ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE TRIBUNAL DE CONTAS, COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL E SEUS REFLEXOS NA JURISDIÇÃO DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – O tema da palestra de hoje é Tribunal de Contas - Competência Constitucional e seus Reflexos na Jurisdição. De início, convido o Dr. Sandro Dorival Marques Pires, Conselheiro-Presidente do Tribunal de Contas, para sentar à Mesa, o Des. Nelson Pacheco, o Dr. César Santolim e o Dr. Antônio Vinícius Amaro da Silveira. A minha função hoje é apenas fazer esta abertura, agradecer a participação dos nossos convidados e dos nossos Colegas para debater este tema da área do Direito Público, sob a coordenação da Colega Rejane Bins, uma vez que, como Coordenadora-Adjunta da área de Direito Público do Centro de Estudos, foi a Colega quem organizou e montou este evento. Inclusive, como se trata de matéria alheia à minha área de atuação, peço licença a todos para me retirar e passar o comando dos trabalhos de imediato à minha Colega Rejane Bins, desejando a todos um bom debate. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Meu bomdia a todos, de modo especial aos componentes da Mesa, Dr. Sandro Dorival Marques Pires, Conselheiro-Presidente do Tribunal de Contas deste Estado, Dr. César Viterbo Santolim, Auditor Substituto de Conselheiro, que vêm de fora da Casa, e, aqui, de nossa Casa, o Des. Nelson Antônio Monteiro Pacheco e o Dr. Antônio Vinícius Amaro da Silveira. Saúdo, de igual forma, os demais presentes. 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Temos trabalhado nas Mesas redondas de maneira mais informal, por isso passo diretamente a palavra ao Dr. Sandro Dorival Marques Pires para que possa fazer suas colocações. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Minha ilustre Desa. Rejane, na pessoa de Vossa Excelência, com muito prazer, saúdo a todos que pertencem a esta Casa de tamanho respeito na comunidade gaúcha, que são os Magistrados, Desembargadores, Juízes e serventuários que nos honram com a presença neste encontro. Também quero trazer um abraço especialíssimo a uma pessoa à qual me ligam laços fraternos e laços de respeito, o Des. Nelson Pacheco, pois convivemos há longos anos, desde a época da velha Comarca de São Gabriel. Tive a honra, o prazer e o privilégio de conviver com sua família. Isso me deixa muito desvanecido, e é uma recordação muito gratificante que tenho ao longo da minha carreira funcional, quando a fiz no Ministério Público Estadual. A partir daquele momento, fiz ligações profundas de amizade com os membros da Magistratura gaúcha, tornando-me, inclusive, compadre e vinculado a muitos deles, batizando ou crismando os seus respectivos filhos, como exemplo do saudoso e falecido Colega, amigo e irmão, Leonelo Pedro Paludo, que tragicamente faleceu num acidente na estrada de Torres. Senhora Desembargadora, é uma honra muito grande para o Tribunal de Contas se fazer presente hoje aqui, porque era um anseio muito amplo, muito antigo nosso termos essa abertura com o Poder Judiciário. Era um idéia que graçava de maneira muito harmônica e sintônica na nossa Casa que, estruturalmente, é formada por 7 Conselheiros, 7 julgadores, que têm no seu contexto também, dentro de um organismo de altíssima relevância e de assessoramento jurídico e, em determinados momentos, até jurisdicional, uma vez que são guindados e ungidos com todas as prerrogativas de Juízes, os 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE nossos Auditores, Substitutos de Conselheiros, grupo com cargo privativo de pessoas detentoras do Curso de Ciências Jurídicas. A um dos tão relevantes que aqui colaboram, o Dr. César Santolim, rendo minha homenagem; tenho acompanhado a sua brilhante carreira, culminada há tempo, numa Banca Examinadora junto à UFRGS, de altíssima profundidade de seus mestres, pela qual passou com brilhantismo com sua tese de doutorado. De início, quero fazer uma historiografia da nossa Corte, uma vez que ela é uma entidade tipicamente republicana. Por mais que, nos princípios do século XIX, durante o Brasil Império, quiséssemos, pelos senadores monárquicos, forçar as Altezas D. Pedro I e o próprio filho, D. Pedro II, este mesmo quando infante, conduzido por seus respectivos regentes, lembrando as figuras da regência una e da regência trina, jamais o Imperador se sensibilizou em criar um organismo de controle de gastos públicos, justificando ser contraproducente para eles, porque, naquela época, a Coroa gastava mais que o próprio orçamento, com o qual o Império era aquinhoado. A posteriori, já na fase republicana, o também saudoso e tão festejado Rui Barbosa, como Ministro da Fazenda, convence o primeiro Presidente Republicano nosso, Marechal Deodoro da Fonseca, para que firme o Decreto nº 766 A, para fazer a criação, lançar a semente daquilo que seria os primeiros alvores do Tribunal de Contas da União. Essa manifestação de Rui Barbosa ocorreu em 1890, para conseguir a assinatura do Presidente da República, mas, efetivamente, só na Constituição de 1891, a primeira republicana, em seu art. 89, é feita a primeira referência oficial sobre o instituto do Tribunal de Contas, num assento legal que instituiu “o Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso”, cuja cópia tenho aqui. 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE A partir daí, começam a pipocar, nos Estados brasileiros, os tribunais locais, estaduais, que hoje em dia temos até em alguns Municípios, como no caso do Rio de Janeiro. O mais antigo que conheço é o do Piauí, com 101 anos. O nosso Tribunal de Contas do Estado é de 26-06-1935, faremos agora 72 anos. Com a Constituição de 1988, foram revigoradas todas as competências nossas, e, a partir dos arts. 70, 71 e seguintes, estamos aparecendo na Constituição, tanto a de caráter federal como a estadual, como um órgão autônomo, soberano, com orçamento próprio e com uma jurisdição administrativa para que possamos “julgar” as contas de todas as pessoas detentoras de bens ou dinheiros públicos, com uma exceção. Daí surge um dos momentos mais interessantes pelos quais nos sentimos prazerosamente aqui, o de esclarecer alguns detalhes sobre a atuação e a própria competência do Tribunal. Por um lamentável erro gráfico do legislador, foi lançado no texto constitucional a expressão auxiliar, dando a idéia de que fôssemos caudatário ou subserviente ao Poder Legislativo, ou seja, o Tribunal da União, na esfera federal, ao Congresso Nacional; nós, aqui nos Estados, à Assembléia Legislativa. Absolutamente, o que nós fazemos é prestar uma colaboração. Tanto que a nossa soberania, a nossa dotação orçamentária, a nossa autogovernança é perfeita, sem nenhuma interação. Ao contrário, nós julgamos as contas da própria Assembléia, julgamos as contas do exercício contábil-financeiro do Tribunal de Justiça, do Ministério Público e do Poder Executivo, com aquela figura clássica, que são as contas do Governador, o parecer prévio. Aí surge o problema. Temos recebido e nos envolvido com decisórios que, às vezes, partem do 1º Grau de uma maneira um pouco distorcida, com julgadores às vezes jovens, ingressantes no 1º Grau e que tiveram a vida inteira um olhar muito mais voltado para disciplinas clássicas da formação jurídico-escolar, como o Direito Constitucional, Administrativo, Civil, 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Processual Civil, Penal e Processual Penal, e que, também, quando fazem os seus respectivos estágios, o fazem junto à Justiça Estadual Comum ou, no máximo, na Justiça Especializada do Trabalho, não chegando a se aprofundar nos liames e nas peculiaridades da figura do Tribunal de Contas. Resulta daí uma circunstância que, baseado naquela expressão de que auxiliará o Congresso, na órbita federal, ou a Assembléia Legislativa, na órbita estadual, dá a idéia de que nós não julgamos mais nada, que temos apenas um caráter chamado opinativo, quando não é assim. Ao contrário, é o minus da nossa atuação esta figura de “julgar“, no aspecto da legalidade. Claro que oferecemos um parecer, mas, no seu bojo, ele já traz uma decisão de caráter tipicamente finalístico, ou seja, um decisório que olhou a gestão administrativa daquele gestor, prefeito ou governador, tipicamente sob o ângulo da legalidade. É claro que, por força constitucional, por um quorum qualificado, o Poder Legislativo, na esfera federal, estadual, e municipal, fará a apreciação clássica, e daí o julgamento daquela autoridade ou agente político somente pelo ângulo da figura político-administrativa. Se os orçamentos forem aplicados corretamente, nós, do Tribunal de Contas, fazemos esse exame e julgamos, da mesma forma se forem aplicados e houver repercussão social, se o planejamento administrativo daquele gestor atingiu as metas a que se propunha, quer no seu plano plurianual, quer na figura da execução orçamentária ou lei de diretrizes orçamentárias. Isto causou, nas pessoas que não se aprofundaram na análise, a idéia de que o Tribunal de Contas era um mero órgão opinativo, dava um parecer, quando realmente o faz nessa fase de um forma híbrida, porque é um decisório, claro, opinativo sobre a legalidade, e que também já traz no seu bojo sanções. A partir do decisório, ou da manifestação - usando um termo do parecer -, envolvendo o Prefeito, o Governador do Estado e o Presidente 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE da República, temos legitimidade, por força legal, de sancionar de forma pecuniária - multas -, ou com a figura do reconhecimento da lesão ao Erário, a chamada glosa ou obrigação pecuniária do gestor do seu próprio bolso, ou da maneira que ele entender, para retomar o equilíbrio dos seus cofres públicos. A figura desta multa e glosa é tão interessante - e poderia ser chamada de fase da “oferta de parecer prévio” - que o Supremo, em decisões em cascata, reconhece que, além de nós, Tribunal de Contas, podermos dar esse sancionamento ao gestor, de multa e glosa, e restituição ao Erário daquilo que foi indevidamente aplicado, temos o direito resguardado de que,quando chega em apreciação nosso parecer prévio na Assembléia ou na Câmara Municipal, com aquele quorum de 2/3, estes podem mexer no parecer nosso da legalidade, acompanhá-lo, mantendo-o favorável ou desfavorável, mas podem revertê-lo. E temos que “baixar a crista”, porque é uma soberania do Poder Legislativo, assegurado constitucionalmente. No entanto, não poderão extravasar, não poderão tocar na multa e na glosa que foi por nós fixada. Tanto que nós temos força constitucional de, uma vez dado um parecer desfavorável na esfera federal, estadual ou municipal, sermos obrigados, daí a força coercitiva, a comunicar para o Ministério Público estadual e para a Procuradoria Eleitoral qual foi a atuação do detentor deste parecer. Em outras palavras, o Procurador-Geral irá examinar se houve crime em tese, dentro da atuação daquele gestor público, providenciando a denúncia, ou, se entender que houve ato de improbidade, irá entrar com a ação civil pública, e o Procurador Eleitoral irá fazer o exame para ver se há cabimento ou não de uma inelegibilidade de até 8 anos. A partir deste pequeno aspecto, é julgamento mesmo. Todos os atos admissionais, inativatórios, toda a bagagem funcional de servidores do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, e na esfera dos 496 municípios gaúchos, que ingressam no serviço público e que saem pelo processo inativatório, só poderão efetivamente ser 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE reconhecidos como ingressantes do serviço público ou como cumprida a sua missão até a jubilação, se passarem pela segunda fase de um ato composto, que é o ato de ingresso e o ato inativatório, no Tribunal de Contas, autorizado pelo próprio texto constitucional. Não adianta o gestor administrativo emitir um ato de nomeação ou inativação de alguém, se este mesmo ato não passar pelo segundo momento onde se perfectibiliza a figura do ingresso ou do afastamento, que é a chancela ou registro do ato. Tudo isto devidamente sacramentado por força constitucional. Mantemos uma parceria muito grande com o Poder Judiciário, por exemplo, nos expediente que recebemos, os quais retornamos com informações aos Desembargadores que se socorrem das nossas inspeções e auditorias para instruírem os seus devidos processos, para elaboração dos seus votos. Com o Ministério Público também, tanto o ex-Procurador-Geral, Dr. Roberto Bandeira, como o atual, o Dr. Mauro Renner, são sempre uníssonos em dizer que os Senhores Promotores, que hoje têm uma gama de atuações a mais na esfera pública, efetivamente socorrem-se do TCE. Agora mesmo estamos fazendo um encontro com membros do Ministério Público e da Magistratura, no qual iremos fornecer senhas para que possam ingressar no nosso sistema de informática, claro, de maneira respeitosa aos princípios da sigilosidade, para obterem com uma maior facilidade e celeridade os dados que buscam. Essa era uma preocupação minha. Há pouco tempo, tivemos um gesto enaltecedor por parte do Judiciário. À luz do entendimento, às vezes um tanto equivocado, de que não tínhamos essa ou aquela independência, fizemos um expediente a todos os nobres Desembargadores que atuam em feitos, como também aos ilustres Magistrados de 1º Grau que oficiam junto às Varas da Fazenda Pública, onde certamente a PGE tem uma série de processos, por força legal do nosso 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Pleno, para a aprovação de um parecer (Parecer nº 17) que envolve todo um passeio pelas competências do Tribunal. A partir daí, reproduzimos, em dezenas de expedientes daqueles, um ofício extremamente respeitoso, como só poderia ser, de minha parte para os demais Colegas. O Dr. Scliar, junto com uma jovem advogada que integra a nossa assessoria, vieram de gabinete em gabinete, entregando e justificando qual o motivo daquela ação. Hoje, para alegria nossa, do Tribunal de Contas, Vossa Excelência nos oportuniza, pelo Centro de Estudos, este verdadeiro encontro magnífico, para que, de maneira franca, aberta e leal, possamos trazer aos Colegas tudo quanto possível para dar uma visão e, talvez, ajudar. E é natural que nós, seres humanos, os senhores Magistrados de 1º e 2º Grau, não somos obrigados a ter um conhecimento de todo este universo. Por exemplo, se eu fosse questionado sobre a processualística do Tribunal Marítimo, eu não saberia dizer; algum Procurador ou Promotor de Justiça que atua junto ao Tribunal Militar só deixa o conhecimento da matéria da área penal militar para os Juízes chamados Auditores. Então, senhores, não estamos exigindo que haja uma enciclopédia humana na mente de cada julgador. Pelo contrário, entendemos até das dificuldades que os senhores têm, do assoberbamento das dezenas de milhares de processos e de um universo muito significativo. Por isso, trazemos como modesta colaboração esses dados relativamente à nossa instituição que os admira de forma extremamente grande. Trago à colação a figura da Dra. Denise, que nos honra aqui, testemunha ocular da história do excelente relacionamento que existe entre os Magistrados, as diversas diretorias que têm passado pela AJURIS, Dr. Carlos Rafael dos Santos. É uma casa nossa aquele Tribunal, e digo nossa, porque englobo todos os Colegas da Magistratura estadual. 8 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Era essa a minha manifestação preliminar, deixando para o Dr. Santolim alguns aspectos mais de cunho pontuais, mais naturalmente nodais para nós, que às vezes nos deixam com alguma preocupação não só perante o gestor, mas perante a sociedade. A sociedade, muitas vezes, vislumbra na imprensa, e, às vezes, numa imprensa não muito sadia, que houve uma mutação, e é um direito do Poder Judiciário reverter uma decisão nossa, mas, às vezes, isso é feito de maneira tal que cria embaraços, uma idéia de que a decisão do Tribunal de Contas, por não ser sustentável, é frágil. Mas não é essa a realidade. Não que queiramos ser melhores do que ninguém, pelo contrário, sabemos das nossas limitações, mas, acima de tudo, queremos dar uma satisfação de seriedade para a sociedade gaúcha e até para os senhores, quando elaboramos as nossas defesas pela PGE. Essa é a situação que eu queria passar, reforçando, nesta abertura, o eterno agradecimento do TCE/RS por ter tido esta oportunidade perante uma platéia tão seleta. Obrigado. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Agradeço, Dr. Sandro, a sua colaboração inicial e passo a palavra ao Dr. César Santolim. Agradeço, ainda, a presença da Dra. Denise, representando a AJURIS, nesta Casa. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Excelentíssima Senhora Desa. Rejane Dias de Castro Bins, que coordena estes nossos trabalhos, na sua pessoa, na pessoa do meu Presidente, do Desembargador Nelson Pacheco, do Dr. Vinícius, e também desta platéia, na qual destaco a presença da Dra. Denise Oliveira Cezar e do Dr. Scliar, saúdo a todos e agradeço a oportunidade e o convite para estar aqui, tratando deste tema que, 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE como bem destacou o Conselheiro Sandro, é de extrema relevância para o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, para o sistema de Tribunais de Contas do Brasil e, acredito, para a sociedade gaúcha e, neste contexto, também para o Poder Judiciário. A evolução do sistema de controle de contas que o Conselheiro Sandro já teve oportunidade de explanar trouxe, e traz ainda, algumas perplexidades do ponto de vista jurídico. Não tem sido, portanto, simples a tarefa de interpretar e de aplicar os comandos constitucionais na área específica que diz respeito à competência dos Tribunais de Contas e isto se vê da análise da doutrina e da jurisprudência pátrias, e não por esta razão estamos aqui, nesta ocasião, tentando aclarar um pouco mais estas questões. Esta evolução no sistema de controle de contas, que é longa, vem de bastante tempo como o Conselheiro Sandro demonstrou, caracterizase, talvez mais do que por qualquer outro elemento, por uma certa jurisdicização de aspectos que originariamente tinham natureza estritamente financeira, econômica, contábil. Estamos num ambiente em que seria desnecessário aprofundar, ou detalhar, ou enfatizar a circunstância de que cada vez mais questões que diziam respeito à atividade humana em geral têm sido trazidas para o âmbito do Direito e, de uma forma mais específica, para o âmbito do Poder Judiciário. Se compararmos questões que, há dez ou quinze anos, eram tratadas como questões que hoje são tratadas pelo Poder Judiciário, o leque se multiplica assustadoramente, e isto é objeto de inúmeras análises muito mais aprofundadas do que a que eu poderia fazer, mas também o sistema de controle de contas sofreu este processo. Nas suas origens, imaginava-se que controlar contas era uma tarefa que cabia, fundamentalmente, a economistas, a contadores. Hoje, o Tribunal de Contas, para se ter um exemplo, no seu quadro de servidores, tem 10 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE tantos profissionais do Direito quanto tem profissionais da área contábil – talvez até o Conselheiro Sandro possa-me corrigir. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – São 134 Bacharéis em Direito e 111 Auditores-Contadores dos 430 Auditores Públicos Externos. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – O que só reforça a minha convicção, portanto, de que a análise das contas públicas se faz cada vez mais por um prisma de natureza, ou de uma perspectiva jurídica, o que demonstra a necessidade, também, de uma certa sintonia entre a atuação das Cortes de Contas e aquele que é, em última análise, o responsável pela dicção final do Direito, o Poder Judiciário. Nós, no Tribunal de Contas, ainda que tenhamos perfeita consciência das nossas competências, nunca as exercemos sem atentar para como o Poder Judiciário as compreende e interpreta, porque isto é fundamental. De nada adiantará que nós pretendamos insistir no exercício das nossas competências se eventualmente o Poder Judiciário, que, como disse, é a quem cabe a tarefa final da dicção do Direito, tem uma compreensão diversa desta mesma realidade. Esta sintonia também, a meu juízo, se justifica em virtude de uma demanda que me parece extremamente atual dentro do processo de aperfeiçoamento do modelo democrático que o nosso País vive, que é o de que as instituições, especialmente em um momento em que constantemente recebem muitas críticas e até dúvidas sobre sua credibilidade, saibam se autoprestigiar e prestigiar umas às outras, porque sabemos todos, especialmente aqueles que têm formação jurídica, que não existe exercício de liberdade, que é uma condição fundamental à democracia, sem o adequado funcionamento das instituições de controle. Ao contrário do que possa 11 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE parecer, não há liberdade sem controle, porque a liberdade sem normas, a liberdade da anomia, é a barbárie, e a civilização presume a existência destas instituições, que, na tarefa de interpretar e aplicar as normas, possam se autoconsiderar e considerarem-se umas às outras, o que certamente é a realidade, pelo menos a realidade de boa parte da posição da nossa doutrina e da nossa jurisprudência. Com algumas divergências, ainda que pontuais, a doutrina pátria mais recente tem percebido esta evolução no papel dos Tribunais de Contas. A análise dos dispositivos constitucionais que dizem respeito à competência dos Tribunais de Contas, em particular do art. 71 da Constituição Federal, vem sendo feita de maneira tal que a doutrina - e aqui destaco particularmente a posição de Sergio Ferraz, de Odete Medauar e muito especialmente de Diogo de Figueiredo Neto - tem reconhecido que, naqueles 11 incisos do art. 71, estão distribuídas diversas competências de natureza distinta umas das outras, mas principalmente aquela que era originariamente a que justificou a criação dos Tribunais de Constas, que é a competência deferida pelo inc. I do art. 71, que é aquela, como disse o Conselheiro Sandro, em que o Tribunal tem, de fato, uma manifestação de natureza opinativa, em que ele emite parecer que vai ser julgado, isto sim, pelo Poder Legislativo, julgamento este que, no caso, inclusive, dos Poderes Legislativos Municipais, já se faz com certo grau de vinculação, porque a eventual rejeição do parecer do Tribunal de Contas deverá ser feita por maioria qualificada e não por maioria simples. Ainda assim a emissão deste parecer se dá dentro do exercício de uma competência autônoma – isto é o que diz, inclusive, Moreira Neto –, porque o Tribunal, ainda que emita parecer, não o faz por orientação do Poder Legislativo ou para atender ou para agradar o Poder Legislativo. Tanto que o parecer que o Tribunal emite não pode ser, por exemplo, modificado por determinação do Poder Legislativo. O Poder Legislativo pode 12 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE acolher ou não acolher, mas ele não diz como o parecer será elaborado. O Tribunal, neste aspecto, ainda que não julgue, emite autonomamente o parecer sobre as contas dos Chefes de Poder Executivo. Nas demais competências do art. 71, do inc. II em diante, nada há de opinativo, os verbos nucleares são julgar, apreciar, realizar, aplicar, sustar, em todos há comandos em que o Tribunal exerce, de per si, integralmente, a atividade ali descrita, e, portanto, não há aqui, nestes outros casos, qualquer caráter opinativo senão que caráter decisório no âmbito evidentemente administrativo. Todas as matérias, desde a primeira à última, são sempre suscetíveis de análise pelo Poder Judiciário, até porque este é o comando constitucional que está no art. 5º, no sentido de que nenhuma lesão de direito individual poderá deixar de ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, e os Tribunais de Contas têm perfeita noção disto. Até neste aspecto, sobre a extensão da área de atuação do Poder Judiciário, sobre o grau de sindicabilidade das decisões dos Tribunais de Contas sob a ótica do Poder Judiciário, a doutrina e a jurisprudência vêm construindo de uma forma bastante sólida uma linha de compreensão que, aliás, não é específica em relação aos Tribunais de Contas. Hoje, a moderna doutrina administrativista vem reconhecendo que mesmo aquela distinção clássica entre atos discricionários e atos vinculados está superada por uma idéia de que existem graus diferentes de vinculação à jurisdicidade, não existe nenhum ato puramente discricionário, como não existe nenhum ato puramente vinculado. Estes graus diferentes de jurisdicidade são, evidentemente, submetidos à sindicabilidade do Poder Judiciário, que saberá dizer, em cada caso concreto, quando o próprio Poder Judiciário pode, por exemplo, tecer considerações sobre o mérito, e ele pode fazer isto em relação a atos administrativos típicos, como já se tem reconhecido amplamente, e quando 13 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE ele, Poder Judiciário, deve-se limitar à análise sobre aspectos formais, por exemplo, dizendo que, quanto a juízos de conveniência e oportunidade e inclusive quanto a juízo de mérito, não deve pretender se substituir nem à figura do Administrador nem à figura do julgador de contas porque estas são tarefas ou atribuições que são próprias. Digo que a jurisprudência vem fazendo isto e para tanto tive o cuidado de reunir alguns pequenos julgados - não pequenos por sua importância, mas pelo número, no total não são mais do que 10 - e pretendo, comentar ou aprofundar um pouco mais estas decisões. Lembro, em primeiro lugar, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a conhecida Súmula nº 347, que, de longa data, definiu que o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade de leis e dos atos do Poder Público. Na realidade, esta atribuição é deferida em princípio a qualquer administrador. Qualquer administrador, se estiver convicto de que determinado comando legal é inconstitucional, nada mais faz do que atender ao princípio da legalidade quando diz ser ele inconstitucional, porque o princípio da legalidade não está restrito à norma de natureza infraconstitucional, mas, inclusive, à própria Constituição. Portanto, quando se diz que se deixa de aplicar determinada norma de um decreto ou de uma lei por ser ele inconstitucional, e isto qualquer administrador pode, e deve, fazer se estiver convencido desta situação, não se estará praticando qualquer desobediência ao princípio da legalidade, senão, pelo contrário, estará reafirmando este princípio, e o Tribunal de Contas, quando faz isto no exercício de suas competências, também nada mais faz do que reafirmar o princípio da legalidade, e é isto, em última análise, o que a Súmula nº 347 define. Em um julgado de 14-02-96, o Min. Néri da Silveira, em um recurso extraordinário, dizia: "Não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência 14 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE constitucional, não possuam teor de coercitibilidade. (...) Certo está que, na hipótese de abuso no exercício dessas atribuições por agentes da fiscalização dos Tribunais de Contas, ou de desvio de poder,” – e eu me dispenso de fazer maiores considerações sobre a teoria do desvio de poder – “os sujeitos passivos das sanções impostas possuem os meios que a ordem jurídica contém para o controle de legalidade dos atos de quem quer que exerça parcela de autoridade ou poder, garantidos, a tanto, ampla defesa e o devido processo legal." Realmente, esta é uma decisão, em certo aspecto, paradigmática, porque orienta toda a linha do Supremo Tribunal Federal. Ninguém duvida sobre a sindicabilidade, pelo Poder Judiciário, das decisões das Cortes de Contas, mas dentro daquela margem prudente que o Poder Judiciário tem de investigar e reapreciar matérias em relação às quais a ordem constitucional defere competência específica a outros órgãos. O Min. Eros Grau, mais recentemente, em uma decisão de 2005, analisando especificamente uma situação que envolvia ato de aposentadoria, matéria na qual os Tribunais de Contas têm uma competência quase de natureza cartorária, porque fazem o controle da legalidade para fins de registro, mas nem por isto aquele ato de inativação pode-se considerar perfeito antes de apreciação pela Corte de Contas, diz: “O ato de aposentadoria configura ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal de Contas. Submetido, pois, a condição resolutiva, não se operam os efeitos da decadência antes da integração da vontade final da Administração”, que é dada pela decisão do Tribunal de Contas. O mesmo Min. Eros Grau, mais recentemente, em fevereiro de 2007, lembra: "A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos 15 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos”, portanto, reconhecendo que a competência para fixar a multa ou para impor o débito não se confunde com a outra competência, que é para emitir parecer e para julgar contas, até porque a sua inserção no art. 71 se dá em momentos diferentes. O Min. Carlos Velloso, também em decisão recente, 17-03-06, reformando, inclusive, uma posição que o Supremo havia adotado cerca de um ano e meio antes, reafirmou: “As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista”. Reuni estes quatro julgados do Supremo apenas para mostrar como, de uma forma geral, o Supremo tem sido bastante criterioso, bastante adequado na apreciação destas competências dos Tribunais de Contas. No nosso Tribunal de Justiça também, com evidentemente alguma ou outra posição divergente, há uma orientação bastante sólida no sentido de ver reconhecida esta competência das Cortes de Contas. Daqui, trouxe apenas decisões do ano passado, até porque o número seria muito elevado se pretendesse fazer uma análise mais circunstanciada e mais detalhada. Pela ordem cronológica, uma decisão de maio do ano passado, também em homenagem a um dos nossos integrantes da Mesa, Relator o Des. Nelson Antônio Monteiro Pacheco, que lembra: “A revisão de proventos, determinada pela Corte de Contas, não enseja direito ao contraditório e à ampla defesa por não se tratar de punição, e sim revisão de ato praticado ilegalmente. O Supremo Tribunal Federal, em casos similares, vem sistematicamente dispensando qualquer espécie de procedimento prévio, 16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE chancelando o chamado poder de autotutela concedido à administração” verbete nº 473 de sua súmula. Vejam que está esta orientação perfeitamente consentânea com aquela que o Supremo Tribunal Federal já vinha traçando e que inclusive uma delas há pouco destaquei. Ainda do mês de julho do ano passado, Relator o Des. João Carlos Branco Cardoso: “Multa aplicada pelo Tribunal de Contas. Eficácia de título executivo. Impossibilidade de o Judiciário ingressar no mérito do ato administrativo limitando-se ao exame de sua legalidade”. Exatamente consoante, também, aquela posição doutrinária que destaquei, de que a sindicabilidade dos atos administrativos em geral e inclusive dos atos do Tribunal de Contas deverá ser sempre exercida com a máxima prudência pelo Poder Judiciário, como, insisto, o nosso Tribunal de Justiça vem reconhecendo. De agosto do ano passado, Relatora a Desa. Matilde Chabar Maia: “O Tribunal de Contas não possui competência para nomear ou exonerar o servidor público, decisão da Corte de Contas que não se questiona na via mandamental, a roborar a correta indicação da parte requerida no mandamus. Antes do cumprimento da decisão do Tribunal de Contas, compete ao Município garantir o exercício do devido processo legal ao servidor”. Esta é uma situação que tem sido objeto de freqüentes equívocos, pelo menos do ponto de vista da competência dos Tribunais de Contas, a gerar alguma confusão inclusive na identificação da parte passiva nos mandados de segurança, como destacou há pouco o Conselheiro Sandro, especialmente em decisões de 1º Grau. Os tribunais não nomeiam nem exoneram servidores e, portanto, não lhes cabe, dentro daquele princípio de que a autoridade coatora é aquela que tem o poder de fazer e de desfazer o ato, senão para sustentar a justeza de suas decisões, funcionar no pólo passivo destas ações mandamentais, porque não será outorgada a eles, Tribunais de Contas, e ao nosso Tribunal de Contas em particular, a 17 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE possibilidade de desfazer aquilo que já foi feito. Ou seja, se um servidor foi exonerado pelo Prefeito Municipal por determinação do Tribunal, o Tribunal não pode readmitir o servidor. Quem pode fazer isto, eventualmente, por força, inclusive, de uma determinação judicial, evidentemente é o próprio Prefeito que o exonerou, e não outro. No entanto, com muita freqüência, os tribunais têm sido até exclusivamente chamados a responder em casos como este, quando, então, fica evidente a impropriedade da solução, e, de alguma forma, é isto exatamente que a decisão há pouco referida diz. Ainda do mesmo mês de agosto, Relator o Des. Genaro José Baroni Borges, tratando de certidão de decisão do Tribunal de Contas, lembrase: “Se dela resulta imputação de débito, tem eficácia de título executivo. A decisão que determina o responsável por verba pública a repor a quantia glosada, ou que lhe impõe a multa, insere-se na competência exclusiva das Cortes de Contas, e seu cumprimento é obrigatório”. Esta tem sido outra dificuldade que eventualmente tem-se enfrentado por se permitir, e não são poucas as situações em que isto tem sido enfrentado, o ataque a certidões de decisão do Tribunal pela via da ação ordinária em procedimentos em que não há a prévia segurança do juízo, e, portanto, retirando daquela decisão toda e qualquer eficácia executiva, o que acaba, evidentemente, diminuindo a importância desse julgado. Por derradeiro, uma decisão de novembro do ano passado, Relatora a Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza: “Os Tribunais de Contas têm competência para imputar débitos aos administradores de dinheiro público que têm eficácia de título extrajudicial”. Também na mesma linha da outra decisão. Portanto, insisto: essa eventual necessidade e alguma dificuldade em identificar a correta posição dos Tribunais de Contas, sua inserção constitucional e o conteúdo que deve ser reconhecido às suas 18 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE decisões, ainda que subsista, ainda que possamos identificar, na doutrina e na jurisprudência, alguma dificuldade em perceber esta evolução, no que nos diz respeito ao caso concreto do direito brasileiro, falo isto porque sabemos que em alguns outros países se resolveu isto de outra maneira: no sistema de controle de contas em Portugal, o Tribunal de Contas passou a integrar, desde a Constituição portuguesa de 1976, o Poder Judiciário; é uma maneira também, transferiu-se para o Poder Judiciário, deu-se um nível de especialização e, com isto, resolveu-se o debate antigo que existia sobre a eficácia destas decisões; mas aqui, no Brasil, em que as Cortes de Contas permaneceram com seu grau de autonomia, seu grau de independência mas fora do Poder Judiciário, evidentemente que há que se reconhecer ao Poder Judiciário a possibilidade, o dever inclusive, de sindicar estas decisões, mas reservadas as competências específicas do Tribunal de Contas. E isto vem sendo feito pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça do Estado, o que ainda pode ser aperfeiçoado para o futuro, seja pela atuação dos Tribunais de Contas, que, cada vez mais, procuram adequar suas orientações àquelas que o Tribunal de Justiça, o Poder Judiciário, já assumiu, sobre temas de conhecimento comum, seja pelo próprio Poder Judiciário, procurando aprofundar também o seu conhecimento sobre o funcionamento das Cortes de Contas. Renovo meus agradecimentos pelo convite, pela oportunidade, e coloco-me à disposição para posteriores debates. Muito obrigado. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Agradeço a participação do Dr. César Santolim e passo, de imediato, a palavra ao Dr. Antônio Vinícius Amaro da Silveira. 19 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DR. ANTÔNIO VINÍCIUS AMARO DA SILVEIRA – Primeiro, quero saudar a nossa Presidente, Desa. Rejane Maria Dias de Castro Bins; o Conselheiro Sandro, nosso Presidente do Tribunal de Contas; o dileto amigo César Santolim; o Desembargador Nelson; os Colegas, amigos presentes, a quem faço a saudação na pessoa da minha Presidente, Dra. Denise Cezar. Agradeço o convite a mim feito. É uma honra para mim estar aqui presente nesta ocasião, de onde surge a oportunidade de expor algumas idéias, naturalmente já um pouco mais esclarecido em função das informações trazidas pelos eminentes Conselheiros. É sempre uma iniciativa elogiável a de colocarmos alguns pontos de vista, para, quem sabe, crescermos com isto. É uma louvável iniciativa do Centro de Estudos, principalmente por este aspecto. Observava a colocação do Dr. César que falava em jurisdicionalização, e estou convicto de que isto está diretamente relacionado com a democratização. A partir do momento em que optamos por um Estado democrático de direito, a jurisdicionalização passou a ser uma idéia presente cotidianamente neste contexto. Nós abrimos este leque, de modo que o Judiciário passou a ser cada vez mais presente e atuante na vida do cidadão e das instituições. É exatamente esta a idéia: a possibilidade, cada vez maior, em função do princípio da inafastabilidade, de o Judiciário intervir principalmente em nome dos direitos individuais, como também eventualmente dos direitos coletivos, até questionando atos de outras instituições. É neste ponto que gostaria de nortear a minha manifestação: a questão de competências e atribuições. A democratização estabelecida pela Constituição tem o cunho prioritário de estabelecer equilíbrio nas relações individuais e sociais. Mas preocupa-me muito, principalmente por ser, talvez, uma das vítimas diretas do contexto dessa jurisdicionalização, o Juiz, que passa por uma tormenta diária 20 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE em função do elevado número de ações que ingressam na nossa jurisdição, e a questão de valoração das instituições. O Poder Judiciário, em função desta possibilidade de intervenção, tem sido frequentemente chamado a fim de intervir em atribuições que, a meu ver, são atribuições alheias. Isso preocupa demais, porque, em nome da democratização, o Judiciário acabou absorvendo competências restritas. Isto se deu no campo privado e também no campo do Direito Público. No campo privado, basta ver que os Colegas que atuam na área Cível estão atulhados de ações, que, na sua grande maioria, são decorrentes de falhas legislativas ou falhas de administração, como um todo, bastando, para que houvesse uma redução destes conflitos, uma intervenção mais ativa, inclusive do Poder Legislativo, a fim de regulamentar melhor estes conflitos de uma forma geral. Isso certamente acabaria refletindo nas nossas atribuições. Mas o Judiciário acomodou a situação, absorvendo esta atribuição, de modo que ficou mais fácil, inclusive para o próprio legislador, na medida em que não há que se preocupar tanto com a regulação geral se o Poder Judiciário avocou a si a regulação individual e particular. Isso, de certa forma, trouxe uma preocupação muito grande, porque é um meio de se adiar a solução dos problemas, de forma que, se um devedor busca e, através do Judiciário, obtém a possibilidade de discutir o seu débito, ele estará, na verdade, protelando o real cumprimento dessa dívida. Este raciocínio se estende perfeitamente à seara pública. É isto que também - hoje falando como cidadão - preocupa, porque há que se verificar se as atribuições imputadas às instituições são ou não são verdadeiras. Elas existem ou não existem? Tenho um posicionamento particular, e acho que, neste sentido, não há muita dissonância na jurisprudência, no sentido de priorizar as atribuições constitucionais. Faço-o norteando-me em função da competência e atribuição do Tribunal de Contas, 21 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE justamente para limitar esta atividade jurisdicional muito no que concerne à formalidade dos atos administrativos. Digo que - e sei que há colegas que pensam de modo diferente e peço vênia para discordar - ou nós acreditamos nas nossas instituições ou nós não acreditamos e negamos a democratização. A partir do momento em que estabelecemos a existência e a necessidade de instituições, e aqui me refiro especificamente ao Tribunal de Contas, temos que dar a esta instituição a sua necessária autonomia, de modo que acho muito perigosa, e creio que, no geral, os Juízes pensam assim, a interferência numa atividade eminentemente técnica, como é a do Tribunal de Contas. Penso que, no particular, especificamente com relação às atribuições do Tribunal de Contas, na análise de atos administrativos, muito pouco nos resta, enquanto Juízes, na intervenção, na regulação, destes atos. Aqui, sou obrigado a fazer uma homenagem ao Des. Nelson, porque penso muito parecido com Sua Excelência neste aspecto. Até o debate teria sido fortalecido se houvesse um contraponto, mas as nossas posições são muito parecidas na jurisprudência, e eu tenho que fazer a menção, porque freqüentemente sinto isso nas decisões, em função do raciocínio que Sua Excelência faz acerca dos atos administrativos e da sua cogência. Faço a distinção dos atos complexos e dos atos compostos, de modo que, dos atos da Administração, em particular do Tribunal de Contas, que sejam eminentemente atos compostos, aqueles atos que dependem da análise e o mero cumprimento por parte da Administração acerca desta sua decisão, muito pouco resta ao Poder Judiciário. Aqui, sim, nós teríamos que ficar adstritos a uma análise formal. Penso exatamente assim. Não acredito que nós devamos avocar a nós, Juízes, mais uma competência que não é nossa, uma atribuição que não é nossa e, data venia, da qual nós temos muito pouco conhecimento. 22 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Se existe uma instituição hábil, técnica, específica para tratar do assunto, a menos que haja uma quebra de princípio constitucional relativo ao devido processo legal, à formalidade do ato, à intervenção jurisdicional – repito que é um pensamento meu -, mas com um forte eco na jurisprudência, nós não temos muita autonomia para atuar nesta instância. Apenas para fazer referência, acho que não nos podemos afastar em geral quando julgamos atos administrativos decorrentes de qualquer setor da Administração, temos que estar adstritos à formalidade. Muito raramente podemos ingressar no âmbito do mérito administrativo, e não poderia ser diferente no que diz respeito à atividade do Tribunal de Contas. Essas cautelas, essas medidas, o Judiciário deve adotar justamente em respeito às instituições. Não teria por que negarmos a autonomia de atribuições do Tribunal de Contas e a sua importância dentro deste contexto social e desautorizarmos esta atividade. Farei referência a alguns pontos levantados pelo Dr. César no que concerne às decisões citadas - e aqui talvez esteja a controvérsia na jurisprudência do nosso Tribunal com relação à questão da ampla defesa, sobretudo nos atos compostos -, quando a administração inferior, submetida ao parecer, deve ou não cumprir a decisão, de modo a possibilitar o contraditório e a ampla defesa na base. Assim como o Des. Nelson, se me permite, acho que é este o seu entendimento, entendo que, uma vez reconhecida a irregularidade pela Corte de Contas, ao administrador inferior, no caso ,que esteja submetido ao ato da Corte, não resta muitas alternativas senão a de agasalhar a conclusão, e de muito pouca valia teria este contraditório póstumo, vamos dizer assim, porque à conclusão já se chegou, a irregularidade já foi constatada, a nulidade foi detectada. 23 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Também me filio ao entendimento de que a nulidade é nulidade desde a sua origem, e evidentemente que o contraditório aqui não salvaria a irregularidade. Um pouco talvez eu deva repensar, Dr. César, a questão da possibilidade de o Tribunal de Contas freqüentar o pólo passivo nas ações mandamentais. Tenho um pouco de dificuldade, talvez uma falha, de entender o seu ponto de vista no que concerne à responsabilidade exclusiva do Prefeito de nomeação ou exoneração. O Prefeito, quando age nessas circunstâncias, o faz em função do que foi constatado, em função da nulidade detectada, digamos assim, no ato invalidado. Este ato, esta invalidação, deu-se por atuação do Tribunal de Contas. A alternativa do Prefeito qual seria no caso pontual? Qual seria a alternativa do Prefeito senão a de acolher aquela deliberação e, aí sim, referendar a decisão do Tribunal de Contas? Nesta mesma linha, falo da desnecessidade ou da pouca contribuição do contraditório na origem após a decisão administrativa, porque já está consumada, já esta detectada a irregularidade, está declarada, não há mais o que fazer, e essa declaração e esta constituição da nulidade se deu em função da intervenção do Tribunal de Contas. Eventual falha, no meu ponto de vista, se for decorrente da atuação do Tribunal de Contas, até em função de eventual negativa de contraditório, isso sim, poderia trazer uma legitimidade do Tribunal de Contas e dos seus Conselheiros, de seus agentes, principalmente na ação mandamental. Fico um pouco preocupado com isso, com este detalhe da sua exposição, que ficou um pouco fora daquilo que eu penso, pois, de resto, nós pensamos de forma muito parecida. Assim como eu penso que não adianta exigir o contraditório no Município, como no exemplo citado, também não seria o caso de se imputar uma irregularidade ou um abuso de autoridade ou uma ilegalidade por 24 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE parte do Município que apenas acolheu aquilo que foi deliberado na Corte de Contas. Voltando para os atos compostos, como há muito pouco para o Município fazer, a não ser acolher a deliberação da Corte, acho que seria o caso de discutirmos a preservação do contraditório, então, no Tribunal de Contas. E é o que se faz, via de regra, principalmente quando se permite à parte eventualmente lesada utilizar-se dos recursos que a Corte prevê nos seus regimentos. De forma que eu também penso que, quando se trata de um ato, de um procedimento da Corte de Contas, no sentido de reconhecer a irregularidade, ou de não agasalhar os atos administrativos, trata-se apenas de preservar a moralidade e a boa-fé que, no meu modo de ver, na Administração, são os princípios de maior relevância, tanto é verdade que grande parte das nossas decisões são norteadas nesse sentido. A questão da decadência é também uma causa de divergência, a questão do prazo, se se aplica ou não a prescrição ou a decadência administrativa nos atos administrativos no âmbito estadual ou municipal, a exemplo do que acontece por via de lei no âmbito federal. Nós temos essa preocupação, mas tenho visto que as nossas decisões, quando verificada a existência de má-fé, de dolo, quando se contraria a moralidade, são facilmente afastadas, até porque a lei federal, a Lei nº 9.784, expressamente afasta a possibilidade de declaração de decadência quando houver reconhecimento de má-fé. Este é o norte desses nossos entendimentos na sua maioria; pelo menos nas minhas decisões eu procuro me nortear neste sentido, em preservar eventualmente a boa-fé e a moralidade administrativa. De modo que, quando a Corte de Contas atua no reconhecimento de nulidade de atos administrativos, por exemplo, ela estará agindo em nome da moralidade e da boa-fé. Não será um ato persecutório, 25 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE não será um ato de punição ao servidor, ao funcionário, e sim um ato que vise a regular melhor ou a preservar esta moralidade. Se o servidor for eventualmente punido, aí, sim, será um ato complexo, evidentemente com a atividade da base, no caso, o Município. E, nesta fase, dever-se-á preservar o contraditório e a ampla defesa, abrindo-se um pouco mais o âmbito de atuação da fiscalização por parte do Poder Judiciário em função da necessidade, como também da preservação, do princípio do contraditório e da ampla defesa, mas novamente muito reservado à parte formal da atuação. Esse é um ponto de vista bem sintético das minhas decisões. Mais uma vez, então, agradeço a oportunidade de expressar essas opiniões e submeto-me, se for necessário, ao revide, para que possamos ampliar, quem sabe, o debate. Muito obrigado. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Agradeço a sua participação e passo a palavra ao Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Pedi para ficar por último e, no decorrer da minha exposição, vou explicar a razão; sintome um intruso aqui. Eu não deveria estar aqui, mas logo todos vão entender. Inicialmente, a minha saudação à Desa. Rejane Maria Dias de Castro Bins, eminente Coordenadora da área de Direito Público do Centro de Estudos, que está coordenando este encontro, e que há tantos anos conheço. É um grande prazer estar aqui novamente com Vossa Excelência. Dirijo também uma saudação ao Conselheiro eminente Dr. Sandro Dorival Marques Pires. Na sala do Centro de Estudos, ainda recordávamos da nossa querida São Gabriel nos anos de 1980 a 1982, quando lá fui Pretor. Recordei que, quando lá cheguei, estava fechado o 26 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE fórum. Fomos trabalhar no Hospital Militar de São Gabriel, que estava desativado pelo Exército; havia uma grande estrutura em São Gabriel. Foi uma época muito rica, muito interessante. Ainda lembrávamos alguns episódios que aconteceram naquela ocasião, e foi realmente uma convivência muito harmoniosa. Uma pena que, pelo meu modo de ser, pela minha introspecção, eu não tenha, depois disso, procurado Vossa Excelência e a sua esposa; sou muito introvertido e pouco saio do meu ambiente de trabalho. Essa é minha falha de ser, minha forma de encarar a vida. Também dirijo a minha saudação ao Dr. César Santolim, que visita esta Casa. Conheço Vossa Excelência há muitos anos também, aprecio muito o seu trabalho e me congratulo pelo êxito do trabalho que vem realizando no âmbito da Corte de Contas. Ao Dr. Antonio Vinícius Amaro da Silveira, a minha saudação. Também não o conhecia pessoalmente, só de vista, mas conheço as suas sentenças e o brilhante trabalho que realiza à testa da 4ª Vara da Fazenda Pública, a qual eu tive a honra de jurisdicionar, durante muitos anos, no 1º Juizado. Minha saudação a todos que estão aqui, especialmente à Dra. Denise Cezar, Presidente da AJURIS. Ingressando diretamente no tema pelo qual abri minha colocação, explico então por que me sinto um intruso: quando recebi o ofício que o Conselheiro Dr. Sandro Dorival Marques Pires noticiou, o Ofício nº 650/2007, li com atenção o Parecer nº 17 do Dr. César, e já o li mais de uma vez. Este acórdão que está sendo referido, da relatoria do eminente Des. Roque, está hoje com o Min. Cezar Peluso, está sub judice. Eu não sei o que vai acontecer nesse caso, por isso até é difícil tecer qualquer consideração a respeito desta matéria; é matéria ainda sub judice, é matéria que seguramente o Supremo Tribunal Federal vai colocar em Mesa em seguida. Não sei como 27 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE está a situação. Afinal é o Supremo Tribunal Federal que tem a última palavra em matéria constitucional, em matéria da competência da Corte de Contas na aplicação das penas aos agentes públicos e das obrigações que eles devem suportar. Então, eu entendo que quem deveria estar aqui – e disse à Desa. Rejane quando ela me convidou – seria um dos integrantes do 1º Grupo Cível, porque têm essa matéria palpitante nas mãos. Claro que sei, também, que, por uma decisão que até hoje não compreendo bem – respeito profundamente, mas não compreendo bem -, o Des. Armínio, nosso ilustrado 1º Vice-Presidente, resolveu – e não foi ele quem resolveu, foi o Colendo Órgão Especial – a favor da 4ª Câmara Cível um conflito de competência com a 1ª Câmara Cível, dizendo que esta questão de imposição de multa e outras obrigações aos agentes públicos não deve ser enquadrada na natureza fiscal. Li o voto do Des. Armínio, e toda a parte inicial, quase à conclusão, indica que Sua Excelência tinha e tem clara a idéia de que a imposição de multa pela Corte de Contas aos agentes públicos é, sim, de natureza fiscal. Não tenho nenhuma dúvida disso, mas Sua Excelência, com todo o respeito, repito, resolve o conflito, que foi acompanhado pelos seus Pares no Órgão Especial, por uma questão de conveniência da distribuição no Tribunal de Justiça e muda a classificação de Direito Fiscal para Direito Público não-especificado. Então, está pulverizada no Tribunal esta matéria. Todas as Câmaras do Direito Público estão jurisdicionando este tema, e este tema é altamente complexo. Os senhores já sentiram, pelo início das colocações do Dr. Sandro e do Dr. César, o quanto isso está atormentando a Corte de Contas, porque pode, efetivamente, prevalecendo essa linha jurisprudencial – e eu não sei como é que o Supremo vai resolver essa questão -, inviabilizar essa atividade, que é profilática, que é necessária. Nós tanto clamamos contra a impunidade e estamos fechando essa porta, no meu ponto de vista, 28 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE discutivelmente, para a punição desses agentes públicos que não se saíram bem na gestão da coisa pública. Então é uma matéria que está sub judice, é uma matéria que foi resolvida regimentalmente pelo Órgão Especial em favor de todas as Câmaras para pulverizar a matéria, classificando-a como de natureza de Direito Público não-especificado, é matéria inclusive de equalização da distribuição das Câmaras. Vejo que realmente a questão ganha um contorno até de imponderabilidade. Realmente não quero avançar, não sei como vai terminar essa questão, vou aguardar a posição do Supremo Tribunal Federal, estou ansioso para ver essa decisão do Min. Cezar Peluso com os seus Pares no âmbito do Supremo Tribunal Federal e, a partir daí, vou ter mais clareza para examinar aqueles feitos que me vierem à Mesa na classificação do Direito Público não-especificado, não matéria fiscal. Esse é um aspecto. Até gostaria de mencionar que o nosso Tribunal de Justiça está firme nessa orientação, inclusive não aceitou a modificação proposta, de competência da 6ª Vara da Fazenda Pública, para incluir, além da matéria tributária, a matéria fiscal, justamente pela decisão nesse conflito de competência a que aludi, e foi enfático então o Conselho da Magistratura em não permitir a alteração da competência da Colenda 6ª Vara da Fazenda Pública. Esse é o primeiro aspecto. Encerro o primeiro aspecto e vou trazer ao debate outras questões que nos estão angustiando nas Câmaras do 2º Grupo Cível, que são as Câmaras que tratam do servidor público, até porque o Dr. Sandro, o Dr. César e agora o Dr. Antonio Vinícius trouxeram temas que são palpitantes, que são tormentosos, que precisam de uma resposta do Poder Judiciário e, se possível, uma resposta harmônica, o que não está acontecendo. Ainda no aspecto formal, é o segundo ponto que eu gostaria de abordar: discutiu-se aqui a questão do ato administrativo praticado pela Corte de Contas. Em vários momentos se colocou que o ato é composto. Isso 29 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE todos ouviram e mais ou menos transitou aqui como uma verdade. Não é assim. Há, ainda, na doutrina, e boa parte da jurisprudência vem sustentando isso, a idéia de que o ato praticado pela Corte de Contas é complexo. Qual é a diferença entre composto e complexo, até para atualizar essa idéia? Ato composto é aquele que, praticado pelo agente público, competente, principal, precisa da chancela de um outro órgão – o Dr. Sandro falou em atividade quase cartorial – para que se torne válido e eficaz para as partes. Ato complexo, ao contrário, é um único ato, que depende da vontade de dois agentes, mas essa vontade tem que ser consentânea para que esse ato produza os seus efeitos e tenha a sua eficácia. O 2º Grupo de Câmaras Cíveis, até o ano de 1997, vinha firmíssimo na orientação de que o ato praticado pela Corte de Contas, no exame das condições de validade do ato administrativo – eu me refiro à admissão de servidor público, à concessão de vantagens a servidor público, à aposentadoria de servidor público, à revisão de proventos de servidor público e toda essa matéria praticada pela Corte de Contas -, era ato complexo, portanto a Corte de Contas não poderia figurar nos pólos passivos dos mandados de segurança, porque quem praticava o ato, na verdade, era o Prefeito, o Governador do Estado, o agente púbico que preside as autarquias, ou o Diretor da sociedade de economia mista, ou qualquer outra hipótese assemelhada. A partir de uma decisão célebre de um ex-integrante desta Casa que teve o ato de aposentadoria negado - o registro negado pela Corte de Contas -, a jurisprudência do 2º Grupo Cível se alterou. Foi então uma discussão longa. Eu tenho o acórdão aqui e não vou referi-lo, porque o debate é muito substancioso, mas o certo é que, a partir dali, a partir daquele momento histórico, mudou a orientação do 2º Grupo Cível. A partir daquele precedente, considerou o 2º Grupo de Câmaras Cíveis que o ato administrativo praticado pela Corte de Contas é 30 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE composto, portanto, a parcela que incumbe ao Tribunal de Contas na prática desse ato composto, ao negar especialmente o registro desses atos admissionais e de concessão de vantagens, aposentadorias e fixação de proventos, pode, sim, ser questionado na via judicial. É isso que o Dr. Amaro acabou de referir, e está aqui, consagrado no 2º Grupo, e a jurisprudência agora é uniforme, permitindo - e o Dr. Scliar está aqui praticamente em todas as sessões, defendendo o Presidente do Tribunal de Contas, e o 2º Grupo fechou a sua orientação - o mandado de segurança contra o Presidente do Tribunal de Contas no controle desse ato composto, na parcela que incumbe à Corte de Contas nessa prática do ato administrativo. Esse era o segundo aspecto formal que eu gostaria de trazer à consideração de todos, e depois até para o revide, se for o caso, para o debate que se vai seguir. Parece-me que não há mais dúvida – transitou aqui praticamente uniforme a idéia – de que esse ato é realmente composto. Dou, então, por encerrada essa parte formal e vou entrar na parte material, e, agora, então, vêm as questões realmente tormentosas. Se o Tribunal de Contas tem que figurar no pólo passivo desses mandados de segurança, por que, na origem, os mandados de segurança são só contra os Municípios, os dirigentes de autarquias, os dirigentes de fundações, os secretários de Estado ou o Senhor Governador do Estado? Por que não é a via ordinária a escolhida, e por que não estão o Município e o Estado, que são os órgãos que detêm a personalidade jurídica, no pólo passivo? O que está acontecendo, e eu quero trazer a debate, em muitos casos - e nós, na jurisdição, temos constatado isso -, são verdadeiras simulações. O Prefeito concede uma vantagem, aposenta o servidor, fixa seus proventos - e tantos outros atos -, manda a registro esse ato, o Tribunal de Contas nega o registro, volta para o Prefeito, o Prefeito engaveta e orienta 31 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE o servidor, ajuizar um mandado de segurança, que vai cumprir a decisão. Quase sempre esse mandado de segurança é concedido por uma série de considerações que não cabe aqui serem trazidas, e aquela decisão da Corte de Contas fica na gaveta do Prefeito. São raros os casos, e nós tivemos alguns emblemáticos, em que a autoridade pública, consciente da sua responsabilidade, vem ao Poder Judiciário na defesa do ato administrativo composto que lhe incumbiu começar e aí obtém a vitória. Tivemos casos históricos. Aqui em Porto Alegre, para lembrar só de um caso, mais de 500 professores foram aposentados porque o Município de Porto Alegre tinha a compreensão de que qualquer atividade desenvolvida em escola pública ensejava aposentadoria especial, e esses atos administrativos não foram registrados pela Corte de Contas, que tinha uma posição de que só a atividade sujeita ao pó de giz ensejava a aposentadoria especial: a atividade de docência efetiva. O que fez o Município de Porto Alegre? Ajuizou uma ação declaratória contra o Estado do Rio Grande do Sul de que o ato administrativo que ele havia praticado era legítimo. Então se permitiu toda a discussão, e foi o Des. Perciano de Castilhos Bertoluci o Relator, no âmbito da 3ª Câmara Cível, e faz muitos anos isso, faz mais de 10 anos, e se mantiveram aqueles atos de aposentadoria daquelas centenas de professoras municipais que tiveram negados os registros pela Corte de Contas. Esta é a forma, mas não é assim que está acontecendo. Todos nós sabemos que não é assim que está acontecendo. Na 3ª Câmara Cível nós temos, quase todas as semanas, divergências internas a respeito dessas ações que estão proliferando no interior do Estado, porque a via escolhida é a discussão entre o servidor e o Prefeito municipal, os dois partícipes desse ato inicial que, depois, não é registrado pela Corte de Contas, e o Poder Judiciário acaba chancelando a decisão administrativa que muitas 32 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE vezes está eivada de ilegalidade, com considerações de segurança jurídica, boa-fé e outras questões assemelhadas. Em relação à ampla defesa e ao contraditório - o segundo ponto da parte material que eu gostaria de trazer ao debate -, quero dizer ao Dr. César – ele referiu um precedente da minha lavra – que esta posição já foi alterada. O 2º Grupo Cível, a partir da sessão de outubro de 2006, alterou a sua posição. Aqui no Rio Grande do Sul, somos um simples Tribunal de passagem nesta matéria; quem decide as questões infraconstitucionais é o Superior Tribunal de Justiça, e as questões constitucionais, é o Supremo Tribunal Federal. A partir de 1997, com a chegada dos novos Ministros ao Supremo Tribunal Federal, especialmente da Min. Ellen Gracie, formou-se a jurisprudência daquela Corte nessa linha que o Dr. César referiu nesse precedente que leu, de que o ato administrativo que glosa uma vantagem não é punitivo, ele simplesmente invalida o ato administrativo; portanto, não há falar em garantia da ampla defesa e do contraditório. E o Dr. Antonio Vinícius inclusive fala: “Que ampla defesa é essa?” Se é inválido o ato, seria um simulacro de defesa, porque o Prefeito municipal não terá o que fazer; terá que cumprir a decisão da Corte de Contas. Isso no mundo ideal, porque o que se vê não é isso, pois a grande maioria não cumpre. A grande maioria tem uma grande dificuldade de cumprir. Não sei se continua essa realidade, mas eu sei que a Corte de Contas até queria criar uma força-tarefa para fazer os agentes políticos cumprirem as suas decisões, porque, em muitos casos, essas decisões não eram cumpridas pelos Senhores Prefeitos e pelas autoridades públicas encarregadas de fazê-lo. Mas o que houve, então, em relação à ampla defesa e ao contraditório? Com a chegada dessa nova leva de ministros ao Supremo Tribunal Federal, especialmente o Min. Gilmar Mendes, houve um debate célebre, entre ele e a Min Ellen Gracie, um acórdão brilhante, um acórdão 33 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE extensíssimo que está na rede. Essa orientação anterior do Supremo, firme, que foi lida pelo Dr. César, alterou-se. Qualquer ato administrativo hoje, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que suprima qualquer vantagem de servidor público, tem que ser precedido de um devido processo e do contraditório. E não há como se modificar isso; essa linha de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está consolidada. Então, o 2º Grupo Cível, a partir de outubro de 2006, alterou a sua jurisprudência e voltou a dizer que esses atos administrativos têm, sim, que ser objeto de devido processo legal e contraditório, especialmente quando a decisão emana da Corte de Contas e é dada muito tempo depois da sua prática. E aí vem o último ponto, que me parece o mais relevante e que gostaria de trazer a debate para a reflexão de todos: é o que está acontecendo na jurisprudência atualmente. O que está acontecendo no âmbito dos Municípios e do Tribunal de Contas? Os Municípios, ao praticarem um ato, especialmente o de aposentadoria e o rol de proventos, às vezes levam muito tempo para encaminhar esse expediente à Corte de Contas e o ir e vir de informações que têm que se complementadas para que o registro seja possível. Essa é a atividade que o Dr. Sandro referiu como cartorária, quase que como registral. Mas é indispensável. Nós tivemos ontem, na 3ª Câmara Cível – até posso falar, porque é mandado de segurança, não cabem embargos infringentes; talvez haja recurso especial, mas é matéria que eu não vou discutir – um caso típico: o Município de Cachoeirinha aposenta um advogado celetista, arrola vantagens próprias de estatutário e lhe confere essas vantagens e manda para a Corte de Contas o registro. Isso foi em 1996. A Corte de Contas recebe o expediente em 1998, baixa em diligência, porque não era cargo efetivo, era emprego público. Havia um erro num ato praticado em 1993 numa homologação de acordo na Justiça do trabalho - o sujeito foi nomeado, e devia 34 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE ser reintegrado como empregado celetista, foram concedidas vantagens do regime jurídico único e uma série de coisas. Baixa ao Município de Cachoeirinha. Em 2002, o Município responde à Corte de Contas retificando o ato administrativo e modificando uma série de itens que apareciam inicialmente no ato de aposentadoria do servidor ou do empregado. A Corte de Contas constata novas irregularidades, baixa em diligência, o Município leva mais dois anos para corrigir e agora, em 2005, revisa os proventos. Perfeito o ato administrativo, consentâneo com as determinações da Corte de Contas e com o que determinava a legislação municipal. O que alega o servidor? Decadência. De 1996 a 2005 transcorreram 9 anos. Art. 54 da Lei nº 9.784, que o Superior Tribunal de Justiça está estendendo a Estados e Municípios indiscriminadamente, estabelece que a Administração Pública, nos casos ali elencados, no art. 1º, § 1º, e no art. 54, se não revisar o ato em 5 anos, decai do seu direito, salvo que haja má-fé. Essa é uma discussão muito interessante que não vamos fazer aqui. Então, a dúvida é esta. No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, o ex-deputado estadual, ex-Prefeito de Pelotas, Bernardo de Souza, encaminhou um projeto, PLC nº 111, que tinha, no seu art. 17, regra idêntica à do art. 54 da Lei nº 9.784. Esse PLC foi arquivado, porque o Estado não quer que contra ele exista decadência ou prescrição. A vontade política que a sociedade manifestou é essa. Como aplicar, então, uma lei federal, que regula as relações da União com os seus servidores ao Estado do Rio Grande do Sul, que não legislou sobre o tema, disse que não quer legislar sobre o tema e efetivamente não vai legislar sobre esse tema? Com os Municípios, acontece a mesma coisa: o Município de Bento Gonçalves chegou a editar uma regra semelhante, na mesma linha da lei federal, no sentido de que, em 5 anos, a Administração decairia do seu direito de revisar o ato se não o praticasse eficazmente. O nosso Tribunal de 35 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Justiça concede provimento liminar e susta os efeitos dessa lei de Bento Gonçalves, dizendo que o Município não podia legislar sobre o tema. Vejam que situação está criada: aplica-se ou não se aplica ao Estado do Rio Grande do Sul e aos seus Municípios essa regra da lei federal que estabeleceu claramente – não tenho dúvida disso – a decadência do direito de revisar o ato administrativo praticado com erro? Essa é uma discussão que ainda vai render muito papel, muitas horas de reflexão. Trouxe essa questão aqui só para introduzir o tema e deixá-la para a discussão, porque, como disse o Dr. Antonio Vinícius, infelizmente o Poder Judiciário aceitou, e o Des. Perciano – é a minha última reflexão – dizia que o Estado, quando não tem como resolver as suas questões mais intrincadas, “deixa o Judiciário resolvê-las”. E virou praxe. É assim que se está governando em muitas questões. A lei de política salarial de 1995 é o exemplo mais gritante do que eu estou falando. Agradeço a todos a paciência por terem me ouvido e digo novamente que sou um intruso aqui; o Des. Roque ou o Des. Englert é que deveriam estar aqui até para debater essa questão da imposição de penas pela Corte de Contas. Muito obrigado. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS - Des. Nelson, Vossa Excelência não é de forma alguma um intruso, sua manifestação foi de grande contribuição para todos nós e certamente vai causar o debate. Abro a palavra aos assistentes para o debate, para fazerem perguntas, se desejarem, dirigindo-se a qualquer um dos componentes da Mesa e peço que utilizem o microfone para que tudo fique bem registrado pela taquigrafia. 36 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Quero cumprimentar as ilustres pessoas que referiram tão bem o que estávamos esperando, trouxeram os problemas que realmente existem, e que deverão ser solucionados. Eu tenho uma dúvida muito grande. Todos nós sabemos que o grande terror dos Municípios, de um modo geral, do Poder Público, é a Lei da Responsabilidade Fiscal, e, em razão disso, tocam para o Judiciário ações prescritas, execuções prescritas de, principalmente, crédito tributário. Como é que o Tribunal de Contas encara este fato? Porque disso vem ônus para os Municípios. Eu, particularmente, acho que o Município pode, desde logo, reconhecendo que está prescrito, arquivar o assunto, pois, se há uma lei determinando que o Judiciário, de ofício, decretará a prescrição, é só se antecipar. Agora, não sei como é que está sendo encarado este assunto, hoje, porque estão abarrotando o Judiciário? DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Com a concordância e a deferência do meu Presidente, procurarei esclarecer ao Des. Roque. De fato, como Sua Excelência bem identificou, a partir do momento que, na Lei de Responsabilidade Fiscal, considera-se que qualquer hipótese de renúncia de receita pode ensejar conseqüências do ponto de vista da responsabilidade fiscal e tipificação de crime fiscal, passou a haver, por parte dos Municípios, uma preocupação que, na realidade, sempre deveria existir com relação a esses temas que envolvem a possível prescrição de créditos tributários. O Tribunal de Contas, que tem posição sobre esse assunto, expressa em mais de um julgado e em mais de um parecer, inclusive parecer coletivo sobre esse assunto, que o que a Lei de Responsabilidade Fiscal 37 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE impõe, evidentemente, é a estrita observância da legalidade com relação à cobrança dos créditos tributários. Significa dizer, não há nenhum impedimento a que o Município legisle, dentre as várias hipóteses, por exemplo, fixando uma anistia, estabelecendo que créditos tributários abaixo de determinado valor, até pela sua antieconomicidade, não serão cobrados ou serão cobrados apenas na via administrativa. Nada! Não há por parte do Tribunal de Contas nenhuma objeção a que se faça isso, desde que obedecidas as exigências da lei. Casos concretos nos quais, sem atenção a nenhuma legislação municipal, simplesmente o administrador deixou por desídia, por descuido, por desinteresse, de fazer a devida cobrança destes créditos, são, sim, objeto de aponte pelo Tribunal, são, sim, e têm sido, inclusive - pelo menos eu me recordo particularmente de já ter decidido assim -, causa suficiente para ensejar emissão de parecer desfavorável, pela relevância que tinha nesse caso concreto, que tenho de memória. O que o Tribunal, nesse aspecto, tem feito é não mais considerar esses valores para fins de glosa, sob o argumento, que de uma maneira geral tem sido aceito, de que não há certeza e efetividade do dano nesses casos, porque não se pode, de antemão, afirmar que esses créditos, se cobrados fossem, de fato, reverteriam ao Erário. Nós sabemos que o percentual de êxito nas ações executivas, especialmente quando os créditos são de pequeno valor, é razoavelmente baixo. Nem isso impede que, em alguns casos concretos, até se tenha fixação de glosa; no entanto, quanto ao aponte, quanto à consideração do fato como relevante, até mesmo para emissão de parecer desfavorável, sim, isso tem sido feito. E acho que o Tribunal não tem nenhuma indicação de que pretenda alterar essa linha, até sob pena de acabar sendo conivente com alguma situação dessa natureza. Não sei se era essa a dúvida? 38 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS - Um pouco diferente. O que eu quero saber é, se o funcionário público, vendo que, realmente, reconhecidamente, está prescrito o débito, se ele é obrigado a executar. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Não, pelo contrário, ele deve reconhecer a prescrição, porque fere o princípio da economicidade, fere o princípio da legalidade. Portanto, não só pode, como deve reconhecer a prescrição, só que, nesses casos, submetendo-se a uma eventual consideração dessa circunstância, de ter sido prescrito o crédito para outros fins. Ingressar com uma ação judicial ou com uma medida administrativa para cobrança de um crédito prescrito é não só ilegal, como fere o princípio da eficiência e da economicidade. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Era isso, e eu particularmente gostaria que toda essa informação chegasse ao conhecimento de todos os Municípios do Rio Grande do Sul. SRA. MARILÚCIA (Auditora do Tribunal de Contas do Estado) – Foi falado, na Mesa, sobre as decisões do STF, que se tem posicionado sobre o contraditório e a ampla defesa no âmbito dos Tribunais de Contas. Queria que o Dr. Santolim falasse, até para esclarecer, sobre questão muito questionada, que é a realização de perícia técnica: estão anulando o procedimento do Tribunal de Contas da União porque não foi realizada a perícia técnica. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Aí há um detalhe que talvez tenha que ser levado em consideração. O Tribunal de 39 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Contas da União, diferentemente da maneira como atuam o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e a maior parte dos Tribunais de Contas brasileiros, determina, freqüentemente, medidas que dizem respeito aos agentes privados que possuem relação com a Administração Pública. Por exemplo, o Tribunal interfere em um processo licitatório para determinar a exclusão de uma determinada licitante. Nós, aqui no Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, não temos previsão legal, na nossa Lei Orgânica, desse tipo de atuação e não o fazemos, a nossa atuação se dirige exclusivamente aos agentes públicos. Essa inter-relação com a empresa privada realmente abre um campo de discussão em matéria de prova que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido deve ser o mais amplo. O comando do Tribunal de Contas da União é dirigido à empresa, coisa que nós, aqui, insisto, não fazemos. E, nesses casos, ele tem reconhecido, portanto, a possibilidade da dilação probatória. Aproveito a pergunta para fazer uma breve observação a respeito do comentário que o Des. Nelson Pacheco fez há pouco, inclusive levando em conta que a mudança da orientação do Supremo Tribunal Federal teria proporcionado também a mudança da orientação aqui do 2° Grupo Civel. Salvo equívoco, esse acórdão, referencial, paradigma, do debate entre o Min. Gilmar Mendes e a Min. Ellen Gracie tinha como foco uma situação muito particular, em que um ato que já tinha sido registrado foi objeto de revisão pelo agente administrativo, e, via de conseqüência, entendeu o Supremo, neste caso, esta situação deveria merecer a oportunidade da observância do devido processo legal e ao contraditório. No entanto, nessa mesma decisão e em outras que o Supremo tem adotado, eles têm entendido que, quando se está no estrito exercício daquela atividade de apreciação da legalidade dos atos de admissão e inativação, o Tribunal de Contas não precisa obedecer a esse mesmo 40 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE princípio do contraditório e da ampla defesa, portanto mantendo a sua orientação no particular, o que me parece bastante razoável. Preocupo-me com esta questão, porque propostas de súmula vinculante que têm aparecido nos meios de divulgação, inclusive pelo próprio Supremo, que resultaria na Súmula n° 5 - ou na de nº 6 -, que diz respeito a essa necessidade do contraditório no Tribunal de Contas, por si só, pode gerar essa dificuldade interpretativa. Procuram-se os precedentes que geraram o verbete da súmula, e se percebe essa distinção, mas a súmula em si mesma não dá ensejo à persecução dessa sutileza de distinção, que é relevante, sim. Como disse o Dr. Vinícius, o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, para citar apenas o nosso caso, oportuniza, sim, aos servidores atingidos pelos atos a que eventualmente o Tribunal nega registro a manifestação, por meio de recurso, nos mesmos prazos que são conferidos aos administrados e aos administradores. No entanto, entender-se que este mesmo servidor deveria integrar o processo de verificação sobre a legalidade desde o início seria um absurdo, nós transformaríamos a nossa atuação, não numa atuação sob os administradores, mas sobre os administrados. Então, o Tribunal não vai mais fiscalizar a administração, vai fiscalizar o servidor, e isso certamente não é competência constitucional do Tribunal de Contas, e nem haveria condições materiais de fazê-lo. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Permite, Excelência? O próprio inc. II do art. 71 é claro ao dizer que o Tribunal vai julgar as contas e atos dos administradores, e não daquele que nós chamamos de terceiro prejudicado, com o qual, por força interna nossa, inclusive pelo nosso Regimento Interno, Lei Orgânica etc., temos uma preocupação enorme. E isso também foi motivo de muito debate nas hostes do Tribunal. 41 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Apesar de termos consciência de que a bilateralidade de relação se estabelece entre tribunal e agente político ou administrador, a grande verdade é que nós não poderíamos usar uma viseira, colocar um pano preto ou uma burca que nos desse a idéia de não existir a figura de um reflexo, o reflexo que ocorreria para um terceiro prejudicado. E aí começaram os debates, porque não se sabia que prazo teria o terceiro prejudicado, qual o lapso temporal para recorrer. E começou uma série de debates, uma série de encontros, debates do nosso corpo técnico, da nossa auditoria, do próprio corpo de julgadores, e hoje está consagrado, e inclusive figura no nosso texto legal, que a pessoa ou o servidor que se sentir prejudicado - e nós chamamos de terceiro prejudicado - tem todo o direito, e acho que até o dever, de ingressar com recurso no mesmo prazo que o agente político tem. E este procedimento é tão amplo que, vejam os prezados julgadores aqui do Tribunal de Justiça, apenas a nomenclatura é que altera. Aquilo que os senhores chamam na Justiça Estadual de recurso de apelação, ou seja, um decisório de 1° Grau em que alguém que se sentiu inconformado ingressa para que uma Câmara, no caso, tradicional, o examine na fase recursal, nós chamamos lá de recurso de embargos, quando a matéria é privativa de exame de Câmaras, e chamamos de recurso de reconsideração, quando a matéria ou o decisório envolveu matéria de competência específica do Tribunal Pleno. Então, no caso típico, a esta figura do servidor público que, por qualquer circunstância, sente-se prejudicado, em especial quando toma conhecimento de que seu ato não foi registrado - portanto, uma série de expectativas dele ocorrem, e nós temos que respeitar e considerar, seria absurdo não olharmos por este ângulo do lado da vida pessoal -, nós oportunizamos de forma ampla, e, no caso típico de inativações, revisões de proventos, admissões, ele entra no mesmo prazo com recurso de embargos e 42 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE com todo o direito de trazer à Mesa de exame a documentação mais profunda que ele tem, argumentação doutrinária e jurisprudencial, sem até mesmo o prejuízo de que o Conselheiro, entendendo - antes de remeter, pois, depois que passa pelo controle técnico e instrução técnica da fase recursal, o Ministério Público encerra a instrução e, com o parecer do Parquet, vai ao Conselheiro Relator - que há uma nebulosidade a ponto de ensejar uma necessária diligência, determina, faz o seu interlocutório, e, no retorno da diligência, para aclarar as coisas e também para dar o princípio da legalidade, ele passa novamente aquele feito pelo crivo, tanto do órgão técnico, em conhecendo o que a diligência trouxe, como pelo parecer ministerial, que poderá, a critério do seu subscritor, no caso, o Procurador-Geral ou seu adjunto, até modificar a posição. Então, vejam os prezados amigos que o que ocorre no Tribunal, na minha modesta concepção, não pode ser conhecido como nãooportunização ao grande princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Dr. César, só duas observações bem objetivas. Se Vossa Excelência consultar os bancos dos sites do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça irá se deparar com dezenas de precedentes nos quais esta questão da ampla defesa e do devido contraditório está sendo imposta para toda a administração pública como prius na questão da revisão do ato administrativo. Esse primeiro precedente que se estabeleceu no Supremo Tribunal Federal a partir do debate do Min. Gilmar Mendes com a Min. Ellen Graice alterou, sim, e profundamente, a jurisprudência daquela Corte, e o Superior Tribunal de Justiça, imediatamente, passou a adotar aquela linha. Aliás, convém não esquecer o que aconteceu aqui no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul com as multas de trânsito. Praticamente foi o 43 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE único Estado em que o Poder Judiciário aceitou essa discussão, os outros fecharam as portas, e não se tem notícia de que nos outros Estados importantes da Federação essa matéria tenha tido a repercussão que teve aqui no Rio Grande do Sul. E, ao fim e ao cabo, o Superior Tribunal de Justiça assegurou a todos a ampla defesa e o contraditório mesmo sendo infratores indiscutíveis que haviam sido notificados e do que não havia dúvida a respeito. Foi assim, tanto foi assim que se alterou a legislação e o Contran editou a Resolução n° 149 para se adequar a esta linha jurisprudencial. Não vai se alterar a orientação, seguramente, nesta questão da ampla defesa e do contraditório. Em relação à colocação do eminente Dr. Sandro, gostaria de contra-argumentar que esta hipótese que Vossa Excelência referiu já foi enfrentada pelo 2° Grupo Cível e foi chancelada a posição da Corte de Contas, porque é humanamente impossível assegurar a todos os servidores dos mais de 490 Municípios que temos, desde o princípio do procedimento de registro, desse ato composto, a defesa. No entanto, por outro lado, a figura que Vossa Excelência usou, do recurso, dos embargos, de toda a estrutura pela qual o Regimento Interno da Corte de Contas permite ao servidor a defesa, é utilizada por 0,00001% do universo. Realmente, para aqueles atos praticados nos pequenos Municípios - Quevedo, Sertãozinho - é humanamente impossível aquele servidor vir a Corte de Contas e se defender. Esta defesa tem que ser garantida quando há negativa de registro e quando o Município é cientificado pela Corte de Contas. Então, ouça-se o servidor, garanta-se-lhe a defesa e, se for o caso, até se mantenha a decisão de conceder a vantagem, conceder a aposentadoria, conceder a admissão, e aí se venha sustentar perante o Poder 44 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Judiciário. O que não pode ocorrer é esse jogo de faz-de-conta que está acontecendo, e Vossa Excelência sabe. O Tribunal de Contas está determinando, está positivamente atuando neste controle, e os nossos agentes políticos, não diria todos, mas a grande maioria, não está cumprindo, é uma grande preocupação. Em todos os casos que nós recebemos na jurisdição, esse procedimento nunca é instaurado, salvo raríssimas exceções. Os Prefeitos, os Secretários Municipais, os Procuradores Municipais simplesmente exoneram o servidor, cortam a vantagem dizendo que foi o Tribunal de Contas que determinou, e aí se esbarra nesta questão da ampla defesa e do contraditório, que em momento algum foi garantida. O Dr. César referiu um precedente meu, dizendo que, nesta hipótese, não havia como garantir a ampla defesa e o contraditório, porque o ato não era punitivo. Mas isso já não vigora mais; isso, a partir de outubro de 2006, foi alterado, e a jurisprudência atualizada do 2° Grupo Cível que serve de norte para a Corte de Contas está apontando o caminho. Há que se achar uma solução. Penso que a única solução, apesar da crítica do Dr. Antonio Vinícius, é, na origem, quando o Tribunal de Contas nega o registro, o administrador garantir ao servidor a defesa, ouvir e apreciar esta defesa e, se for o caso, sustentar perante o Poder Judiciário que ele tem razão e não a Corte de Contas. Isso é possível, Porto Alegre já demonstrou que é possível. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Permite-me, Desembargador, eu estava aqui atento à oportunidade de lhe dizer, e o Conselheiro Sandro teve a mesma preocupação, de que, via de regra, é o que o Tribunal de Contas determina. 45 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Ao negar registro, o nosso jurisdicionado, seja o Município, seja outro, tenha o cuidado de determinar a cientificação do servidor, oportunizando a ele que, tendo ciência, aí sim, da decisão, inequivocamente, possa apresentar os seus argumentos, além de possibilitar-lhe também, por isso, que apresente o seu recurso junto ao próprio Tribunal de Contas. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Permita-me só uma inclusão, ainda pegando um gancho no que o Des. Nelson falou. Isso existe, temos ciência e consciência disso, lamentavelmente, às vezes, ocorre um fato muito interessante. Existem os dois lados da faca. Existe aquele Prefeito, aquele agente político, que tem interesse em acolher a posição do Tribunal de Contas, exonerando aquele servidor de imediato, sem ampla defesa, porque aquele servidor teria sido admitido, por exemplo, numa gestão de um adversário político que exerceu o poder de mando em outra legislatura. Como também existe o contrário, como Vossa Excelência diz, engavetar, não ter interesse, porque aquele servidor que está admitido o foi no seu período e inclusive por apadrinhamento de caráter político. Era isso, apenas para reforçar o que Vossa Excelência disse. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Apenas para resgatar uma observação que havia sido feita antes, particularmente pelo Dr. Vinícius, mas também pelo Des. Nelson. Quando eu havia, na minha manifestação primeira, feito referência ao que considerava inadequado, o fato de que eventualmente o Tribunal de Contas integrasse o pólo passivo em mandado de segurança, talvez eu não tenha sido específico, eu quis dizer que me irresignava quanto a que isso ocorresse sendo exclusivamente o Tribunal de Contas o integrante do pólo passivo. 46 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Não tenho nenhuma dúvida, dadas essas circunstâncias, inclusive da natureza do ato visto como composto e da própria necessidade e conveniência da presença do Tribunal de Contas para evitar essas situações como o Des. Nelson Pacheco identificou, de verdadeiras simulações, porque a angulação processual, se vistos restritamente o interessado e o administrador, pode não traduzir o conflito de interesse real, pode não haver o conflito de interesse, aliás, essa situação não é particular, é situação de servidores. Lembro, a propósito, um assunto extremamente tormentoso, que é este da possibilidade ou não de se cederem a instituições privadas as folhas de pagamentos das Prefeituras, em que se tem criado mandados de segurança verdadeiramente falaciosos. A administração, pretensamente para cumprir a orientação do Tribunal de Contas, exclui ou impede a participação de instituições privadas. Elas ingressam com mandado de segurança contra a Prefeitura, que presta informações precariíssimas e não aborda o assunto na sua profundidade. Lá, temos uma decisão favorável, e o Tribunal de Contas que, na realidade, é o agente interveniente, pelo menos na perspectiva atual, que entende que estas medidas são inconstitucionais, acaba ficando de fora de toda a discussão. DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK – Cumprimento Vossa Excelência, Desa. Rejane, na presidência dos trabalhos, e também Sua Excelência, Dr. Sandro, Presidente do Tribunal de Contas, e assim cumprimento todos os demais integrantes da Mesa de trabalho. Eu teria três questões, mas serei bastante breve, porque vou apenas pontuá-las e disseminar, entre todos os debatedores, essas questões: uma dirigida aos eminentes integrantes da Corte de Contas, uma ao Des. Nelson e outra ao Dr. Vinícius - e seria interessante examinar a posição do Tribunal de Contas a este respeito. É quanto a estas certidões emitidas, com trânsito em julgado, que, sabemos, por força da Constituição Federal, e 47 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE também da Constituição Estadual, porque remete a ela, no art. 71, § 3º, da Carta Maior, e no art. 71, caput, da Constituição Estadual, a eficácia de título extrajudicial. A questão que se impõe, e se examina amiúde nas Câmaras do 1º Grupo e agora, embora até entendendo um certo desconforto do Des. Nelson, porque disseminada também pelas do 2º Grupo, em razão da competência, mas não quero adentrar neste tema, não é esta a questão, é a seguinte: o meu ponto de vista, e parece ser esse o de uma certa maioria, pelo menos nas Câmaras do 1º Grupo, já diverge o Des. Roque, é de que o Município pode-se valer desta certidão, como título executivo que é, por mandamento constitucional, mas, se quiser se valer dela para proceder à cobrança executiva, deverá fazê-lo pelo rito comum da execução pelo Código de Processo. No entanto, se quiser se valer da LEF, lei de execução especial, haverá de constituir o seu título necessariamente inscrevendo-o em dívida ativa, porque aí não mais será a certidão o título executivo, mas, sim, a CDA. Esta é a posição que parece, hoje, vamos dizer, prevalecer, pelo menos nas Câmaras que compõem o 1º Grupo Cível, em que pese a divergência do Des. Roque. Seria essa a questão pontual que eu gostaria de colocar. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Há uma sintonia, neste aspecto, nossa e do Dr. Santolim, então, ele pode, perfeitamente, responder a Vossa Excelência. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Em razão da organização dos trabalhos, o Des. Henrique colocará as suas três perguntas. 48 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Eu pretendia dizer que nós estamos inteiramente de acordo. DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK – Então, o Des. Roque está vencido. A terceira questão é mais uma referência pontual ao que o Des. Nelson colocou, que se refere à decadência administrativa. É preocupante, realmente, porque nós sabemos que aquele projeto que foi encaminhado pelo Dep. Bernardo de Souza ficou engavetado na Assembléia Legislativa, necessariamente guardado e fechado. Mas há uma sinalização, e eu poderia informar isso, e Vossa Excelência, com certeza, tem conhecimento. Quando as Câmaras do 1º Grupo acenaram com a decadência administrativa na questão da revisão de pensão das filhas solteiras, o STJ, entendendo mal a colocação - pelo menos dos acórdãos da 1ª Câmara, porque nunca se invocou como norma de cogência ou de regência para reconhecer a decadência administrativa, mas, sim, apenas por uma questão de analogia, inclusive referindo estes acórdãos o projeto de lei que se encontrava na Assembléia Legislativa -, disse que, sim, seria possível aplicar a lei federal às questões aqui debatidas, no âmbito estadual, desde que posterior, evidentemente, à vigência desta lei federal. Portanto, parece que há esta porta aberta para que se possa aplicar a regra federal, a norma federal, em termos de expor a respeito da decadência administrativa também para as questões de âmbito estadual e, por via de conseqüência, as de âmbito municipal. E a terceira questão que eu gostaria de colocar, pelas referências que fez o Dr. Vinícius, e eu tenho esse ponto de vista, estou bastante convicto disso, é a de que o ato do Tribunal de Contas, como ato administrativo que é, sujeita-se, evidentemente, à possível revisão pelo Poder Judiciário, por vezes, adentrando até no exame técnico necessariamente, e 49 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE assessorando-se, evidentemente, para isso o Judiciário deve lançar mão, porque, se não é técnico no assunto, deve-se assessorar disso por via de um auxiliar do juízo. E mais, quando se trata de ato motivado, evidenciando-se que o motivo que levou àquela definição ou àquele ato administrativo inexiste, não é correto. Ou seja, o Tribunal de Contas poderia ter-se desviado no exame da aplicação legal em relação ao substrato fático, que amparou este ato administrativo, desviar-se do figurino legal de regência, e, por via de conseqüência, necessariamente, haverá de adentrar o Poder Judiciário e proceder a esta revisão. Claro que sabemos que hoje há um desleixo muitas vezes, mas esse desleixo eu deixaria mais pelo despreparo, ou por qualquer outra coisa, não por força de intenção, ou deliberação nesse sentido, e isso é histórico, e não é só no Brasil, que torna, muitas vezes, estas questões tormentosas e de necessária intervenção do Poder Judiciário, mas haverá este de intervir e não poderá declinar da sua competência e nem da sua atribuição e do seu dever institucional e constitucional de impedir que eventual lesão ou ameaça de lesão possa provocar a particular uma violação a direito seu. São essas as três questões pontuais que eu gostaria de colocar e ouvir os eminentes integrantes da Mesa. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – A respeito da primeira, parece-me que já foi respondida. DR. CESAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Apenas gostaria de esclarecer que, nesta matéria, até onde eu saiba, não há nenhuma manifestação do Tribunal. Aqui, uma sintonia de pensamento do Conselheiro Sandro comigo, e, possivelmente, se eu fosse fazer um levantamento entre os 50 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE meus colegas Auditores, pelo menos posso afirmar que a quase totalidade deles pensa da mesma forma, mas eu ignoro que haja alguma manifestação ou decisão do Tribunal de Contas como órgão em relação a este assunto. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Estamos apenas em debate. Mas, de qualquer forma, eu queria justificar a minha posição, que não é só minha, parece-me que também é a do Des. Cassiano e do Des. Arno. Penso que Suas Excelências estão dentro da mesma linha de raciocínio. É um raciocínio simples: por que deve ser este título executivo, que é, inscrito em dívida ativa? Diz a Lei nº 6.830, Lei das Execuções, no seu art. 2º: “Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320,...”, que é a Lei do Orçamento. E o § 1º diz: “Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública”. E, na Lei nº 4.320, no seu art. 3º: “A Lei do Orçamento compreenderá todas as receitas da Fazenda Pública”. Então, acho que não há exclusão nenhuma, está naquele título, já foi reconhecido. No entanto, há uma necessidade de ele inscrever-se em dívida ativa, até porque o art. 2º, § 3º, exige que seja feito o exame da legalidade do ato, que se examine aquele documento para ver se é realmente autêntico. Essa é a atividade da inscrição em dívida ativa, consta no § 3º do art. 2º, e essa é a minha posição. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Vou fazer uma pergunta não ao Desembargador, mas ao tributarista Roque Joaquim Volkweiss: e a função da inscrição em dívida ativa é exatamente conferir certeza e liquidez ao crédito tributário? 51 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Isso. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Que já foi dada, porque se trata de um título executivo, como definido. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Não, o título vem como executivo, mas como vou ter a certeza de que este título realmente é do Tribunal de Contas? DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM - Mas só é executivo se for líquido e certo. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Não, não é liquidez e certeza; é a legalidade, a autenticidade, não se falou em liquidez e certeza aqui, isso é conclusão sua. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Há uma presunção, constitucional, de certeza e legalidade. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – É, saber se é autêntico o título, se realmente veio de lá. É o exame da legalidade, mas no sentido da autenticidade do documento. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Eu peço vênia para intervir e discordo de certo modo. Parece-me que há uma presunção constitucional dessa legalidade, dessa liquidez e dessa certeza, e que, em função disso, seria desnecessária a inscrição como dívida ativa, porque não viria traduzir esta certeza ou esta liquidez ou ainda essa legalidade. Seria ainda um ato 52 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE administrativo e que possibilitaria, com ou sem inscrição, a fase de embargos por meio da execução, na Lei de Execução Fiscal, e que, portanto, acho que nada acrescentaria ao ato já emanado diretamente do Tribunal de Contas. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS - Se não fizermos a inscrição em dívida ativa, este título não passa pela contabilidade da instituição credora. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Daí a nossa concordância com a posição do Des. Henrique, no sentido de que, de fato, se o interesse é de se usar a via da Lei nº 6.830, da LEF, inafastável a necessidade da inscrição, mas, como há uma outra via, uma via alternativa, que seria a execução seguindo as normas do Código de Processo Civil,... PLATÉIA – Mas vai ficar sem registro? DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Não, absolutamente, a questão não é contábil. PLATÉIA – Mas envolve. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Não. PLATÉIA – O orçamento envolve, não vai pelo orçamento. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Não devemos confundir a questão contábil com a possibilidade da utilização e da consideração desta certidão como título executivo. Não há sentido, seria até redundante um título que já tem, por definição constitucional, assegurado a ele 53 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE um determinado status, demandar um outro ato administrativo para que lhe seja dado o mesmo status que ele já tem, isso seria redundante, data venia. DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK – Até porque, se me permite, na medida em que o Município, se quisesse se valer do rito especial da LEF para execução da certidão, que já é título executivo, deverá fazer a inscrição, e agora, sim, constituir esta CDA, inclusive, se for o caso, até com a abertura de notificação, para que, no âmbito administrativo, antes da inscrição, haja eventual manifestação da parte interessada. Mas é uma questão de escolha de rito, só isso. O que impede o Município, com base nesta certidão, de entrar com uma ação monitória, se fosse o caso, com uma ação de cobrança comum? Nada. Des. Roque, não podemos confundir a escolha do rito pela Lei nº 6.830 com a necessidade de o Município inscrever em dívida ativa uma certidão do Tribunal de Contas que já é título executivo por disposição constitucional. É uma desnecessidade. A razão da inscrição em dívida ativa é só para, se o Município quiser, se valer, maxima venia, da execução especial, aí sim, ele terá que executar a CDA, o seu título, ele terá que constituir o seu título; fora disso, não. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Eu até admito essa conclusão, porque essa nossa Lei de Execuções Fiscais é de 1980, e a Constituição que atribui título executivo é bem mais recente. Talvez a lei não esteja atualizada, deveria fazer a restrição, quem sabe, ou ainda que por interpretação, então. A questão é realmente discutível. 54 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Agora o Des. Nelson responderá ao Des. Henrique. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Des. Henrique, este tema que eu trouxe, a respeito da aplicação da decadência contra a Fazenda Pública, contra a Administração, é mais para a reflexão. Realmente, estou muito preocupado com isso. Para que Vossa Excelência tenha idéia, a 3ª Câmara está dividida, rigorosamente dividida, nesta interpretação: uns Desembargadores seguindo o Superior Tribunal de Justiça, outros seguindo o 2º Grupo Cível, até que se tenha uma orientação mais firme da jurisprudência a respeito deste tema. Mas o que mais preocupa é que, realmente, o ato administrativo inválido, aquele que todos os partícipes sabem que tem defeito na sua gênese, é o que mais demora, é o que mais tempo leva na diligência, é o que mais tempo o Prefeito leva para responder, e inexoravelmente os 5 anos são curtos para este tipo de reexame. Na sessão de ontem da 3ª Câmara Cível, como exemplo que trago, foram 9 anos, e era escancarado o ato inválido naquele caso. Aplica-se o art. 54. DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Desembargador, se me permite, farei só uma observação. Eu tive oportunidade de escrever sobre este assunto, inclusive a Revista da AJURIS teve também a gentileza de publicar o meu artigo, e eu sei que essa não é uma posição do Tribunal, mas uma posição minha, mas, na minha avaliação, como não existe uma teoria da invalidade ou da validade específica dos atos administrativos, se nós nos vamos socorrer da teoria geral da validade dos atos jurídicos, inevitável reconhecer que o advento do novo 55 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Código Civil, ao determinar que o nulo não convalesce, teria que ser visto também como elemento determinante na análise desta discussão. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Reconheço. Este tema ainda vai dar muita discussão. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Atualizando a Súmula nº 473. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – A nova linha de orientação diz que o Tribunal de Contas não pratica a autotutela da Administração ao examinar o ato administrativo para efeito de registro, não se enquadra na autotutela, não se enquadra na via revisional da Administração, é um outro ato, é um ato registral. Então, não se aplicaria a ele a regra do art. 54. Mas, como estou dizendo, é para reflexão, e isso vai ter que amadurecer. Como disso o Des. Henrique, o Superior Tribunal de Justiça apanhou aquela situação das filhas solteiras e dependentes do IPE e aplicou o art. 54 da Lei Federal para os fatos posteriores a 1999. É um fato histórico, nós não temos como negar isso. Será que vai fazer isso em relação aos atos compostos praticados pelo Tribunal de Contas? Não sei, vamos aguardar. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Dr. Vinícius, tema palavra. DR. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA – Com relação ao mérito administrativo, a minha preocupação, Des. Henrique, a qual já salientei, é quanto à questão da expansão da intervenção jurisdicional dos 56 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE atos administrativos e à vocação de atribuições, eventualmente, que não sejam nossas. Por isso saliento que, via de regra, a interferência jurisdicional, no meu ponto de vista, deveria ater-se aos aspectos formais, evidentemente, e não se estaria, com isso, negando eventual análise de questões atinentes ao próprio mérito. No entanto, aqui, a questão é muito mais delicada, a atenção deve ser redobrada, e nós temos visto, com muita freqüência, ações na Fazenda Pública com relação, sobretudo, à matéria de concurso público, questão de interpretação de questões de concursos. É uma questão muito relativa, é muito dificultoso se falar sobre interpretação de mérito jurídico de questões de concurso. Então, isso é tormentoso e pode dar margem ao que eu chamo de vocação de atribuição que não seja especificamente nossa. E o meu cuidado é esse. Evidente que eu não estou dizendo com isso que o Judiciário não tenha competência e não tenha que, eventualmente, sanear eventuais erros administrativos em mérito propriamente dito. No entanto, nestas questões técnicas, e aí eu estava fazendo referência ao Tribunal de Contas, fica menor ainda a possibilidade de intervenção. Claro que o Juiz poderá valer-se de assessoramento técnico compatível a fim de, quiçá, desautorizar até a conclusão da Corte, mas, com certeza, é uma dificuldade bem maior, é uma possibilidade muito mais remota de acontecer, a menos que se comprove, e aí se demonstre, quantum satis, o erro na atividade. E nós temos enfrentado esta questão, particularmente com relação à atividade do Estado no âmbito da saúde pública, questão de interpretação nos protocolos clínicos, se estariam certos, se estariam errados. Essa é uma questão de amplo debate e que dificilmente, no âmbito do Judiciário, iríamos resolvê-la, a menos que novamente ingressássemos numa seara de atribuição que não é exatamente a nossa, que torna, eventualmente, muito cômoda a atividade da administração no momento em que é possível se 57 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE desincumbir dessa responsabilidade e deixar que o Judiciário, ao fim e ao cabo, resolva ou não estas questões. Se me permite, Presidente, apenas para fazer uma referência, e, desta forma, se não lhe respondi, não coloquei adequadamente, retornaria apenas para falar com relação à questão do contraditório e da ampla defesa, porque é uma questão que preocupa muito, principalmente o Juiz de 1º Grau, que é para quem deságuam, num primeiro momento, estas questões. O Des. Nelson referiu a questão das multas, e eu ia fazer exatamente a referência, porque ela é muito pertinente, é muito similar, no que concerne ao contraditório e à ampla defesa, porque, enquanto eu trabalhava com as multas, depois houve deslocamento de competência nas Varas da Fazenda Pública, eu não concedia e tenho muita dificuldade em compreender, mas respeito, evidentemente, as decisões superiores, sobretudo as do STJ, inclusive a que deu margem à nova legislação. É uma questão eminentemente de interpretação. Por que o deslocamento da ampla defesa e do contraditório? Entendeu-se dessa forma, com esta postura, que contraditório e ampla defesa seriam aqueles estabelecidos somente no momento preliminar, ou seja, negou-se, em caráter de defesa e contraditório, a atividade recursal. Tenho uma pretensão um pouco processualista, até ministro aula nesta matéria, e sustento que o contraditório e a ampla defesa se travam a qualquer momento na relação processual. E o Dr. Sandro fez referência à questão dos recursos denominados de terceiros prejudicados, uma figura bem típica do nosso sistema processual, o que é habilitado a intervir no processo, principalmente na fase recursal em função do prejuízo decorrente da decisão, e nunca, nem por isso, se nega esta característica de ampla defesa ao terceiro prejudicado em função desta decisão. Tenho muita dificuldade, Des. Nelson, de enxergar esta ótica da necessidade de se proporcionar esta ampla defesa ao terceiro 58 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE administrado num processo cujo âmbito de atuação é eminentemente direcionado ao administrador. Seria, no meu singelo ponto de vista, uma forma muito desinteressante de atravancar a atividade de controle, e não seria o fórum adequado. Acho que seria até mais propício, e eu cheguei a salientar isso na primeira intervenção, que se propiciasse essa defesa por meio dos recursos, que é o que se faz, e aí fica-se um pouco em dúvida com relação à efetividade dessa defesa lá na origem, porque o ato em si já estará consumado, e, então, nós vamos transferir esta aparência, de um momento antecedente, para um momento conseqüente. Não haverá solução igualmente, porque o administrador não vai atender especificamente às postulações do administrado, ele vai convalidar o ato, isso é a regra. Tanto é que hoje não se faz o contraditório, porque aí a vontade política, que o Dr. Sandro referiu, vai estar muito condicionada a questões ideológicas e momentâneas. E aí volta, Dr. César, a questão da participação do Tribunal de Contas no pólo passivo dos mandados de segurança, que acho fundamental, e Vossa Excelência ratificou, e o Des. Nelson também, dizendo que há simulações, evidentemente. E estas simulações vão ficar escancaradas somente no momento em que aquele órgão, que, realmente, proporcionou o reconhecimento da irregularidade, vem a esclarecer estes fatos. Então, esta questão do contraditório me preocupa muito, porque é nela que atuamos com mais freqüência, e eu tenho muito medo que isso se torne mais uma fonte de inspiração para atravancar a efetividade das instituições e a efetividade, inclusive, do próprio Poder Judiciário. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Eu só recomendaria a Vossa Excelência que lesse esse debate entre o Min. Gilmar 59 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Mendes e a Min. Ellen Gracie neste precedente, que ficou famoso, quando, então, se alterou a jurisprudência do Supremo. DRA. DENISE OLIVEIRA CEZAR - Prezada Colega Rejane, nosso querido amigo, companheiro Sandro Pires, na pessoa dos senhores, saúdo todos os integrantes da Mesa, os meus colegas também, os nossos funcionários e todos que estão aqui presentes neste debate. Evidentemente, não poderia deixar de dizer da satisfação de estar aqui assistindo a esta proximidade que apenas reflete o trabalho permanente de parceria que se tem no âmbito do Poder Judiciário com o Tribunal de Contas, e uma parceria sempre voltada para o interesse público. Vejo que estão aqui os nossos dois colegas, Juízes Assessores, a Lusmary e o Eduardo Uhlein, a Nina Púperi também, que trabalham diuturnamente com esta matéria. Eu também estive na assessoria da Presidência e gostaria de deixar o meu depoimento. Nós não temos nenhuma dificuldade com relação à alegação de ofensa ao contraditório e à ampla defesa nas invalidações de atos referentes ao Poder Judiciário. Por que nós não temos? Porque existe entre os administradores públicos do Poder Judiciário e a Corte do Tribunal de Contas a mesma concepção de que todos trabalham com uma finalidade só. Não há entre nós jamais interesses contrapostos, mas um interesse comum e a vontade de fazer o ato administrativo cumprir a sua finalidade e, eventualmente, ao fim e ao cabo, ser questionado no âmbito do Poder Judiciário, mas não por falhas nossas reciprocamente. Então, é claro que há uma margem na legislação que permite àquelas pessoas que não querem que os atos administrativos dêem certo que eles sejam questionados inclusive pela sua forma no âmbito do Poder Judiciário. E esta margem de dúvida na legislação talvez pudesse ser 60 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE suprimida por algumas regras mais claras. No entanto, temos que saber que quem quer descumprir a lei vai sempre encontrar um espaço de divergência. Gostaria também de dizer que, além desta vontade comum e recíproca do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas de fazerem os atos administrativos darem certo, existe também algo que talvez esteja faltando na Administração Pública como um todo, que é um espaço de abertura e de troca de experiências antes mesmo que os processos se criem, muitas vezes, por meio de consultas formais ou informais que fazem com que nós possamos, juntos, evitar que algumas questões se tornem problema depois. E mais do que isso, embora nós tenhamos esse espaço próximo, de construção, às vezes, há pontos em que nós não conseguimos superar e respeitosamente ficamos em posições diferentes, como o caso, rumoroso, de umas nomeações de Oficiais Ajudantes, que acabaram ocorrendo depois de já findo o prazo de validade do concurso público, nos quais não conseguimos nos entender, e, enfim, “vamos para o Poder Judiciário”. No entanto, sempre estamos com o objetivo de fazer com que as coisas dêem certo. Talvez o que não esteja havendo, na Administração como um todo, seja esta vontade norteada pelo interesse público de fazer com que os atos administrativos sempre dêem certo. Talvez essa nossa proximidade seja um caminho no qual possa-se abrir, Des. Roque, eventualmente, chamando a FAMURS para alguns debates, inclusive, em torno de questões que digam respeito ao interesse da Administração Pública. Claro que o Direito é complicado, o Magistrado tem, muitas vezes, dificuldade, porque as posições não estão definidas, disse o Des. Nelson, que esta matéria está ainda sub judice, não foi ainda definida pelo Min. César Peluso. No entanto, independentemente das posições, a alguns procedimentos talvez se pudesse tentar, deixar claro e, eventualmente de 61 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE alguma forma, tentar começar a formar uma cultura nas Procuradorias dos Municípios, junto às assessorias dos Senhores Prefeitos Municipais, para que consigamos ao menos, se é que vão continuar as simulações, fazer com que isso fique claro - serão simulações e não equívocos de interpretação. Então, mais uma vez, elogiando, Desa. Rejane, a iniciativa, que é maravilhosa, gostaria de me somar à iniciativa do Centro de Estudos no sentido de que este debate, voltado ao interesse público para a preservação dos atos administrativos, seja ampliado, inclusive para o âmbito dos demais agentes políticos que integram a Administração. Deixo, então, registrado o grande elogio à iniciativa. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Concordo com essa colocação da Dra. Denise, acho que essa discussão é sempre muito importante, o Centro de Estudos já o fez em relação à questão dos medicamentos e mais de uma vez com bons proveitos. Houve, há uns dois anos, a notícia de que seria formada uma força-tarefa no Tribunal de Contas para cobrar o cumprimento destas decisões no ato composto junto aos Municípios. Perguntaria ao Dr. César, até para ter uma notícia mais atualizada, como ficou isso? DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Isso foi levado a bom termo, o Ministério Público de Contas criou um mecanismo, um projeto de acompanhamento destas decisões, e conta para isso com convênio que mantém com o Ministério Público do Estado, e esse trabalho vem apresentando resultados. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Tem a sigla de ACD - Acompanhamento de Cumprimento de Decisões. 62 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE DR. CÉSAR VITERBO MATOS SANTOLIM – Eles têm um levantamento permanente. E isso está sendo feito já há algum tempo com resultados muito interessantes, inclusive, se Vossa Excelência desejar, os dados dos últimos levantamentos estão inteiramente à disposição, pelo menos como curiosidade. DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO – Obrigado. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Alguma outra pergunta? DR. WREMYR SCLIAR – Dra. Presidente da Mesa, queria também cumprimentá-la pelo bom desenvolvimento dos trabalhos. Acho que se atingiram os objetivos. Gostaria também de lembrar que a primeira tratativa do Tribunal de Contas foi ainda com a Dra. Denise à época em que era Assessora, depois com o Dr. Duro, e, felizmente, em nossas intensas trocas de e-mails, conseguimos finalmente concretizar esta idéia de um encontro, que eu preferia não chamar de aproximação, preferia chamar de colaboração. Duas observações gostaria de fazer. O Tribunal de Contas não é um tribunal administrativo; aliás, ele não é tribunal, é uma instituição de Estado, como o Ministério Público, e que, sem ser poder, detém poder. Essas clássicas e antigas definições, Dr. Henrique, vêm lá de Rui Barbosa - não tive oportunidade de ver os originais do projeto, da justificativa -, depois, de Castro Maia, comentando a Constituição de 1934, na qual colocava o Tribunal de Contas como um órgão de Estado cuja função era de fiscalização e controle e cujas decisões são judicialiformes. A primeira vez que li esta expressão foi lá por 1936, 1937: judicialiforme. 63 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25/05/2007 Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Embora não seja um órgão judicial, a sua forma é judicial, e a Constituição de 1988 ratificou isso, no art. 93, quando deu aos Tribunais de Contas as mesmas prerrogativas, a mesma auto-organização, estendeu a eles as prerrogativas dos tribunais judiciais, e aos membros do Tribunal também. Também tenho dúvidas se os atos emanados do Tribunal são atos administrativos. Eu preferia usar atos na expressão técnico-políticos, ao contrário dos atos legislativos e julgamento de contas, que são atos legislativos políticos. E por que técnico-políticos? Porque é uma competência constitucional. Se fosse um Tribunal administrativo, se os seus atos fossem administrativos, ele estaria igualado ao Tribunal de Recursos Fiscais, ou ao Tribunal de Trânsito, e seria gerido por servidores públicos, com todo o respeito. O Dr. Sandro se controlou para não dizer: “por Magistrados”. São Magistrados, sim, é incumbência constitucional, republicana, como disse o Dr. Sandro, e democrática, como disse o Dr. Santolim, aliás, ratificada pelo Dr. Nelson e pelo Dr. Vinícius. Então, eu tenho essas dúvidas, que são mais acadêmicas, mas que não importam tanto ao Poder Judiciário ou neste encontro, mas quem sabe nos próximos encontros poderemos aprofundá-las. Acho que vale a pena aprofundar essas questões e entender o que muitos autores estão chamando de “policentrismo do Estado moderno”, no sentido de que não pode haver apenas um centro de poder, mas muitos centros democráticos republicanos de poder de controle para que se realize e se concretize a dignidade do ser humano. O Tribunal de Contas só tem esta função: a dignidade do ser humano, fazer com que a Administração Pública se volte para a concreção dos princípios, dos valores, não apenas constitucionais, mas os valores civilizatórios. Quando nós controlamos o gestor público, não estamos punindo 64 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE ou fiscalizando, não somos meramente algozes deles, estamos defendendo a sociedade. Quando isso ocorre, falácias, como bem colocou o Dr. Santolim, faz-nos sofrer, angustia-nos muito e nos mostra uma certa impotência. Todos nós estamos vivendo estes momentos atuais. Mais uma vez, cumprimento a Mesa e queria deixar esta expressão muito pessoal, muito particular, de gratidão, de gratificação, e, quem sabe, sugerir que continuemos em outras oportunidades. Muito obrigado. DR. SANDRO DORIVAL MARQUES PIRES – Permita-me, Excelência, para o eminente Desembargador que aqui participa da Mesa, eu queria apenas dar um dado mais concreto em função do questionamento do nosso programa de Acompanhamento de Cumprimento de Decisões, apenas para ter uma idéia de como foi frutífero, como foi exitoso. Esse projeto foi implantado em 2005 pelos responsáveis pelo Ministério Público de Contas, que nós temos na Casa, e com todo detalhamento e com essa irradiação que o Dr. Santolim falou no sentido de envolvimento, como o Ministério Público Estadual. No segundo semestre de 2005, quando fora instituído, já tinham sido cobrados, entre multas e glosas, por parte da PGE, na época, vinte e cinco milhões. No ano passado, no relatório final, o Dr. César Miola, que é o nosso Procurador-Geral Especial, já nos acusava quarenta e cinco milhões. E hoje, pelo que eu sei - até disse isso há poucos dias ao Senhor Secretário da Fazenda e à Senhora Governadora -, até este semestre que está encerrando neste mês de junho entrante, já estamos com uma cobrança de setenta e quatro ou setenta e três milhões. A previsão é de que até o fim do ano consigamos, entre todos os aspectos de multas e glosas, atingir cem milhões. 65 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO 25/05/2007 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Centro de Estudos Mesa Redonda - TCE Inclusive este grande número pertinente a multas foi um dos argumentos que usamos para a Governadora quando ela quis contingenciar com uma parte muito substancial o nosso orçamento. Aliás, o encontro aconteceu aqui no Poder Judiciário, e eu disse que já havíamos colaborado inclusive neste fator, com quase cem mil reais. Era isso, Des. Nelson. Muito obrigado. DESA. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Penso que atingimos, dentro das nossas limitações, o nosso objetivo com este encontro de hoje. Gostaria de deixar claro, manifestando ao Digníssimo Presidente do Tribunal de Contas e ao Auditor-Substituto de Conselheiro, Dr. César Santolim, que o Centro de Estudos se sente privilegiado por ter acolhido Vossas Excelências nesta Casa e ter propiciado este debate. Agradeço profundamente ao Des. Nelson, que aceitou prontamente o convite que fiz, assim como ao Dr. Vinícius, os quais contribuíram, pelo que se viu do próprio debate, com os trabalhos de hoje, de uma maneira expressiva. E agradeço a participação de todos aqui presentes que vieram também para juntar-se às nossas intenções neste trabalho, dando, então, por encerrada a sessão. Muito obrigada. (DEGRAVADO E REVISADO PELO DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA E ESTENOTIPIA DO TJ/RS.) 66