Em argumentação defendida durante a década de 1970 e recentemente retomada, Bresser-Pereira (1977; 2005, respectivamente) sugere que a sociedade tem avançado para o que chama de capitalismo dos técnicos, isto é, um estágio avançado do capitalismo no qual não mais a figura do burguês, dono dos meios de produção, mas a do técnico, detentor do conhecimento, passa a ser central no modo de produção. Assim, segundo esse autor, a propriedade do capital se tornou menos estratégica que a propriedade do conhecimento. Como evidência e conseqüência desse novo modelo de capitalismo o autor aponta para o surgimento de uma “nova” classe social, a qual atribui os nomes de classe média profissional ou tecnoburocracia. Essa “nova” classe média, então passaria a dividir renda e riqueza com a classe capitalista tradicional competindo, portanto, por influência e poder. O autor ainda sugere que o capitalismo dos técnicos não só é mais eficiente que o modelo anterior, como também mais coerente com o regime democrático por permitir uma distribuição de renda mais igualitária, uma vez que o conhecimento é mais acessível às classes menos favorecidas do que o capital. Desta forma, a possibilidade de mobilidade social aumentaria, bem como a igualdade de oportunidades entre as classes. São identificadas, assim, duas leituras acerca do atual momento do capitalismo. A primeiro diz respeito à emergência de uma nova classe social e a outra, conseqüência da primeira, aponta para a mudança no modo de produção e a condução para uma sociedade mais igualitária. Nossa proposta neste artigo é contra-argumentar a tese defendida por BresserPereira sobre o surgimento de uma “nova” classe social. Nosso posicionamento acadêmico, com base em Marx e outros, é que, primeiro, o conhecimento como forma de domínio técnico não é novidade dentro do sistema capitalista de produção, uma vez que o uso do conhecimento para reprodução da estrutura social já fora reconhecido por Marx no final do século XIX. Já na teoria gramsciniana, a possibilidade de surgimento e de conquistas de uma “nova” classe social no espaço no qual anteriormente só se configurava uma classe social dominante, estabelece-se através de um longo processo de conflito e cooperação entre as duas classes sociais. Entretanto, se verificarmos o retrospecto da ascensão deste grupo tecnoburocrata, percebemos que tais pontos de conflito entre esses e a classe economicamente hegemônica só existem enquanto incômodo temporário à classe burguesa e mesmo à classe trabalhadora, da qual os tecnoburocratas têm origem concreta. O domínio do conhecimento não alterou a balança de forças entre capital e trabalho ou mesmo inseriu nova dimensão às lutas de classes, basta lembrar que as decisões de uma empresa de capital aberto ainda cabem aos acionistas que escolhem de acordo com a comodidade os seus gestores, isto é, o seu corpo técnico e podem também demiti-los. Esse simples exemplo evidencia a posição de trabalhadores, bem remunerados é fato, dos tecnoburocratas. A grande diferença deste modelo de capitalismo, do qual fazem parte os tecnoburocratas é com relação ao poder ideológico propagado pelo processo educacional burguês ao longo dos anos. Como parte dos Aparelhos Ideológicos do Estado, cujo principal autor é Althusser (1985), o sistema educativo tem o fundamental papel de reproduzir a ideologia burguesa como forma de manutenção da estrutura social. Assim a existência de uma classe tecnoburocrática que não se reconhece como classe trabalhadora, mas também não detém os meus de produção, surge em consequência da naturalização do pensamento burguês e da defesa subjetiva propriedade privada, trata-se de um corpo de funcionários técnicos que não se reconhecem como funcionários e protegem como suas as propriedades que não lhes pertencem. Assim, configuram, na visão do burguês, apenas uma extensão mais qualificada dos interesses do capital, capaz de assegurar de modo mais eficaz a manutenção das estruturas de poder, já que não reconhecem as lutas de classes. Para o proletariado, representam uma categoria iludida em seu desejo de ascensão à classe burguesa. O outro aspecto a ser questionado, é a de que a dominação do conhecimento seja ele de qualquer natureza, levaria a mudança no modo de produção e a processos de igualdade social. É preciso ter em mente que não é novidade o domínio do conhecimento por parte de uma pequena parcela da sociedade como variável fundamental para manutenção da estrutura de dominação do homem pelo homem. O conhecimento técnico preconizado por Bresser-Pereira, ao contrário de emancipar e propiciar mobilidade social, como o autor mesmo defende, é guiado por uma lógica que tem em sua gênese um tipo específico de racionalidade produtiva, própria de um capitalismo avançado, que tende a eliminar qualquer tipo de propriedade qualitativa do homem. Neste sentido, o conhecimento técnico serve para a reificação. Ao discutir conhecimento, Lukács (1989, apud Crocco, 2009) serve como um bom contra-ponto as concepções ideológicas tecnoburocráticas, já que evidencia que há uma identificação do conhecimento em geral com o conhecimento formal. O autor ressalta que o conhecimento dominante está relacionado com a racionalização técnica aplicada à produção do sistema capitalista, tornando-se a ciência atrelada ao processo de valorização deste sistema. Esta forma de conhecimento leva à perda da noção de totalidade, aumentando as possibilidades de dominação. Sendo assim, o conhecimento técnico que é hoje dominante, e ao qual se refere Bresser-Pereira (2005), leva à manutenção do sistema vigente, um sistema que em seu caráter mais basilar, não pressupõe a existência de um grande coeficiente de mobilidade social. Assim, utilizando-se das reflexões gramscinianas para corroborar nossa argumentação, esta “nova” classe social profissional com base no conhecimento, apenas reproduz de maneira mais eficaz a classe social dominante, ou seja, a própria classe capitalista burguesa, que se utiliza deste conhecimento não para transformar a realidade social, diminuir a desigualdade e consolidar a democracia, mas para manter o status quo e a estrutura social. Perpetuando as relações de dominação ainda que menos perceptíveis e regulando, assim, a esfera social. O referencial marxista é, portanto, de fundamental importância para que não se percam as relações de classe no momento atual do desenvolvimento capitalista, evitando argumentações fatalistas que pregam o fim do domínio burguês e das lutas de classes, pregando a emergência de uma “nova” classe social e de um modo de produção mais igualitário. Referências: ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos do Estado. Trad. Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985. BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Capitalismo dos Técnicos e Democracia. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. v. 20, nº 59, p. 133-148, out. 2005. ______. Notas introdutórias ao modo tecnoburocrático ou estatal de produção. Estudos Cebrap 20. p. 77-109, abr-jul. 1977 CROCCO, F. L. T.. Georg Lukács e a reificação: teoria da constituição da realidade social. Kínesis, Vol. I, n. 2, p. 49-63, Outubro-2009. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política Livro 1 vol. 1. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1999.