Ineficiência ou atraso tecnológico? uma réplica a Ferreira e Frageli

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Jlcoreiro, 18 de janeiro de 2017
Ineficiência ou atraso tecnológico? uma réplica a
Ferreira e Frageli
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli escreveram um instigante
artigo no Valor Econômico de hoje no qual afirmam que a razão fundamental
para o atraso econômico do Brasil com relação aos Estados Unidos não se
deve a insuficiência de capital físico ou a composição da estrutura produtiva
da economia brasileira – que nos últimos anos regrediu em direção a
atividades com menor valor adicionado per-capita como mostrou Marconi
(2015) – mas deve-se a ineficiência na alocação dos fatores de produção
(capital e trabalho). Essa ineficiência poderia ser comprovada pelo fato de
que ao se controlar a produtividade do trabalho no Brasil pela composição
setorial da produção observada nos EUA, ou seja, ao se “trocar o peso de
cada setor no produto brasileiro pelas participações correspondentes nos
EUA, mantendo-se constante a produtividade de cada setor no Brasil”; a
produtividade do trabalho no Brasil aumentaria (sic) “apenas” 11 p.p com
relação a observada nos EUA (efeito composição). Contudo, se mantivermos
constante a participação de cada setor no Brasil e substituirmos a
produtividade de cada setor pela produtividade correspondente nos EUA, a
produtividade do trabalho no Brasil teria um aumento de 71 p.p com relação
ao nível observado nos EUA (efeito nível). Nesse contexto, os autores
afirmam que “os exercícios sugerem que o atraso brasileiro não se deva ao
fato de o país ter se especializado em setores pouco produtivos, mas a dura
realidade de que, em todos os setores e subsetores, a produtividade do
trabalhador brasileiro é muito inferior à observada nos Estados Unidos e
demais países desenvolvidos”.
A primeira observação que quero fazer é que essa afirmação dos
autores é um simples truísmo. Se os trabalhadores brasileiros fossem tão
produtivos quanto os trabalhadores americanos; então o Brasil seria um país
tão rico quanto os Estados Unidos. A pergunta a ser feita é porque a
produtividade do trabalhador no Brasil é tão menor do que a produtividade
do trabalhador americano.
Antes de responder a essa pergunta, contudo, não podemos dar de
barato – como fazem os autores – de que o assim chamado “efeito
composição” é irrelevante. Com efeito, suponhamos que a produtividade do
trabalho nos EUA medida em PPP seja de US$ 75.000,00. Se a produtividade
do trabalho no Brasil for 16% da produtividade nos EUA, então cada
trabalhador no Brasil irá produzir US$ 12.000,00 por ano. Consideremos
agora que devido a bem sucedida implantação das políticas novodesenvolvimentistas apresentadas por Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi
(2016), a produtividade do trabalho no Brasil aumentasse para 27% da
produtividade do trabalho nos EUA num intervalo de, digamos, 15 anos. Ao
fim desse período a produtividade do trabalho no Brasil teria aumentado para
US$ 20.250,00, o que equivale a um aumento de 68,75%, ou seja, uma média
de 4,58% a.a !!!! Trata-se de um aumento expressivo da produtividade do
trabalho de forma que a conclusão dos autores de que (sic) “políticas que
privilegiam setores específicos terão efeito mínimo sobre a produtividade
agregada” simplesmente não decorre das premissas apresentadas no próprio
artigo. Trata-se de um simples non-sequitur.
Mas retornemos ao ponto apresentado pelos autores referente às
diferenças de nível de produtividade entre os setores. Por que razão o setor
de serviços e o setor manufatureiro nos EUA é tão mais produtivo do que no
Brasil? Existem muitos fatores que explicam esse diferencial de
produtividade. Um deles, certamente, é o estoque de capital físico. O capital
por trabalhador nos EUA é muito maior do que o estoque de capital por
trabalhador no Brasil. Além disso, o treinamento e a capacitação da força de
trabalho, o que inclui a educação formal, são maiores nos EUA do que no
Brasil. É provável também que a infra-estrutura seja melhor nos EUA do que
no Brasil. Contudo, há um fator que não foi apontada pelos autores, aquilo
que no meu livro “Macroeconomia do Desenvolvimento” (2016) chamei de
“assimetrias tecnológicas”, ou seja, da existência de um hiato
tecnológico (technological gap) das empresas brasileiras viz-a-viz suas
competidoras nos EUA. Ao contrário do que afirmam os modelos
neoclássicos de crescimento Solow-Swan, nos quais a tecnologia é um bem
público, estando livremente disponível para todas as empresas de todos os
países; a tecnologia no mundo real é um bem não rival, mas excluível, ou
seja, pode ser apropriada privadamente. Dessa forma, o domínio da fronteira
tecnológica acaba por se traduzir em vantagens competitivas para as
empresas localizadas nos países desenvolvidos.
A existência de assimetrias tecnológicas – algo que os exercícios
tradicionais de growth accounting simplesmente desconsideram – tende a
fazer com que a contribuição do capital físico para a “produtividade total dos
fatores de produção” seja, em larga medida, subestimada. Isso porque a
maior parte das inovações tecnológicas estão incorporadas em máquinas e
equipamentos recentemente construidos. Isso faz com que a forma pela qual
as empresas retardatárias podem se aproximar das empresas que operam na
fronteira tecnológica é por intermédio do investimento em capital físico.
Sendo assim, o grande diferencial de produtividade entre as empresas
americanas e brasileiras pode decorrer, em larga medida, do diferencial
existente no estoque de capital por trabalhador; ou seja, os trabalhadores
brasileiros são menos produtivos porque possuem menos máquinas up-todate do que os trabalhadores americanos. Nesse contexto, o crescimento da
economia brasileira poderá ser substancialmente incrementado por
intermédio de políticas que fomentem a acumulação de capital e a inovação
tecnológica, ao invés de políticas que procurem aumentar a eficiência no uso
dos fatores de produção.
Referências
Bresser-Pereira, L.C; Oreiro, J.L; Marconi, N. (2016). Macroeconomia
Desenvolvimentista. Elsevier: Rio de Janeiro.
Marconi, N (2015). “Estrutura Produtiva e Crescimento Econômico” In
Barbosa, N et al (orgs). Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil.
FGV Editora: São Paulo.
Oreiro, J.L. (2016). Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva
keynesiana. LTC Editora: Rio de Janeiro.
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