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“OS FRUTOS DE UM PROJETO HERÉTICO: PARÂMETROS NA VARIAÇÃO
INTRA-LINGUÍSTICA”
O rótulo “SOCIOLINGUÍSTICA PARAMÉTRICA” é infeliz: Mary Kato (1999).
Objetivo do programa segundo Kato: dar conta das variações internas do português
brasileiro com base no modelo dos P&P.
Conceito de variação:
1)
Kroch: a variação sintática intra- linguística pode ser reduzida a casos de
competição de gramáticas. Na perspectiva diacrônica uma das gramáticas expressa o
vernáculo, as formas inovadoras, e a outra pode estar expressando resíduos de gramáticas
anteriores.
2)
Chomsky: a variação interna encontrada no indivíduo assemelha-se a uma situação
de “ code –switching” entre duas gramáticas internas: o indivíduo que passa de um registro
formal para um informal e vice-versa está alternando entre gramáticas distintas. A
variação interlinguística é o objeto de estudo da Teoria dos Princípios e Parâmetros.
Metodologia: a introspecção, exceto em aquisição e diacronia.
3)
Labov: a variação intralinguística é o objeto de estudo da Teoria da Variação . A
variabilidade é inerente à gramática e a fala é sistematicamente heterogênea. As variantes
são necessariamente idênticas, não diferem em referência e valor de verdade, mas em
significado social ou estilístico. Lavandera (1978): não existe variação sintática.
Metodologia: uma linguística de corpus, métodos estatísticos sofisticados.
4)
Kato: O PB moderno se diferencia do PE em algumas propriedades gramaticais:
está deixando de ser uma língua de sujeito nulo, está perdendo os clíticos acusativos e
dativos de 3a pessoa, a inversão VS, é uma língua de próclise generalizada, desenvolveu a
série de pronomes “fracos”, como ele, ela, nos seu uso como pronome acusativo, etc. Na
escrita e fala formal, porém, ainda ocorrem as propriedades que identificam as formas de
prestígio. Deste modo as formas vernáculas e as formas “cultas” mostram a variação na
produção dos falantes cultos.
Como se explicaria essa variação? Como definir o estatuto da formas conservadoras na
mente do falante? Para Kato são formas em competição no mesmo indivíduo, sendo que
uma é adquirida na aquisição, por exposição à experiência linguística e a outra por
instrução.
Kato (2002) A forma adquirida por instrução tem o estatuto de uma segunda língua (L2) e
o comportamento do falante é o de um bilingue em atividades de “ code –switching”.
1
Frutos do casamento
O início da história do “casamento”: as hipóteses sobre as relativas padrão e não padrão
(cortadora e lembrete) de Mary Kato (1981) são testadas por Tarallo (1983) numa pesquisa
quantitativa com dados diacrônicos.
a) há correlação entre as diferentes estratégias de relativização e pronominalização do
objeto:
1.
a. O livro cuja capa está rasgada.( relativa padrão)
b. Essa moça, eu a vi ontem.
(clítico acusativo)
2.
a. O livro que a capa dele está rasgada. ( relativa lembrete)
b. Essa moça, eu vi ela ontem
( pronome ele)
3.
a. O livro que a capa está rasgada. ( relativa cortadora)
b. Essa moça, eu vi  ontem.
( objeto nulo)
b) as estratégias de pronominalização e relativização definiriam não apenas tipos de
línguas mas tipos de falantes/gramáticas na mesma comunidade.
Resultados de Tarallo (1983)
a)
O PB está perdendo a relativa padrão. A cortadora é a forma inovadora.
b)
O PB tende a preencher o sujeito e esvaziar o pronome.
c)
O tipo de relativa e a forma da pronominalização estão encaixados na mesma
mudança gramatical.
d)
O que não é pronome relativo nas relativas inovadoras. É um complementizador.
Na mudança ocorre perda do elemento –Q.
“ Embora não tivesse havido trabalho de co-autoria , estava lançada a semente da
abordagem harmônica inter-intra lingüística.” (Kato, 1999)
A fecundidade do projeto para o estudo das propriedades gramaticais do PB:
1)
2)
3)
Kato e Tarallo (1986): a perda do pronome indefinido se.
Kato e Tarallo (1984/1992): estudo das respostas curtas e perguntas sim/não.
Kato e Tarallo (1988) e no prelo: estudo dos tipos de inversão VS.
Tarallo (1987): manifesto explícito sobre a possibilidade de casamento entre a teoria dos
P&P e a metodologia da Variação.
Tarallo e Kato (1989) reiteram a proposta metodológica de Tarallo, no estudo do
fenômeno do sujeito nulo, ou Parâmetro pro-drop.
O casamento ou “projeto informal” que envolve variação sincrônica e diacrônica está com
uma longa duração e inúmeros trabalhos têm sido produzidos nesta perspectiva.
2
As questões retomadas:
(i)
Kato (1993) oferece uma outra análise das relativas não –padrão que explica a
relação entre relativização e objeto anafórico: a de que estas resultam a relativização da
posição de tópico (deslocado) e não da extração da posição interna à sentença.
(1)
a.
b.
A capa do caderno está rasgada.> O caderno cuja capa está rasgada.
O caderno, a capa (dele) está rasgada.> O caderno que a capa (dele) está rasgada.
(2)
a . Nesse carro cabe muita gente.> O carro em que cabe muita gente.
b. Esse carro cabe muita gente.> O carro que cabe muita gente.
(ii)
Kato, Cyrino & Correa (1995) verificam que a escola recupera o clítico,
mas não a sua sintaxe.
(iii)
Cyrino, Duarte & Kato (1996) mostram que o aumento do objeto nulo e
diminuição do sujeito nulo são independentes, mas sujeitas ambas à mesma hierarquia da
referencialidade. Se uma língua tem sujeito nulo de 1a pessoa, terá sujeito nulo em todas.
Se tem sujeito expletivo lexical ( 3a pessoa neutro) não poderá ter sujeitos nulos de 1a, 2a, e
3a, pessoa referencial.
(iv)
1)
Galves generaliza o enfraquecimento da concordância para outros fenômenos:
A substituição do se passivo pelo se indeterminador.( Nunes, 1990/1991)
a.
b.
2)
Falam-se muitas línguas
Fala-se muitas línguas
A passagem do PB de uma língua de sujeito para língua de tópico.
Segundo Kato, a perda da morfologia casual ainda leva à relativa copiadora e cortadora;
perda dos clíticos o e se; perda da preposição a com complementos diretos; perda do
possessivo seu.
Novas propostas nos trabalhos de Kato.
O PB prefere sujeitos referenciais expressos:
(1)
a. Eu falo espanhol
b.Você fala espanhol?,
3
Permite sujeito nulo sob c-comando por um antecedente:
(2)
Joãoi disse que proi fala espanhol
Licencia o sujeito nulo expletivo quase-argumental.
(3)
Vai chover
(4)
e sujeito não referencial
a.  Parece que eu vou explodir de raiva
b.  Não tem mais clientela no centro da cidade.
c.  Acabou a tinta da impressora.
Modelo da subparametrização que prediz diferentes tipos de sujeitos nulos. Enquanto LSN
canônica obedece ao Princípio do Evite Pronome, os subtipos de LSN tem um princípio
mais fraco: “ Evite Pronomes Referencialmente Defectivos”. Pesquisa recente revela que
não apenas os sujeitos referenciais tendem a ser expressos no PB, mas também os não
referenciais. Mas não há sujeito nulo expletivo ( Duarte, 2003).
a.
construção de sujeito nulo arbitrário com se ou construção de sujeito nulo com
verbo no plural estão sendo substituídos por uma construção pessoal
(1)
a.
b.
(2)
a.
b.
Não se preocupe em arranjar emprego
Você /a gente não consegue arranjar emprego.
Estão roubando carros por aqui.
Eles estão roubando carros por aqui.
O mais interessante ocorre com as construções impessoais com variação como em (4), no
PB, um tipo incomum de alçamento, que não é licenciado em línguas que não tem sujeito
nulo como o inglês:
(3)
a. _ me custou sair de casa.
b._ parece que os homens gostaram da cidade.
(4)
a. Eu custei a sair de casa.
b. Os homens parecem que (eles) gostaram da cidade.
Também o uso das sentenças existenciais com ter aumentam:
4
(5)
a. _ Tem muita violência nesta cidade.
b. Você tem muita violência nesta cidade.
(cf. textos Duarte para outros casos)
Uma hipótese: a mudança: resulta de uma restrição na PF: Evite V1
Kato e Duarte (2003) dão uma diferente interpretação para esses fatos. Ela complementam
a proposta em Cyrino, Duarte e Kato (2000) do “ Evite pronomes de referência deficiente”,
da interface LF , com outro da interface PF. “ Evite V1”, com os seguintes argumentos:
a. o constituinte inicial não tem que ser o sujeito
b. elementos como não, já são os contextos de resistência para o sujeito nulo.
c. O PB rejeita o verbo na posição inicial na fala, preenchendo –a com o sujeito,
adjuntos, elementos discursivos. A restrição é prosódica.
(6)
a.
b.
c.
d.
não sei exatamente se ele tem noção de tempo. (D2/SP)
só assistiu três vezes?(DID/SP)
Então havia restaurante que eles serviam assim um pouquinho de cada coisa.
A televisão é horroroso quando eles estão fazendo programa.
Uma questão permanece: porque não licencia o expletivo lexical, que satisfaria o Evite
V1?
O PB é uma língua de tópico proeminente.
a.
b.
c.
d.
e.
O PB licencia sujeitos nulos do tipo do chinês, ou seja, um pro identificado
por um DP que o c-comanda. Ex: 2
Adquire um tipo de sujeito referencial nulo do tipo do chinês.
Licencia alçamento de dentro do DP. Ex: Acabou a tinta da impressora vs.
a impressora acabou a tinta.
Construções impessoais com modais: Ex: Capaz que o João venha.
Sujeito duplo: ex: Avião, o 747 é o maior.
Conclusão: Não é caso que o PB está mudando de uma língua de sujeito nulo para uma
língua de sujeito não nulo, mas está mudando/mudou de uma língua de sujeito
proeminente para uma língua de tópico e sujeito proeminente. Resta saber como
caracterizar formalmente tal língua.
A teoria sintática dos P&P supre as questões e hipóteses para a análise dos dados, e os
estudos e generalizações empíricas permitem desenvolver os trabalhos teóricos.
5
QUESTÕES DE
PARAMÉTRICA”
“SOCIOLINGUÍSTICA
PARAMÉTRICA”
OU
“VARIAÇÃO
Questionando o rótulo:
Jânia Ramos, em seu texto “Sociolingüística Paramétrica” ou “Variação Paramétrica”?
(1999) discute vários pontos da nova perspectiva teórica.
1)
Descrição dos dados: o caráter preditivo que resulta da análise dos dados via teoria
da variação;
2)
O quadro teórico: Não se trata de ver o sociolinguista laboviano como alguém que
assume a noção de parâmetro gerativista. Não seria uma sociolingüística que assume os
pressupostos gerativistas.
3)
Seria um momento de investigação da teoria da variação em que propriedades
seriam descritas em termos de polarização: presença/ausência, forte/fraco,
independentemente da língua ou momento histórico. No que isto contribuiria para as
questões que a Teoria da Variação pretende responder? Labov (1972a) : “ o objetivo aqui
não é necessariamente oferecer à linguística uma nova teoria da linguagem, mas antes
fornecer um novo método de trabalho.”
4)
O resultado do estudo de propriedades trans-linguísticas só poderia ser semelhante
ao dos tipologistas. Seria este o conceito de parâmetro adotado pelos autores. Ramos
mostra que a noção de parâmetros dos gerativistas difere da dos tipologistas: para aqueles
os parâmetros são parte da natureza da GU. Por isso, Tarallo teria usado o termo de forma
pré-teórica, evidenciado por dois pontos: 1o) Labov é visto como alguém que faz um
trabalho que evidencia e exemplifica uma propriedade paramétrica. 2o) a identificação dos
parâmetros não acarreta reflexões sobre a GU.
Nos trabalhos posteriores, porém, a correlação entre a sociolinguística e gramática gerativa
fica evidente, com o termo parâmetro sendo assumido na perspectiva chomskyana, como
revelado em Tarallo, Ramos e Nunes (1990) (cf. citação. P. 87).
A pergunta que decorre desta opção teórica, é que o ônus da formalização de parâmetros
cabe aos gerativistas. Ainda não se dispõe de uma teoria substantiva de parâmetros. Não há
ainda uma compatibilização entre a variação e a noção de parâmetros, ou entre variação e
os pressupostos gerativistas.
A questão da variação se tornou um foco de grande interesse na gramática gerativa, com o
desenvolvimento dos estudos de mudança e aquisição. Tornou-se um dos seus problemas.
A noção de parâmetros é a de que eles são o locus possível da variação gramatical ou das
gramáticas individuais. Assim, Lightfoot fala em diglossia interna e Kroch em gramáticas
em competição.
6
“ Se uma teoria substantiva dos parâmetros ainda não está formulada, seria mais adequado
manter-se a noção pré-teórica no rótulo Sociolinguística Paramétrica.
Para Labov (1975) não se pode conceber uma lingüística que não considere a linguagem
socialmente. Labov (1994) avalia que fatores internos linguísticos e os fatores externos
sociais são independentes. Esta postura refletiria uma preocupação formalista da Labov
segundo Ramos, já destacada em vários momentos pelo próprio Labov. (cf. citações. p. 88)
Deste modo a sociolinguística paramétrica visa a recuperar/explicitar a força dos fatores
internos, do aspecto formal da gramática. “por esta razão parece-me mais “ linguística” do
que “sociolinguística”. (p. 88)
Novas perspectivas da gramática gerativa
3 inovações da gramática gerativa:
a ) a aceitação das evidências de natureza quantitativa
- Lightfoot (1991): a freqüência como fator de identificação de tipos de mudanças, ou
mudanças catastróficas que resultam da fixação de um novo parâmetro. Uma delas é a
frequência com que uma das formas em competição se manifesta nos dados.
-Kroch (1989) mudanças que envolvem fixação de um parâmetro se manifesta mais
rapidamente que outras, manifestando-se na curva S.
-Lightfoot (1997) a gramática é uma entidade mental, individual e não uma entidade social.
Assume que a gramática universal disponibiliza não apenas um conjunto de parâmetros,
mas pistas, um elemento da língua-I derivado do input A criança vai atrás das pistas e a
frequência com que ocorrem determinaria a gramática da criança. Ou seja, Lightfoot
incorpora em seu modelo de aquisição as alterações estatísticas.
b) o estatuto dos dados da introspecção
Chomsky (1964) já aponta para os problemas com este recurso, uma vez que o acesso
direto à competência é obstruído por vários fatores .
c) opcionalidade
Esta questão se relaciona coma condição de economia. Se são duas as derivações possíveis
de uma mesma numeração, uma delas deverá ser excluída como menos econômica.
Slobin é um exemplo de como certas perguntas a respeito da variação sincrônica tornam
menos rígidos os limites que separam as análises labovianas e gerativistas, no sentido em
que os fatos que refletem variação começam a ser analisados como fatos linguísticos. Por
que há descontinuidade nas construções entre língua de prestígio e línguas sem prestígio?
Por que as construções de prestígio requerem aprendizado formal? Por que os falantes
fazem hipercorreção? Quais são os mecanismos para monitorar a sua fala? A resposta é a
teoria do vírus. A aceitação da variação como fenômeno gramatical rejeita, porém, a
opcionalidade entre duas formas linguísticas como ocorreu na sociolinguística laboviana.
7
Novos rumos
A literatura gerativista mostra o tratamento a fatos de “variação no indivíduo”, à idéia de
“diglossia interna” ou de “gramáticas em competição”. Todas são coerentes com o modelo.
Existe, pois, um ideário básico comum que emana das idéias de Kroch, Lightfoot, Kato e
Tarallo.
Os trabalhos desses autores diferem de Labov (1994) por não exemplificarem estudos
sociolinguísticos de variáveis sintáticas, uma vez que assumem uma metodologia e uma
concepção de linguagem distintas. A metodologia é não indutiva em busca de propriedades
abstratas da gramática entendida como a faculdade da linguagem. Portanto, o termo
adequado seria Variação Paramétrica e não Sociolinguística Paramétrica. Este último no
sentido pré-teórico, uma vez que não se tem ainda uma teoria dos parâmetros
desenvolvida.
Desafios:
a)
que dados diacrônicos podem ser considerados como evidência de reanálise?
b)
O dados de variação envolvem sempre competição de gramáticas ou há casos reais
de variação?
c)
As mudanças em paralelo são sempre mudanças de parâmetro?
d)
Existe mudança catastrófica?
e)
Que dados da variação sincrônica sugerem mudança gramatical?
Textos:
Jânia Ramos, (1999) “Sociolingüística Paramétrica” ou “Variação Paramétrica”?.
Demerval da Hora & Elizabeth Critsiano (orgs.) Estudos Lingüísticos: realidade
brasileira. Idéias. João Pessoa.
Mary Kato(1999) “ Os frutos de uma projeto herético: parâmetros na variação intralingüística”. Demerval da Hora & Elizabeth Critsiano (orgs.) Estudos Lingüísticos:
realidade brasileira. Idéias. João Pessoa.
Mary Kato (2005) “(Micro) parametrization between European (EP) and Brazilian
Portuguese (BP): similarities and differences related to ongoing changes in Latin American
Spanish” Unicamp.ms
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