O professor, preocupado em implantar melhorias no ensino de língua portuguesa/língua estrangeira moderna, em face dos objetivos pertinentes a esse ensino, deve: - refletir sobre os diferentes modos de se ensinar a língua portuguesa/língua estrangeira moderna; - saber analisar, à luz de uma teoria lingüística, as diversas metodologias que se instauram em sala de aula; - conhecer os elementos que dão forma à sua prática pedagógica; e, principalmente, estar consciente de que a sua opção metodológica para realizar e estruturar o seu ensino em sala de aula, tem relação direta com a sua concepção de língua/linguagem ( caderno pag. 31) - A construção , por parte do professor, de uma concepção de linguagem, determina o seu fazer pedagógico, isto é: o que? como ? para que se ensina língua portuguesa/língua estrangeira moderna? A mudança na nossa prática pedagógica não deve ser apenas porque queremos ser modernos mas deve ser em bases sólidas, com reflexões sobre uma teoria linguística e seus pressupostos e ela passar a ser a base de nossa prática pedagógica. ( caderno pag. 31) Por isso é necessário saber: - o que estávamos fazendo, - porque queremos mudar, - qual o objetivo que queremos alcançar com essa nova prática e, principalmente - qual a concepção de linguagem que a ela subjaz. A linguagem se faz pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico, sendo que os interlocutores são sujeitos que ocupam lugares sociais. Em lugar de exercícios contínuos de descrição gramatical e estudo de terminologias e regras que privilegiam tão somente a forma das palavras ou a sintaxe da língua, estuda-se o uso da língua em situações concretas de interação, percebendo as diferenças de sentido entre uma forma de expressão e outra. A língua, nesse caso, é o reflexo das relações sociais, pois, de acordo com o contexto e com o objetivo específico da enunciação é que ocorre uma forma de expressão ou outra, uma variante ou outra. Por isso devemos ensinar práticas de linguagem. Para gerarmos mudanças em nossa prática pedagógica precisamos refletir sobre os pressupostos da metodologia que adotamos em sala de aula e o objetivo que pretendemos com os procedimentos que adotamos. Três modos de se ver a linguagem vêm permeando a história dos estudos lingüísticos. Essas três concepções distintas são: Acredita-se que quem fala ou escreve bem, seguindo e dominando as normas que compõem a gramática da língua, é um indivíduo que organiza logicamente o seu pensamento. A língua é concebida como simples sistema de normas, acabado, fechado, abstrato e sem interferência do social. Não estabelecem relação com a língua viva do nosso tempo e com o uso do nosso cotidiano. Como esse sujeito é dono absoluto de seu dizer e de suas ações, “o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento (...) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão “captar” essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo. (Koch (2002: 13) A língua é um sistema organizado de sinais (signos) que serve como meio de comunicação entre os indivíduos. Em outras palavras, a língua é um código, um conjunto de signos, combinados através de regras, que possibilita ao emissor transmitir uma certa mensagem ao receptor. A comunicação, no entanto, só é estabelecida quando emissor e receptor conhecem e dominam o código, que é utilizado de maneira preestabelecida e convencionada. Os estudos da linguagem ficam restritos ao processo interno de organização do código. Privilegia-se, então, a forma, o aspecto material da língua, e as relações que constituem o seu sistema total, em detrimento do conteúdo, da significação e dos elementos extralingüísticos. (Ferdinand de Saussure (fundador do Estruturalismo) e de Noam Chomsky (a gramática gerativo-transformacional). Essa concepção isola o homem, portanto, de seu contexto social, uma vez que não reconhecem as condições de produção dos enunciados. Linguagem – fenômeno de interlocução viva pautado na relação indissociável entre o ser humano, a sociedade e a linguagem (Bakhtin, 1997) O aprendizado com a linguagem se dá por meio do uso que fazemos dela na interação (oral ou escrita) que estabelecemos com o outro. Ao contrário das concepções anteriores, esta concepção situa a linguagem como um lugar de interação humana, como o lugar de constituição de relações sociais. Dessa forma, ela representa as correntes e teorias de estudo da língua correspondentes à lingüística da enunciação (Lingüística Textual, Teoria do Discurso, Análise do Discurso, Análise da Conversação, Semântica Argumentativa e todos os estudos ligados à Pragmática), que colocam no centro da reflexão, o sujeito da linguagem, as condições de produção do discurso, o social, as relações de sentido estabelecidas entre os interlocutores, a dialogia, a argumentação, a intenção, a ideologia, a historicidade da linguagem, etc. Numa interação verbal as pessoas não trocam simplesmente orações, assim como não trocam combinações de palavras puramente, mas trocam enunciados carregados de conteúdo ou sentido ideológico ou vivencial. Para um ensino de língua produtivo e relevante esse entendimento se faz necessário. Segundo Travaglia (op. cit.: 23), “nessa concepção, o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” . Se o professor pensa o ensino da língua a partir de uma referência interacional (interação), saberá radicalizar o aspecto dialógico e trabalhará o seu discurso como um entre vários, no meio dos quais estarão aqueles dos alunos que vivem experiências culturais diferenciadas, que falam sobre o mundo a partir de lugares múltiplos, que operam variáveis lingüísticas nem sempre afinadas com a do mestre. A prática pedagógica, nessa perspectiva, deixa de ser efetivada pelos exercícios contínuos de descrição gramatical, de regras e terminologias, de forma descontextualizada e artificial, com vistas ao domínio da norma culta, para, em seu lugar, oportunizar ao aluno o domínio das habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, de forma a entender e produzir textos e a perceber as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Os alunos são orientados para adquirirem uma capacidade comunicativa, tanto no que se refere ao domínio dos mecanismos básicos da linguagem, quanto à postura crítica da realidade. Em decorrência disso, o texto não é visto como um produto, mas como um processo, como um trabalho que deve ser explorado, exposto, valorizado e vinculado aos usos sociais. O aprendizado com a linguagem se dá por meio do uso que fazemos dela na interação, oral ou escrita, que estabelecemos com o outro – práticas discursivas ( Faraco& Castro) Leitura – o leitor, como um dos sujeitos da interação, atua participativamente , por meio da compreensão e interpretação de textos. Escrita – manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou sentimentos que queremos partilhar com alguém. Oralidade – fala adequada às situações de uso social da língua, seja formal ou informal, respeitando os padrões gerais da conversação O valor de qualquer regra gramatical deriva da sua aplicabilidade , da sua funcionalidade na construção dos atos sociais da comunicação verbal. A prática pedagógica, nessa perspectiva interacionista, deixa de ser efetivada pelos exercícios contínuos de descrição gramatical, de regras e terminologias, de forma descontextualizada. Mas deve oportunizar ao aluno o domínio das habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, perceber as diferenças entre uma forma de expressão e outra. A descrição da língua não deixa de ser apresentada , mas ela é feita em momentos contextualizados, colaborando com a melhoria da produção de textos aos objetivos pretendidos junto aos interlocutores. Em relação a variedade linguística , a norma culta é vista como uma variante, uma possibilidade a mais de uso e não exclusivamente como o único uso linguisticamente correto. Por outro lado o professor não se impõe como avaliador e juiz dos textos dos alunos mas como um representante do leitor a que o texto se destina. Ele age como um interlocutor, questionando, sugerindo, provocando reações, exigindo explicações sobre informações ausentes no texto. Tudo isso para que o texto alcance o efeito de sentido proposto pelo autor, nesse caso o aluno. O aluno precisa entender que para dizer algo a alguém por escrito, ele deve buscar recursos mais adequados ao seu objetivo: que palavras, que tipo de texto, que informações .. etc...ele deve escolher e qual a organização desses elementos dentro do texto. A sala de aula passa a ser um lugar de interação verbal, e o professor deixa de ser a única fonte do saber. Cruzam-se nela, os diferentes saberes, estabelecendo uma relação dialógica entre os conhecimentos. “Aceitar a interação verbal como fundante do processo pedagógico é deslocar-se continuamente de planejamentos rígidos para programas de estudos elaborados no decorrer do próprio processo de ensino-aprendizagem” (Geraldi, 1995) Cabe ao professor desenvolver uma forma de ensino que realmente lhe pareça produtiva para atender à consecução dos objetivos de língua portuguesa/estrangeira moderna que se tem em mente. A reflexão sobre o seu fazer pedagógico, no entanto, deve ser consciente e, caso pretenda operar a uma mudança de atitude, deve ter claro que, para haver mudanças, não basta mudar a prática, a metodologia. Há uma questão mais séria a ser resolvida antes de se adotar uma nova linha metodológica, antes de se pensar em novos procedimentos de ação. Trata-se de aderir a uma nova concepção de língua/linguagem, sem a qual não conseguirá ultrapassar a insegurança de uma alteração de atitude, de refletir sobre os pressupostos da metodologia que adotará em sala de aula. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. Hucitec: São Paulo, 1997 LEITE, L. C. M. Gramática e literatura: desencontros e esperanças. In: GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. GERALDI, J. W. Da redação à produção de textos. In: GERALDI, J. W. & CITELLI, B. Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, v. 1, 1997b. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1997. SILVA, L. L. M. da et al. O ensino de língua portuguesa no primeiro grau. 2. ed. São Paulo: Atual, 1986.