desenvolvimento e nação em bresser-pereira

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DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA
Daniel Estevão Ramos de Miranda 1
RESUMO: objetivo deste trabalho é analisar como um dos temas mais importantes do
pensamento social e político brasileiro – o desenvolvimento – aparece na produção
intelectual do economista e político Bresser-Pereira. Por um lado, a trajetória desse
tema no pensamento de Bresser-Pereira indica rupturas e mudanças de posição,
teóricas e políticas. Por outro lado, na medida em que seu pensamento
desenvolvimentista esteve ancorado na ideia de nação, pode-se dizer que há também
certas continuidades. O entendimento das relações complexas entre rupturas e
continuidades é referido aqui à movimentação, principalmente política, de BresserPereira ao longo dos variados contextos que vivenciou ao longo de sua biografia.
Palavras-Chave: Desenvolvimento; Nação; Bresser-Pereira.
DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA2
Este artigo tem por objetivo apresentar, de modo mais geral, alguns dos
aspectos mais importantes do pensamento do economista e político Luis Carlos
Bresser-Pereira
(doravante
apenas
“Bresser”)
no
tocante
aos
temas
do
desenvolvimento e da nação.
Para tanto, a discussão presente neste texto circunscreve-se a apenas alguns
de seus principais livros dedicados àqueles tema 3. E isto por dois motivos principais.
Em primeiro lugar, esta é uma versão incompleta e preliminar da discussão mais
amplamente desenvolvida na pesquisa de doutorado ora em andamento. E, em
segundo, devido a um traço marcante na produção intelectual de Bresser: apesar
deste autor apresentar uma quantidade imensa de publicações, há algumas que se
destacam e sintetizam suas ideias.
A seguir, portanto, apresenta-se sucintamente as posições de Bresser, acerca
do desenvolvimento brasileiro, entre fins da década de 1960 até o final da década de
2000. Ao final, traçar-se-á algumas considerações sobre a visão de Bresser sobre os
temas em discussão.
DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL
O tema do desenvolvimento, ao longo dos textos de Bresser, aparece
intimamente
associado
a
dois
outros:
desenvolvimentismo
e
nação.
Desenvolvimentismo como referência teórica e ideológica e nação como referência
1
Doutorando PPG-Pol/UFSCar e Professor Assistente/UFMS, [email protected],
Mestre em Ciência Política.
2
Versão preliminar e parcial de relatório de pesquisa de doutorado.
3
Na bibliografia há as referências completas dos livros selecionados.
2
política. Porém, desenvolvimento, desenvolvimentismo e nação não permanecerão os
mesmos ao longo da trajetória de Bresser.
Em fins dos anos 1960, Bresser publica aquele que seria seu maior sucesso
editorial, em termos de vendas e edições. Desenvolvimento e crise no Brasil apresenta
um painel bem amplo do Brasil ao longo do século XX. Aqui considera-se apenas a
primeira edição, de 1968, e a mais recente, de 2003.
A primeira discussão relevante sobre desenvolvimento elaborada por Bresser,
no final da década de 1960, aproximava essa noção à de padrão de vida. Em suas
palavras, “desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e
social, através da qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornarse automático e autônomo” (1968,16).
Em outras passagens, a tônica da conceituação de desenvolvimento elaborada
por Bresser, que recai sobre a noção de padrão de vida, torna-se ainda mais clara: o
“resultado por excelência” do desenvolvimento é o “crescimento do padrão de vida da
população”; “Falamos, propositadamente, em padrão de vida e não em renda per
capita. A melhoria dos padrões de vida, o aumento do bem-estar, este é um objetivo
universalmente aceito pelas sociedades modernas” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 16);
só há realmente desenvolvimento se “a melhoria do padrão de vida da população” for
“automática, autônoma e necessária”. Automática na medida em que o processo de
desenvolvimento passar “a gerar a si mesmo”; necessária “na medida em que o
reinvestimento e o crescimento das empresas torna-se uma condição de sobrevivência
das mesmas”; e autônoma na medida em que, “uma vez iniciado, o desenvolvimento
tende não só a gerar-se a si mesmo de forma necessária, mas também a encontrar
dentro de suas próprias fronteiras, especialmente em seu mercado interno, seus
próprios fatores dinâmicos” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 16-7).
Essa ênfase no padrão de vida permitiria localizar historicamente o
desenvolvimento, diferenciando-o do simples aumento da riqueza geral de uma
sociedade – sem necessária ser acompanhada por uma melhoria nas condições de
vida de sua população. O desenvolvimento é “historicamente situado” porque “surge
apenas no momento em que o sistema econômico em que ele ocorre torna-se
dominantemente capitalista ou socialista” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 18).
O crescimento econômico, em si, não é sinônimo de desenvolvimento.
Contudo, pode disparar um processo de transformação de uma sociedade tradicional
em direção a modernidade. O “essencial” para que tal passagem se realize, segundo
Bresser, é “que a classe dominante tradicional (...) seja substituída no controle político
3
da sociedade por um grupo de classe média” – com ou sem revolução política
(BRESSER-PEREIRA, 1968,19).
Dessa forma, a tônica no “padrão de vida” como resultado principal do
processo de desenvolvimento combina-se com uma discussão sobre as classes
médias, que entram na argumentação como as responsáveis principais por iniciar o
processo de desenvolvimento. A regra é as classes médias deslocarem as classes
dominantes tradicionais do poder, abrindo historicamente a janela de oportunidade
para o desenvolvimento. Na “grande maioria dos casos (...), o desenvolvimento será
iniciado no momento em que o poder político estiver predominante ou exclusivamente
nas mãos de um grupo de classe média constituído seja por empresários burgueses”
(BRESSER-PEREIRA, 1968,19).
Porém, “obviamente, à medida que” as classes médias “se vão estabelecendo
no poder vão-se transformando em classe alta”. A tomada do poder, do qual elas são,
via de regra, protagonistas, mais outros fatores diversos dão início a “uma fase
histórica do país que tem sido chamada por uns de Revolução Industrial”, para
salientar sua identificação com o processo de desenvolvimento; por outros de
“Revolução Nacional, especialmente quando se trata de um país colonial ou semicolonial”; e “por Rostow de decolagem, para dar ênfase ao rompimento com o estado
de estagnação crônica” típica de sociedades tradicionais (BRESSER-PEREIRA,
1968,19-20, 186).
Do ponto de vista econômico, o “efeito fundamental” da “Revolução Nacional
Brasileira”, da industrialização foi o fortalecimento do “mercado interno”. Do ponto de
vista social, o delineamento mais nítido de “duas novas classes” – a “burguesia
industrial” e o “proletariado urbano”. A “classe média” também se “expande”.
Politicamente, antes da “Revolução Nacional”, o Brasil encontrava-se, segundo
Bresser, em um “regime a um só tempo feudal(sic) e capitalista”, no qual o “domínio
político vai caber por definição ao proprietário de terra”. Após a Revolução de 30, “a
oligarquia perde o poder, entra em decadência” (BRESSER-PEREIRA, 1968,19-20,
25). Culturalmente, as transformações convergiram para um ponto em comum:
“tomamos consciência de nós mesmos” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 26-7).
A noção e discussão sobre as “classes médias” serve, portanto, de ponte entre
o tema do desenvolvimento (econômico principalmente) e o da nação.
Seria a partir do processo de desenvolvimento econômico pós-1930 que o
Brasil “muda de objeto para sujeito da história e começa a se tornar senhor de seu
próprio destino. Até aquele momento somente em um sentido legal o Brasil poderia ser
considerado uma nação” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 77, grifo nosso). O
4
nacionalismo
“englobava
o
industrialismo,
mas
colocava
uma
ressalva:
a
industrialização deve ser realizada através de uma burguesia nacional. (...)
Controlando a indústria nacional, o capitalismo internacional continuaria a
dominar
politicamente o país, que continuaria semicolonial” (BRESSER-PEREIRA, 1968,1920103).
Em fins dos anos 1960, Bresser assim formulou a problemática da viabilidade
do capitalismo no Brasil da seguinte forma: trata-se de um “desenvolvimento autoimpulsionado ou não”? Primeiramente, Bresser ressalta que desenvolvimento não
pode ser reduzido a crescimento econômico. Desenvolvimento pressupõe crescimento
econômico, mas também que “o aumento da renda por habitante” seja “acompanhado
por transformações profundas na estrutura econômica, política e social do país”
tornando o “aumento do padrão de vida da população um processo automático e
necessário” (BRESSER-PEREIRA, 1968,186).
Pois bem, uma série de indicadores (instalação de um parque industrial
formado por indústrias de consumo, de base e de bens de capital) levaram Bresser a
concluir que a “Revolução Industrial Brasileira fora concluída. Este autor, mesmo,
chegou a acreditar nisto e a escrevê-lo”. Contudo, “ao afirmarmos isto, o que
estávamos fazendo era uma analogia com o desenvolvimento dos países
desenvolvidos, e hoje estou convencido de que esta era uma falsa analogia, uma
analogia sem que os fatos fossem perfeitamente análogos” (BRESSER-PEREIRA,
1968,188).
Quando “os países hoje desenvolvidos alcançaram o grau de integração
industrial que o Brasil atingira em 1961, seu desenvolvimento passou a tomar um
caráter auto-impulsionado” (BRESSER-PEREIRA, 1968,188). No caso brasileiro, pelo
menos três fatores que o singularizam precisariam ser levados em consideração: 1) o
desenvolvimento industrial ocorreu
a partir de um processo de substituição de
importações; 2) o impacto da absorção de técnicas e tecnologias, ao invés de se
adaptar às necessidades e especificidades nacionais – como nos casos clássicos de
industrialização –, terminou por gerar distorções graves na economia, ligadas à
questão do emprego principalmente; 3) a existência de uma “superpotência
imperialista”.
“Esses três fatores nos levam a concluir que o Brasil não completou ainda sua
Revolução Industrial”, na medida em que ainda não se poderia considerar o
desenvolvimento brasileiro “auto-impulsionado, ou seja, necessário e automático”
(BRESSER-PEREIRA, 1968,189).
5
Em grande parte, a análise da Crise Brasileira já aponta, ainda que
implicitamente, as medidas a serem adotadas. Dois pontos importantes a serem
considerados, segundo Bresser, são os de que a “solução” da crise não pode estar
restrita ao campo econômico, pois a crise é mais geral, e as soluções a serem
buscadas serão de “caráter capitalista, ou seja, que mantenham o princípio da
propriedade privada dos bens de produção”, pois o ponto de partida desta discussão
empreendida por Bresser diz respeito à viabilidade do desenvolvimento capitalista no
Brasil (BRESSER-PEREIRA, 1968, 202).
Assim, as três “ideologias possíveis” para o Brasil daquele momento seriam:
1) o “neoliberalismo clássico”, que é a “ideologia burguesa por excelência”, que
se aproxima do laissez-faire, mas não se identifica completamente com ele na medida
em que o “liberalismo puro está hoje morto”. Em países subdesenvolvidos, tal
ideologia assume um caráter “colonialista”, segundo Bresser, na medida que propõe a
abertura da economia sob a alegação da incapacidade “da classe capitalista nacional
para a realização do desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 203). Tal
ideologia seria “ainda esposada pela grande maioria da classe empresarial brasileira,
e por boa parte da classe média”, mas, para Bresser, ela não teria praticamente
nenhuma viabilidade, devido a seu colonialismo – a retomada do desenvolvimento “só
será possível desde que haja um projeto nacional bem definido”; a seu liberalismo – a
intervenção do Estado é fundamental; e a sua estreiteza de perspectiva, isto é, por ser
“estritamente capitalista”, beneficiando uma pequena parcela apenas da população, o
que é politicamente inviável (BRESSER-PEREIRA, 1968, 204).
2) o “liberalismo intervencionista tecnocrático-militar é a ideologia que passou a
dominar o Brasil a partir de 1964”. Segundo Bresser, ela seria paradoxal: “é ao mesmo
tempo intervencionista e liberal”. Mais ainda “é toda um emaranhado de contradições,
na medida em que é dominada por tecnocratas e militares. Estes, como membros da
classe média tradicional, desligados portanto do processo produtivo”, seriam idealistas
(“alienação da realidade”), moralizantes (personalizam os problemas, ao invés de
localizarem-nos nas estruturas sociais vigentes) e conservadores (BRESSERPEREIRA, 1968, 204).
3)
o
“nacionalismo
desenvolvimentista”
opõe-se
ao
colonialismo,
fundamentando-se nas “potencialidades do próprio país para desenvolver-se” e na
noção de interesse nacional, em oposição aos interesses de outros países
(BRESSER-PEREIRA,
1968,206).
Além
de
nacionalista,
esta
ideologia
é
desenvolvimentista por que o “desenvolvimento econômico” é seu principal objetivo,
6
mais do que a estabilidade ou a segurança nacional, como nas outras ideologias
(BRESSER-PEREIRA, 1968,209-10).
“Um
Governo
com
uma
ideologia
nesses
termos,
nacionalista,
desenvolvimentista, social e democrática, eventualmente, poderá romper o círculo
vicioso estrutural do subdesenvolvimento brasileiro, embora não haja nenhuma
garantia de que isso venha a ocorrer” (BRESSER-PEREIRA, 1968,211).
Bresser discute também o surgimento, enquanto situação objetiva e enquanto
análise teórica, da “nova dependência”. Esta começou a se configurar, concretamente,
a partir de uma mudança de posição das empresas multinacionais: estas “não podiam
mais ser consideradas contrárias à industrialização na medida em que participavam
desse processo, produzindo especialmente bens de consumo durável de luxo”. A
aspecto de dependência estava na “concentração de renda” que criava “mercado para
esse tipo de bem para as empresas multinacionais”, no “endividamento externo, e,
finalmente”, no “apoio político do governo norte-americano, o qual, agindo nos quadros
da Guerra Fria, apoiara o golpe militar de 1964” (1 BRESSER-PEREIRA, 2003,67).
Analisando a crise econômica brasileira de 1962-67, Bresser discute duas
análises. Uma de C. Furtado, o qual defendia uma “política de redistribuição de renda”
como o eixo de uma política de superação daquela crise (BRESSER-PEREIRA,
2003,168-70). Outra, do economista Antônio Barros de Castro, que defendia ser
possível, de um ponto de vista exclusivamente econômico, superar a crise pela
concentração da renda nas classes média e alta, ainda que tal solução não fosse
socialmente aceitável. E foi justamente esta última opção a escolhida pelo governo e
que resultou nas taxas de crescimento econômico apresentadas entre fins dos anos
1960 e início dos 1970.
Bresser explica a escolha dessa opção pelas bases sociais do governo: “é um
governo de militares e tecnocratas, é um governo de classe média. Em vista disto,
consciente ou inconscientemente, realiza uma política que beneficia especialmente a
classe média” (BRESSER-PEREIRA, 2003,171; 177). Economicamente,
essa
“concentração de renda da classe média para cima” (BRESSER-PEREIRA, 2003,173)
comprime o mercado consumidor, em um primeiro momento. Contudo, como a
industrialização estava calcada na produção de bens de consumo duráveis
(automóveis, eletrodomésticos etc.), seu principal mercado consumidor era justamente
aquelas classes médias e altas, que tinha renda para adquirir os produtos. Além disso,
as exportações desses mesmos produtos permitiam também a compatibilização entre
concentração e de renda e manutenção dos níveis de investimento e produção
(BRESSER-PEREIRA, 2003,174).
7
Ainda que do ponto de vista estritamente econômico tal modelo tenha
funcionado (quando medido em termos de crescimento econômico), “do ponto de vista
social” ele é negativo. “Neste trabalho, porém, não estamos realizando um estudo de
crítica social, mas simplesmente fazendo uma análise do desenvolvimento brasileiro. E
o desenvolvimento é um fenômeno histórico ao qual não devem ser atribuídas
conotações valorativas” (BRESSER-PEREIRA, 2003,174).
O que Bresser denomina de Pacto Autoritário-Burocrático teria por base social
a “aliança da burguesia local com a classe média profissional ou tecnoburocrática
militar e civil, e com o capitalismo internacional” (ou seja, a famosa “tríplice aliança” do
P. Evans) e por modelo econômico o “subdesenvolvimento industrializado que se
caracteriza pela modernização da economia, pela concentração da renda nas classes
altas e médias e pela marginalização da classe inferior” (BRESSER-PEREIRA,
2003,176).
O Brasil, ao se encontrar em uma situação de “nova dependência”, teria se
tornado “um apêndice sem autonomia tecnológica e sem autonomia em matéria de
acumulação de capital” do “sistema capitalista internacional” (BRESSER-PEREIRA,
2003,179).
Para explicar o crescimento e, em seguida, a crise brasileira dos anos 1970,
Bresser recorre a um de seus instrumentos analíticos prediletos: o ciclo. “Estávamos”,
nos anos 1970, “assistindo a um segundo ciclo industrial no Brasil. Desde os anos
1950, a economia brasileira alcançou suficiente densidade industrial para passar a ser
palco dos ciclos econômicos clássicos”, ou seja, resultantes “da dinâmica interna do
sistema capitalista brasileiro” (BRESSER-PEREIRA, 2003,185).
As consequências da reversão do ciclo econômico, de meados dos anos 1970
em diante, seriam a inflação, que confirmariam as ideias de I. Rangel (BRESSERPEREIRA, 2003,189-191); e o endividamento externo – “Em um primeiro momento,
entre 1970 e 1976, o Brasil se endividou para aumentar a taxa de acumulação e de
consumo; em um segundo, entre 1978 e 1980, para manter os níveis de consumo. A
partir de 1981, porém, já não nos endividávamos sequer para aumentar o consumo. O
Brasil se endividava quase exclusivamente para pagar juros” (193).
Para Bresser, mesmo que se leve em consideração os choques do petróleo, “a
causa fundamental da crise distributiva [no Brasil] é o próprio esgotamento da
expansão cíclica e o início da fase de contração ou desaceleração” (BRESSERPEREIRA, 2003,197). Mais adiante, Bresser afirma que o final da década de 1970 foi o
momento em se iniciou a “fase de desaceleração de um ciclo longo ou de Krondratieff,
cuja duração é de aproximadamente cinquenta anos (...). No caso do Brasil, porém, e
8
da América Latina, essa crise se transformou em uma Grande Crise devido,
principalmente, ao alto endividamento externo ocorrido nos anos 1970, e à
incapacidade de se realizar o necessário ajustamento a partir de 1979” (BRESSERPEREIRA, 2003,222). Além disso, a “crise não era apenas das contas externas, mas
do Estado – uma crise fiscal do Estado e, mais amplamente, do modelo
desenvolvimentista”. Crise da qual o Brasil não teria saído ainda (em 2003), na medida
em que “Há mais de vinte anos (...) sua renda per capita cresce a cerca de 1% por
anos, quando, nos trinta anos anteriores, crescia a quase 4% ao ano” (BRESSERPEREIRA, 2003,227).
Além disso, o governo brasileiro teria cometido graves erros em termos de
política econômica no período de 1979-1980, agravando ainda mais a crise
(BRESSER-PEREIRA, 2003,199-201; 237).
Em meados dos anos 1980, antes de J. Sarney assumir a Presidência, Bresser
previra três caminhos possíveis: “um pacto „liberal-burguês‟, que teria como base a
alta burguesia e setores conservadores das classes médias, e um pacto „populardemocrático‟ baseado nas classes médias progressistas e em parte dos trabalhadores
organizados”. A terceira opção era “um período de estagnação e desorganização
social”.
E a posição de Bresser é a de que, ao final das contas, “a terceira alternativa
(...) prevaleceu” (BRESSER-PEREIRA, 2003, 226-27). O saldo principal dessa crise foi
a constatação que o Brasil
não havia conseguido completar sua revolução nacional. (...) O
Brasil tornou-se um país com uma democracia consolidada,
mas continuou dependente: suas elites e mais amplamente sua
sociedade civil não se demonstraram capazes de passar a
pensar e a decidir com vistas ao interesse nacional. (...)
Nossas elites (...) não perceberam agora que a crise do Estado
era apenas cíclica e aceitaram as ideias ultraliberais sem crítica
ou então permaneceram em uma atitude puramente populista
de quem não percebia que a crise, embora cíclica, era real
(BRESSER-PEREIRA, 2003, 228-29).
Os “sintomas” da “crise estrutural” dos anos 1980 no Brasil seriam a
“estagnação da renda por habitante”, a “drástica redução da capacidade de poupar e
investir” e a inflação (BRESSER-PEREIRA, 2003, 231-33; 263).
(238).
O Brasil estaria preso em uma armadilha formada pela “cadeia „dívida externa
– estatização da dívida externa – aumento da dívida interna – aumento do déficit
público‟”. As altas taxas de juros internas completariam esse quadro negativo e
9
fecharia o círculo vicioso: queda de investimentos, aceleração inflacionária e
crescimento do déficit público (BRESSER-PEREIRA, 2003, 245).
Defendendo que a “interpretação da nova dependência (...) devia agora ser
substituída (...) pela interpretação da crise do Estado”, Bresser afirma: “Creio ter sido o
primeiro economista brasileiro a ter feito a crítica sistemática do Consenso de
Washington, muito antes [em 1991] que a esquerda brasileira, ligada à oposição ao
governo Cardoso, também o descobrisse” (BRESSER-PEREIRA, 2003,247; 271).
E, fazendo um balanço, já no início dos anos 2000, dos anos 1980 e 1999,
Bresser considera que, apesar de ter controlado a inflação, em 1994, o Brasil não teria
alcançado, ainda, o “crescimento econômico e a distribuição equitativa da renda”
(BRESSER-PEREIRA, 2003, 279). E, apesar de sua longa militância no PSDB, não
poupa o governo Fernando H. Cardoso de críticas. Quais teriam sido os principais
erros, em termos de política econômica, desse governo? Bresser aponta os seguintes:
1º) “erro de agenda” (BRESSER-PEREIRA, 2003, 258): “Os dois principais
inimigos, agora, a partir do Plano Real, eram o câmbio valorizado e a alta taxa de real
de juros” (BRESSER-PEREIRA, 2003,337). Bresser critica a prioridade dada ao
combate à inflação quando esta já havia sido controlada. Juros e câmbio deveriam ser
a prioridade (BRESSER-PEREIRA, 2003,339), pois o “equilíbrio macroeconômico [de
um país] é dado pelo nível de preços, sem dúvida, mas é dado principalmente pelo
equilíbrio intertemporal de suas contas externas”, que dependem de taxas de juros e
câmbio adequadas (BRESSER-PEREIRA, 2003,342).
2º) o segundo Consenso de Washington, que pregaria o crescimento
econômico com “poupança externa”, ou seja, endividamento (BRESSER-PEREIRA,
2003,345-52);
3º) a “incapacidade das elites brasileiras de pensar por contra própria e criticar
o Segundo Consenso de Washington”, ou seja, sua alienação (BRESSER-PEREIRA,
2003,358).
E, novamente, associa fortemente desenvolvimento e nação, estabelecendo
uma correlação causal entre ambos. “O Brasil já completou sua revolução capitalista,
mas não completou sua revolução nacional: continua a ter uma enorme dificuldade de
avaliar as questões a partir do interesse nacional do país” (BRESSER-PEREIRA,
2003,394). E, a fim de evitar qualquer aproximação com a xenofobia, Bresser procura
deixar claro que o
nacionalismo é a forma pela qual as sociedades modernas se
auto-definem como nação, e, a partir daí, esperam que seus
governos, nas relações com os demais países, defendam o
10
trabalho e o capital nacionais. (...) é a prática da defesa do
interesse nacional usando como ferramenta as instituições e a
organização do Estado nacional (BRESSER-PEREIRA,
2003,411).
E, no caso do Brasil, é a estratégia para que a “Revolução Nacional Brasileira
seja retomada” (BRESSER-PEREIRA, 2003, 419).
ESTADO E SUBDESENVOLVIMENTO INDUSTRIALIZADO
O
livro
Estado
e
Subdesenvolvimento
Industrializado
apresenta-se,
basicamente, como uma discussão de economia política focada em temas brasileiros.
Apresenta e desenvolve uma proposta de modelo de análise do subdesenvolvimento
brasileiro.
Esse modelo aponta para “um tipo de desenvolvimento que mantém o
subdesenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 28). Nesta discussão, a noção de
padrão de vida já não é tão fundamental, e o conceito de desenvolvimento ganha uma
formulação mais complexa e mais próxima do marxismo: “um processo persistente de
desenvolvimento das forças produtivas, baseado na acumulação do capital e
progresso técnico, que se traduz no aumento da renda por habitante e resulta em
transformações nas relações de produção e na superestrutura jurídico-institucional e
ideológica” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 28).
Contudo, desenvolvimento não é um processo que se repete de país para país
de forma padronizada. O “Desenvolvimento Periférico do subdesenvolvimento
industrializado contrasta com o Desenvolvimento Central” na medida em que é
“concentrador de renda” e “não tende a integrar a sociedade mas mantê-la dual”
(BRESSER-PEREIRA, 1977, 29).
Bresser caracteriza três posições principais em relação ao desenvolvimento
periférico: 1) a teoria da modernização, na qual “subdesenvolvimento é (...) falta de
modernização. Um país é subdesenvolvido porque não é suficientemente capitalista ou
tecnoburocrático”. Tal perspectiva em geral é adotada “por economistas e sociólogos
funcionalistas dos países centrais”; 2) a “perspectiva imperialista-espoliativa”, segundo
a qual o “subdesenvolvimento é causado pela exploração capitalista dos países
periféricos” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 30). Apesar de se situar no extremo oposto
da teoria da modernização, ambas se aproximariam por serem “teorias lineares da
história” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 31); 3) a posição de Bresser é por ele
caracterizada como uma “teoria dialética da dependência”, que se aproxima da
segunda perspectiva, mas é claramente distinta em relação a ela exatamente por ser
“dialética”, e não “linear”. Tal perspectiva estaria presente em Celso Furtado e
Fernando H. Cardoso e apresentaria melhor uma “visão global do problema” do
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subdesenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 1977, 31).
Subdesenvolvimento,
assim,
seria
“um
processo
particular
de
desenvolvimento”, e “desenvolvimento dependente”. Seu “caráter dialético ou
contraditório” estaria em que a “penetração do capitalismo nos países periféricos é ao
mesmo temo fator de desenvolvimento e de subdesenvolvimento” (BRESSERPEREIRA, 1977, 33).
Após repassar rapidamente a trajetória das propostas desenvolvimentistas e
industrializantes, Bresser conclui que “exceção feita à industrialização, que de fato
ocorreu, as demais previsões dos economistas (...) para resolver o problema do
desenvolvimento não se concretizaram”: as “burguesias nacionais não chegaram a se
corporificar”; a dependência se renovou sob a forma de “dependência tecnológica,
através das empresas multinacionais”; a maior intervenção do Estado na economia
não a tornou mais justa socialmente ou mais próxima de um estilo planificador, antes
elevou o “poder de uma tecnoburocracia civil e militar”, que passou a se apropriar,
juntamente com a burguesia, do excedente econômico também (BRESSER-PEREIRA,
1977, 204). Em suma, um “subdesenvolvimento industrializado”.
As “características básicas” do modelo de subdesenvolvimento industrializado
são: 1) dualismo: divisão da produção entre um “setor capitalista „moderno‟, dinâmico”
(bens de luxo e de capital) e outro “„tradicional‟ relativamente estagnado” (“bens de
consumo dos trabalhadores”); 2) apropriação do excedente pela burguesia (lucros) e
pela tecnoburocracia (ordenados); 3) salários de subsistência; 4) “compatibilização
entre a tendência à concentração de renda e a sustentação de demanda agregada”
através da produção de bens de consumo de luxo; 5) predominância da presença
estatal e multinacional no setor moderno; 6) dependência tecnológica (“de processo e
de produto”) e de padrões de consumo (“efeito demonstração”); 7) economia aberta
internacionalmente; 8) “marginalização de grande parte da população” em relação ao
desenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 1977, 206).
Assim, “Trata-se de um
modelo de subdesenvolvimento e não
de
desenvolvimento”, pois a “acumulação de capital e progresso técnico” convivem e
agravam “a dualidade entre um setor capitalista tradicional e outro moderno, nem
tende a integrar as populações marginalizadas no sistema econômico moderno e
dinâmico” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 206).
A fim de discutir o modelo de subdesenvolvimento industrializado, em seu
aspecto “dinâmico”, ou seja, relacionado às “tendências que o modelo apresenta” (há
uma nota de rodapé, a 67, que aponta para as principais análises sobre o modelo de
desenvolvimento brasileiro do período) (207-08) Bresser procura explicitar o que
12
entende por “desenvolvimento econômico”: “(a) um aumento continuado da renda, (b)
um sistemático processo de acumulação de capital, (c) de desenvolvimento
tecnológico, e (d) uma progressiva integração da população nos processos modernos
de produção e distribuição decorrentes” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 208).
Esse
“modelo
de
desenvolvimento
com
marginalização
ou
de
subdesenvolvimento industrializado” caracteriza-se principalmente pela “existência de
dois setores estruturais de produção”, um moderno e outro tradicional (que não é “précapitalista”) (BRESSER-PEREIRA, 1977, 210). Tal divisão “só tem sentido dentro de
uma perspectiva histórico-estrutural. Segundo essa perspectiva, os dois setores
correspondem
a
duas
fases
do
desenvolvimento
capitalista
dos
países
subdesenvolvidos” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 211).
O “setor tradicional ou dependente” corresponderia ao “setor produtivo
capitalista instalado no país durante a vigência do „velho‟ imperialismo via comércio
internacional” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 212),
constituído basicamente pelo setor agrícola, pelas pequenas e
médias indústrias produtoras de bens de consumo (bens de
salário), pelo pequeno e médio comércio, pelas pessoas ou
pequenas firmas dedicadas aos serviços e á construção civil
em pequena escala, pelo artesanato, por certas áreas do
serviço público, especialmente no nível municipal e no nível
estadual dos Estados pobres e, finalmente, pelos trabalhadores
autônomos subempregados ou desempregados que constituem
as populações marginais das grandes cidades brasileiras
(BRESSER-PEREIRA, 1977, 210-11).
O setor moderno associa-se ao processo de internacionalização das empresas
do centro capitalista, que formarão o “núcleo moderno” daquele setor no Brasil. Se a
referência à noção de padrão de vida se esmaece nessa discussão sobre
desenvolvimento, as classes médias continuam tendo um papel muito importante,
como um dos principais elos que dão consistência ao modelo. Isto por que a “relação
de dependência” entre o setor privado moderno da economia brasileira e o “núcleo
produtivo controlado principalmente pelas empresas multinacionais e pelas empresas
públicas ocorre através do surgimento de uma nova classe média receptora de
ordenados, que passa a demandar esses serviços” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 13).
Pelo consumo, as classes médias contribuem para a dinâmica econômica do
modelo. E essa função consumo das classes médias é fundamental na visão de
Bresser, ao ponto de ele defender que a “reprodução dos padrões de consumo da
metrópole é a lei básica do sistema, que de uma forma ou de outra condiciona as
demais variáveis” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 264). O limite do processo de
acumulação do setor privado é dado, assim, pelo fato de “o elemento dinamizador do
13
modelo” ser “o consumo de bens de luxo” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 266).
Os traços principais do modelo de econômico brasileiro dos anos 1970 seriam:
1) “o mercado no setor moderno é oligopolístico”; 2) “as empresas privadas
dominantes são estrangeiras”; 3) o governo é responsável por “parcela considerável
do investimento”; 4) mercado de capitais, por meio do qual poupanças poderiam ser
realocadas, limitados; 5) “desenvolvimento tecnológico é exógeno, não estando ligado
diretamente ao processo de produção”; 6) inflação “relativamente alta” (BRESSERPEREIRA, 1977, 266).
Isso caracterizaria, segundo Bresser, o subdesenvolvimento: “o caráter
tecnologicamente simples e trabalho-intensivos dos produtos exportados”. O “critério
continua a ser o da sofisticação tecnológica.
Subdesenvolvido é o país
tecnologicamente menos avançado” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 299).
“O subdesenvolvimento define-se historicamente quando uma sociedade que
estava fora do sistema capitalista internacional é lançada no mesmo e passa a
comercializar com os países centrais” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 300), criando
“imediatamente relações de exploração e dependência” (BRESSER-PEREIRA, 1977,
301). Citando C. Furtado, Bresser define como “modernização (...) o fenômeno de
reprodução na periferia dos padrões de consumo do centro sem que ao mesmo tempo
sejam adotados os padrões tecnológicos correspondentes ao nível da produção”
(BRESSER-PEREIRA, 1977, 301).
Novamente,
Bresser
elenca
as
principais
características
do
subdesenvolvimento: “dualismo entre um setor moderno e um setor tradicional”;
“diferença profunda de rendas entre as classes capitalista e tecnoburocrática de um
lado e os trabalhadores de outro”; “marginalização da grande maioria dos
trabalhadores e, principalmente dos trabalhadores rurais, dos benefícios do
desenvolvimento”; “dependência tecnológica e cultural em relação aos países
centrais”; “caráter ou primário ou tecnologicamente pouco sofisticado da pauta de
exportações” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 302); “desequilíbrio externo” gerado por
uma “pauta de importações, constituída de bens de capital e insumos básicos” e
“inflexível” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 302-03). Este último desequilíbrio “tende” a
“perpetuar-se no subdesenvolvimento industrializado. É um desequilíbrio estrutural,
que limita a taxa de crescimento (...), mas não a impede de forma absoluta”.
Oscilações no preço dos produtos exportados ou ampliação da pauta de exportações
podem aliviar o déficit na balança de pagamentos. “Mas o descompasso entre as
exportações tradicionais e o alto coeficiente de importações dos bens de luxo
produzidos internamente, somado aos altos serviços da dívida externa e às crescentes
14
remessas abertas ou disfarçadas de lucro por parte das multinacionais, garante que o
desequilíbrio estrutura se restabeleça” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 307)
Não haveria, segundo Bresser, “tendência à ruptura” devido à convergência de
interesses
nacionais
–
de
determinados
setores
–
e
internacionais.
O
“subdesenvolvimento industrializado não é apenas um modelo exportador e voltado
para fora, mas também é um modelo em que as elites locais e o capitalismo
internacional estão profundamente comprometidos e solidários” (BRESSER-PEREIRA,
1977, 307).
Além disso, “subdesenvolvimento não é estagnação”, mas sim “um processo
histórico através do qual” centro e periferia estabeleceram entre si vínculos de
dependência da segunda em relação à primeira (BRESSER-PEREIRA, 1977, 344).
Não sendo, portanto, estagnação e, dessa forma, gerando processos
econômicos que beneficiam parcelas da população, ainda que minoritárias, o ponto de
ruptura do subdesenvolvimento não estaria tanto “no processo de concentração de
renda e de estreitamento relativo do mercado, nem no estrangulamento externo
causado pelo desequilíbrio do balanço de pagamentos” (BRESSER-PEREIRA, 1977,
357).
Para Bresser, aquele ponto de ruptura estaria na política, não na economia. O
“problema (...) resume-se em uma relação de forças políticas” entre as classes sociais
(BRESSER-PEREIRA, 1977, 359).
ECONOMIA BRASILEIRA
O livro Economia Brasileira é uma espécie de manual. Apresenta de forma
direta e sucinta os principais temas ciência econômica aplicada ao Brasil. Porém,
apesar de ser sobre a “economia brasileira”, o livro trata, mais especificamente, do
modelo de (sub)desenvolvimento da economia brasileira em
sua fase de
industrialização.
Economia brasileira é onde aparece de modo mais claro e sistemático não
somente a concepção de desenvolvimento de Bresser, mas também sua filiação à
linhagem estruturalista da ciência econômica latino-americana. O livro é dedicado para
C. Furtado e I. Rangel, “mestres de economia política”, e, por ser didático, tem ao final
uma “Bibliografia básica sobre a economia brasileira” comentada por Bresser na qual
aqueles dois economistas figuram em primeiro plano.
O (sub)desenvolvimento, tema encontradiço em sua obra, porém na maior
parte das vezes abordados em conjunto com outras problemáticas – tecnoburocracia,
transição democrática etc. –, em Economia Brasileira torna-se o eixo de toda a
discussão.
15
O subdesenvolvimento é associado á dualidade ou heterogeneidade estrutural
(moderno x atrasado/marginal/pré-capitalista, distinguidos pelo grau de produtividade,
maior no primeiro setor do que no segundo) da economia brasileira.
Como resultado dessa heterogeneidade estrutural, a (1) produtividade média
por trabalhador é baixa (o maior grau de produtividade no setor moderno é
compensado pela menor produtividade no setor não moderno, rebaixando a média
geral, portanto), e a (2) a renda/produto por habitante também o é, além de ser
acompanhada pela (3) concentração de renda. As características (2) e (3) remetem às
(4) condições precárias de vida da maioria da população. Completando o quadro, há a
(5) dependência tecnológica e cultural, esta última referida aos padrões de consumo.
Nas palavras de Bresser, o “subdesenvolvimento brasileiro é (...) definido por
uma produtividade do trabalho insuficiente e por uma desigual distribuição dos frutos
dessa produtividade – ou seja, da renda – também desigual” (BRESSER-PEREIRA,
1982, 18).
A dependência, por sua vez, refere-se a “uma economia sem autonomia no seu
processo de desenvolvimento, uma economia que não controla os recursos
fundamentais para que possa aumentar sua produção por habitante” (BRESSERPEREIRA, 1982, 19-20).
Sendo assim, o “que é preciso saber é por que não temos quantidade
suficiente de capital e de tecnologia por trabalhador e por que a população brasileira
cresce a taxas que dificultam o processo de desenvolvimento”. Há várias respostas
para tais questionamentos, as “Teorias para o Subdesenvolvimento”: a “teoria da
modernização”, mais “conservadora”, para a qual o “Brasil teria uma economia
subdesenvolvida porque tradicional, pré-capitalista, feudal, semifeudal”, de um lado; e
a “teoria do imperialismo”, para a qual o problema não seria a “falta de capitalismo”,
mas sim que o Brasil “foi permanentemente explorado pelos países capitalistas
imperialistas”, de outro (BRESSER-PEREIRA, 1982, 22-3).
Discordando das duas visões, Bresser propõe uma “teoria histórica do
subdesenvolvimento”, que parta da distinção entre dois tipos de capital, o mercantil e o
industrial. Esta distinção é importante devido à importância do capital mercantil no
Brasil e na América Latina como um todo, “dificultando a emergência do capital
industrial” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 24).
Após essa incursão em temas mais globais, Bresser retorna à discussão do
subdesenvolvimento
industrializado
brasileiro,
definido
como
um
“tipo
de
desenvolvimento contraditório, desequilibrado, excludente, mas dinâmico”. Ele se
definiria
não
“pelo
baixo
desenvolvimento
das
forças
produtivas,
mas,
16
fundamentalmente, pelos profundos desequilíbrios que dividem a economia e a
sociedade” – setor oligo-/monopolista formado por empresas multinacionais e estatais,
e que abriga a pequena parcela da população, constituída de burgueses e
tecnoburocratas, que “adotam padrões de consumo semelhantes aos dos países
centrais”, de um lado, e “um setor competitivo, de pequenas e médias empresas, que
inclui também as áreas tradicionais e as áreas marginais da população” (BRESSERPEREIRA, 1982, 62).
E a “economia brasileira é talvez o caso mais típico de subdesenvolvimento
industrializado”: altas taxas tanto de crescimento econômico quanto de concentração
de renda, compatibilizadas pelo consumo das classes médias principalmente,
consumidora de bens de luxo (BRESSER-PEREIRA, 1982, 63).
Como o equilíbrio desse modelo econômico ocorre pela produção de “bens de
consumo de luxo” (oferta) para a burguesia e tecnoburocracia (demanda agregada),
classes as quais concentram grande parte da renda gerada no país, “Produz-se mais
bens de capital e mais matérias-primas não para produzir mais bens de capital e mais
matérias-primas, (...) mas para produzir mais automóveis, mais eletrodomésticos (...),
de forma que a taxa de acumulação não aumenta” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 64).
Para fazer frente às necessidades de importação, insuficientemente cobertas por
exportações de produtos de alto valor agregado, há duas saídas: exportar produtos de
baixo valor agregado (agrícolas principalmente) e/ou aumentar a dívida externa. “o
resultado é um “desenvolvimento intrinsecamente desequilibrado, no qual a primazia
dada aos bens de consumo de luxo resulta em não se aumentar a taxa de acumulação
de capital e em se provocar o desequilíbrio nas contas externas do país” (BRESSERPEREIRA, 1982, 64).
Entre o setor monopolista e estatal, de um lado, e o competitivo, de outro,
estabelece-se, nesse modelo econômico, “uma troca desigual semelhante à que
ocorre no plano internacional entre países industrializados e países primárioexportadores” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 64). O mecanismo básico por trás de tal
troca seria o seguinte: conforme a produtividade de uma empresa ou setor se eleva,
mais o preço de suas mercadorias poderia ser rebaixado sem se alterar as rendas
geradas no processo (lucro, ordenados e salários de trabalhadores especializados).
Contudo, o setor monopolista conseguiria reter “para si os ganhos de produtividade,
não aumentando os preços e sim aumentando lucros, ordenados e salários”. Por outro
lado, o setor competitivo transferiria “todos os ganhos de produtividade que
eventualmente alcancem para o setor monopolista na forma de preços relativamente
mais baixos de seus produtos” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 65).
17
Como resultado geral do esforço industrializante, no caso brasileiro, os dois
modelos de industrialização pelos quais o país havia passado até então, o PSI e o
subdesenvolvimento industrializado, “levaram ao desequilíbrio e à inflação”, ou seja, à
grande crise dos anos 1980. Ambos os modelos
favoreceram a acumulação em detrimento dos salários dos
trabalhadores. Mas nem em um nem em outro a taxa de
acumulação cresceu de maneira decisiva, porque o
departamento propulsor do desenvolvimento era sempre
produtor de bens de consumo: não duráveis no primeiro caso,
duráveis no segundo. Apenas no final do modelo de
subdesenvolvimento industrializado, em meados dos anos
setenta, a liderança industrial passou para a indústria de bens
de capital sob encomenda e para as empresas estatais, mas
nesse momento o modelo já estava em crise (BRESSERPEREIRA, 1982, 67).
O balanço geral de Bresser, após décadas de (sub)desenvolvimento, era o de
que “O Brasil não foi capaz de criar aqui uma sociedade mais justa, mas sem dúvida
criou uma sociedade mais capitalista e mais desenvolvida” (BRESSER-PEREIRA,
1982, 68).
Ao discutir o dualismo no Brasil, Bresser toma certos cuidados, pois a “teoria
dualista do subdesenvolvimento (...) levou as esquerdas e os trabalhadores ao erro
estratégico de aceitar uma aliança com uma criação teórica ou ideológica: a „burguesia
nacional‟”. Contudo, para Bresser, essas “distorções ideológicas não retiram o caráter
objetivamente dual da economia brasileira”, conforme os desequilíbrios estruturais
acima mencionados mostrariam. Citando I. Rangel, Bresser defende ser o dualismo
“intrínseco”
à
economia brasileira,
definindo “o próprio subdesenvolvimento
industrializado brasileiro”, que não resultou de uma “falta de capitalismo (...), mas de
uma forma distorcida de penetração do capital na produção”, pela qual se forma
“bolsões de „modernidade‟ na economia, aos quais se justapõe e se subordina ao
setor competitivo, particularmente, o seu subsetor informal” (BRESSER-PEREIRA,
1982, 94-5).
Por fim, Bresser permanecia ainda um pouco otimista: o “subdesenvolvimento
industrializado maduro” será “talvez a última etapa de nossa história enquanto
economia subdesenvolvida”. Otimismo que vai além do capitalismo. O Brasil não
estaria “condenado ao capitalismo para todo o sempre. Muito pelo contrário, (...) a
sociedade e a economia brasileira já começam a ficar prontas para o avanço de
estruturas socialistas” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 164). Tal avanço seria “resultado
da luta de classes”, e os problemas brasileiros “terão de ser superados através da
18
dialética da luta de classes e do aumento de produtividade que definem historicamente
o desenvolvimento econômico capitalista” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 164-65).
LUCRO, ACUMULAÇÃO E CRISE
O livro Lucro, acumulação e crise é uma das discussões teóricas mais
refinadas de Bresser. Não se trata, como em outros trabalhos, de analisar as
especificidades da periferia, mas sim o capitalismo em si.
Naquele livro, o desenvolvimento é concebido basicamente em termos
marxistas. As variáveis econômicas básicas do capitalismo seriam a taxa de lucro, no
curto prazo, e a taxa de mais-valia ou relação lucros/salários, no longo prazo. Essas
duas taxas determinariam o processo de acumulação capitalista. Desta última
dependeria, por sua vez, assim como do ritmo do progresso técnico (definido como a
elevação da produtividade por trabalhador ou pelo aumento renda por trabalhador;
isso significa ou uma queda na quantidade de trabalho necessária para a produção de
uma mesma quantidade de bens ou uma queda no valor de um bem ou uma queda no
preço de um bem ou ainda um aumento na quantidade de bens por horas trabalhadas
em sua produção), a taxa de produtividade da economia, definida como sendo
aproximadamente o crescimento do produto por habitante.
A perspectiva mais imediata das decisões tomadas pela burguesia é a do curto
prazo, ou seja, a do lucro. Esta variável básica encontra-se no centro do sistema
capitalista de produção. Em torno dela e tendo em vista ela é que se explicam os
processos de acumulação capitalista, progresso técnico e crescimento das
organizações (BRESSER-PEREIRA, 1986, 12-3, 28). Sendo assim, a tese da
tendência da queda da taxa de lucro, formulada por Smith, Ricardo e Marx
(BRESSER-PEREIRA, 1986, 11), é fundamental.
MACROECONOMIA DA ESTAGNAÇÃO
O livro Macroeconomia da estagnação apresenta uma leitura fortemente crítica
da política econômica brasileira pós-Plano Real (1994). Segundo Bresser,
Em nome do combate à inflação, os brasileiros se tornaram
reféns de uma política econômica que, além de impedir o
desenvolvimento econômico do país porque não torna
rentáveis investimentos em setores com maior valor adicionado
per capita e maior conteúdo tecnológico, transfere aos
beneficiados, no país e no exterior, uma parcela enorme do
patrimônio público (BRESSER-PEREIRA, 2007, 8).
Essa crítica, “que venho elaborando desde que, em 1999, voltei à vida
acadêmica” inovaria, segundo Bresser, na medida em que procura ir além das críticas
até então feitas – excesso de confiança no mercado, concentração de renda,
prejudicial à indústria nacional – focando o “ponto em que ela pretende ser mais forte,
19
mas que, na verdade, é sua maior fraqueza: a política macroeconômica” (BRESSERPEREIRA, 20078-9).
Além desse aspecto econômico da estagnação, Bresser aponta outro, político:
as “recomendações e pressões” vindas “do Norte” e incorporadas pelas elites
brasileiras que “não souberam devido à sua tradicional dependência, a que veio se
somar a perda da ideia de Nação ocorrida principalmente entre os intelectuais
brasileiros a partir do golpe militar de 1964” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 9, 47-8, 54).
Os pontos principais de sua crítica à “ortodoxia convencional” passa pela
admissão que ela incluiu “algumas políticas e reformas necessárias”, porém “não
promove o desenvolvimento do país, mas”: 1º) “o torna propenso a crises de balanço
de pagamentos”; 2º) “o mantém semi-estagnado – incapaz de competir e alcançar o
nível de desenvolvimento dos países mais ricos”; 3º) “populismo cambial”: defesa do
“crescimento com poupança externa” (BRESSER-PEREIRA, 200747-8, 65) “e,
portanto, a apreciação” do câmbio; 4º) “populismo fiscal”: “estabelece e atinge metas
fiscais que, não obstante, perpetuam o desequilíbrio fiscal e, com isso, mantêm a
justificativa para a prática de taxas de juros exorbitantes” (BRESSER-PEREIRA, 2007,
10).
O objetivo de Bresser é “entender por que o Brasil ainda não alcançou a
estabilidade macroeconômica embora toda essa política econômica seja feita em seu
nome” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 17). E, declara Bresser, “resumiria o argumento
político na perda da ideia de Nação, e o argumento macroeconômico, na perda do
controle da taxa de câmbio” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 18), que é o “preço mais
estratégico da economia” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 58, 99, 113-14, 139, 194).
Além disso, “Palavras como „nacionalismo‟, „desenvolvimentismo‟ e „controle de
capitais‟ são registradas no índice das palavras proibidas” (BRESSER-PEREIRA,
2007, 19). Bresser não menciona, neste ponto, sua própria contribuição a tal estado de
coisas, tendo em vista suas fortes críticas ao nacional-desenvolvimentismo, após sua
“transição intelectual” dos anos 1980. Antes aponta que na
América Latina, a grande crise da dívida externa dos anos
1980 desorganizou as nações da região, interrompeu suas
revoluções nacionais, e as levou, a partir de 1990, a se
renderem à ortodoxia convencional”, que “implantou um „tripé
macroeconômico‟ – ajuste fiscal, política de metas de inflação e
câmbio flutuante (BRESSER-PEREIRA, 2007, 21).
A fim de tornar o mais claro possível seu argumento, Bresser faz algumas
distinções importante.
20
Há desenvolvimento econômico quando a renda por habitante
cresce em função do aumento da produtividade e o bem-estar
da população melhora; há desenvolvimento social quando a
distribuição da renda entre as classes e raças torna-se mais
igual; há desenvolvimento cultural quando o nível de educação
aumenta e quando a Nação se liberta da dependência
ideológica de nações mais ricas e poderosas; há
desenvolvimento político quando aumenta a liberdade dos
cidadãos (i. e., a democracia se afirma) e aumenta a liberdade
da Nação (i. e., a Nação ganha autonomia) (BRESSERPEREIRA, 2007, 65).
Apesar dos problemas graves envolvendo altas taxas de juros e de câmbio,
para Bresser, o fator primordial da semi-estagnação brasileira, contudo, seria político:
“desde 1995, depois de quinze anos de crise e de falta de uma estratégia nacional de
desenvolvimento, a política macroeconômica do país subordinou-se integralmente aos
ditames da ortodoxia convencional originária em Washington” (BRESSER-PEREIRA,
200726-7, 255-56).
Bresser diferencia nação – “sociedade de pessoas ou família que”
compartilham “um destino político comum” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 38); e
“envolve um acordo básico entre as classes quando se trata de competir
internacionalmente” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 39); Estado – organização que
afirma sua “soberania sobre um determinado território”; e Estado-nação – uma nação
que consegue se organizar como Estado (BRESSER-PEREIRA, 2007, 38).
Sendo que uma “nação é sempre nacionalista”, pois esta é a “ideologia da
formação do Estado nacional”, o Brasil teria perdido seu referencial enquanto nação. A
proposta
de
Bresser
no
sentido
de
revitalizar
tal
ideologia
é
o
novo
desenvolvimentismo, que seria “a forma pela qual o nacionalismo tende a se expressar
no Brasil depois (...) do fracasso da ortodoxia convencional nos últimos dezesseis
anos”. Contudo, sua concretização só se realizará quando “a sociedade nacional voltar
a ser uma verdadeira Nação” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 40-1), ou seja, “uma
sociedade dotada de um Estado capaz de formular uma estratégia nacional de
desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 39). Porém, não se trata de um
nacionalismo xenófobo, e sim “liberal, social e republicano” (BRESSER-PEREIRA,
2007, 41, 279) e da “afirmação do interesse nacional nas arenas internacionais
competitivas” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 85).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se, pelo exposição acima feita, que a noção de desenvolvimento em
Bresser não foi a mesma ao longo de sua carreira. Inicialmente, esteve fortemente
21
vinculada à ideia de padrão de vida (BRESSER-PEREIRA, 1968). Contudo, essa
associação acabará por ficar confinada à apenas seus primeiros escritos.
Ao longo dos anos 1970 e início dos 1980, a leitura bresseriana de
desenvolvimento será fortemente influenciada pelo marxismo (1977; 1982; 1986).
Conceitos como forças produtivas, classes sociais, acumulação do capital, mais-valia
entre outras comporão seu vocabulário mais constante.
Contudo, de meados dos anos 1980 em diante, ainda que mantenha as
grandes linhas de seu conceito de desenvolvimento, Bresser passa a enfatizar a
noção de “produtividade” a partir de uma perspectiva de macroeconomia. As leituras
marxistas anteriores não se apagam completamente, mas se diluem em meio a
abordagens e linguagens típicas de formuladores de política econômica.
Essas reformulações podem ser associadas a sua trajetória intelectual e de
militante. Principalmente suas mudanças em meados dos anos 1980 poderiam ser
caracterizadas como uma ruptura, assinalada pelo próprio Bresser como uma
“transição intelectual”4 em direção à admissão de que o nacional-desenvolvimentismo
estaria superado no Brasil.
Por outro lado, a ideia de nação esteve, na maior parte do tempo, associada à
de desenvolvimento. Talvez, a tese da incompletude da “Revolução Nacional
Brasileira” dos anos 1970 e sua reformulação nos anos 2000 como “perda da ideia de
Nação” seja o elemento mais constante no pensamento de Bresser, capaz de dar um
mínimo de sentido às suas mudanças de posições, teóricas e políticas.
Mais precisamente, não se defende aqui que o conjunto da produção
acadêmica de Bresser, assim como sua trajetória política e posições assumidas ao
longo desta, sejam plenamente explicáveis por uma ideia – de nação, no caso – que
permaneceria inalterada ao longo do tempo, como um farol a guiar suas guinadas de
direção. A intenção aqui é mostrar como temas recorrentes – desenvolvimento,
desenvolvimentismo, nação, classe média, (tecno)burocracia – foram sendo definidos
e redefinidos, arranjos e rearranjados de acordo não somente com o processo de
maturação intelectual de um autor, mas também, e principalmente, de acordo com os
contextos pelos quais Bresser transitou.
Contextos não apenas históricos, socioeconômicos ou políticos, mas também
linguísticos (POCOCK, 2003; SKINNER, 2000). O pragmatismo da ação política
permite e justifica rupturas. Porém, as ações não se justificam por si mesmas. Esse
trabalho de justificação é basicamente intelectual e, nesse sentido, formular e difundir
ideias é também agir politicamente.
4
Cf. entrevista concedida a BIDERMAN [et. alli], 1996, 153-189.
22
Dessa forma, em meio às rupturas de Bresser, dois marcos delimitam os limites
de seus movimentos: a tese da incompletude da nação brasileira e, assim, de seu
desenvolvimento também – ideia que atravessa sua produção intelectual ao longo de
mais de 4 décadas de pesquisas e militância; a sua filiação à linhagem do
estruturalismo latino-americano.
Portanto, e por tudo isso, declarar-se filiado à linhagem do estruturalismo (ou
pelo menos a uma determinada interpretação sobre o que seria tal linhagem) e fiel à
luta pelo desenvolvimento nacional permitiu a Bresser-Pereira estabelecer um ponto
de referência geral a partir do qual ele pode operar variadas movimentações
intelectuais em contextos diversos. Movimentações essas intimamente associadas às
posições políticas e/ou cargos públicos ocupados ao longo de sua carreira. Assim,
vista em seu conjunto, a produção de Bresser-Pereira parece ser marcada apenas ou
principalmente por rupturas fortes e mudanças drásticas de opinião e posição,
principalmente nos períodos nos quais ocupou cargos governamentais. Contudo, onde
aparentemente predominam rupturas, pode-se encontrar, mais precisamente, uma
combinação complexa entre continuidades, rupturas e retomadas, todas referidas aos
dois principais eixos temáticos do pensamento de Bresser-Pereira – desenvolvimento
e nação – e à linhagem da qual ele se considera um seguidor e continuador – o
estruturalismo latino-americano.
BIBLIOGRAFIA CITADA
BIDERMAN, C. [et. alli]. Conversas com economistas brasileiros. São
Paulo: Editora 34, 1996.
BRESSER PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e crise no Brasil, 19301964. 1º edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
BRESSER PEREIRA, L. C. Jogo aberto: entrevistas com Bresser
Pereira. Org. por Carlos Alberto Sardenberg. São Paulo: Brasiliense, 1989.
BRESSER PEREIRA, L. C. Macroeconomia da estagnação: crítica da
ortodoxia convencional no Brasil pós-1994. São Paulo: Ed. 34, 2007.
BRESSER-PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e crise no Brasil:
História, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. 5º edição. São Paulo:
Ed. 34, 2003.
BRESSER-PEREIRA, L. C. Economia brasileira: Uma introdução
crítica. São Paulo: Brasiliense, 1982.
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