1 Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira ASMA E EXERCÍCIO In Asma Um Grande Desafio. Cruz AA Ed. Editora Atheneu, São Paulo, 2004. José Ângelo Rizzo Pneumologista, Alergologista, Professor de Pneumologia – UFPE, Mestre em Clínica Médica Emanuel Sávio C. Sarinho Pediatra, Alergologista, Professor de Pediatria – UFPE, Doutor em Pediatria. Almerinda Rego Pediatra, Alergologista, Professora de Pediatria – UFPE, Mestre em Pediatria. Embora seja atribuída a Arataeus da Capadócia o reconhecimento de que a asma pudesse ser desencadeada pelo exercício físico vigoroso, na realidade esse extraordinário médico grego do século II D.C. fez mais que isso: descreveu pacientes com dispnéia associada ao esforço físico relacionando-o com a asma, a qual classificou como uma doença e não um sintoma, como até então. No século XVI, Sir John Floyer, um médico inglês, ele mesmo um asmático, fez observações detalhadas da sua doença em seu “Tratado sobre asma” e verificou, não só que o exercício físico era capaz de desencadear crises de asma, mas também como os vários tipos de exercício tinham diferentes potenciais de provocá-la. Assim, afirmava que o exercício que menos induzia à asma era andar a cavalo e entre os que mais a desencadeavam estavam serrar madeira, dançar e jogar boliche, nesta ordem 1. O assunto passou despercebido até 1946 quando Herxheimer fez, provavelmente, o primeiro estudo objetivo sobre o assunto e verificou que a hiperventilação conseqüente ao exercício físico provocava, após sua interrupção, crises de asma com dispnéia e sibilância 2. Apesar destas observações, o assunto despertou pouco interesse na literatura, até que, na década de 60, em uma série de trabalhos, Jones 3,4 e seus colegas de Liverpool 2 demonstraram não apenas que o exercício físico era desencadeante comum da asma na criança e no adolescente, como também que a intensidade do broncoespasmo induzido pelo exercício relacionava-se com a gravidade da doença. Desde então o problema tem recebido crescente atenção dos pesquisadores. Asma induzida por exercício (AIE) ou Broncoespasmo induzido por exercício (BIE) são as denominações utilizadas para descrever o aumento transitório da resistência das vias aéreas ao fluxo de ar, conseqüente a broncoespasmo que ocorre após exercício vigoroso em uma parcela considerável de asmáticos e em um número pequeno de indivíduos sem história prévia de asma (neste grupo a denominação de broncoespasmo induzido por exercício é preferida). Cada vez mais vem sendo reconhecido que em alguns asmáticos, especialmente crianças, a AIE pode ser particularmente intensa, privando-as de esportes e brincadeiras tão importantes ao desenvolvimento físico e psíquico. Epidemiologia Na literatura, a prevalência de AIE (em asmáticos) varia dependendo dos protocolos, dos critérios utilizados e do local do estudo. Na literatura anglo-saxã a média situa-se entre 60 e 90% dos casos (Godfrey5 relata a mais elevada - 97%). Em trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina, Nascimento6 observou AIE em 47% de 40 indivíduos jovens (18,7+ 5,7 anos) . Ainda em São Paulo, Sano 7 observou uma prevalência em crianças entre 7 e 14 anos de 33%. Em nosso serviço (em Recife), de 58 crianças e adolescentes asmáticos com idade compreendida entre 6 e 18 anos, observamos queda igual ou maior que 10% no VEF1 em 52% deles , embora apenas metade relatasse chiado e dispnéia após exercícios físicos. A menor incidência de AIE verificada em nosso país que nos países europeus e da América do Norte pode estar relacionada às condições de temperatura e umidade do ar, como veremos mais adiante. 3 Alguns indivíduos sem história prévia de asma podem apresentar resposta brônquica após exercício físico variando a prevalência entre 4,5 a 10%. 8,9 Na população jovem em geral e, nos atletas de alto nível sem história prévia de asma, esta prevalência situa-se entre 10 e 35%10 , a depender das condições do ar respirado. Resposta brônquica ao exercício A resposta brônquica é bastante característica e uniforme quando o paciente com AIE é submetido a esforço físico intenso por 6 a 8 minutos (Figura 19.1). Durante o período de exercício pode haver uma discreta broncodilatação e o VEF1 mantém-se inalterado ou pode apresentar discreto aumento; após o término da atividade física começa a haver broncoespasmo, com redução do VEF1 , cujo nadir geralmente é observado em torno dos 5 a 10 minutos após a interrupção, e retorno aos níveis basais depois de 30 a 40 minutos. Em alguns pacientes a queda pode ser marcada, com surgimento de dispnéia intensa. Alguns pesquisadores relatam uma resposta tardia (4 a 6 horas), semelhante àquela observada após broncoprovocação com alérgenos11,12, e, embora contestada por outros13,14, as evidências mais recentes sugerem que em alguns indivíduos com asma de maior gravidade com hiperreatividade brônquica acentuada, ocorra esta dupla resposta 15. No Brasil, Sano16 observou este broncoespasmo tardio em 28% dos asmáticos que apresentavam AIE. INSERE FIGURA 19.1 Fatores condicionantes da resposta brônquica ao exercício O tipo, a duração e a intensidade da atividade física são fatores capazes de influir na resposta brônquica ao exercício. Sir John Floyer já havia verificado que diferentes tipos de atividades físicas tinham diferentes potenciais de resultar em asma. Isto pode ser também observado no trabalho de Fitch e Morton17, que compararam a capacidade de desencadeamento de broncoespasmo 4 entre corrida livre, pedalar em bicicleta e nadar em 40 pacientes com asma e 10 controles. Os autores observaram, nos asmáticos, resposta brônquica em 90% dos testes de corrida contra 92% daqueles com bicicleta e 57% após natação. Não só a natação provocou menos AIE, como a intensidade da queda no VEF1 também foi significativamente menor . Silverman e Anderson18 demonstraram que a intensidade da AIE aumenta com o incremento da carga e com a duração do exercício a que o paciente é submetido. Mantendose a intensidade constante, a resposta máxima após o esforço era observada quando os indivíduos se exercitavam durante 6 a 8 minutos; com o prolongamento do exercício a redução do PFE atingia um platô e alguns referiam mesmo alívio dos sintomas de dispnéia com o passar do tempo. A intensidade do esforço também é fator determinante . Com o incremento da carga (inclinação e/ou velocidade da esteira) a resposta brônquica torna-se mais intensa Outros fatores importantes na determinação da AIE são a temperatura e a umidade do ar inspirado bem como o nível de hiperreatividade brônquica do indivíduo. Em vários trabalhos na literatura foi verificado que a resposta brônquica era acentuada quando o indivíduo exercitava-se respirando ar frio e seco e que era quase abolida quando o mesmo indivíduo respirava ar quente e úmido 19,20. Este fato levou a suposições de que a natação resultava em menos asma devido à umidade do ar na superfície da água. Isto é parcialmente contestado pelas observações de Bar-Yshay 21, que verificou , em crianças asmáticas submetidas a teste de exercício com natação respirando ar seco, mais AIE que naquelas respirando ar ambiente , embora significativamente menor que a verificada quando corriam respirando ar seco, atribuindo um efeito parcialmente independente do tipo de exercício na resposta brônquica. Em países de clima frio, o exercício físico fora de ambientes climatizados resulta em maior intensidade e freqüência de AIE 22. O nível de hiperreatividade brônquica inespecífica aumenta com a gravidade da asma e, à medida que os sintomas diminuem, esta hiperreatividade também torna-se menor . A resposta brônquica ao exercício segue padrão semelhante. Balfour-Lynn23 acompanhou 33 5 asmáticos por uma média de 8,5 anos realizando testes de exercício regularmente e verificou que , com o desaparecimento completo dos sintomas da asma, desaparecia também a AIE mas, naqueles pacientes que necessitavam, mesmo ocasionalmente, do uso de broncodilatadores de alívio, esta mantinha-se inalterada. A gravidade da asma também influencia significativamente a resposta brônquica ao exercício, pacientes com asma mais grave têm maior freqüência e intensidade de AIE 8,24. Mussaffi25 , realizou testes de exercício antes e nos dias subsequentes a testes de broncoprovocação com antígeno em crianças asmáticas tendo verificado que, para o mesmo nível de esforço, a redução do VEF1 quase dobrava nos dias que se seguiam à exposição antigênica. Em regiões com polinização anemófila, atletas sensíveis podem inalar estes alérgenos durante certos períodos críticos, o que contribui para o desencadeamento da AIE 26. A atopia também está associada com uma maior probabilidade de resposta brônquica ao exercício, tanto em indivíduos asmáticos27 quanto em não asmáticos 8. A exposição a irritantes (dióxido de enxofre, formaldeido, partículas provenientes de combustíveis fósseis, cloro, etc.) também aumenta a resposta brônquica ao exercício. Interessante artigo de Helenius10 relata maior incidência de asma em nadadores de alto nível, que se exercitam mais de 30 horas por semana em piscinas tratadas com cloro e respiram um ar com concentrações de gás cloro que ultrapassam as permitidas por normas internacionais. Patogênese A patogênese da AIE ainda não está totalmente esclarecida, entretanto, os resultados de pesquisas de vários centros que se dedicam ao assunto levaram à formulação de algumas hipóteses. As observações originais realizadas por Deal28 de que a hiperventilação com ar frio, sem exercício, provocavam asma, e de Strauss29 de que a temperatura e a umidade do ar 6 inspirado durante o exercício influenciava a resposta brônquica, gerou a idéia inicial de que a perda de calor das vias aéreas era o estímulo responsável pela AIE . As investigações do grupo da Dra. Sandra Anderson, na mesma época, não só refutaram esta hipótese, mas também ofereceram uma explicação mais consistente de como a temperatura e a umidade do ar podem afetar a resposta brônquica ao exercício. Iniciaram pela verificação de Chen e Horton30 de que a respiração de ar quente e úmido era capaz de reduzir a magnitude da AIE e com as próprias observações do grupo de McFaden 28 de que a inspiração de ar aquecido e seco, mesmo a 80oc, não resultava em nenhuma redução na AIE. Em pesquisas posteriores31, constataram que, para um mesmo indivíduo, havia relação significativa entre a perda de água das vias aéreas durante o exercício e o grau de redução no VEF1. Por fim, a noção de que a nebulização ultra-sônica de água destilada era capaz de provocar broncoespasmo em asmáticos32 levou à formulação da hipótese de que alterações no ambiente osmótico da superfície do epitélio respiratório poderiam estar relacionadas ao broncoespasmo induzido pelo exercício físico. Em trabalho publicado em 1984, a Dra. Anderson33 reúne uma série de evidências que corroboram esta hipótese. Em resumo, a evaporação da água da mucosa das vias aéreas, resultante da hiperventilação provocada pelo exercício físico, induziria a uma alteração transitória da osmolaridade na camada de líquido epitelial, o que , por sua vez, resultaria em estímulos capazes de levar ao broncospasmo broncoespasmo (Figura19. 2). Atualmente está definido que os asmáticos são extraordinariamente sensíveis aos estímulos osmóticos e que também a nebulização ultra-sônica de soluções hipertônicas de cloreto de sódio, uréia ou dextrose resultam em broncoespasmo 34,35,36. INSERIR FIGURA 19.2 Uma série de observações propõem a ligação entre a alteração da osmolaridade das vias aéreas e o broncoespasmo. Sabe-se que nas vias aéreas superiores a provocação com 7 ar seco resulta na liberação de mediadores por parte dos mastócitos, como demonstrado por Álvaro Cruz37. Crimi e cols.15 em biópsias brônquicas de asmáticos realizadas 3 horas após o exercício , observaram a presença de grande número de mastócitos degranulados, associados também a dano epitelial e eosinofilia. O papel da histamina ainda é controvertido, como mostram os estudos de Broide38 e Pliss39 , que não verificaram sua elevação no líquido recuperado do lavado broncoalveolar realizado imediatamente após exercício e hiperventilação isocápnica (equivalente ao exercício), respectivamente. Este último autor observou, entretanto, aumento dos leucotrienos B4, C4, D4 e E4. Estas observações de laboratório refletem na clínica a ausência de proteção com uso de anti-histamínicos e a eficácia dos anti-leucotrienos como inibidores da AIE. Um outro fator capaz de levar ao broncoespasmo seria a liberação de neuropeptídeos com atuação direta na musculatura brônquica40. A liberação de mediadores estaria associada a uma redução do volume celular com a perda respiratória de água resultante da hiperpnéia 41. A respeito de modelos animais na tentativa de elucidar os mecanismos da AIE, há uma excelente revisão feita por Freed 42. O modelo proposto por McFaden43, de que a obstrução seria decorrente da hiperemia reativa da mucosa após resfriamento brônquico conseqüente à hiperventilação provocada pelo exercício tem recebido inúmeras contestações44 e parece menos provável atualmente. Diagnóstico A história de dispnéia e sibilância que piora após o término do exercício físico, em vez de durante, e que responde bem à inalação de beta-2 agonistas é sugestiva de AIE. Entretanto, muitas crianças e pais podem não perceber esta relação e considerar que haja incapacidade física para os exercícios ou que fatores inerentes ao local sejam os responsáveis pela asma. Por outro lado, expectativas de reações prejudiciais, como a dispnéia relacionada ao esforço físico, são capazes de intensificar e alterar a percepção do broncoespasmo, e até mesmo ter alguma influência em medidas funcionais objetivas 45. É freqüente observarmos pais impedirem os filhos de jogar futebol em campinhos de areia ou 8 mesmo de brincarem em parques por acharem que a poeira da areia seja o desencadeante da asma. Um outro fato, também muito comum na clínica diária, é a criança retrair-se e não participar dos jogos ou procurar conciliar sua “limitação” com o desejo de brincar, colocandose em posições que exigem menos esforço físico, como a de goleiro, ou “gandula”. Em nossos casos iniciais, apenas metade das crianças com AIE percebiam a obstrução brônquica . Das que não apresentaram queda > 10% no VEF1 após exercício, 40% referiam dispnéia durante jogos ou brincadeiras. Uma história clara de percepção de AIE significa que a redução no VEF1 após o exercício é de, pelo menos, 20% do basal, e alguns indivíduos podem ter quedas maiores sem que se dêem conta. Em outro trabalho que realizamos mais recentemente46 com o objetivo de verificar a relação entre a percepção dos pais da ocorrência de asma por exercício e a resposta brônquica da criança após exercício em esteira, verificamos que das 62 crianças avaliadas, em 32 (52%) os pais referiam a ocorrência de asma após exercícios. Destas, 15 apresentavam broncoespasmo ao exercício em esteira (queda > 10% no VEF1 ) e 17 não. Das crianças cujos pais não referiam AIE (30), 19 tinham broncoespasmo após exercício em esteira e 11 não. Portanto, neste grupo, não foi observada associação entre a percepção dos pais e a ocorrência de broncoespasmo após o exercício (p = 0,197 , sensibilidade 61%, especificidade 44%, valor preditivo positivo = 53% e valor preditivo negativo = 68%. Figura 19.3) Como vemos, a história clínica obtida com o próprio paciente ou com os pais pode ser sugestiva, mas apresenta baixas sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de asma induzida por exercício. INSERE FIGURA 19.3 Sempre que houver dúvidas a respeito do diagnóstico, intensidade ou quantidade de medicação para controlar a AIE, o paciente deve ser encaminhado ao laboratório de função pulmonar. Atletas competitivos podem melhorar bastante sua performance com o reconhecimento e medidas que previnam o BIE. 9 Os testes de exercício são bastante simples de serem executados em indivíduos jovens, necessitando apenas que o esforço tenha intensidade e duração adequados e a disponibilidade de um medidor de pico de fluxo ou um espirômetro, sem necessidade de monitorização cardíaca. A corrida livre é uma ótima opção mas podem ser utilizados cicloergômetros, escadas ou esteira ergométrica. A intensidade do exercício deve ser determinada por um critério objetivo, como o consumo de O2 ou, mais simplesmente, pela freqüência cardíaca, que se relacionam bem com o nível de ventilação. Uma freqüência cardíaca de 80 a 90% da máxima deve ser atingida e mantida por 6 a 8 minutos (pode ser facilmente calculada pela fórmula Fcmax = 209 - 0,74 x idade em anos47 ). Não há necessidade de protocolo de incremento progressivo do exercício em períodos de 2 minutos, como no caso dos testes cardiológicos e, após aquecimento e adaptação de 1 a 2 minutos de duração, a velocidade pode ser aumentada rapidamente para atingir o nível de esforço programado 48,49,50. Após mensuração dos valores basais do VEF1 ou do PEF, que não devem estar abaixo de 70% do previsto para evitar quedas que comprometam de forma significativa a função pulmonar, o paciente é submetido ao exercício adequado e, 5, 10, 15 e 30 minutos depois, novas medidas são realizadas e a cada 15 minutos até que haja um retorno aos níveis basais ou se interrompa o broncoespasmo com um broncodilatador beta-adrenérgico em spray. Na literatura, há consenso de que uma queda igual ou maior que 10% é bastante sugestiva de AIE ou BIE e maior que 15% é diagnóstica51,52. Uma redução de 10 a 20% no VEF1 pode ser considerada como leve, de 20 a 30% moderada e, acima de 30% representa broncoespasmo intenso53. Em atletas é recomendado também a medida do FEF 25-75% uma vez que a redução dos fluxos na porção média da Capacidade Vital reflete obstrução a nível de pequenas vias aéreas e pode resultar em redução na performance do indivíduo 54. Nestes indivíduos treinados é importante que o protocolo seja de intensidade suficiente para provocar BIE. Em alguns centros o exercício é realizado com o paciente respirando ar seco para potencializar os efeitos da hiperventilação, entretanto, isto pode não simular as condições usuais em que 10 os pacientes se exercitam em países tropicais, sendo questionável seu valor prático. O uso de clip nasal com o intuito de evitar a umidificação nasal, pode ser dispensado uma vez que ao ser superado um nível de ventilação de 30 litros/min. automaticamente há mudança para a respiração bucal55. O teste de exercício não está indicado quando há broncoespasmo significativo (VEF1 < 70% do previsto). Em adultos deve ser realizado em locais onde haja desfibrilador, monitorização cardíaca e equipamentos de ressuscitamento, após avaliação cardiológica prévia. Em crianças e adolescentes estes cuidados podem ser dispensados. Dificilmente há desencadeamento de broncoespasmo intenso que, quando ocorre, rapidamente é combatido com a administração de broncodilatador por inalação. Como vimos, a história clínica de chiado no peito e dispnéia após o exercício físico em indivíduos sabidamente asmáticos pode ser sugestiva de AIE, entretanto, por este critério isolado, em muitos indivíduos a presença e, principalmente, a intensidade da AIE não será diagnosticada corretamente. Onde não é possível a realização de testes em laboratório (lembrando que um simples medidor de pico de fluxo e a corrida livre podem ser utilizados), o alívio dos sintomas após uso de 2-adrenérgico reforça a suspeita diagnóstica. Os testes de provocação com exercício em laboratório especializado devem ser realizados em pacientes asmáticos com queixas de sibilância, dispnéia ou apenas tosse após exercício (principalmente quando estes sintomas persistem apesar do tratamento adequado da asma) e em todos os atletas com asma; naqueles de alto nível todos devem ser submetidos a espirometria e avaliação de BIE, pois diagnostico e a prevenção desta condição, que pode ocorrer em alguns destes indivíduos mesmo quando não há história de asma, pode melhorar substancialmente sua performance atlética. Muitas vezes é importante repetir a avaliação para verificar o grau de proteção ao BIE conferido pelas medidas terapêuticas/preventivas adotadas. 11 Alguns medicamentos necessitam ser suspensos antes do teste e estão demonstrados na tabela 1. Droga Tempo de suspensão (horas) Beta-2 agonistas orais orais de longa duração inalados inalados de longa duração Aminofilina simples liberação lenta Anticolinérgicos Cromoglicato e Nedocromil Antihistamínicos Corticoesteróides de uso crônico 12 24 12 48 8 24 6 48 72 se possível Tabela 1. Drogas que necessitam ser interrompidas antes do exercício. Adaptado das referências 48, 49, 50 e 53. Controle da asma induzida por exercício FARMACOLÓGICO A abordagem usual para a AIE é a prevenção, entretanto, é importante reconhecê-la quando ocorre e tratá-la. Para isso é fundamental que tanto o paciente como pais, professores e treinadores sejam alertados da sua existência , suas conseqüências e quais as medidas de prevenção e tratamento. Treinadores não avisados podem presumir que o atleta não esteja se empenhando adequadamente e impor atividades mais intensas em um momento em que o asmático não conseguirá corresponder. Isto pode gerar atritos e frustrações. Quando a AIE ocorre é necessário que o indivíduo pare o exercício imediatamente, podendo-se prever uma piora 5 a 10 minutos após. Para crises leves a moderadas 3 a 4 inalações do spray de beta-2 adrenérgico são suficientes. Nas crises mais intensas podem 12 ser necessárias até 10 inalações56. O paciente deve ser mantido em observação até seu completo restabelecimento. Em muitos asmáticos que apresentam resposta broncoespástica ao exercício físico, esta não tem magnitude suficiente para ser percebida e prejudicar suas atividades e, naqueles com asma persistente, em quem se faz necessário o uso de medicação antiinflamatória preventiva, o tratamento da própria asma muitas vezes é suficiente para inibir esta resposta. Nunca é demais ressaltar que o tratamento da asma induzida por exercício está contido dentro do tratamento da asma do paciente, com os objetivos globais de restabelecer a função pulmonar ao normal e inibir os sintomas o mais completamente possível57. Alguns pacientes necessitam de tratamento preventivo da asma induzida por exercício e podem ser divididos em três grupos : a) Aqueles com asma intermitente em quem o exercício físico é desencadeante de broncoespasmo; b) Pacientes com asma persistente que fazem uso de medicação contínua (esteróides, antileucotrienos ou cromoglicato) para a asma mas que, mesmo assim, apresentam chiado e dispnéia após exercício ou queda significativa do VEF 1 após o teste no laboratório; c) Atletas competitivos com asma necessitam ser avaliados para a presença de BIE (os de alto nível mesmo não sendo asmáticos) que, mesmo não tendo intensidade suficiente para despertar sintomas, pode interferir na performance do indivíduo. Na grande maioria dos pacientes o uso de beta 2-agonistas por inalação 5 a 30 minutos antes do exercício é suficiente para prevenir a AIE 58. Um dos problemas com o uso destes medicamentos é a curta duração da proteção à AIE, cerca de 2 horas, necessitando ser usados várias vezes ao dia, o que tem causado crescente preocupação devido ao aumento da hiperreatividade brônquica e à perda do efeito protetor 59 com uso regular, além do que não inibem a fase tardia da AIE que ocorre em alguns asmáticos. Para pacientes que 13 necessitam usar várias vezes ao dia deste tipo de medicação para prevenir a AIE uma outra estratégia deve ser considerada. Os beta-2 adrenérgicos de longa ação - salmeterol e formoterol - têm sido sugeridos como alternativa eficiente e mais duradoura 60,61, o salmeterol apresentando um pico de ação mais tardio (cerca de 30 minutos) comparado ao formoterol, mas ambos com duração da proteção de 8 a 12 horas. Entretanto, uma desvantagem importante do uso regular destes medicamentos é a perda progressiva da proteção à AIE quando usados regularmente de forma semelhante ao que ocorre com os beta2 de curta ação 62,63,64. O uso de formulações orais de beta-2 adrenérgicos tem se mostrado ineficientes em prevenir a AIE65 . É importante que se faça uso destes medicamentos de forma mais cautelosa que no passado e que outras formas de tratamento, como o cromoglicato ou os antileucotrienos, sejam consideradas como alternativas para o tratamento da AIE. Por outro lado, é importante que um potente e rápido broncodilatador esteja disponível para uso imediato do asmático caso ocorra a AIE. O cromoglicato é eficiente em inibir completamente o broncoespasmo após exercício em apenas 40% dos indivíduos58 e geralmente é utilizado quando há alguma preocupação com os efeitos cardíacos ou com o desenvolvimento de tolerância aos simpaticomiméticos ou associado a estes, quando não conseguem prevenir totalmente a AIE 66,67. Tem ação imediata e duração de ação de 2 a 3 horas e não desenvolvem tolerância. É importante que fique claro para o paciente que não é um broncodilatador ! A aminofilina apresenta efeitos variáveis e, além da imprevisibilidade da resposta e uma janela terapêutica limitada pela toxicidade, o tempo para atingir a proteção também varia bastante68,69. Da mesma forma, os efeitos protetores do brometo de ipratrópio são controvertidos 70,71, estando sua indicação limitada àqueles poucos casos em que os simpaticomiméticos, o cromoglicato ou os antileucotrienos tenham falhado em oferecer proteção adequada. 14 Na maioria dos pacientes com AIE que não fazem uso de corticóides inalados e tem função pulmonar normal, o uso ocasional de simpaticomiméticos ou o cromoglicato para a prevenção é suficiente, entretanto, naqueles que apresentam limitação ao fluxo aéreo, com VEF1 ou PEF abaixo de 75% do previsto mesmo após a medicação broncodilatadora e têm asma classificada como leve persistente , o uso de corticóides inalados está indicado para controle da doença72. O reconhecimento que a asma é uma doença inflamatória das vias aéreas tem levado ao uso precoce de corticoesteróides por inalação 73. Embora a administração aguda destes medicamentos não tenha nenhum efeito na AIE, sua administração crônica geralmente reduz sua intensidade74. Acredita-se que atuem reduzindo o edema, o número de mastócitos e promovendo a inativação de neuropeptídeos75. Entretanto, é necessário reconhecer que a AIE pode ocorrer mesmo quando o uso diário de corticóides é suficiente para reverter a função pulmonar ao normal. Em um estudo envolvendo 55 crianças asmáticas, 800mcg de budesonida reduziram a intensidade da AIE pela metade, mas esta continuou ocorrendo em 55% dos casos76. Em trabalho bastante interessante, Pedersen 77 demonstrou que para inibir a AIE, doses mais altas de corticóides inalados eram necessárias que aquelas para controlar os sintomas da asma. Naqueles pacientes que continuam apresentando AIE apesar do uso dos corticóides inalados, pode ser necessário aumentar a dose do mesmo ou o uso adicional de beta-2 adrenérgicos ou cromoglicato. Os inibidores de leucotrienos disponíveis no Brasil – Montelucaste e Zafirlucaste – usados regularmente no tratamento da asma persistente têm se mostrado eficientes em inibir a AIE, inclusive na sua fase tardia 78,79,80,81. Em estudos comparativos entre salmeterol e montelucaste usados diariamente, com duração de 8 semanas, ambos foram eficientes em inibir a AIE no terceiro dia mas o montelucaste demonstrou maior proteção na 8 ª semana 82,83. Quando comparado com a budesonida, esta ofereceu melhor proteção 84. 15 Algumas outras substâncias como bloqueadores dos canais de cálcio, anti-histamínicos, heparina, diuréticos de alça, ainda não têm importância na prevenção e tratamento da AIE, estando, atualmente limitados às pesquisas. Portanto, naqueles pacientes com asma persistente, o tratamento da doença pode prevenir satisfatoriamente a ocorrência de broncoespasmo após exercícios físicos, sem necessidade de medicação adicional. Naqueles pacientes em quem persiste a AIE após tratamento adequado, ou naqueles com asma intermitente, em quem o exercício físico é um desencadeante importante de sintomas, se faz necessário o uso de medicação preventiva, antes do exercício. Pela facilidade e rapidez de ação, os 2-adrenérgicos inalados podem ser utilizados. Quando há necessidade de uma proteção mais duradoura podem ser usados os de longa ação – especialmente o formoterol. É importante enfatizar que o uso muito freqüente (diário) ou regular destes medicamentos pode induzir a taquifilaxia e perda da proteção – nestes casos é preferível o uso do cromoglicato ou nedocromil, lembrando que alguns pacientes podem ter excelente proteção para a AIE com o uso de antileucotrienos 1 hora antes do exercício. Asmáticos em uso de baixas doses de corticóides inalados que persistem com AIE podem necessitar de doses maiores para preveni-la. NÃO FARMACOLÓGICO Aquecimento Cerca de 50% das pessoas com AIE tornam-se refratárias ao exercício se este for repetido dentro de 60 a 90 minutos85. Para identificar esta refratariedade o paciente deve reverter a AIE espontaneamente, com retorno da função pulmonar aos níveis basais e ser retestado. Se houver uma queda igual ou menor que 50% que aquela observada no 1 o teste, diz-se que o paciente apresenta refratariedade 86. Algumas pessoas apresentam esta redução na resposta em alguns períodos mas não em outros 87, sem uma razão aparente, e sabe-se que a indometacina pode impedir que ocorra 88. Pequenas corridas rápidas e curtas (6 a 7 “tiros”) podem ser utilizadas para provocar a refratariedade a um exercício mais duradouro, 16 como forma de prevenção ou redução da AIE 89. Convém lembrar que atletas freqüentemente usam indometacina para contusões, o que pode interferir com o sucesso em atingir a refratariedade. Treinamento Existem muitos benefícios clínicos e sociais na prática de exercícios regulares, por parte dos asmáticos em especial. Vários programas foram desenhados para avaliar a eficácia do condicionamento físico na prevenção da AIE, alguns verificaram aumento na tolerância ao exercício mas sem redução da AIE90,91, outros observaram melhora também na intensidade do broncoespasmo induzido pelo exercício92,93. O treinamento tem o potencial de elevar a magnitude de exercício necessária para gerar a AIE, entretanto, o uso de medicação preventiva é recomendado naqueles pacientes que continuam apresentando redução na função pulmonar após esforço, e, principalmente, é necessário que a asma do paciente esteja controlada adequadamente, inclusive com o uso de corticoesteróides , se necessário. A respeito da natação, muitos pais, treinadores e professores acreditam firmemente que a natação possa representar a pedra fundamental sobre a qual repousa o tratamento da asma. Sem dúvida alguma é um excelente esporte e, como vimos, o que tem menor potencial de desencadear asma. A prática de esportes regularmente deve ser encorajada para o asmático mas, de forma alguma, deve ser a única ou mais importante abordagem . Algumas crianças podem desenvolver asma após a natação, seja pelo exercício em si, seja pela evaporação do cloro usado nas piscinas, algumas vezes de forma excessiva. É importante lembrar que a sinusite é freqüente em nadadores 94 podendo ser expressivo fator agravante da asma95. Devido à preocupação de que alguns medicamentos para asma possam ter efeitos de potencializar a performance atlética96 e ao aumento das comunicações da presença de asma entre atletas olímpicos97 o Comitê Olímpico Internacional resolveu requerer, a partir dos Jogos 17 Olímpicos de Inverno de Salt Lake City em 2002, que os atletas asmáticos comprovem sua condição apresentando resultados de espirometria, histórico clínico e outros documentos pelo menos 1 semana antes da competição, sendo cada caso analisado individualmente 98. A seguir uma lista de medicamentos permitidos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) a partir de 1 de janeiro de 2003, para uso em atletas asmáticos99 : 1. Salbutamol, terbutalina, formoterol, salmeterol por inalação comunicação ao COI . 2. Brometo de Ipratrópio; 3. Teofilina; 4. Cromoglicato e Nedocromil; 5. Antileucotrienos; 6. Corticoesteróides inalados, com prévia comunicação ao COI. e com prévia 18 REFERENCIAS 1. Floyer, Sir John. A treatise of the asthma. 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