alimentado pelos manuais didáticos, pela própria
Gramática, pelos meios de comunicação, pelas concepções de redação e leitura,
pela questão da ortografia, pela noção de vocabulários e pelas circunstâncias da
educação não-escolar.
Os manuais didáticos praticamente não evoluíram na sua forma de
conceder o ensino da língua. Lívia Suassuna (1999, p. 25) diz que
Analisando Gramáticas antiga do Português e comparando-se com as mais
recentes, pude constatar que praticamente todas mantêm as características
mencionadas. Até mesmo os gramáticos que diziam seguir o rigoroso
método histórico-comparativo não e libertaram da idéia de que se deve,
pelas descrições e normas apresentadas, “falar e escrever corretamente.
Desde gramáticas escritas no remoto 1890, até Domingos Paschoal
Cegalla cem anos depois, a mesma abordagem permanece praticamente intacta. A
persistência da tradição gramatical, a ausência de uma posição teórico-científica,
associadas, em quase todos os casos a um palavrório moralista retrógrado, é uma
atitude constante, como podemos ver no trecho abaixo, quando Cegalla (1984, p.
27) afirma “maldizer da Gramática seria tão desarrazoado quanto malsinar os
compêndios de boas maneiras só porque preceituam as normas de polidez que todo
civilizado deve acatar”.
As gramáticas, por seu turno, também contribuem para o fracasso do
ensino da língua, por mais paradoxal que possa parecer. É visível que, os fatos
lingüísticos que elas pretendem sistematizar não têm nada a ver com a maneira
concreta com os falantes do Português usam a língua. Ponte (1979) coloca cinco
razões para esse fato: “As diferenças dialetais devido a fatores geográficos; a
variação lingüística socialmente condicionada; a interferência do fator tempo na
transformação da língua; o fato de um mesmo falante utilizar mais de uma variedade
lingüística tendo em vista a situação; e as diferenças entre as estruturas oral e
escrita da língua”.
Ainda analisando os problemas relativos à gramática, Lívia Suassuna
(1999, p. 37), cita como problemas das gramáticas além dos já abordados:
O ensino de terminologias, de metalinguagem, e não da língua
propriamente; as definições precárias e pouco explícitas, como por
exemplo, as que se dão das classes das palavras; a visão preconceituosa e
purista da língua, expressa ora na censura a certos usos, ora na exclusão
de determinadas construções; a análise pela análise, ou seja, não se
discutem regras de construção, dando-se prioridade a certas informações
acerca da língua, levando os alunos a reproduzir e quase nunca a
sistematizar; a abordagem da língua sem referência a seus usos ou às
situações concretas em que ela é produzida; exemplificações falhas e
classificações errôneas; consideração da frase como limite máximo de
análise, como ocorre com muitas gramáticas que não resultam de um
trabalho de pesquisa ou de um acompanhamento das transformações
sofridas pela língua; e distribuição aleatória de conteúdos, sem adequação
a determinados objetivos de ensino, equívocos conceituais com a inserção
da crase na parte de acentuação gráfica ou fonologia, ou mesmo o ensino
da concordância verbal sem a necessária referência à relação verbo-objeto,
resultando dessa prática, a insistência no detalhe, no secundário, no raro e
no exótico, em detrimento de questões mais relevantes como a semântica,
só para citar um exemplo”;
Os meios de comunicação de massa, quando nos induzem a aceitar a
perda de hegemonia da linguagem escrita, também contribuem para o acirramento
da crise no ensino de Língua Portuguesa. Apesar da indústria cultural ser um
fenômeno relativamente novo, concordamos plenamente com Cintra (1983), quando
ele afirma que:
Nossa concepção de mundo está condicionada aos meios de comunicação
de massa. Isso porque as informações em circulação rápidas, associadas
com a imagem, fragmentadas constituem, de maneira quase que definitiva,
uma forma de conhecimento.
E aí, Suassuna (1999, p. 40) completa:
E a escola, onde trata? Eis o problema, ela não entrou; ao contrário, saiu.
Ocorre que a escola “se atrasou” em relação aos veículos de comunicação.
E, é claro, o metadiscurso pedagógico, limitando as ações da educação,
buscou logo explicar o descompasso: primeiramente, atou logo o
conhecimento com a linguagem verbal (escrita, de preferência), de forma
que se passou a acreditar como nunca no saber veiculado principalmente,
nos livros; em segundo lugar, com preconceito e ceticismo, atribuiu aos
meios de comunicação de massa a responsabilidade pela crise na leitura e
na escrita.
No caso do ensino da relação, pode-se constatar que esta prática
também é determinada por uma pedagogia que prioriza a modalidade lingüística
supostamente homogênea das gramáticas normativas; limita-se, na esmagadora
maioria dos casos, a elaboração de um texto imposto, em que o aluno deve pôr em
prática as regras gramaticais, sem que nenhum incentivo de cunho prático lhe seja
oferecido.
Silva e outros (1986) nos falam de uma “linguagem escolar”, na qual o
aluno abre mão de suas experiências e de sua história de vida, e mostram que um
dos elementos que assumirem enquanto sujeitos de sua própria linguagem, na
medida em que “fazem redações” para um único interlocutor – o professor, que, na
prática assume o papel de “inquisidor”, transformando essa “interlocução” numa
verdadeira “caça às bruxas”, quer dizer, aos erros.
A Leitura/Interpretação, tal como vem sendo praticada nas escolas,
acelera a ocorrência do fracasso escolar, na medida em que se realiza sempre num
quadro em que tudo é previsível. A interpretação é a procura de uma resposta já
dada. Além disso, tem havido um policiamento escolar sobre aquilo que deve ser
lido, excluindo-se da atividade docente aquilo que circula no mundo real.
O problema da ortografia é outro que dificulta o ensino de português. O
fato de só termos uma forma de escrever, supervaloriza o erro ortográfico, passando
a ser este, muitas, vezes, o único critério de avaliação do texto escrito. Em
conseqüência disso, surgem prática didáticas questionáveis como a insistência no
“raro” e no “exótico”, bem como a busca de uma eficiência duvidosa, como o ditado
de palavras, o treino ortográfico, dentre outras.
O ensino do vocabulário também não tem contribuído para a solução do
impasse do fracasso escolar. A apresentação de palavras novas através dos
surrados glossários do livro didático, a descontextualizarão dos exemplos e a pouca
variação de exercícios, só reforçam ainda mais o desânimo para com a disciplina.
Para complicar o elenco de fatores que prejudicam o trabalho com nossa
língua materna, vem a questão da educação não-escolar que, reforçando a
normatização do português em atitude de puro preconceito lingüístico, fica o tempo
todo, discriminando quem “fala errado”. É o que Bagno (1999) chamou de
“comandos paragramaticais” e que, na prática, tem inibido a adoção de uma postura
científica, diante da língua por parte do professor.
Muitos professores ainda acreditam que ensinar Língua Portuguesa é
fazer os alunos decorarem as regras da gramática normativa, sem qualquer
vinculação com a realidade da língua em uso.
Nessa ótica, o processo ensino/aprendizagem é colocado simplesmente
pela lente do ensino, sem atentar-se para o fato de que “estar ensinando”, nem
sempre significa que o aluno “esteja aprendendo” uma vez que o conhecimento é
algo construído coletivamente e não imposto por um indivíduo supostamente dono
do saber.
Com base nessa postura, a redação é uma atividade artificial e sem
interlocução, portanto sem a relação dialógica de que tanto nos fala Bakhtin. A voz
do aluno é calada, já que o que vale é a linguagem institucionalizada e já que a
verdade é a que está nos fatos, atitudes e procedimentos socialmente prestigiados.
O professor é visto como o “sabe-tudo”, o que está no livro didático são
verdades absolutas, o conhecimento é pronto e acabado e o aluno é um ser passivo.
O fundamentalismo pedagógico é institucionalizado.
Essa prática docente, reflexo das duas primeiras concepções de
linguagem,
está,
responsabilizada
de
pelo
acordo
fracasso
com
as
escolar.
mais
recentes
No
contrafluxo
pesquisas,
dessa
sendo
tendência
conservadora, surge, nos últimos tempos, a contribuição das teorias lingüísticas
contemporâneas.
À luz da concepção interacionista faz-se hoje ampla reflexão à prática do
professor e busca-se, com o necessário rigor científico, identificar e superar as
causas do fracasso escolar. Na contramão das teorias conservadoras sobre língua,
essa perspectiva convida o professor a enveredar pelo caminho da pluralidade dos
discursos.
Nessa tendência, a norma culta, as regras e a descrição gramatical,
cedem espaço para o estudo da língua em uso e em situações
concretas de
interação, tornando o ensino de língua atraente e útil para o convívio social. A
descrição da língua não deixa de ser ensinada, porém esse ensino se processo de
modo contextualizado.
As variedades lingüísticas são aceitas como formas legítimas de
expressão e a norma culta é vista como uma variante, apenas mais uma variante, e
não como a única responsável pelo que é certo, nem como exclusiva expressão de
nossa cultura linguística.
O texto é visto como instrumento de ensino-aprendizagem, possibilitandose o “diálogo com outros textos que remetem a textos passados e que farão surgir
textos futuros” (GERALDI, 1997b, p. 22). Os bilhetes, as cartas, as receitas, as
narrativas, as notícias, os poemas, propagandas, quadrinhos e etc., são trabalhados
em sala de aula. O texto não é visto como um produto, mas como um processo e os
alunos
são
orientados
a
adquirirem
competência
comunicativa,
ou
seja,
falar/escrever e/ ou ouvir/ entender em qualquer que seja a situação interativa,
quaisquer que sejam os locutores/ouvintes.
O professor não se impõe como um inquisidor, muito pelo contrário, ele se
coloca como um representante da classe dos leitores a quem o texto produzido pelo
aluno deve ser destinado. Nestes casos, o professor questiona, sugere, provoca
reações, contrapõe à palavra do aluno uma contrapalavra, recusando, polemizando
e negociando, tudo isso para que o texto ganhe o efeito de sentido pretendido pelo
autor. É um exercício em que os alunos colocam-se como sujeitos de seus discursos
e, portanto, possuem algo para dizer a alguém.
Colocando em prática essa postura, o professor transforma a sala de aula
num ambiente de interação social e a relação dialógica contribui para a construção
do conhecimento. Respaldando essa atitude, Geraldo (1995, p. 21) afirma que
“aceitar a interação verbal como fundante do processo pedagógico é deslocar-se
continuamente de planejamentos rígidos para programas de estudos elaborados no
decorrer do próprio processo de ensino – aprendizagem”. A prática do professor,
portanto, dentro da visão interacionista, não pode ser presa à camisa-de-força de
programas rígidos e pré-estabelecidos. Suas atitudes devem responder às reais
necessidades dos alunos no seu dia a dia no tocante a produção de conhecimentos.
No dizer de Suassuna (1997, p. 60) “transformar nossos modos de ensinar, além da
busca teórica, requer redefinir nossa forma de pensar o mundo em geral”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo tem a pretensão de conscientizar o professor de Língua
Portuguesa de que a sua prática pedagógica tem tudo a ver com a sua concepção
de linguagem.
Mostrou-se que a reflexão sobre o fazer pedagógico deve ser uma atitude
consciente e que, detectada a necessidade de se operar mudanças nessa atitude,
não é suficiente mudar-se simplesmente os métodos e práticas. Existe algo mais
profundo a ser admitido e assimilado no cotidiano. É preciso adotar uma concepção
de linguagem que dê suporte teórico a essa pretendida mudança de postura diante
da língua.
É fato que muitos professores ainda resistem a essas mudanças. Mais
cedo ou mais tarde se enquadram nesse processo, uma vez que os próprios
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) apontam nessa direção e novas
propostas de ensino estão sendo incorporadas ao plano de curso das escolas.
Por um lado, a não adesão ao que orienta as novas teorias lingüísticas,
pode significar, em últimas conseqüências, sérias complicações profissionais ao
professor que insistir nessas velhas concepções, uma vez que, na atual sociedade
competitiva, seus alunos serão cada vez mais exigidos quanto a sua competência
comunicativa e quanto a sua proficiência de linguagem nas mais variadas situações
de interação social, coisa que só uma concepção interacionista pode proporcionar.
As provas de Língua Portuguesa do Vestibular, um dos redutos mais
tradicionais da Gramática Normativa, estão rápida e substancialmente mudando seu
perfil nos últimos tempos. Um estudo nas provas do Vestibular 2005 da UFC, UECE
e UFRN, mostrou-nos que de um universo de 60 questões, apenas 11 foram de
Gramática Normativa, portanto menos de 20% do total. Uma demonstração
inequívoca de que se guiar pelas teorias contemporâneas da Linguística é uma
exigência cada vez mais presente na prática do professor de Língua Portuguesa. E
provavelmente mais do que isso: uma exigência de mercado, ou uma questão de
sobrevivência.
Num último comentário, nossa expectativa é de que as considerações
aqui expostas possam servir de subsídio teórico e prático para todos aqueles que
pretendem se comprometer com as necessárias transformações pelas quais deve
passar o ensino de Língua Portuguesa, bem como com a superação do fenômeno
do fracasso escolar.
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