1 A Aprendizagem Ativa na Filosofia Educacional de John Dewey Marcus Vinicius da Cunha (www.marcusviniciuscunha.com) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP Este texto contém um resumo da palestra ministrada aos professores da ESPM no dia 10.02.2015. A Aprendizagem Ativa Aprendizagem Ativa é uma noção ampla, inespecífica, podendo ser atribuída às propostas pedagógicas oriundas de vários autores que se notabilizaram entre o final do século XIX e meados do século XX. Eis alguns autores associados ao movimento genericamente denominado Ativismo Pedagógico, também conhecido como Escola Nova: Cecil Reddie (18581932, Inglaterra), Edmond Demolins (1852-1907, Alemanha), Hermann Letz (1868-1910, Alemanha), Georg Kerschensteiner (1854-1932, Alemanha), Giusepe Lombardo Radice (1879-1938, Itália), Ovide Decroly (1871-1932, Bélgica), Edouard Claparède (1873-1940, Suíça), Adolphe Ferrière (1879-1961, Suíça), Roger Cousinet (1882-1972, França), Célestin Freinet (1896-1966, França), William H. Kilpatrick (1871-1954, EUA), Helen Parkhust (1887-1973, EUA), Carleton Washburne (1889-1968, EUA). Os fundamentos teóricos e as orientações práticas advindos dos ativistas são convergentes em alguns aspectos, mas divergentes em outros; no geral, o que os unifica é uma concepção educacional que privilegia a ação do educando, em oposição aos moldes do que se convencionou denominar Ensino Tradicional. No quadro abaixo, encontram-se alguns termos que podemos vincular ao Ensino Tradicional, de um lado, e às Pedagogias Ativas, de outro. Trata-se de um panorama de norteamentos educacionais situados – de maneira meramente ilustrativa – em polos opostos, com o único intuito de destacar o confronto entre essas duas formas de conceber a prática de educar. 2 Ensino Tradicional Pedagogias Ativas Intelecto Sensações Mente Corpo Professor Aluno Sociedade Indivíduo Externo Interno Autoridade Liberdade Matérias Escolares Atividades Trabalho e esforço Interesse e prazer O Enquadramento Histórico da Aprendizagem Ativa O Movimento Ativista surgiu no momento histórico em que o acesso à escola tornou-se um valor social inquestionável, tido como fator imprescindível para o progresso das nações. Os ativistas centraram suas críticas na impossibilidade de incluir mais alunos nas instituições de ensino, ampliando a heterogeneidade da clientela, sem transformar o modelo educativo; julgavam necessário adotar novos métodos e uma nova filosofia educacional para lidar com a situação inédita então apresentada. No decorrer da década de 1960, o ativismo entrou em decadência devido ao fortalecimento de uma mentalidade guiada por noções da área de gerenciamento empresarial, as quais, tornando-se hegemônicas, passaram a exigir resultados mensuráveis do processo pedagógico. Essa mudança foi propiciada, entre outros fatores, pelo ambiente de concorrência entre os países e pela revitalização da crença na educação como responsável pelo desenvolvimento das nações. 3 John Dewey e o Movimento Ativista A concepção filosófica e educacional de John Dewey é avaliada pelos historiadores como a mais duradoura e influente desde o surgimento da noção de Aprendizagem Ativa. Na primeira metade do século XX, as ideias de Dewey foram difundidas em países tão distantes e distintos quanto Japão e México. No Brasil, seu mais destacado representante foi Anísio Teixeira, educador baiano que, entre outras atividades, liderou a reformulação do sistema de ensino do Distrito Federal na década de 1930 e reorganizou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) na década de 1950. Após um período de relativo esquecimento, coincidente com o descrédito que acometeu as propostas ativistas em todo o mundo, o pensamento deweyano voltou a ser alvo de pesquisas acadêmicas na área de educação, principalmente nos últimos 25 anos, inclusive no Brasil. Esse movimento ocorreu concomitantemente à retomada de outros autores igualmente vinculados à noção de ativismo pedagógico, como o suíço Jean Piaget (1896-1980), e à introdução de pensadores até então desconhecidos no Ocidente, como o russo/soviético Lev Vygotsky (1896-1934). Tal qual no século passado, temos hoje uma extensa variedade de concepções teóricas reunidas na mesma denominação genérica – e até certo ponto, vaga – de Aprendizagem Ativa. Vida e Obra de John Dewey John Dewey nasceu no estado de Vermont, EUA, em 1859 e faleceu em Nova York em1952. Em sua trajetória de formação, incorporou influências de Charles Darwin e dos filósofos pragmatistas que o antecederam – Charles S. Peirce (18391914, EUA) e William James (1842-1910, EUA). Em 1884, na Universidade de Chicago, Dewey criou uma escola experimental que ficou conhecida como Laboratory School. Dali surgiram as ideias que constituem a base da filosofia educacional deweyana. 4 Suas obras educacionais mais relevantes são A escola e a sociedade (1899), Como pensamos (1910, revisto em 1933), Democracia e educação (1916) e Experiência e educação (1938). Em 1905, Dewey ingressou na Universidade de Colúmbia, onde se aposentou em 1930, permanecendo como professor emérito. Continuou pesquisando e publicando seus trabalhos até praticamente a véspera de sua morte. Podemos compreender a proposta pedagógica de Dewey por meio de dois conceitos estreitamente vinculados: Pensamento Reflexivo e Experiência, dos quais se podem intuir algumas teorizações sobre o trabalho docente. A Educação como Reflexão Dewey considera que educar é ensinar a pensar de maneira reflexiva. O Pensamento Reflexivo – também denominado Investigação ou simplesmente Reflexão – consiste em desenvolver os conteúdos escolares tomando como ponto de partida os interesses dos educandos, a serem apresentados na forma de problemas – algo que requer solução. Uma vez posto o problema, cabe ao educando, acompanhado pelo educador, buscar dados relativos à situação desafiadora, raciocinar sobre eles e formular hipóteses capazes de solucioná-la; em seguida, deve testar a hipótese que lhe pareça a mais adequada. Problema Dados Raciocínio Hipótese Teste ↓ ↓ ↓ ↓ Solução Esta proposição é fundamentada na filosofia adotada por Dewey, o Pragmatismo, que concebe o pensamento como dotado de uma função instrumental: a atividade de pensar é uma busca pelo equilíbrio entre nosso organismo e o ambiente que nos cerca; as soluções reveladas pelo pensamento reflexivo não são finais, mas 5 ferramentas que utilizamos, com maior ou menor sucesso, para enfrentar novas situações problemáticas. Os conhecimentos e os valores pretendidos pela educação são constituídos por conteúdos mutáveis, não fixos e definitivos. Dewey é contrário a todas as formas de dogmatismo, seja no campo do saber, seja na esfera da moral. A filosofia educacional deweyana situa-se no campo da provisoriedade, não na esfera das certezas absolutas. Dewey critica a educação proposta pelos tradicionalistas: um conjunto de matérias que transmitem conhecimentos e valores supostamente úteis para a vida futura do educando. A proposta deweyana mira o futuro também, mas considera que a melhor maneira de nos prepararmos para ele é aprendendo a investigar. A Reflexão como Experiência Singular Assim como Aprendizagem Ativa, a noção de Experiência também padece de ampla pluralidade de sentidos na pedagogia contemporânea. Na filosofia deweyana, a Experiência é definida de modo semelhante ao pensar reflexivo. Podemos dizer que o processo de investigação, quando efetivado adequadamente, é uma Experiência educativa. Uma Experiência verdadeiramente educativa é aquela que nos habilita a ter novas experiências – bem sucedidas, de preferência – no futuro. Uma Experiência é educativa quando um sujeito age sobre um objeto e, em consequência, sofre ação correspondente. Nesse caso, podemos dizer que o sujeito é transformado pelo objeto sobre o qual agiu. Para ser verdadeiramente educativa, a Experiência deve ser singular: Uma Experiência. Sua conclusão deve coincidir com a solução requerida por um problema, constituindo um juízo moral sobre o objeto problemático e sobre a maneira de abordá-lo. Para que isto aconteça, são mobilizados não somente os componentes intelectuais da pessoa, mas também os seus componentes afetivos – as paixões, as emoções. Dewey afirma que nenhuma Experiência é primariamente cognitiva, pois envolve 6 tanto a mente quanto o corpo, constituindo uma totalidade indivisível cujos componentes estão em continuidade. A Docência Ativa como Poética Dewey não elaborou estudos especificamente dedicados ao trabalho docente. A proposta pedagógica deweyana não contém manuais didáticos, métodos para o ensino de disciplinas escolares ou exemplificações de situações concretas de ensino. Por analogia com o tema do presente texto, Dewey não nos instrumentaliza para o exercício de uma Docência Ativa. Ele não responde à angustiante pergunta da maioria dos professores: “E na sala de aula, como devo fazer?” Apesar disso, autores contemporâneos buscam inspiração nas teorias deweyanas para conceber o trabalho docente nos moldes da Reflexão: a relação do professor com o aluno e as matérias escolares deve ser vista como um problema, algo que requer uma solução a ser buscada por meio dos procedimentos de Investigação, sempre considerando que os resultados dessa busca são provisórios. À semelhança do que ocorre na relação do aluno com o objeto da aprendizagem, o trabalho docente também envolve aspectos intelectuais e afetivos – paixões, emoções – em continuidade. O trabalho docente constitui uma atividade “poética”, com a mesma conotação dada a essa palavra pelos Gregos Antigos. No diálogo Banquete de Platão, Diotima diz a Sócrates: ‘Poesia [poiesis] é um conceito múltiplo. Em geral se denomina criação ou poesia a tudo aquilo que passa da não existência à existência. Poesia são as criações que se fazem em todas as artes. Dá-se o nome de poeta ao artífice que realiza essas criações’. A palavra “poética”, portanto, designa a atividade que traz alguma coisa à existência, faz existir. “Poeta” é aquele que cria, confere sentido existencial a alguma coisa. E “poesia” é aquilo que resulta da ação do poeta. 7 Bibliografia sugerida CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. CUNHA, Marcus Vinicius. John Dewey: uma filosofia para educadores em sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1994. CUNHA, Marcus Vinicius. John Dewey: a utopia democrática. Rio de Janeiro: DP&A, 2001b. CUNHA, Marcus Vinicius; GARCIA, Débora Cristina. Pragmatism in Brazil: John Dewey and education. In: PAPPAS, Gregory F. (Org.). Pragmatism in the Americas. New York: Fordham University, 2011. DEWEY, John. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo – uma reexposição. 3ª edição. São Paulo: Nacional, 1959a. DEWEY, John. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. 3ª edição. São Paulo: Nacional, 1959b. DEWEY, John. Experiência e educação. São Paulo: Nacional, 1971. DEWEY, John. Democracia e educação: capítulos essenciais. São Paulo: Ática, 2007. GARRISON, Jim. Dewey and Eros: wisdom and desire in the art of teaching. Charlotte: Information Age Publishing, 2010. MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da Antiguidade aos nossos dias. 10ª edição. São Paulo: Cortez, 2002. TEIXEIRA, Anísio. A pedagogia de Dewey. In: DEWEY, John. Vida e educação. 10. edição. São Paulo: Melhoramentos, 1978. TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à filosofia da educação: a escola progressiva ou a transformação da escola. São Paulo: Nacional, 1971. VALDEMARIN, Vera Teresa. História dos métodos e materiais de ensino: a escola nova e seus modos de uso. São Paulo: Cortez, 2010.