Ellen Notbohm Dez Coisas que Toda Criança com Autismo Gostaria que Você Soubesse Edição atualizada e ampliada Tradução de Mirtes Pinheiro Inspirados pelo Autismo Florianópolis 2014 Título do original em inglês: Ten Things Every Child with Autism Wishes You Knew – Updated & expanded edition. Tradução autorizada por Ellen Notbohm Copyright © 2012 by Ellen Notbohm Copyright © 2013 by Inspirados pelo Autismo © 2012 Ellen Notbohm Website: www.ellennotbohm.com Email: [email protected] Facebook: https://www.facebook.com/ellennotbohm Twitter: Ellen Notbohm LinkedIn: Ellen Notbohm Edição brasileira Tradução: Mirtes Pinheiro Revisão técnica: Mariana Tolezani Capa e diagramação: Sandra Martins Direitos de edição em língua portuguesa, para o Brasil, adquiridos por: Inspirados pelo Autismo Ltda - ME www.inspiradospeloautismo.com.br Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito da autora. N899d Notbohm, Ellen Dez coisas que toda criança com Autismo gostaria que você Soubesse / Ellen Notbohm.; edição atualizada e ampliada; tradução Mirtes Pinheiro. – Florianópolis: Inspirados pelo Autismo, 2014. 184 páginas. Título original: Ten Things Every Child with Autism Wishes You Knew - Updated & expanded edition. ISBN: 978-85-67677-00-2 1. Autismo infantil. 2. Crianças com autismo – tratamento. 3. Crianças com autismo – relacionamento familiar. 4. Crianças autistas – educação. 5. Asperger, Síndrome de, nas crianças. I. Pinheiro, Mirtes. II. Título CDU: 616.899 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 Sumário PREFÁCIO ____________________________________________________________9 AQUI COMEÇA... ______________________________________________________15 DEZ COISAS QUE TODA CRIANÇA COM AUTISMO GOSTARIA QUE VOCÊ SOUBESSE __________23 CAPÍTULO 1 Sou uma criança plena _____________________________________________34 CAPÍTULO 2 Meus sentidos estão desordenados ____________________________________42 CAPÍTULO 3 Procure distinguir entre “não quero” (escolho não fazer) e “não consigo” (não sou capaz de fazer) ____________________________________________57 CAPÍTULO 4 Eu penso de forma concreta. Eu interpreto a linguagem literalmente __________67 CAPÍTULO 5 “Ouça” todas as maneiras pelas quais eu tento me comunicar _______________74 CAPÍTULO 6 Veja só! Minha orientação é visual ____________________________________83 CAPÍTULO 7 Concentre-se naquilo que eu consigo fazer, e não naquilo que eu não consigo fazer ____________________________________________90 CAPÍTULO 8 Ajude-me a interagir socialmente _____________________________________99 CAPÍTULO 9 Identifique a causa dos meus descontroles _____________________________109 CAPÍTULO 10 Ame-me incondicionalmente _______________________________________123 POSFÁCIO __________________________________________________________129 TRIUNFO E TRANSIÇÃO ________________________________________________134 EVOLUÇÃO _________________________________________________________139 ANEXO 1 Perguntas para discussão em grupo ou reflexão _________________________159 ANEXO 2 Outro livro de Ellen Notbohm: trecho de Dez Coisas que Seu Aluno com Autismo Gostaria que Você Soubesse _____________________________168 AGRADECIMENTOS ____________________________________________________177 SOBRE A AUTORA _____________________________________________________178 NOTA DA AUTORA_____________________________________________________179 Dez coisas que toda criança com autismo gostaria que você soubesse Eu sou uma criança Meu autismo é apenas parte do que sou, e não tudo o que sou. Você é uma coisa só ou alguém com pensamentos, sentimentos, preferências, ideias, talentos e sonhos? Você é gordo (está acima do peso), míope (usa óculos) ou desajeitado (não tem coordenação)? Essas podem ser as primeiras características que vejo quando o conheço, mas você é mais do que isso, não é? Sendo adulto, você tem certo controle sobre a maneira como define a si mesmo. Se quiser destacar uma característica em particular, pode fazer isso. Como sou criança, ainda estou em fase de desenvolvimento. Nem você nem eu sabemos ainda do que sou capaz. Se você me definir por apenas uma das minhas características, correrá o risco de ter expectativas muito limitadas. Além disso, se eu perceber que você não acha que “sou capaz”, minha resposta natural será: “Por que tentar”? 23 Dez Coisas que Toda Criança com Autismo Gostaria que Você Soubesse Capítulo 2 Meus sentidos estão desordenados T alvez o aspecto mais difícil de se entender no autismo seja a integração sensorial, mas provavelmente é o mais importante. Não pode haver aprendizado social e cognitivo para uma criança que tem disfunção sensorial e cujo mundo é excessivamente barulhento, ofuscantemente brilhante e insuportavelmente malcheiroso. O cérebro dela não consegue filtrar os múltiplos estímulos sensoriais e, com frequência, ela se sente sobrecarregada, desorientada e insegura. E, em meio a esse furacão estridente e ofuscante de “chuva ácida sensorial”, nós esperamos que a criança “preste atenção”, “comporte-se”, aprenda, siga regras sociais que ela não entende e se comunique conosco. Negligencie as dificuldades sensoriais de uma criança e você nunca chegará nem perto de descobrir do que ela é capaz. As questões sensoriais são cruciais para o seu desempenho de modo geral. Imagine que você está na montanha-russa mais radical do mundo. (Se você não gosta de montanha-russa, o exemplo fica ainda melhor.) Parques 42 Dez Coisas que Toda Criança com Autismo Gostaria que Você Soubesse lar com os dedos, vai embora no meio da frase ou faz qualquer outra coisa estranha e inexplicável ou então inicia uma ação repetitiva. Nós, adultos, pressupomos a compreensão (funcional e social), pressupomos que, como a criança fez algo uma vez, poderá fazer novamente sem que tenhamos de lhe pedir, sem que haja necessidade de prática ou reforço, em todas as circunstâncias. Assim como em relação a tantos desafios que nossos filhos enfrentam, nós fazemos todos os tipos de pressuposições sobre conhecimento e habilidade, sem parar para analisar se as nossas pressuposições podem ser a raiz do problema em questão. “Não querer” é uma coisa, “não conseguir” é outra. “Não querer” implica premeditação, intenção e comportamento deliberado. “Não conseguir” reconhece que determinado comportamento não é uma questão de escolha, mas sim consequência de falta de capacidade, conhecimento ou oportunidade. Existe uma clara diferença entre “não conseguir” e “não querer”, pois quando se trata de comportamento, existem dois pontos incontestáveis: s Todo comportamento é comunicação. s Todo comportamento tem uma explicação. A psicologia moderna reconhece a existência de vários motivos para o comportamento, como necessidade de chamar a atenção; tentativa de buscar ou evitar estímulos sensoriais; sentimento de impotência; necessidade de testar limites; experimentação em diferentes fases do desenvolvimento cognitivo e social; e explorações para adquirir independência, entre muitos outros. Alguns desses motivos podem ser um resultado direto das dificuldades impostas pelo autismo; outros podem estar associados às fases de desenvolvimento pelas quais todas as crianças passam, tenham ou não autismo. Da próxima vez que você se pegar dizendo, “meu filho não quer fazer!”, pare e avalie o comportamento dele sob os ângulos descritos a seguir. Comece identificando situações em que “não consegue” é uma descrição mais precisa do que “não quer”. 58 Eu penso de forma concreta. Eu interpreto a linguagem literalmente Capítulo 4 Eu penso de forma concreta. Eu interpreto a linguagem literalmente S eja qual for o nível de domínio que você acha que tem da sua língua materna, ele será seriamente posto à prova pela forma literal de pensar do seu filho ou aluno com autismo. Você será sempre levado ao pé da letra, como jamais foi antes. Para as crianças com autismo, com seu pensamento concreto e visual, suas habilidades associativas (às vezes brilhantes) e, no caso de muitas delas, seu vocabulário limitado, as imagens geradas por algumas expressões idiomáticas comuns e outras figuras de linguagem devem ser bastante perturbadoras. Você está com bicho-carpinteiro? Está com frio na barriga? Mexeu em vespeiro? O gato comeu sua língua? 67 Eu penso de forma concreta. Eu interpreto a linguagem literalmente dificuldade com a linguagem receptiva, não a deixe ainda mais confusa. Aqui estão alguns exemplos: Expressões idiomáticas e clichês Não diga: Em vez disso, diga: Você é a menina dos meus olhos. Estou a ponto de explodir. Dobre a língua. Eu te amo muito. Estou ficando muito zangada. Não fale comigo desse jeito. Não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Não é difícil. Instruções inespecíficas Diga exatamente aquilo que você quer dizer, não faça seu filho ou aluno tentar entender instruções inespecíficas. Não diga: Em vez disso, diga: Pendure ali. Pendure seu casaco no cabide ao lado da porta. Raspe o prato. Coma tudo. Não ande com o pé no chão. Calce o sapato. Vamos andando. Vamos para casa agora. Inferências Assim como no caso da instrução inespecífica, para a criança com autismo uma inferência é apenas a simples constatação de um fato. Não faça com que ela tenha de adivinhar. Especifique o que quer que ela faça. 69 Dez Coisas que Toda Criança com Autismo Gostaria que Você Soubesse que nosso filho tenha) são o produto final de um organismo intrincado de elementos de desenvolvimento que denominamos “pensamento social”. Assim como todos nós temos de aprender a andar antes de correr, temos de ensinar nossos filhos a “pensar socialmente” para que eles possam comportar-se de acordo com as regras sociais, com base em compreensão e intenção positiva, e não apenas por repetição mecânica ou medo das consequências. O pensamento social desafia o seu filho a incorporar contexto e perspectiva às suas ações – analisar os aspectos físicos, sociais e temporais do seu ambiente, levar em consideração os pensamentos e pontos de vista alheios; usar a imaginação compartilhada para brincar com um amigo; e compreender que os outros têm pensamentos e reações favoráveis ou nem tão favoráveis a ele, baseados no que ele diz e faz. O pensamento social é a fonte da qual se originam os nossos comportamentos sociais, e essa inteligência socioemocional pode desempenhar um papel mais importante no sucesso do seu filho no longo prazo do que a inteligência cognitiva. Seja por parte dos pais ou professores, em casa ou na escola, o primeiro passo para ensinar uma criança com autismo a pensar socialmente consiste em deixar de lado qualquer pressuposição de que ela será capaz de adquirir sensibilidade social simplesmente ao observar pessoas que têm habilidades sociais, ou de que, de alguma maneira, um dia ela vai superar a sua inabilidade social. Até agora, o nosso sistema educacional tem baseado seus padrões curriculares na pressuposição incorreta de que todas as crianças nascem com o “cérebro social” intacto, ou seja, as áreas do cérebro responsáveis pelo processamento de informações sociais, e também num suposto desenvolvimento progressivo das habilidades sociais. Não faz sentido, e é totalmente injusto para com a criança, reagir às suas gafes sociais com base em tais pressuposições e, depois, culpar seu autismo quando nossas tentativas de ensiná-la não surtirem efeito. O que nossos filhos precisam é que mudemos nossa postura e comecemos a construir a percepção social deles em suas raízes. Quando dizemos que queremos que nosso filho aprenda habilidades sociais, na verdade estamos almejando algo mais grandioso. Queremos que ele seja capaz de se ajustar ao mundo que o cerca, que seja independente na escola, no bairro, no trabalho e em seus relacionamentos pessoais. Desde o 100 Ajude-me a interagir socialmente início da adolescência, Bryce dizia que era esse o seu objetivo, que sempre tinha sido, muito antes que ele fosse capaz de expressá-lo ou até mesmo de lhe dar um nome em seus pensamentos infantis. Mais do que seguir um livro de regras, ser social é um estado de ser confiante que se desenvolve quando as habilidades de pensamento social são cuidadosamente cultivadas, desde que a criança é pequenininha: s Tomada de perspectiva: ser capaz de enxergar e vivenciar o mundo com base em outros pontos de vista, e não no próprio ponto de vista, e de encarar essas diferentes perspectivas como oportunidades para aprender e crescer. s Flexibilidade: ser capaz de lidar com mudanças imprevistas na rotina e nas expectativas, conseguir reconhecer que os erros não são um resultado final, mas sim parte do aprendizado e do crescimento e que as decepções são uma questão de grau. s Curiosidade: despertar motivação para pensar no “porquê” das coisas – por que alguma coisa existe, por que sua existência é importante, por que outros se sentem da maneira como se sentem e como isso nos afeta e nos interessa. s Autoestima: acreditar nas próprias habilidades para se arriscar a tentar novas coisas, ter respeito e amor-próprio para conseguir compreender que os atos e comentários cruéis e irrefletidos por parte de outras pessoas dizem mais sobre elas mesmas do que sobre você. s Visão abrangente: entender que pensamento social e consciência social são parte de tudo o que fazemos, quer estejamos ou não interagindo com outras pessoas. Nós lemos histórias e tentamos imaginar a motivação das personagens e prever o que elas farão em seguida. Repassamos mentalmente algumas situações, imaginando se agimos ou não de forma apropriada em determinada ocasião. O seu filho pode lhe dizer: “Eu não ligo para esse negócio de socializar, sou feliz sozinho”. Talvez ele esteja sendo sincero naquele momento, e muita gente realmente prefere a solidão à socialização. Mas também é verdade que algumas crianças adotam uma atitude de displicência para não sofrer, pois elas realmente se 101