análise do perfil imunológico em recém

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ANDERSON DA SILVA MACHADO
ANÁLISE DO PERFIL IMUNOLÓGICO EM RECÉMNASCIDOS COM TOXOPLASMOSE CONGÊNITA
APRESENTANDO DIFERENTES FORMAS CLÍNICAS
DA DOENÇA OCULAR
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
2014
ANDERSON DA SILVA MACHADO
ANÁLISE DO PERFIL IMUNOLÓGICO EM RECÉMNASCIDOS
COM
TOXOPLASMOSE
CONGÊNITA
APRESENTANDO DIFERENTES FORMAS CLÍNICAS DA
DOENÇA OCULAR.
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Parasitologia do Instituto de Ciências
Biológicas da Universidade Federal de
Minas Gerais, Departamento de
Parasitologia, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor.
Orientador: Dr. Ricardo Wagner de Almeida Vitor - Laboratório de
Toxoplasmose/Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências
Biológicas/UFMG
Co-orientador: Dr. Olindo Assis Martins Filho – Laboratório de
Biomarcadores de Diagnóstico e Monitoração/Instituto René Rachou/Fiocruz
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
2014
i
Colaboradores
Dra. Gláucia Manzan Queiroz Andrade (Líder do grupo de pesquisa: UFMG –
Grupo Brasileiro de Toxoplasmose congênita)
Dr. Daniel Vítor Vasconcelos Santos
Dra. Ana Carolina Aguiar Vasconcelos Carneiro
Suporte Financeiro
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
FAPEMIG – Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de Minas Gerais
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Apoio
SES – Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais
NUPAD – Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico - UFMG
Trabalho realizado no Laboratório de
Biomarcadores de Diagnóstico e
Monitoração do Centro de Pesquisa
René-Rachou e no Laboratório de
Toxoplasmose do ICB/UFMG.
ii
Dedicatória
A toda minha família e amigos, pela paciência, amizade e
incentivo em todos os momentos.
iii
"A vantagem de ter péssima
memória é divertir-se muitas
vezes com as mesmas coisas
boas como se fosse a
primeira vez."
Friedrich Nietzsche
“Você está se concentrando
no problema. Se você focar
no problema, não conseguirá
ver a solução. Nunca se
concentre no problema.”
Patch Adams
iv
Agradecimento especial
Ao professor Ricardo W. A. Vitor por todos os ensinamentos
durante esses sete anos de convivência. Ensinamentos que não se
restringiram ao campo acadêmico, e que certamente nortearão
minha vida. Agradeço por todo carinho, paciência e dedicação.
v
Agradeço ao programa de pósgraduação em Parasitologia, na pessoa
da professora Érika Martins Braga,
coordenadora do curso de Pósgraduação do Departamento de
Parasitologia do Instituto de Ciências
Biológicas da Universidade Federal de
Minas Gerais, pela oportunidade de
desenvolver este projeto e pelo apoio
recebido.
vi
Agradecimentos
Ao Dr. Olindo A. Martins-Filho, por toda paciência e pelos diversos ensinamentos ao
longo dessa jornada.
Aos colaboradores desse projeto, sem os quais não seria possível a realização do
mesmo.
À Dra. Deborah Aparecida Negrão-Corrêa, por me mostrar que a imunologia não é um
bicho de sete cabeças (só tem seis), e que o Toxoplasma gondii é o parasito mais
“cabuloso” de todos.
Aos professores do curso de Pós-graduação em Parasitologia, pelos valiosos
ensinamentos recebidos durante a realização das disciplinas.
Aos amigos da Parasitologia, em especial aos amigos do mestrado, pela amizade e pelos
momentos de descontração que vivenciamos.
Aos amigos do Laboratório de Toxoplasmose, pela agradável convivência, pelas
viagens inesquecíveis e pelos ensinamentos constantes.
À doutoranda Amanda Cardoso, do LBDM, pela amizade e pelo incentivo.
À técnica do Laboratório, Rosálida E. N. Lopes, pela paciência, pelos conselhos e pelos
inestimáveis ensinamentos.
vii
Índice de fluoxogramas e figuras
Fluoxograma 1: Avaliação oftalmológica em crianças suspeitas de toxoplasmose
congênita................................................................................................................... pg 35
Figura 1: Ilustração da análise convencional de linfócitos do sangue periférico por
citometria de fluxo..................................................................................................... pg 42
Figura 2: Análise de monócitos pró-inflamatórios do sangue periférico.................. pg 43
Figura 3: Análise de monócitos CD14+CD32+ e CD14+CD64+................................ pg 44
Figura 4: Análise de subpopulações de linfócitos T ativados................................... pg 45
Figura 5: Análise das subpopulações de células NK................................................. pg 46
Figura 6: Análise convencional de produção de citocinas por monócitos................ pg 47
Figura 7: Análise das subpopulações de monócitos.................................................. pg 53
Figura 8: Subpopulações de células NK e células T NK.......................................... pg 55
Figura 9: Subpopulações e status de ativação das células T e células B................... pg 57
Figura 10: Assinatura de biomarcadores da imunidade inata a adaptativa............... pg 59
Figura 11: Assinatura de biomarcadores da imunidade inata a adaptativa (Radar).. pg 60
Figura 12: Produção de citocinas por células da imunidade inata............................ pg 62
Figura 13: Produção de citocinas por células da imunidade adaptativa.................... pg 64
Figura 14: Produção de citocinas por células da imunidade inata nos subgrupos de
TOXO........................................................................................................................ pg 65
Figura 15: Produção de citocinas por células da imunidade adaptativa nos subgrupos de
TOXO........................................................................................................................ pg 67
Figura 16: Assinatura de biomarcadores da produção de citocinas pelas células da
imunidade inata e adaptativa..................................................................................... pg 68
viii
Índice de quadros e tabelas
Quadro 1 - Anticorpos monoclonais marcados com fluorocromos utilizados para análise
de populações, subpopulações celulares e moléculas de superfície........................ pg 37
Quadro 2 - Anticorpos monoclonais utilizados para identificação das subpopulações
leucocitárias na metodologia de citocinas citoplasmáticas...................................... pg 40
Tabela 1 - Registros hematológicos em recém-nascidos com toxoplasmsose
congênita.................................................................................................................. pg 52
ix
Lista de Abreviaturas
AIDS - Acquired immune deficiency syndrome – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ACRL – Active and Cicatricial Retinochoroidal Lesion – Lesão retinocoroideana ativa e
cicatrizada simultaneamente
ARL – Active Retinochoroidal Lesion – Lesão retinocoroideana ativa
CCL - Chemokine ligand – Ligante de Quimiocina
CCR – Chemokine receptor - Receptor de Quimiocina
CRL – Cicatricial Retinochoroidal Lesion – Lesão retinocoroideana cicatrizada
DCs – Dendritic cells – Células dendríticas
DNA – Deoxyribonucleic acid - Ácido desoxirribonucleico
ELFA – Enzyme Linked Fluorescent Assay
ELISA – Enzyme-Linked Immunosorbent Assay - Ensaio Imunoenzimático
FITC – Fluorescein isothiocyanate - Isotiocianato de fluoresceína
GM-CSF - Granulocyte-Macrophage Colony-Stimulating Factor – Fator estimulante de
macrófagos e granulócitos
IC – Intervalo de Confiança
IEL - Intraepithelial lymphocytes – Linfócitos intraepiteliais
IFN - Interferon
IgA – Imunoglobulina da classe A
IgG – Imunoglobulina da classe G
IgM – Imunoglobulina da classe M
IL- Interleucina
kDa – kilodaltons
LPS - Lipopolissacarídeo
MCP - Monocyte Chemotactic Protein - proteína quimiotática de monócitos
x
MHC – Major Histocompatibility Complex – Complexo principal de histocompatibilidade
MIP - Macrophage Inflammatory Proteins - Proteína inflamatória de macrófagos
MyD – Myeloid differentiation primary response gene - Fator de diferenciação mielóide
NETs – Neutrophil Extracellular Traps
NI – Non Infected – Grupo não infectado (controle)
NK – Natural Killer – Células Natural Killer
NKT – Natural Killer T Cells – Células T Natural Killer
NO – Nitrous Oxide - Oxido nítrico
NRL – No Retinochoroidal Lesion – Sem lesões retinocoroideanas
NUPAD – Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da UFMG
PAMPs – Pathogen-Associated Molecular Patterns - Padrões moleculares associados a
patógenos
PCR - Polymerase Chain Reaction – Reação em cadeia da Polimerase
PE – Phycoerythrin - Ficoeritrina
PerCP – Peridinin Chlorophyll Protein - Cloreto de peridina Clorofila
PETN – Programa Estadual de Triagem Neonatal
PMN – Polimorfonucleares
PRRs – Pattern recognition receptors - Receptores de reconhecimento padrão
RE – Retículo Endoplasmático
ROI – Reactive Oxygen Intermediate - Reativos intermediários de oxigênio
RN – Recém-nascido
SNC – Sistema Nervoso Central
TC - Tricolor
Th – T helper
TGF – Transforming Growth Factor – Fator de transformação do crescimento
TLR – Toll-like Receptors – Receptores Toll-like
xi
TNFR – Tumor Necrosis Factor Receptor – Receptor do fator de necrose tumoral
TOXO – Recém-nascidos infectados com T. gondii
T. gondii – Toxoplasma gondii
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
xii
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................
ABSTRACT.....................................................................................................
1. INTRODUÇÃO..........................................................................................
1.1. Biologia e transmissão...............................................................................
1.2. Infecção congênita.....................................................................................
1.3. Comprometimento ocular..........................................................................
1.4. Resposta Imune..........................................................................................
1.4.1. O epitélio intestinal é a primeira linha de defesa....................................
1.4.2. O recrutamento de neutrófilos.................................................................
1.4.3. Células dendríticas e a produção de IL-12..............................................
1.4.4. O papel dos macrófagos na resistência...................................................
1.4.5. O papel das células natural killer...........................................................
1.4.6. O papel do NO e das GTPases................................................................
1.4.7. A importância da privação de ferro e do triptofano................................
1.4.8. O papel das células T CD4+ e T CD8+....................................................
1.4.9. Células B e a produção de anticorpos.....................................................
1.5. A influência da gravidez na infecção.........................................................
1.5.1. A gravidez aumenta a susceptibilidade...................................................
2. OBJETIVO..................................................................................................
3. METODOLOGIA.......................................................................................
3.1. Pacientes e amostras biológicas.................................................................
3.2. Exames clínicos e grupos de estudo...........................................................
3.3. Coleta de sangue.........................................................................................
3.4. Imunofenotipagem de células mononucleares circulantes.........................
3.5. Preparo de antígeno....................................................................................
3.6. Análise de marcadores de superfície e citocinas........................................
3.7. Estratégias de análise.................................................................................
3.8. Análise dos dados.......................................................................................
4. RESULTADOS............................................................................................
4.1. Registros hematológicos dos recém-nascidos............................................
4.2. Análise de células monocucleares circulantes.................................................
4.2.1. Análise das subpopulações de monócitos...............................................
4.2.2. Análise das subpopulações de células NK e T NK.................................
4.2.3. Análise das subpopulações de células T e B...........................................
4.2.4. Análise da assinatura de biomarcadores..................................................
4.3. Análise da produção de citocinas...............................................................
4.3.1. Citocinas produzidas por células da imunidade inata.............................
4.3.2. Citocinas produzidas por células da imunidade adaptativa.....................
4.3.3. Citocinas da imunidade inata (Análise nos subgrupos de TOXO)..........
4.3.4. Citocinas da imunidade adaptativa (Análise nos subgrupos de TOXO).
4.3.5. Análise da assinatura de biomarcadores..................................................
5. DISCUSSÃO................................................................................................
6. CONCLUSÕES...........................................................................................
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................
8. ANEXOS......................................................................................................
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xiii
RESUMO
O desenvolvimento de uma resposta imune adequada é fundamental para o
controle do T. gondii, mas também para reduzir as sequelas da infecção congênita. A
toxoplasmose ocular é a principal manifestação clínica da toxoplasmose, e o
entendimento dos mecanismos imunopatológicos envolvidos é fundamental para uma
abordagem terapêutica mais adequada. Neste trabalho foi coletado o sangue de recémnascidos com toxoplasmose congênita apresentando diferentes formas clínicas da
doença ocular para avaliar possíveis alterações do perfil imunológico através da
imunofenotipagem de células mononucleares circulantes e da análise de citocinas
intracitoplasmáticas após estimulação in vitro.
Nossos resultados mostraram que,
devido a infecção congênita, há aumento de linfócitos e monócitos nos recém-nascidos
infectados. Numa análise mais detalhada, verificou-se aumento de monócitos próinflamatórios, indicando que a persistência da resposta pró-inflamatória pode estar
relacionada com o desenvolvimento da patologia. Células NK e células T NK também
estavam aumentadas em recém-nascidos infectados com T. gondii, sendo um fator
importante na resposta imune contra o parasito. A análise da resposta imune adaptativa
mostrou que linfócitos T CD4+ aparentemente estão associados com o fenótipo de lesão
ativa. Adicionalmente, foi mostrado que as células T CD8+ podem ser um importante
biomarcador de morbidade nos recém-nascidos infectados. Em conjunto, os resultados
do perfil fenotípico das células mononucleares circulantes nos recém-nascidos com
toxoplasmose congênita sugerem maturação da resposta imune. Finalmente, verificamos
possíveis alterações na produção de citocinas por parte das células mononucleares
circulantes dos recém-nascidos com toxoplasmose congênita. Na resposta imune inata
verificamos um perfil misto com predominância de citocinas reguladoras em
neutrófilos, perfil pró-inflamatório modulado por IL-10 em monócitos e perfil próinflamatório em células NK. A análise da produção de citocinas em células da
imunidade adaptativa mostrou perfil pró-inflamatório nas células T CD4+ e T CD8+, e
perfil regulatório em células B. A análise da produção de citocinas em subgrupos de
crianças com diferentes manifestações oculares mostrou o aumento de IL-1 e TNF-
somente nas células de recém-nascidos sem lesão ocular ativa. A citocina IL-17
apresentou aumento em neutrófilos e células T CD4+ somente nos recém-nascidos com
lesão retinocoroideana ativa. As principais citocinas pró-inflamatórias no controle da
toxoplasmose, IL-12 e IFN-, estavam aumentadas em monócitos e células T CD4+ de
xiv
todos os grupos com infecção congênita. O presente estudo apresenta-se como uma
excelente oportunidade para o entendimento de alguns aspectos fundamentais da
resposta imune durante a infecção congênita, além do levantamento de possíveis
biomarcadores associados com a lesão retinocoroideana.
xv
ABSTRACT
The development of an appropriate immune response is critical for control of T. gondii,
but also to reduce the sequelae of congenital infection. Ocular toxoplasmosis is the
major clinical manifestation of toxoplasmosis, and understanding of the pathogenic
mechanisms involved is crucial for a more appropriate therapeutic approach. In this
work we collected the blood of newborns with congenital toxoplasmosis presenting
different clinical forms of ocular disease to assess possible changes in immune profile
by
immunophenotyping
of
circulating
mononuclear
cells
and
analysis
of
intracytoplasmic cytokines after in vitro stimulation. Our results showed an increase of
lymphocytes and monocytes in infected infants. In more detailed analysis, there was an
increase of proinflammatory monocytes, indicating that the persistence of the proinflammatory response may be associated with the development of pathology. NK and
NK T cells which are important components in the immune response against the
parasite were also expanded in infants infected with T. gondii. Analysis of the adaptive
immune response showed that CD4+ T cells are apparently associated with the
phenotype of active lesion. Additionally, our results demonstrate that CD8 + T cells may
be an important biomarker of morbidity in infants infected with T. gondii. Together,
results of the phenotypic profile of circulating mononuclear cells in infants with
congenital toxoplasmosis suggest maturation of the immune response. Finally we
analyzed possible changes in cytokine production by circulating mononuclear cells of
infants with congenital toxoplasmosis. In innate immune response we found a mixed
profile with a predominance of regulatory cytokines in neutrophils, pro-inflammatory
profile modulated by IL-10 in monocytes, and pro-inflammatory profile in NK cells of
infants with congenital toxoplasmosis. Analysis of cytokine production by cells of the
adaptive immune system shows a pro-inflammatory profile in CD4+ and CD8+ T cells,
and regulatory profile in B cells. Analysis of cytokine production in subgroups of
TOXO showed increased IL-1 and TNF- levels in cells of infants without active
lesions (NRL and CRL) whereas IL-6 and IL-17 cytokines are expanded only in cells of
infants with active retinochoroidal lesions (ARL). The major pro-inflammatory
cytokines in the control of toxoplasmosis, IL-12 and IFN- were elevated in all groups
of cells from children with congenital infection. The present study is an excellent
xvi
opportunity to understand key aspects of the immune response during human congenital
infection and highlighted possible biomarkers associated with retinochoroidal lesions.
xvii
1. INTRODUÇÃO
1.1 Biologia e Transmissão
Toxoplasma gondii é um protozoário parasito intracelular obrigatório, de
distribuição mundial, que pode ser encontrado em uma grande variedade de hospedeiros
vertebrados (Dubey, 2010). Foi descrito por NICOLLE E MANCEAUX isolado de um
roedor no norte da África (Ctenodactylus gondi) em 1908. O protozoário apresenta
organelas citoplasmáticas características do Filo Apicomplexa, classe Sporozoa, subclasse
Coccidea, ordem Eucoccidiida, subordem Eimeriina e família Sarcocystidae (Pfefferkorn,
1990).
O ciclo de T. gondii é heteroxeno facultativo, com uma fase sexuada que ocorre nas
células intestinais dos hospedeiros definitivos, membros da família Felidae, e outra fase
assexuada, que pode ocorrer nos hospedeiros definitivos e nos hospedeiros intermediários –
mamíferos, incluindo o homem, e aves. No ciclo sexuado o parasito invade os enterócitos e
sofre merogonia, formando os merozoítos que são liberados após o rompimento da célula
hospedeira. Esses merozoítos invadem as células epiteliais adjacentes e sofrem gamogonia,
formando os gametócitos. Os gametócitos originam os gametas masculinos (microgametas)
e os femininos (macrogametas). Os microgametas, que são formas móveis extracelulares,
fecundam os macrogametas localizados dentro dos enterócitos formando o zigoto, que fica
envolto por uma parede resistente, sendo chamado de oocisto. Os felídeos eliminam em
suas fezes oocistos não esporulados, que em condições ambientais propícias como
temperatura, umidade e oxigenação ideais, se tornam infectantes, podendo ser ingeridos por
outros animais, até mesmo pelo ser humano. Cada oocisto esporulado infectante de T.
1
gondii possui em seu interior dois esporocistos, cada um contendo quatro células
denominadas esporozoítos (Tenter et al., 2000; Robert-Gangneux & Dardé, 2012).
O ciclo assexuado ocorre nos hospedeiros intermediários e definitivos, e tem início
com a ingestão de oocistos eliminados pelas fezes dos gatos ou cistos teciduais, contendo
bradizoítos, presentes na carne crua ou mal cozida de alguns animais. Após ingestão, a
parede externa dos cistos ou oocistos é rompida por degradação enzimática e as formas
infectantes, bradizoítos ou esporozoítos, respectivamente, são liberadas no lúmen intestinal
onde rapidamente invadem as células do hospedeiro e se diferenciam em taquizoítos
(formas de multiplicação rápida), por divisão assexuada. Os taquizoítos penetram em
qualquer célula nucleada, formando um vacúolo parasitóforo. No interior do vacúolo
parasitóforo sofrem rápidas e sucessivas divisões por endodiogenia, formando novos
taquizoítos, que rompem a célula parasitada e invadem novas células (fase proliferativa). A
disseminação do parasito no organismo ocorre através de taquizoítos livres ou intracelulares
na linfa, ou no sangue circulante, podendo provocar um quadro polissintomático, cuja
gravidade dependerá da quantidade de formas infectantes adquiridas, da cepa do parasito e
da susceptibilidade do hospedeiro (Tenter et al., 2000). Embora o parasito seja intracelular,
pode sobreviver por breves períodos nos líquidos intersticiais e exsudatos (Chiari, 1981) já
sendo comprovada, por exemplo, a presença de taquizoítos na saliva, urina e no leite de
cabra (Chiari & Neves, 1984; Vitor et al., 1991).
O período inicial da infecção – fase proliferativa – caracteriza a fase aguda da
doença. Neste ponto, a toxoplasmose pode evoluir até a morte do hospedeiro, o que pode
ocorrer em fetos ou em indivíduos com comprometimento imunológico, ou se tornar latente
pelo aparecimento de resposta imune específica. Com o desenvolvimento da resposta imune
a proliferação dos taquizoítos é controlada, os parasitos extracelulares desaparecem do
2
sangue, da linfa e dos órgãos viscerais, ocorrendo uma diminuição de estágios
intracelulares. Alguns taquizoítos, no entanto, invadem as células e desenvolvem uma
cápsula cística a partir da parede do vacúolo parasitóforo, diminuindo seu metabolismo e
transformando-se em bradizoítos. Os bradizoítos multiplicam-se lentamente e permanecem
no interior do cisto sem desencadear sintomatologia significante no hospedeiro (Dubey &
Frenkel, 1976; Montoya & Liesenfeld, 2004; Robert-Gangneux & Dardé, 2012).
A resposta imune limita a progressão da infecção e o desenvolvimento de novas
lesões, porém não erradica os cistos já existentes localizados em diversos órgãos, que
caracterizam as formas de resistência do parasito. Os cistos podem se romper
ocasionalmente, liberando bradizoítos, que podem evoluir para taquizoítos e reinfectar
células vizinhas, despertando uma reação inflamatória, e sendo rapidamente controlados
pelo sistema imune. Se o hospedeiro apresentar comprometimento na resposta imune, o
bloqueio dessa proliferação pode não ser eficiente, ocasionando num processo localizado ou
sistêmico de recaída da toxoplasmose (Tenter et al., 2000).
1.2 Infecção congênita
Quando uma mulher grávida adquire toxoplasmose, ela pode transmitir o parasito
para o feto. Raramente a transmissão transplacentária ocorre se a gestante se infecta
imediatamente antes da concepção ou se engravida já na fase crônica da doença (Dubey,
2010).
A transmissão congênita ou transplacentária tem sido responsabilizada pela
ocorrência de abortos, natimortos, debilidade e mortalidade neonatal (Dubey, 2010). O risco
de transmissão congênita aumenta progressivamente com a idade gestacional da
3
soroconversão materna. Aproximadamente 5% das mulheres que tiveram sua soroconversão
até 12 semanas de gestação e 80% daquelas que tiveram a soroconversão pouco antes do
parto, transmitem a infecção para o feto. Inversamente, o risco de sinais clínicos (lesões
cerebrais ou na retina) numa criança infectada decresce de 60% para fetos de mulheres que
tiveram a soroconversão até a 12ª semana de gestação, para aproximadamente 5% para
aquelas que tiveram a soroconversão próximo do parto (Desmonts et al., 1985). Roberts &
Alexander (1992) demonstraram que a maioria das infecções do primeiro trimestre resultam
em aborto ou reabsorção fetal. O balanço intrigante de maior gravidade dos sinais clínicos
no início da gravidez contra maior frequencia de transmissão congênita de T. gondii ao final
da gravidez motivou Roberts et al. (2008) a especular que a capacidade do T. gondii em
causar uma resposta pró-inflamatória potente poderia provocar aborto no primeiro trimestre
de gravidez. Entretanto, quando as alterações anti-inflamatórias hormonais e imunológicas
que caracterizam a gravidez finalmente se estabelecem, o feto é protegido de danos
causados pelas reações imunológicas, mas, ao mesmo tempo, é mais susceptível de ser
exposto, e infectado pelo parasito. Sabe-se que a transmissão congênita do T. gondii ocorre
por via hematogênica e a infecção placentária é etapa obrigatória. Após a infecção da
placenta, ocorre um intervalo de dias a semanas até a infecção fetal. A duração desse
período não é completamente conhecida e estima-se que seja mais longo no início da
gravidez do que no final. A infecção fetal é mais comum na fase da parasitemia materna
associada com a infecção aguda, mas, após a fase aguda podem persistir focos de parasitos
na placenta, que podem ser liberados na circulação fetal em fase tardia da infecção materna.
Esse é o conceito que justifica a manutenção do tratamento durante toda a gestação, mesmo
quando o feto não está infectado (Gilbert & Peckham, 2002; Kaye, 2011).
Aproximadamente 90% das crianças com toxoplasmose congênita desenvolvem-se
aparentemente normais (Desmonts & Couvreur, 1974). Natimortos ou mortes pós-natais
4
ocorrem em aproximadamente 1% dos casos de bebes infectados e aproximadamente 2%
tem sequelas neurológicas graves. A prevalência de sequelas menos graves, que pode não
ser detectada até a idade escolar, não é conhecida, devido ao fato de não existir estudos que
acompanharam as crianças por esse longo período após o nascimento. Existem evidências
de que a intensidade de sintomas clínicos da toxoplasmose congênita é menor em países da
Europa e nos Estados Unidos, quando comparado com países da América do Sul (Gilbert,
2009).
Dados obtidos na Europa demonstram que os sinais clínicos no cérebro ou nos olhos
são encontrados em aproximadamente 17% das crianças infectadas. Calcificação intracraniana pode ser detectada ao nascimento, e estima-se que afete 9% das crianças infectadas
e aproximadamente 2% das crianças infectadas tem dilatação ventricular detectada no ultrasom cerebral. Lesões oculares (retinocoroidite) causadas por reativação de cistos latentes
(bradizoítos) na retina e a reação inflamatória associada, podem aparecer em qualquer
momento da infância, ou mesmo durante a fase adulta. Estudos de “coorte” baseados em
crianças que foram tratadas para toxoplasmose durante o pré-natal e pós-natal mostram que
10% das crianças tiveram retinocoroidite detectada durante a infância, e 23% tiveram pelo
menos uma lesão até os 7 anos de idade. Além disto, mais da metade tiveram algum grau de
prejuízo ocular unilateral (Gilbert & Peckham, 2002; Jones et al., 2003).
Um estudo realizado com crianças nascidas com toxoplasmose no estado de Minas
Gerais demonstrou que aproximadamente 65% das crianças nascidas com toxoplasmose
apresentavam retinocoroidite ao nascimento, das quais 63% apresentavam lesão ativa.
Aproximadamente 17% das crianças nascidas com toxoplasmose apresentavam alteração
neurológica ao nascimento. Analisados em conjunto, estes dados demonstraram que cerca
de 80% dos nascidos com toxoplasmose no estado de Minas Gerais demonstravam algum
5
sinal clínico no momento do nascimento (Andrade et al., 2008; Vasconcelos-Santos et al.,
2009; Machado et al., 2010).
A associação do T. gondii com lesões das vias auditivas é relatada desde a década de
50. Em aproximadamente 20% dos casos de toxoplasmose congênita ocorre relato de déficit
auditivo, principalmente nas crianças não-tratadas ou tratadas por períodos curtos. Num
estudo realizado em Belo Horizonte entre 2003 e 2004, 20 recém-nascidos foram
identificados com toxoplasmose pelo programa de Triagem Neonatal. Destas, 4 crianças
apresentavam déficit auditivo, e 3 delas não apresentavam nenhum outro motivo, exceto a
toxoplasmose, que justificasse o déficit apresentado (Andrade et al., 2008). Posteriormente
este estudo foi ampliado para todo o estado de Minas Gerais, onde 43,4% das crianças com
toxoplasmose congênita apresentou algum tipo de déficit auditivo (Resende et al., 2010).
1.3 Comprometimento ocular
Atribui-se à infecção congênita a maioria das lesões oculares causadas pelo T.
gondii (Remington et al 1994; Holland, 2009). Entretanto, elevadas prevalências da
infecção adquirida e da lesão ocular (18% da população) em Erechim, ambas aumentando
com a idade (Glasner et al. 1992), associadas ao relato de que a doença ocular adquirida
pode ser tardia e não simultânea com os sintomas sistêmicos, sugerem que a frequência da
lesão ocular devido à infecção adquirida esteja sendo subestimada. (Gilbert & Stanford,
2000).
A prevalência das lesões oculares na toxoplasmose congênita foi investigada por
vários pesquisadores, mas muitos desses estudos são constituídos por séries de casos
encaminhados a um centro de referência pela presença de manifestações clínicas e
6
possibilidade de comprometimento ocular. Nessas casuísticas tem sido observado
comprometimento ocular em 60-80% das crianças, dependendo do tempo de seguimento
dos casos (Gilbert et al., 1999). Observa-se diferença na frequência das lesões oculares de
acordo com o local de realização do estudo, sendo as maiores prevalências observadas na
América do Sul. Nos EUA (Massachusetts) foi relatado acometimento ocular em 27%
(28/103) dos recém-nascidos infectados e identificados pela triagem neonatal (Couvreur et
al., 1993). As coortes realizadas na América do Sul mostraram prevalência de lesão ocular
em 47% (18/38) dos infectados, enquanto na Europa ocidental observou-se sua ocorrência
em 14% (79/550) (Thiebaut et al., 2007).
A lesão ocular mais comum na toxoplasmose é a retinocoroidite. O diagnóstico da
lesão ocular é clínico, depende do aspecto da lesão retiniana, e, na forma clássica, é
facilmente diagnosticável pelo seu formato tipicamente oval e cor creme, durante a fase
aguda (Nussenblat & Belfort, 1994). Acredita-se que a lesão se inicie com uma retinite e,
posteriormente, afete o epitélio pigmentar da retina e coróide. A lesão aguda apresenta-se
como um foco bem definido de necrose de coagulação na retina. Como essa lesão é
decorrente da proliferação do parasito, detecta-se com frequência os antígenos de T. gondii
na área de necrose, por imunohistoquímica (Roberts & McLeod, 1999). As reações de
hipersensibilidade ao parasito desencadeiam os sinais inflamatórios, incluindo a vasculite da
retina, uveíte anterior, reações inflamatórias do vítreo e edema de retina. A cavidade vítrea
pode ficar repleta de células inflamatórias, tornar-se turva, e evoluir para opacidade devido
a alterações no colágeno causadas pela inflamação. Quando ocorre em crianças maiores,
observa-se diminuição da acuidade visual no olho afetado e, geralmente, não há queixa de
dor. Se a lesão envolve a mácula, a visão se torna nitidamente pior. A lesão costuma ser
auto-limitada
nos
indivíduos
imunocompetentes,
mesmo
sem
medicação,
e
progressivamente se torna pálida, atrófica e menos elevada. Em consequência da
7
inflamação, as células da camada pigmentar da retina migram para o entorno da lesão
atrófica formando um halo hiperpigmentado. Essa alteração é típica, mas nem sempre é
verificada. Lesão satélite, próxima à lesão principal, geralmente é evidência de episódio
repetido de doença ocular. Essa proximidade de lesões é atribuída ao fato de organismos
encistados estarem próximos das lesões antigas (Holland, 2009).
A lesão cicatricial apresenta morfologia variável, de acordo com a virulência do
parasito, da resposta imune do hospedeiro e da precocidade do tratamento. Apresenta-se
geralmente como lesão de bordas nítidas, bem pigmentadas e com área central atrófica.
Quando se observa o aspecto de uma coroa radiada de pigmento dirigindo-se a uma zona
central de necrose, a lesão é denominada “roda de carroça” e considerada muito sugestiva
de toxoplasmose ocular congênita, principalmente quando não tratada. A lesão ocular
precocemente tratada pode se apresentar com aspecto âmbar e sem grande pigmentação em
suas margens. A baixa acuidade visual decorre do envolvimento da mácula pela inflamação.
Observa-se com frequência, traves fibróticas que se iniciam na lesão e se estendem até
outras regiões da retina, representando comprometimento retiniano grave (Oréfice & BahiaOliveira, 2005).
A lesão ocular de aparecimento tardio pode ocorrer em qualquer idade e tem sido
atribuída à persistência de parasitos latentes em cistos tissulares, não suscetíveis à terapia
antimicrobiana disponível e com potencial para reativar após longos períodos da infecção
inicial. Quando as crianças apresentam exame oftalmológico normal durante os primeiros
dois anos de vida, os dados disponíveis sugerem que o risco de aparecimento de lesões
tardias seja pequeno (Gilbert, 2009).
8
A reativação da doença ocular crônica é comum na infecção congênita, ocorre no
período de alguns anos após o primeiro episódio e não é previsível. Modelos experimentais
têm evidenciado que a reativação ocorre devido a cistos tissulares localizados nas bordas da
cicatriz. Determinadas condições seriam responsáveis pela conversão de taquizoítos em
bradizoítos e vice-versa e os estudos in vitro parecem associar fatores ao stress do parasito
(Roberts & McLeod, 1999). A toxoplasmose induz uma forte resposta imune mediada por
células e tem sido relatado diferenças nessa resposta e na produção de citocinas entre
pacientes com toxoplasmose ocular adquirida e congênita (Yamamoto et al., 2000), embora
esse achado não seja confirmado por outros pesquisadores (Fatoohi et al., 2006). Os
episódios de reativação da retinocoroidite geralmente têm resolução espontânea em 6-8
semanas e sua evolução pode ser atenuada pelo tratamento (Rothova et al., 1993).
1.4 Resposta Imune
A resposta imune contra o T. gondii é individual, complexa e compartimentalizada
(Filisetti & Candolfi, 2004). Existe um delicado equilíbrio entre a reposta imune do
hospedeiro, que tenta eliminar o parasito, e as estratégias de evasão imune ou
imunomodulação provocadas pelo parasito, que permitem a sobrevivência final de ambos, o
parasito e o hospedeiro. Um desvio desse equilíbrio em qualquer direção é deletéria, como
exemplificado em pacientes com AIDS, em que a perda ou diminuição de um
funcionamento do sistema imune resulta na replicação descontrolada de parasitos
recrudescentes e a morte do hospedeiro devido principalmente a neurotoxoplasmose, se não
tratado adequadamente. Segundo Filisetti & Candolfi (2004) a reposta imune celular é o
elemento chave na resistência do hospedeiro contra a infecção pelo T. gondii e os anticorpos
exercem um papel secundário nessa resistência.
9
Um grande número de células hospedeiras diferentes estão envolvidas na resposta
ao T. gondii e a interação entre essas células é crucial na resistência ao parasito. T. gondii é
mais comumente adquirido através da ingestão de cistos teciduais contendo bradizoítos ou
oocistos abrigando esporozoítos. Assim, as células epiteliais do intestino fornecem a
primeira linha de defesa contra o parasita. No entanto, apesar dos mecanismos existentes no
intestino para controlar o T. gondii, um grande número de parasitos ainda são capazes de
migrar através do epitélio e disseminar-se para outras células, tecidos e órgãos. T. gondii
pode invadir e sobreviver muito bem dentro das células tais como células dendríticas e
macrófagos, e aproveitando de suas propriedades migratórias para disseminar por todo o
corpo (Buzoni-Gatel et al., 2006; Sullivan & Jeffers, 2012). A migração de células do
sangue para o local da infecção nos tecidos periféricos segue uma série de eventos
rigidamente controlada, mediada por fatores quimiotáticos difusíveis e moléculas de adesão
de superfície celular.
1.4.1 O epitélio intestinal é a primeira linha de defesa contra T. gondii
Após a ingestão de cistos teciduais ou oocistos de T. gondii, bradizoítos ou
esporozoítos são liberados no intestino delgado e ativamente invadem enterócitos. As
células infectadas então secretam moléculas estimulatórias, em particular MCP-1, (MIP-1α;
CCL3) e MIP-1β (CCL4), que atraem células do sistema imunológico, tais como
neutrófilos, células dendríticas, macrófagos, monócitos e células T (Mennechet et al.,
2002). Essas células, por sua vez, secretam citocinas como IL-12, que estimula a resposta
imune adaptativa via células T CD4+. As células dendríticas da lâmina própria são
responsáveis por capturar os antígenos do parasito e processá-los para a apresentação, afim
de estimular as células T. As células T CD4+ da lâmina própria, por sua vez, sinergizam
10
com enterócitos infectados para secretar citocinas pró-inflamatórias como IFN-γ e TNF-α.
IFN-γ ativa os macrófagos, as células dendríticas e os enterócitos para produzirem
moléculas microbicidas, tais como NO, e eliminar o parasita (Buzoni-Gatel et al., 2006).
Enterócitos infectados com T. gondii também produzem IL-15, que participa dos
processos iniciais da resposta imune, mas, se não for regulada, resultará em patogênese. As
células NK e NKT são o alvo da IL-15, resultando na produção de IFN-γ (Buzoni-Gatel et
al., 2006). Camundongos IL-15-/- exibem uma reação inflamatória mais branda na infecção
por via oral de T. gondii e aumento da sobrevida devido à redução da patologia do intestino,
apesar do aumento da carga parasitária (Combe et al., 2006). A transferência passiva de
células T CD4+ normais em camundongos IL-15-/- resulta num aumento da resposta
inflamatória nos camundongos recipientes, o que leva à sua morte. A redução na resposta
CD4+ observada nos camundongos IL-15-/- é justificada pela redução da capacidade de
células dendríticas em produzir IL-12 e, consequentemente, as células CD4+ em produzirem
IFN-γ (Combe et al., 2006). Além disso, a resposta T CD8+ fica comprometida, indicando
que a IL-15 também desempenha um papel no desenvolvimento da resposta T CD8+ de
memória antígeno-específica (Khan et al., 2002). No entanto, esta resposta parece ser
limitada a infecção oral, uma vez que camundongos IL-15-/- infectados por inóculo intraperitoneal mostram uma mortalidade semelhante à observada em camundongos selvagens
(Lieberman et al., 2004).
Linfócitos intraepiteliais (IEL) também desempenham papel importante tanto na
resistência quanto na imunopatologia da toxoplasmose intestinal. A secreção de MIP-1α e
MIP-1β por enterócitos estimula a expressão de CCR5, o que resulta na migração de IEL.
Linfócitos intraepiteliais são principalmente células T CD8+ e, numa infecção por T. gondii,
são citotóxicos para enterócitos infectados. Os linfócitos intraepiteliais também são capazes
11
de limitar a resposta inflamatória através da produção de citocinas reguladoras como IL-10
e TGF-β (Kasper et al., 2004). O TGF-β é vital na proteção contra ileíte, sendo sua proteção
mediada pela inibição da produção de IFN-γ por células T CD4+ intestinais. Linfócitos
intraepiteliais de camundongos imunizados produzem grandes quantidades de TGF-β e a
sua inibição anula o efeito protetor, o que resulta no desenvolvimento de doença intestinal
em linhagens de camundongos resistentes (Kasper et al., 2004). A transferência adotiva de
linfócitos intraepitelais de camundongos imunizados para camundongos naive pode
fornecer proteção a longo prazo contra a infecção adquirida por via oral, como demonstrado
pela redução da mortalidade (Lepage et al, 1998). Além disso, linhagens de camundongos
sensíveis, podem ser protegidas contra o desenvolvimento da ileíte pela administração de
adenovírus expressando TGF-β (Buzoni-Gatel et al., 2001).
1.4.2 O recrutamento de neutrófilos ao local da infecção por T. gondii
Neutrófilos estão normalmente presentes na corrente sanguínea, onde só sobrevivem
por algumas horas após serem liberados da medula óssea. Eles são as primeiras células
fagocíticas recrutadas ao local da infecção, onde fagocitam e matam agentes patogênicos
pela liberação de compostos anti-microbiais de seus grânulos e pela produção de ROI e NO
(Van Gisbergen et al., 2005). Assim como as funções anti-microbiais, os neutrófilos têm
uma função imuno-regulatória mediada pela liberação de uma série de quimiocinas e
citocinas pró-inflamatórias que atraem e estimulam outras células do sistema imunológico
(Munoz et al., 2011).
Após uma inoculação intra-peritonial de taquizoítos, há o recrutamento local de uma
grande população de neutrófilos, cujo fluxo é dependente de receptores de quimiocina
CXCR2 (Del Rio et al., 2001) e CCR1 (Khan et al., 2001). Assim, camundongos CCR1-/-
12
apresentam déficit na proliferação de neutrófilos e são mais suscetíveis à infecção pelo T.
gondii. Isto é associado com um aumento de parasitos no tecido e é independente de uma
resposta imune efetiva mediada por células T (Khan et al., 2001). Nos seres humanos,
CXCR2 juntamente com CXCR1 são receptores de alta afinidade para IL-8 que, juntamente
com CXCL1, são importantes para o recrutamento de neutrófilos (Bliss et al, 2000).
A depleção de neutrófilos no início da infecção resulta no aumento da
susceptibilidade e exacerbação da toxoplasmose, exemplificado pela reversão da resposta
Th1 para uma resposta predominantemente Th2. Quando a depleção é feita em estágios
mais avançados da infecção nenhum efeito é observado, indicando um papel importante
destes na resposta inicial ao T. gondii (Gisbergen van et al, 2005).
Outra evidência da importância de neutrófilos na resistência ao T. gondii vem de
estudos com camundongos que são deficientes na citocina IL-17. IL-17 é a principal
citocina responsável pelo recrutamento e desenvolvimento de neutrófilos, e os animais
deficientes em IL-17 são mais suscetíveis à infecção oral com T. gondii do que os
camundongos selvagens (Kelly et al., 2005). Camundongos IL-17-/- têm aproximadamente
100 vezes mais parasitos no baço, fígado, intestino e cérebro em comparação com
camundongos selvagens, e taquizoítos são observados na lâmina própria de camundongos
IL-17-/-, mas não nos camundongos selvagens. Apesar disso, os animais do tipo selvagem
apresentam patologia mais grave no fígado e no intestino, devido à produção excessiva de
IFN-γ. Animais IL-17-/- desenvolvem imunidade antígeno-específica por célula T e resposta
celular NK normal, mas o recrutamento de neutrófilos e leucócitos polimorfonucleares
(PMN) para a cavidade peritoneal após o inóculo intraperitoneal de T. gondii é
significativamente reduzido. Isto é acompanhado por uma redução no nível da MIP-2 em
camundongos IL-17-/-, especialmente no início da infecção. Assim, durante a infecção por
13
T. gondii, a indução precoce de neutrófilos é dependente da sinalização de IL-17, e os
neutrófilos eliminam uma grande quantidade de parasitos durante as fases iniciais. O
resultado da deficiência na sinalização de IL-17 é que a atividade inicial anti-T. gondii fica
prejudicada, levando à incapacidade da resposta imune adaptativa em controlar a carga
parasitária subsequente, resultando em aumento da mortalidade (Kelly et al., 2005). Embora
seja importante no recrutamento e indução de neutrófilos durante a infecção por T. gondii, o
papel da citocina IL-17 ainda é controverso, com alguns estudos mostrando seu papel
deletério durante a infecção e na toxoplasmose ocular (Guiton et al., 2005; Sauer et al.,
2012)
1.4.3 Células dendríticas e a produção de IL-12 em reposta ao T. gondii
A maturação e a ativação das células dendríticas em resposta à infecção por T.
gondii desempenham um papel importante no início da imunidade inata e subsequente
desenvolvimento da imunidade adaptativa. A maturação é descrita como o aumento da
expressão do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) e outras moléculas coestimulatórias que aumentam a proliferação de células T naïve, enquanto a ativação é
descrita como a produção de citocinas inflamatórias que regulam a diferenciação das células
T. Em resposta a sinais locais, células dendríticas que carregam antígenos microbianos
migram do local de infecção para o baço onde se acumulam nas áreas de células T e são
responsáveis por grande parte da atividade apresentadora de antígenos nesse órgão,
dirigindo a polarização da resposta Th para Th1 através da produção de IL-12 (Reis e Sousa
et al, 1997).
14
As células dendríticas são as principais fontes de produção de IL-12 em resposta a
infecção por T. gondii e são vitais para a resistência contra a infecção in vivo (Scott &
Hunter, 2002). A depleção das células dendríticas suprimem a produção de IL-12 e aumenta
a susceptibilidade de camundongos à infecção aguda, enquanto que, a transferência de
células dendríticas de camundongos selvagens para camundongos que sofreram depleção de
células dendríticas antes da infecção restaura a produção de IL-12 e IFN-γ, e
consequentemente aumenta a resistência à infecção (Liu et al., 2006). A produção de IL-12
por células dendríticas é rápida. Poucas horas após a infecção, a maioria das células
dendríticas presentes no baço migraram a partir da polpa vermelha e da zona marginal para
as áreas de células T e estão produzindo IL-12 (Aliberti et al., 2004). IL-12 é de
importância crucial na ativação de células natural killer (NK) para a produção de IFN-γ,
bem como na direção da proliferação de células T CD4+ e CD8+ do tipo Th1, que também
produzem IFN- γ (Reis e Sousa et al., 1997; Pifer & Yarovinsky, 2011). A neutralização de
IL-12 em camundongos infectados com T. gondii resultam na diminuição da produção de
IFN-γ e aumento da susceptibilidade à infecção aguda com camundongos sucumbindo
devido à proliferação de parasitos (Denkers & Gazzinelli, 1998).
Um receptor, cujo envolvimento foi demonstrado na mobilização de células
dendríticas e na produção de IL-12 após a infecção por T. gondii, é o receptor de
quimiocina CCR5. Durante uma infecção, as células dendríticas migram para locais de
inflamação em resposta a ligantes de quimiocinas CCR5 como (CCL3, 4 e 5), secretados
por neutrófilos. Baços de camundongos CCR5-/- e camundongos tratados com um
antagonista do CCR5 (Met-RANTES), mostraram um padrão alterado na mobilização
esplênica de células dendríticas, sendo que estas não conseguem congregar em áreas de
células T como fariam normalmente. Animais CCR5-/- também apresentam uma grande
redução na produção de IL-12 pelas células dendríticas em resposta ao T. gondii em
15
comparação com camundongos selvagens. Estes animais apresentam uma quantidade maior
de cistos teciduais que se correlacionam bem com os níveis séricos mais baixos de IL-12 e
IFN-γ (Aliberti et al., 2000).
Os receptores toll-like sinalizando através da proteína adaptadora MyD88
desempenham um papel igualmente importante na produção de IL-12. As células
dendríticas de camundongos MyD88-/- mostram uma redução significativa na produção de
IL-12 em resposta a taquizoítos de T. gondii ou antígenos solúveis de taquizoítos em
comparação com células dendríticas de camundongos selvagens (Scanga et al., 2002).
A sinalização de membros da superfamília TNFR (tumor necrosis factor receptor)
tais como CD40 também contribuem para a regulação da ativação de células dendríticas. A
interação CD40-CD40L é exigida por algumas células dendríticas humanas para produzir
IL-12, quando induzida por T. gondii (Subauste & Wessendarp, 2000). Acredita-se que esta
exigência de dois sinais tenha um papel regulador contra a liberação excessiva de IL-12
(Denkers et al., 2004). T. gondii também pode induzir a produção de IL-12 por células
dendríticas na ausência de CD40 ligante. Assim, os camundongos CD40L knockout são
capazes de produzir IL-12, embora a um nível mais baixo do que os camundongos do tipo
selvagem. Esses eventos são suficientes para promover o IFN-γ necessário para sobreviver à
infecção aguda (Reichmann et al., 2000).
16
1.4.4 O papel dos macrófagos na resistência ao T. gondii
Macrófagos são as células fagocíticas mais importantes no corpo dos vertebrados e
desempenham um papel fundamental na detecção e eliminação de patógenos. Juntamente
com as células dendríticas, eles fornecem a primeira linha de defesa mediada por células,
sendo cruciais para limitar a disseminação inicial e o crescimento de organismos
infecciosos e na modulação das reações imunológicas resultantes (Stafford et al., 2002). As
funções dos macrófagos incluem a produção de citocinas, como IL-12, e apresentação de
antígenos às células T através do MHC e moléculas co-estimulatórias que ajudam a
desencadear as respostas imune-adaptativas, bem como mecanismos microbicidas efetores
tais como fagocitose e degradação fagolisossomal, além da produção de ROI e NO (Butcher
& Denkers, 2002; Stafford et al., 2002).
Macrófagos infectados com T. gondii são uma importante fonte de IL-12 no início
da infecção (Aliberti, 2005). Este IL-12 atua sobre as células NK e, mais tarde, nas células
T, promovendo a produção de IFN-γ, e criando um ciclo de feedback positivo pelo qual
IFN-γ promove ativação clássica dos macrófagos. Esta ativação desempenha um papel
fundamental no controle da infecção intracelular, como parte de uma resposta imune Th1.
Dois sinais são necessários para isso. Primeiro, IFN-γ, secretado por NK e pelas células T
ativam o macrófago e segundo, TNF endógena, produzida pelo macrófago em resposta a
padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) ligando aos receptores de
reconhecimento padrão (PRRs) na superfície do macrófagos, completam a ativação.
Macrófagos ativados proliferam no local da infecção, onde fagocitam e destroem os
microorganismos pela liberação de enzimas lisossomais, ROI e NO, bem como mecanismos
de privação de nutrientes (Stafford et al., 2002; Mosser, 2003).
17
A produção excessiva de citocinas inflamatórias e NO podem resultar em
imunopatologia grave e assim, a atividade dessas células precisa ser bem regulada. Sinais
dos macrófagos ou células vizinhas regulam a ativação de macrófagos e resultam na
produção de citocinas reguladoras, como IL-10 e TGF-β. Camundongos deficientes para
qualquer uma dessas duas citocinas são mais suscetíveis a patologias inflamatórias do que
camundongos selvagens (Mosser, 2003). A fagocitose de células, infectadas ou
inflamatórias em apoptose, pelos macrófagos também desempenha um papel importante na
resolução da inflamação, bem como promove a produção de TGF-β (Zhang & Mosser,
2008).
1.4.5 O papel das células natural killer na produção de IFN-γ em resposta
ao T. gondii
As células natural killer (NK) são linfócitos da resposta imune inata que contribuem
para a resistência precoce ao T. gondii (French et al, 2006; Goldszmid et al, 2007). Células
NK reconhecem e matam as células infectadas e, mais importante, são a principal fonte de
IFN-γ no início da infecção (French et al., 2006). A citotoxicidade celular da NK é
estimulada pela IL-18 produzida por macrófagos e células dendríticas, e aumenta a
proliferação através das ações combinadas de IL-18 e IL-15 (French et al., 2006). Estas
células são produzidas na medula óssea e circulam no sangue. Após a infecção elas migram
para o linfonodo e
depois para o local da infecção onde liberam IFN-γ, ativando
classicamente os macrófagos e aumentando a expressão de MHC II. Células NK possuem
uma série de receptores de quimiocinas que facilitam esse processo, o mais importante dos
quais parece ser CCR5. A diminuição da migração de células NK para o local da infecção é
18
observada em camundongos CCR5-/- infectados com T. gondii. Embora isso leve a uma
diminuição da resposta inflamatória frente à infecção, o camundongo CCR5-/eventualmente sucumbe devido ao aumento da parasitemia (Khan et al., 2006).
A produção de IFN-γ pelas células NK é estimulada por IL-12 produzida pelos
neutrófilos, macrófagos e células dendríticas (French et al., 2006). Em particular, interações
diretas entre células dendríticas e células NK aumentam a produção de IFN-γ por células
NK, bem como aumentam a produção de IL-12 por células dendríticas (Guan et al., 2007).
Isto é mediado através do receptor NKG2D das células NK ligando a ligantes na superfície
da célula dendrítica. Estes ligantes são fracamente expressos por células normais, mas são
estimulados nas células infectadas. A neutralização do receptor NKG2D com anticorpos
resulta em diminuição da produção de IFN-γ (Guan et al., 2007). As células NK também
têm um papel importante no condicionamento da resposta imune adaptativa. Assim, a
neutralização do receptor NKG2D ou a depleção das células NK resulta em redução na
resposta das células T CD4+ e T CD8+(Combe et al, 2006; Guan et al, 2007).
A produção contínua de IFN-γ é fundamental para o controle da infecção aguda e
crônica com T. gondii (Aliberti, 2005). IFN-γ desempenha um papel importante na
diferenciação das formas de replicação rápida, os taquizoítos, característicos de fase aguda,
para as formas de replicação lenta, os bradizoítos, característicos de infecção crônica
(Bohne et al., 1993), além de suprimir a conversão de bradizoítos a taquizoítos, durante a
infecção crônica (Jones et al., 1986). Camundongos deficientes para IFN-γ rapidamente
sucumbem à infecção (Silva et al., 2009), apesar de apresentarem resposta IL-12 intacta, e a
mortalidade é associada com a replicação descontrolada de taquizoítos (Scharton-Kersten et
al., 1996). Por outro lado, a administração de anticorpos anti-IFN-γ a animais cronicamente
infectados resulta em rápida reativação da infecção e subsequente mortalidade dos
19
hospedeiros infectados (Yap & Sher, 1999). A produção de IFN-γ também ativa macrófagos
que passam a produzir TNF-α que sinergiza com IFN-γ para iniciar a produção da molécula
microbicida, óxido nítrico (NO). Há uma série de outros mecanismos efetores sob o
controle de IFN-γ que foram previamente descritos como importantes no controle de T.
gondii, incluindo a geração de intermediários reativos de oxigênio (ROI), privação de ferro,
privação de triptofano e ativação da p47 GTPases.
1.4.6 A importância do óxido nítrico, dos reativos intermediários de
oxigênio e das GTPases na resistência ao T. gondii
Óxido nítrico (NO) é produzido durante o metabolismo da L-arginina para citrulina
pela NO sintase (NOS) e é sintetizado por muitas células envolvidas na resposta imune
como macrófagos, linfócitos T, células apresentadoras de antígenos, neutrófilos e células
NK. NO é produzido constitutivamente em baixas concentrações pela NOS-1 e NOS-3 e
tem um papel importante em processos fisiológicos agindo como um agente de relaxamento
vascular, um neurotransmissor e um inibidor da agregação plaquetária (Coleman, 2001).
Uma terceira isoenzima, NOS induzível (iNOS ou NOS-2), é ativada em resposta a
citocinas como IFN-γ, TNF-α e IL-1β para produzir altas concentrações de NO e esta é a
forma comumente associada com a resposta à infecção parasitária. NO pode matar
diretamente taquizoítos de T. gondii, inibindo enzimas mitocondriais e nucleares essenciais
(Brunet, 2001).
A produção de NO pode ser prejudicial ou benéfica ao hospedeiro dependendo do
estágio da infecção por T. gondii. Na infecção aguda, a produção de NO excessiva contribui
para a patologia associada com aumento de citocinas inflamatórias. Assim, os camundongos
tratados com o inibidor de iNOS, aminoguanidina ou camundongos iNOS-/-, que não têm
20
capacidade para produzir NO, tiveram aumento da carga parasitária, mas diminuição da
patologia no intestino e no fígado, além do aumento na sobrevivência. No entanto, a longo
prazo, esses camundongos desenvolvem graves lesões necrosantes e replicação
descontrolada de taquizoítos no SNC durante a infecção crônica (Khan et al., 1997;
Scharton-Kersten et al., 1997). NO também é importante no direcionamento da conversão
de taquizoítos à bradizoítos (Bohne et al., 1994). Assim, é possível que o NO possa também
desempenhar um papel importante em manter o parasito em sua forma crônica latente.
A produção de reativos intermediários de oxigênio (ROI) por macrófagos ativados
por IFN-γ tem sido reconhecida por muitos anos como um mecanismo efetor anti-microbial
importante do sistema imune inato. A família dos reativos intermediários de oxigênio
incluem o radical superóxido, peróxido, radicais de hidrogênio e radical hidroxila,
moléculas instáveis que podem reagir com uma variedade de constituintes celulares
cruciais, causando dano. Ânions de superóxido podem também reagir com o NO para
formar um agente oxidante potente, o peroxinitrito, levando a peroxidação lipídica das
membranas celulares (Brunet, 2001). A importância de ROI na resistência ao T. gondii
ainda não é bem esclarecido, uma vez que, enquanto a atividade parasiticida mediada por
ROI tem sido demonstrada em macrófagos humanos (Murray et al., 1985), tem sido
relatado que T. gondii pode ser bastante resistente a ROI produzido por macrófagos murinos
(Chang & Pechere, 1989). Foi ainda demonstrado que camundongos com deficiência na
explosão oxidativa controlam perfeitamente T. gondii na fase aguda e na fase crônica da
infecção (Scharton-Kersten et al., 1997).
As p47 GTPases são uma família de proteínas de 47-48 kDa de tamanho, induzíveis
por IFN-γ, e que possuem atividade GTPase ligando-se a membranas subcelulares, como o
retículo endoplasmático (RE) e as vesículas de Golgi (Butcher et al, 2005). Há pelo menos
21
seis membros dessa família em camundongos, embora apenas IGTP e LRG-47 sejam
cruciais na resistência a infecção aguda por T. gondii in vivo. Assim, camundongos
deficientes em IGTP ou LRG-47 sucumbem à infecção aguda de uma maneira semelhante
aos camundongos IFN-γ deficientes (Collazo et al, 2001; Butcher et al, 2005). Além disso,
a inibição IFN-γ dependente de T. gondii por macrófagos é dependente de IGTP e LRG-47
(Butcher et al., 2005). O modo como essas GTPases exercem seus efeitos protetores ainda é
pouco compreendido, mas parece que quando ligadas a membrana são capazes de mediar
disrupções e vesiculação do vacúolo parasitóforo deixando o parasito exposto no citosol. O
parasito é posteriormente cercado por autofagossomas e lisado (Yap et al., 2006). Em
contraste com IGTP e LRG-47, IGP-47 (um terceiro membro da família) não é importante
na resistência à infecção por T. gondii e não é necessário na inibição mediada por
macrófagos do parasito, mas desempenha um papel importante no controle da fase crônica
da infecção (Collazo et al, 2001; Butcher et al, 2005).
1.4.7 A importância da privação de ferro e de triptofano na resistência ao
T. gondii
O ferro é um co-fator crucial em muitos processos metabólicos nas células
eucarióticas, não sendo exceção para T. gondii. Tem sido demonstrado que o IFN-γ é
importante na limitação da disponibilidade de ferro dentro de enterócitos infectados com T.
gondii e, assim, inibe a replicação do parasita dentro dessas células (Dimier & Bout, 1998).
O mecanismo para essa limitação não é bem compreendido e parece ser peculiar aos
enterócitos.
O triptofano é um aminoácido essencial para o T. gondii. A indução da viaindoleamina 2,3-dioxigenase, mediada por IFN-γ, que degrada o triptofano, efetivamente
22
priva T. gondii deste aminoácido, inibindo o seu crescimento em uma variedade de células
in vitro, como fibroblastos fetais, células epiteliais e células endoteliais de várias espécies,
incluindo humanos, camundongos e ratos (Pfefferkorn, 1990; Daubener & MacKenzie,
1999).
1.4.8 O papel das células T CD4+ e T CD8+ durante a infecção pelo T.
gondii
As células T CD4+ e CD8+ são cruciais para a sobrevivência do hospedeiro durante
a infecção crônica, como demonstrado em pacientes com defeitos primários ou adquiridos
na função das células T, que apresentam maior susceptibilidade ao T. gondii (Kang et al.,
2002; Johnson & Sayles, 2002).
Como mencionado anteriormente, as células T CD4+ são fundamentais na
resistência ao T. gondii, sendo seu principal papel na regulação da resposta imune. Estudos
demonstram que o surgimento da toxoplasmose grave é concomitante com o declínio do
número de células T em pacientes infectados com HIV (Israelski & Remington, 1988), e em
modelos com camundongos, o aumento da susceptibilidade durante a fase crônica está
associado com a deficiência de células T CD4+ (Johnson & Sayles, 2002). Além disso,
durante as fases iniciais da infecção, as células T CD4+ contribuem para otimização da
resposta das células T CD8+ e B (Johnson & Sayles, 2002; Lutjen et al., 2006).
A resposta pró-inflamatória desencadeada pela infecção é essencial para a
resistência ao T. gondii. Porém, uma resposta descontrolada leva ao desenvolvimento da
patologia, sendo necessário que o hospedeiro equilibre a resposta imune com o intuito de
23
eliminar o parasito, mas minimizar os danos causados a si mesmo (Shaw et al., 2006).
Nesse cenário, a citocina IL-10 tem papel fundamental. Ela é produzida por uma variedade
de células, incluindo macrófagos, células NK, células T e células B. Estudos com
camundongos deficientes para IL-10 mostraram que apesar de exibirem carga parasitária
normal, estes damundongos desenvolvem lesão hepática grave, aumento da produção de
citocinas pró-inflamatórias, e sucumbem devido a uma resposta hiper-inflamatória mediada
por células T CD4+ (Gazzinelli et al., 1996). Outro papel importante da citocina IL-10 é na
desativação de macrófagos, facilitando a sobrevivência do parasito. Estes resultados
fornecem evidências de que a imunoregulação induzida por IL-10 após a infecção com o T.
gondii é benéfica tanto para o parasito quanto para o hospedeiro, favorecendo uma relação
parasito-hospedeiro estável.
Dado que T. gondii é um agente patogênico intracelular, não é surpreendente que as
células T CD8+, que são especializadas em reconhecer e destruir células infectadas com
parasitos, também tenham um papel crítico na resistência à infecção. As células T CD8 +
podem controlar a infecção através da produção de citocinas pró-inflamatórias, através de
interações CD40/CD40L, e através de citólise mediada pela perforina em células
hospedeiras infectadas (Gazzinelli et al., 1992; Denkers et al., 1997; Reichmann et al.,
2000). Camundongos deficientes em células T CD8+ apresentam aumento da
susceptibilidade à toxoplasmose, sucumbindo aproximadamente 50 dias após a infecção
(Denkers et al., 1997). Além disso, a transferência de células T CD8+ a partir de
camundongos infectados cronicamente, ou de camundongos vacinados com uma cepa
atenuada do T. gondii, é suficiente para conferir resistência (Parker et al., 1991; Gigley et
al., 2009).
24
Como mencionado anteriormente, a resposta das células T CD8+ é otimizada graças
às células T CD4+ (Combe et al., 2005; Lutjen et al., 2006). Embora a depleção de células T
CD4+ não afete os estágios iniciais de expansão e ativação das células T CD8+, as células T
CD4+ são necessárias para a manutenção das funções efetoras das células T CD8+ na fase
crônica da infecção, e tal estímulo é fornecido ainda na fase aguda da doença (Lutjen et al.,
2006).
1.4.9 Células B e a produção de anticorpos em resposta ao T. gondii
O papel crítico dos anticorpos na imunidade ao T. gondii é demonstrado em
experimentos com camundongos MT, que são deficientes para células B. Esses
camundongos apresentam produção normal de IFN-, mas sucumbem a infecção dentro de
3-4 semanas após o desafio, associado com altas cargas parasitárias no SNC (Kang et al.,
2002). O aumento de susceptibilidade é atribuído a falta de anticorpos, já que a
transferência passiva de anticorpos confere proteção a estes mesmos camundongos
(Johnson & Sayles, 2002).
A imunoglobulina M (IgM) é produzida logo após a infecção pelo T. gondii. As IgM
são as melhores ativadoras do sistema do complemento e, devido a sua estrutura, são
capazes de excelente aglutinação e têm um alto nível de citotoxidade. Os principais
antígenos alvo dessas imunoglobulinas são as proteínas de superfície do parasito (Filisetti &
Candolfi, 2004).
A imunoglobulina G (IgG) é uma classe de imunoglobulinas composta de várias
subclasses, que aparecem em proporções desiguais durante a infecção. Em humanos estão
presentes as subclasses IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4. Vários estudos da toxoplasmose humana
25
têm demonstrado que IgG1 é a primeira a ser ativada e é dominante no plasma, enquanto
que anticorpos IgG2 e IgG3 são observados em baixos níveis e os anticorpos IgG4 podem
não ser detectados (Huskinson et al., 1989). Anticorpos IgG1 e IgG3 são induzidos por
IFN-α e sua produção é aumentada por ação de IL -10 e TGF-β. A produção de IgG2 é
induzida por IL-2 e aumentada por IL-6, enquanto IgG4 é induzida por IL-4 e IL-13 (Correa
et al., 2007). Os anticorpos IgG e suas subclasses promovem a citotoxidade dependente de
anticorpo ou opsonização, graças aos receptores de Fc presentes nos macrófagos e nas
células polimorfonucleares, ou devido à citólise mediada por complemento ou por células
NK. Ainda em humanos, foi mostrado que a síntese fetal de IgG3 e IgG4 está associada à
gravidade dos sinais clínicos da toxoplasmose congênita, enquanto a produção de IgG1 está
associada à menor gravidade das lesões (Canedo Solares et al., 2008). Souza e Silva et al
(2013) estudaram a produção de IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4 em 190 recém nascidos com
toxoplasmose congênita no estado de Minas Gerais. Foi mostrado que a síntese de IgG2 e
IgG4 anti-rMIC3 de T. gondii está associada a sintomas oculares e neurológicos da
toxoplasmose.
A imunoglobulina A (IgA) é observada em duas formas: IgA de mucosa que é
encontrada nas secreções mucosas e IgA do plasma. Na toxoplasmose, a IgA pode ser
encontrada no trato digestivo e no plasma de animais e de humanos . Segundo Chardès &
Bout (1993), os anticorpos IgA constituem mais de 80% de todos os anticorpos associados a
mucosa e tecido. Essa imunoglobulina persiste por seis a sete meses na toxoplasmose,
entretanto varia bastante na quantidade e duração em adultos e recém-nascidos infectados
pela via congênita. O sistema imune na mucosa possui extensa população de células
linfóides que rapidamente entram em contato com o parasito durante sua penetração
intestinal desencadeando a produção de citocinas e a produção de anticorpos que agem no
local. Estudos indicam que IgA é um elemento importante da imunidade de mucosa contra a
26
infecção oral por cistos de T. gondii e, portanto, esse isotipo de anticorpo pode ser
importante para evitar a reinfecção (Denkers & Gazzinelli, 1998). Segundo Defrance et al.
(1992), a resposta de IgA regularmente surge antes de IgG e sua produção é aumentada por
estímulo de IL-10 e TGF-β.
1.5. A influência da gravidez na infecção com T. gondii
As respostas do hospedeiro descritas anteriormente são válidas em indivíduos
normais imunocompetentes. No entanto, a situação que surge durante a gravidez é um
pouco diferente, porque uma série de alterações imunológicas ocorrem, que são destinadas a
favorecer a tolerância materna à aloantígenos paternos, ajudar a implantação bem sucedida
de uma placenta e, posteriormente, garantir a sobrevivência do feto em desenvolvimento.
Alguns hormônios apresentam aumento de concentração na circulação durante a gravidez,
incluindo estrogênio, testosterona e, mais significativamente, a progesterona (Roberts et al.,
2008; Lindsay & Dubey, 2011). Sabe-se que a progesterona inibe IL-12, TNF e a produção
de NO pelos macrófagos (Miller & Hunt, 1996; Jones et al, 2008), aumenta a produção de
IL-10 por células dendríticas (Huck et al, 2005), reduz a atividade das células NK (Roberts
et al, 2001), inibe o desenvolvimento de respostas de células Th1 (Miyaura & Iwata, 2002)
e incentiva o desenvolvimento de uma resposta Th2 (Piccinni, 2000). Essas alterações
ocorrem porque, geralmente, uma resposta imunológica pró-inflamatória do tipo Th1 é
incompatível com gravidez bem sucedida (Raghupathy, 1997). Isto, naturalmente, pode
comprometer a capacidade do hospedeiro de controlar infecções intracelulares e, na
verdade, a gravidade de várias doenças infecciosas pode ser maior durante a gravidez,
incluindo as causadas por Plasmodium falciparum, Leishmania major, Leishmania
donovani e T. gondii, só para citar alguns (Luft & Remington, 1982; Akingbade, 1992;
Shirahata et al, 1992; Pagliano et al, 2005; Coutinho et al., 2012). Por outro lado, o sucesso
27
da gestação pode ser afetado da mesma forma pelas doenças infecciosas, como seria pela
resposta pró-inflamatória, comprometendo a saúde da unidade feto-placentária, causando
abortos espontâneos, reabsorção fetal e natimortos (Raghupathy, 1997; Carlier et al., 2012;
Coutinho et al., 2012).
1.5.1 A gravidez aumenta a susceptibilidade ao T. gondii
Alguns estudos mostran que camundongos grávidas são mais suscetíveis à infecção
por T. gondii e isto é associado com uma redução na produção de IFN-γ (Luft &
Remington, 1982;. Shirahata et al., 1992). Esta susceptibilidade inclui um aumento da
mortalidade que, previsivelmente, pode ser revertida pela administração de IFN-γ e IL-2
(Shirahata et al., 1992). Camundongos IL-4-/- grávidas também mostram uma diminuição da
susceptibilidade à toxoplasmose, indicando a importância do IFN-γ associado a respostas do
tipo Th1 na resistência durante a gravidez (Thouvenin et al., 1997). Porém, existem estudos
que também mostram que o aumento da resposta inflamatória está relacionado com o
aumento da susceptibilidade em camundongos grávidas (Coutinho et al., 2012),
demonstrando que o papel da resposta imune durante a infecção na gestação ainda é
controverso.
Embora o aumento da susceptibilidade à infecção primária com T. gondii seja
amplamente aceita no período da gravidez, muito discute-se que a reativação de uma
infecção crônica durante a gravidez seja um evento extremamente raro. No entanto, estudos
recentes colocam esta questão em dúvida. Garweg et al. (2005) acompanharam 18 mulheres
com infecção crônica e constatou-se que sete (ou seja, quase 40%) das mulheres sofreram
reativação da infecção ocular. Roberts et al. (2007) acreditam que a real incidência de
28
reativação de infecção crônica durante a gravidez pode, portanto, ser muito maior, pois
passaria despercebida caso ocorra em órgãos menos evidentes do que o olho.
A escassez de estudos referentes a resposta imune durante toxoplasmose congênita,
principalmente estudos com humanos justificam a realização de um estudo visando o
entedimento do perfil do perfil da resposta imune em crianças com toxoplasmose congênita,
bem como a sua associação com aspectos clínicos oftalmológicos da infecção.
29
2. OBJETIVO
Objetivo geral:
Analisar o perfil fenotípico e a produção de citocinas pelas células mononucleares
circulantes de recém-nascidos com toxoplasmose congênita correlacionando com as lesões
retinocoroideanas.
Objetivos específicos:

Avaliar possíveis alterações no perfil imunológico em recém-nascidos com
toxoplasmose congênita.

Verificar se possíveis alterações no perfil imunológico estão relacionadas com os
achados clínicos da avaliação oftalmológica.

Determinar qual tipo de resposta imune celular predomina em crianças infectadas
pelo T. gondii.

Verificar se existe relação entre a resposta imune celular de recém-nascidos
infectados com a análise clínica oftalmológica.

Avaliar possíveis biomarcadores da toxoplasmose congênita e das formas clínicas
oftalmológicas da doença.
30
3. METODOLOGIA
3.1. Pacientes e Amostras biológicas
As amostras de sangue periférico de recém-nascidos foram obtidas a partir de um
estudo transversal realizado em Minas Gerais no período de 01 de Novembro de 2006 a 31
de maio de 2007. O estudo foi patrocinado pela Secretária Estadual de Saúde de Minas
Gerais, e foi executado pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD),
órgão responsável pela execução do programa de triagem neonatal em Minas Gerais. O
projeto foi aprovado pelo comitê de ética da UFMG (COEP), parecer nº 0298/06 (em
anexo).
A triagem inicial foi desenvolvida com crianças participantes do Programa Estadual
de Triagem Neonatal (PETN), utilizando-se a mesma amostra de sangue seco em papel
filtro colhida para realização dos outros exames rotineiros na triagem neonatal, para
pesquisa de IgM anti-Toxoplasma gondii através do kit Elisa Q-Preven®. Em casos
positivos ou indeterminados na triagem neonatal, amostras do sangue periférico da criança
eram recolhidas após a triagem para novos testes, sendo parte dessa amostra encaminhada
ao Laboratório de Toxoplasmose do Departamento de Parasitologia da UFMG e parte
encaminhada ao Laboreatório de Biomarcadores de Diagnóstico e Monitoração do
CPqRR/FIOCRUZ. Após centrifugação do sangue, o soro obtido a partir das amostras foi
armazenado a -20ºC. Na criança foram pesquisados anticorpos IgM através do kit ELFAVIDAS®. Estes ensaios foram realizados em um mesmo laboratório terceirizado pelo
NUPAD. Após aproximadamente 12 meses foi realizada nova coleta de sangue periférico
da criança, com o intuito de confirmar o diagnóstico pela persistência de anticorpos IgG
31
anti-T. gondii, metodologia que é considerada o padrão ouro para o diagnóstico da
toxoplasmose congênita.
Ao longo do projeto, 146.307 crianças foram triadas pelo Programa Estadual de
Triagem Neonatal, sendo que, 235 apresentaram resultado positivo ou indeterminado na
pesquisa de IgM anti-T. gondii através do kit Q-Preven®. Das 235 crianças, 227 realizaram
consulta médica e exames sorológicos confirmatórios. Cerca de 83% (189/227) tiveram o
diagnóstico de toxoplasmose congênita confirmado. A proporção de crianças que tiveram o
diagnóstico excluído (falso-positivo) foi de 17% (38/227). Todas as crianças infectadas
foram tratadas com sulfadiazina + pirimetamina + ácido folínico durante o primeiro ano de
vida (ínicio do tratamento 24hs após os exames clínicos e a coleta de sangue), e foram
acompanhadas por médicos especialistas por um período mínimo de cinco anos.
3.2. Exames clínicos e grupos de estudo
Da amostra inicial de 227 crianças que apresentaram resultado positivo ou
indeterminado pela triagem para toxoplasmose congênita, 147 foram selecionadas para este
estudo, sendo que 98 tiveram amostras analisadas para imunofenotipagem de células
mononucleares circulantes, 49 para análise de citocinas intracitoplasmáticas, e 19 tiveram
amostras analisadas tanto para imunofenotipagem quanto para análise de citocinas. Todas as
crianças selecionadas possuíam amostra sanguínea ao 12º mês de vida disponível no
Laboratório de Toxoplasmose do Departamento de Parasitologia da UFMG. A relevância da
amostra de sangue coletada no 12º mês de vida está relacionada com o padrão ouro no
diagnóstico da toxoplasmose congênita, que é a persistência de anticorpos IgG anti-T.
gondii ao final de 12 meses.
32
Simultaneamente à coleta de sangue, realizada com aproximadamente 57 dias de
vida, as crianças foram submetidas a exames para avaliar possível comprometimento
oftalmológico (fundoscopia). A propedêutica foi realizada por profissionais do Hospital das
Clínicas da UFMG, experientes no atendimento de crianças com toxoplasmose congênita.
Todas as 147 crianças selecionadas para este projeto passaram por avaliação oftalmológica.
As 147 crianças selecionadas foram divididas em dois grupos, tanto para a
imunofenotipagem quanto para a análise de citocinas.

Imunofenotipagem de células mononucleares circulantes
Grupo NI (Não Infectadas - Controle): 22 crianças que apresentaram resultado
negativo para anticorpos IgM pelo kit ELFA-VIDAS e negativo para IgG anti-T. gondii ao
final de 12 meses.
Grupo TOXO (Infectadas): 76 crianças, sendo 72 com persistência de anticorpos
IgG anti-T. gondii ao final de 12 meses e 4 crianças com diagnóstico parasitológico positivo
por inoculação em camundongos (Carneiro et al., 2013), apesar não ter sido coletada
amostra de soro após 12 meses de vida. No grupo TOXO, 15 crianças apresentavam lesão
retinocoroideana ativa (ARL), 24 crianças tinham simultaneamente lesão retinocoroidiana
ativa e cicatrizada (ACRL), 15 crianças apresentavam lesão retinocoroidiana cicatrizada
(CRL) e 22 crianças não apresentavam lesão retinocoroidiana (NRL). As crianças do grupo
controle (NI) não apresentavam lesões oculares sugestivas de toxoplasnose.
33

Análise de citocinas intracitoplasmáticas após estímulo in vitro
Grupo NI (Não Infectadas - Controle): 10 crianças que apresentaram resultado
negativo para anticorpos IgM pelo kit ELFA-VIDAS e negativo para IgG anti-T. gondii ao
final de 12 meses.
Grupo TOXO (Infectadas): 58 crianças, sendo 56 com persistência de anticorpos
IgG anti-T. gondii ao final de 12 meses e 2 crianças com diagnóstico parasitológico positivo
por inoculação em camundongos, apesar não ter sido coletada amostra de soro após 12
meses de vida. No grupo TOXO 07 crianças apresentavam lesão retinocoroideana ativa
(ARL), 16 crianças tinham simultaneamente lesão retinocoroideana ativa e cicatrizada
(ACRL), 20 crianças apresentavam lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL) e 15 crianças
não apresentavam lesão retinocoroideana (NRL). As crianças do grupo controle (NI) não
apresentavam lesões oculares sugestivas de toxoplasnose (Fluoxograma 1).
34
146.307
(Crianças triadas pelo PETN)
235
(Resultado
positivo/indeterminado)
98
Selecionadas para
imunofenotipagem
Fluxograma
1.
68
Selecionadas para análise de
citocinas
15
(Lesão retinocoroideana ativa ARL)
07
(Lesão retinocoroideana ativa ARL)
24
(Lesão retinocoroideana ativa
e cicatrizada - ACRL)
16
(Lesão retinocoroideana ativa
e cicatrizada - ACRL)
15
(Lesão retinocoroideana
cicatrizada - CRL)
20
(Lesão retinocoroideana
cicatrizada - CRL)
22
(Sem lesão retinocoroideana NRL)
15
(Sem lesão retinocoroideana NRL)
22
(Controle - NI)
10
(Controle - NI)
Avaliação
oftalmológica
em
crianças
suspeitas
de
toxoplasmose
congênita.
35
3.3. Coleta de sangue
Além da avaliação clínica detalhada dos recém nascidos, foi realizada coleta de 1,5
mL de sangue com os seguintes propósitos:

0,5 mL (coletado em EDTA) para experimento ex-vivo de imunofenotipagem;

1,0 mL (coletado em Heparina) para cultura de sangue total visando análise do
perfil da resposta imune celular específica para T. gondii.

Parte do sangue foi enviado a um laboratório terceirizado pelo NUPAD para
realização do hemograma.
3.4. Imunofenotipagem de células mononucleares circulantes
Alíquotas de 50L das amostras de sangue total coletado a vácuo em tubos
contendo anticoagulante EDTA (Vacutainer - BD, E.U.A), foram transferidos para tubos de
poliestireno 5mL (Falcon - Becton Dickinson - BD, E.U.A) e incubadas com anticorpos
monoclonais específicos para marcadores de superfície marcados com Ficoeritrina (PE),
com isotiocianato de fluoresceína (FITC), tricolor (TC) e Cloreto de Peridina Clorofila
(PerCP). Foram utilizados anticorpos monoclonais para os seguintes marcadores: CD3,
CD4, CD5, CD8, CD14, CD16, CD19, CD23, CD32, CD56, CD64, HLA-DR, /, /
(Quadro 1). As células e anticorpos foram incubados por 30 minutos à temperatura
ambiente, ao abrigo da luz. Posteriormente, os eritrócitos foram lisados e fixados em 3mL
de solução de lise, por 10 minutos à temperatura ambiente. Em seguida, foi adicionado às
amostras 1mL de PBS-W (PBS pH 7.4, contendo 0.5% BSA e 0.1% de azida sódica) e estas
36
foram centrifugadas a 1300g por 7 minutos a 18ºC (Centrifuga Beckman Modelo j-6b,
E.U.A). O sobrenadante foi descartado, as amostras lavadas com 2mL de PBS 1X e
novamente centrifugadas a 1300g por 7 minutos a 18ºC. Em seguida, as amostras foram
fixadas com 300L de solução fixadora - MFF (10g/L de paraformaldeído, 1% de
cacodilato de sódio, 6,67g/L de cloreto de sódio, pH 7,2 - reagentes SIGMA, E.U.A). As
amostras foram armazenadas a 4°C até a realização da leitura. A aquisição dos dados
(30.000 eventos) e a análise dos resultados foram realizadas em citômetro de fluxo
(FACScan - BD, E.U.A), utilizando o software do equipamento denominado CellQuestTM.
QUADRO 1 - Anticorpos monoclonais marcados com fluorocromos utilizados para análise
de populações, subpopulações celulares e moléculas de superfície.
Anticorpos
Fluorocromo
Fenótipo Alvo no Estudo
Anti-CD3
FITC
Linfócitos T
Anti-CD4
FITC ou TC
Linfócitos T auxiliares
Anti-CD5
FITC
Linfócitos B1
Anti-CD8
FITC
Linfócitos T citotóxicos
Anti-CD14
TC
Monócitos
Anti-CD16
FITC ou TC
Células NK
Anti-CD19
TC
Linfócitos B
Anti-CD23
PE
Sub-população de linfócitos B
Anti-CD32
FITC
Monócitos
Anti-CD56
PE
Células NK
Anti-CD64
FITC
Monócitos
Anti-HLA-DR
PE
Linfócitos T ativados e Monócitos próinflamatórios
Anti-/
PE
Linfócito T
Anti-/
PE
Linfócito T
37
3.5. Preparo de antígeno solúvel total de T. gondii (STAg)
O antígeno solúvel total de T. gondii (STAg) foi preparado segundo Gazzinelli et
al., (1991) com modificações, no laboratório de Toxoplasmose do Instituto de Ciências
Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB-UFMG), a partir de taquizoítos
da cepa RH do T. gondii (Sabin, 1941) obtidos por lavagem da cavidade peritoneal de
camundongos previamente infectados, realizada com solução salina tamponada com fosfato
(PBS) pH 7,2. O material foi centrifugado durante 20 segundos a 800g para eliminação de
células contaminantes do camundongo. O sobrenadante foi coletado, homogeneizado e
centrifugado por 10 minutos a 1400g. Em seguida, o sobrenadante foi descartado e o
sedimento contendo os taquizoítos foi ressuspendido em PBS pH 7,2, homogeneizado e
centrifugado por 10 minutos a 1400g. Os taquizoítos foram lavados três vezes com PBS pH
7,2, por centrifugações a 1400g por 10 minutos. Em seguida os parasitos foram contados em
câmara hemocitométrica e a concentração destes acertada para 1x109 taquizoítos/mL. A
suspensão de parasitos foi então processada por ultra-som (Ultrasonic Homogeneizer –
4710; Coler-Palmer Instrument Co.) em 5 ciclos de 40 hertz (em banho de gelo), durante 1
minuto e com intervalos de 1 minuto entre cada ciclo, sendo o rompimento dos parasitos
acompanhados em microscópio óptico. Após a sonicação o material foi centrifugado a
15000g/4oC durante 30 minutos. O sobrenadante (STAg) foi então estocado a –80OC até o
uso. A concentração de proteínas foi determinada pelo método de LOWRY et al. (1951).
38
3.6. Análise de marcadores de superfície e citocinas intracitoplasmáticas
após estimulação in vitro
Alíquotas de 1mL de sangue total coletado em heparina foram distribuídas em tubos
de polipropileno de 12mL (Falcon, E.U.A). As células do sangue periférico foram
incubadas na presença de 1mL de meio de cultura RPMI suplementado (L-glutamina 1,6%),
recebendo a denominação de cultura controle (CC) ou na presença de antígeno solúvel de T.
gondii (100L de STAg + 900L de RPMI suplementado), apresentando uma concentração
final de 5g/mL, recebendo a denominação de cultura com estímulo específico (STAg). As
células foram incubadas durante 12 horas em estufa de CO2 5% a 37ºC (Forma Scientific
E.U.A). Em seguida, foi adicionado a cada tubo de cultura 20L de Brefeldina A (SIGMA,
E.U.A), 1mg/mL (concentração final de 10g/mL). As amostras foram incubadas por mais
quatro horas em estufa de CO2 5% a 37ºC. A utilização da Brefeldina assegura a retenção
da citocina no interior da célula, mantendo a citocina no complexo de Golgi.
Após a incubação, 220L de EDTA (SIGMA, E.U.A) 20mM, obtidos de uma
solução estoque de 200mM, diluída 1/10 (concentração final de 2mM) foram adicionados
diretamente às culturas. Os tubos contendo as amostras foram incubados por 10 minutos à
temperatura ambiente. Esse procedimento bloqueia o processo de ativação posterior das
células e garante a obtenção de resultados padronizados e comparáveis. Posteriormente, foi
adicionado à amostra de sangue, 6mL de PBS-W e centrifugadas a 1300g por 7 minutos a
18ºC. O sobrenadante foi aspirado permanecendo um sedimento com volume final de 2mL.
Foram transferidos 500L deste sedimento para tubos de poliestireno de 5mL (FALCON,
E.U.A) previamente identificados e contendo os anticorpos correspondentes (CD4, CD8,
CD14, CD16, CD19) (Quadro 2). Em seguida, estes tubos foram incubados por 30 minutos
39
à temperatura ambiente. Posteriormente, os eritrócitos foram lisados e as células fixadas em
3,5mL de solução de lise (Billig) por 10 minutos à temperatura ambiente, ao abrigo da luz.
As células foram centrifugadas a 1300g, por 7 minutos à 18ºC.
QUADRO 2 - Anticorpos monoclonais utilizados para identificação das subpopulações
leucocitárias na metodologia de citocinas citoplasmáticas
Anticorpos
Fluorocromo
Fenótipo Alvo no Estudo
Anti-CD4
TC
Linfócitos T auxiliares
Anti-CD8
TC
Linfócitos T citotóxicos
Anti-CD14
TC
Monócitos
Anti-CD16
TC
Neutrófilos e Células NK
Anti-CD19
TC
Linfócitos B
O sobrenadante foi descartado e o sedimento homogeneizado em 500L de PBS-W.
Para a detecção de citocinas intracitoplasmáticas foi acrescentado aos tubos 3,0mL de PBSP (PBS, pH 7,4 contendo 0,5% de BSA, 0,1% de azida sódica e 0,5% de saponina) por 10
minutos à temperatura ambiente e centrifugados a 1300g por 7 minutos a 18ºC.
O
sedimento foi suspenso com PBS-W e a suspensão celular distribuída em poços de placas
com 96 orifícios. A cada 30L de suspensão celular foi adicionado 20L do anticorpo anticitocina marcado com PE (TNF-α, IFN-γ, IL-4, IL-12, IL-10, IL-5, IL-8, IL-1, IL-6 ou IL17), diluídos 1:50 em PBS-P nos respectivos poços da placa, e posteriormente incubados
por 30 minutos à temperatura ambiente, na ausência de luz. Após a incubação, as células
foram lavadas com 200L de PBS-P e em seguida, com 200L de PBS-W. No final, foram
adicionados 300L de solução fixadora MFF. As amostras contendo a suspensão celular
foram utilizadas para aquisição de dados em citômetro de fluxo (FACScalibur - BD,
E.U.A). Foram analisados cerca de 20.000 eventos dentro da população de linfócitos totais.
40
A identificação de populações celulares de interesse, bem como a determinação do
valor absoluto destas populações e sub-populações produtoras das diferentes citocinas
foram feitas através do programa FlowjoTM.
3.7.
Estratégias de Análise
3.7.1 Análise convencional
A análise convencional foi realizada segundo estratégia proposta por Sathler Avelar
(2003). A Figura 1 ilustra a seqüência de passos para a análise convencional. Esse tipo de
análise consiste na seleção da população celular de interesse em gráficos de distribuição
pontual de tamanho (FSC) versus granulosidade (SSC) (Figura 1A). Após a seleção da
região de interesse (R1), a frequência de subpopulações celulares fluorescentes, dentro de
R1, foi obtida em gráficos bidimensionais de distribuição pontual de fluorescência (Figura
1B).
41
Figura 1: Ilustração da análise convencional de linfócitos do sangue periférico por citometria de fluxo. A figura
1A demonstra o perfil de distribuição celular considerando tamanho versus granulosidade celular. A figura 1B
demonstra o perfil de distribuição celular considerando a fluorescência 1 (CD4) versus a fluorescência 2
(CD8), da população selecionada na janela R1 do gráfico.
3.7.2 Análise de monócitos pró-inflamatórios
A análise de monócitos pró-inflamatórios (CD14+CD16+HLA-DR++) foi feita
segundo protocolo proposto por Belge et al. (2002). A Figura 2 ilustra a sequência de
procedimentos para a análise das subpopulações de monócitos pró-inflamatórios. Após a
seleção da região de interesse (R4), baseada em aspectos morfométricos, e
imunofenotípicos, determinadas através de gráficos de distribuição pontual de CD14 versus
granulosidade (SSC) (Figura 2A), foram construídos gráficos de CD14 versus CD16, onde
uma região (Q2) foi determinada para a seleção da população CD14+CD16+ (Figura 2B). O
próximo passo consistiu na combinação das regiões R1 e R2 através da fórmula “G2=R1
and R2”, onde “and” designa a interseção dos eventos presentes simultaneamente em R1 e
42
R2. Em seguida, gráficos de CD14 versus HLA-DR, contendo as células em G2, foram
utilizados para quantificar o percentual de células CD14+CD16+HLA-DR++ (Figura 2C).
Figura 2: Análise de monócitos pró-inflamatórios do sangue periférico. (A) Perfil de distribuição CD14 versus
granulosidade, para seleção da populaçõde monócitos – R4. (B) Gráfico de distribuição celular CD14 versus
CD16 para seleção da população CD14+CD16+ - Q2. (C) Gráfico CD14 versus HLA-DR contendo as células
em G2, para quantificar o percentual de monócitos pró-inflamatórios.
3.7.3. Análise das subpopulações de monócitos CD14+CD32+ e
CD14+CD64+
A análise das subpopulações de monócitos CD14+CD32+ e CD14+CD64+ foi feita
por análise semi-quantitativa da intensidade média de fluorescência (IMF) conforme
descrito a seguir: após a seleção da região de interesse (R4), baseado em aspectos
morfométricos em gráficos de distribuição pontual de CD14 versus granulosidade (SSC),
foram construídos gráficos de distribuição puntual de fluorescência CD14 versus CD32
(figura 3B) e CD64, contendo as células selecionadas em R4 (Figura 3A).
43
Figura 3: Análise de monócitos CD14+CD32+ e CD14+CD64+. (A) Perfil de distribuição CD14 versus
granulosidade, para seleção da populaçõde monócitos – R4. (B) Perfil de distribuição celular considerando a
fluorescência 1 (CD14) versus a fluorescência 2 (CD32).
3.7.4. Análise de linfócitos T ativados (HLA-DR+)
A análise da freqüência de subpopulações de linfócitos T ativados (HLA-DR+) foi
realizada utilizando-se da estratégia de análise convencional, seguida por cálculos
adicionais para determinar a fração de células T ativadas dentro de uma subpopulação
específica. Esse tipo de análise consistiu na seleção da população celular de interesse,
baseada em aspectos morfométricos, através de gráficos de distribuição puntual de tamanho
(FSC) versus granulosidade (SSC). Após a seleção da região de interesse (R1), o percentual
de subpopulações celulares fluorescentes, dentro da população selecionada, foi obtido em
gráficos bidimensionais de distribuição puntual da fluorescência CD4 ou CD8 e HLA-DR
(Figura 4).
44
Figura 4: Análise de subpopulações de linfócitos T ativados (HLA-DR+). (A) Perfil de distribuição tamanho
versus granulosidade, para seleção da populaçõde linfócitos – R1. (B) Perfil de distribuição celular
considerando a fluorescência 1 (CD4) versus a fluorescência 2 (HLA-DR).
3.7.5 Análise de células NK
A análise de subpopulações de células NK foi realizada segundo protocolo proposto
por Gaddy et al. (1997). A Figura 5 ilustra a seqüência de procedimentos para a análise das
subpopulações de células pré-NK (CD3-CD16+CD56-), NK maduras (CD3-CD16+CD56+) e
NK ativadas (CD3-CD16-CD56+). Esse tipo de análise consistiu na seleção da população
celular de interesse em gráficos de distribuição pontual de tamanho (FSC) versus
granulosidade (SSC). Após a escolha da região de interesse (R1) foram construídos gráficos
de CD3 versus CD16, onde uma nova região Q5 foi determinada para a população CD3CD16+ (Figura 5A). Posteriormente, gráficos de CD3 versus CD56 foram empregados, onde
uma nova região (Q1) foi determinada para a população CD3-CD56+ (Figura 5B). Em
seguida, após a combinação das regiões R1, Q5 e Q1 através das fórmulas “G2=Q5+Q1 e
45
G3=R1 “and” G2” onde “+” representa o somatório de células confinadas nas regiões R1 e
R2 e “and” designa a interseção dos eventos presentes simultaneamente em G2 e R1.
Posteriormente gráficos de CD16 versus CD56, contendo as células em G3, foram
utilizados para quantificar os percentuais das populações CD3-CD16+CD56-, CD3CD16+CD56+ e CD3-CD16-CD56+ (Figura 5C).
Figura 5: Análise das subpopulações de células NK. Primeiro foi selecionada a região de interesse (linfócitos)
em gráfico granulosidade versus tamanho. (A) Gráfico de distribuição CD3 versus CD16, para seleção da
populaçõde celular CD3-CD16+ – Q5. (B) Gráfico de distribuição CD3 versus CD56 para selecionar a
população CD3-CD56+ - Q1. (C) Gráfico CD16 versus CD56, contendo as células em G3=R1 “and” G2
(Q1+Q5), para quantificar os percentuais das subpopulações de células NK.
3.7.6. Análise da produção de citocinas por linfócitos, monócitos,
neutrófilos e células NK.
A análise da produção de citocinas pelas células NK e pelos linfócitos T e B foi feita
através da análise convencional. Em gráficos de distribuição pontual de tamanho (FSC)
versus granulosidade (SSC) foi estabelecida a população celular de interesse. Após a
seleção da região de interesse, a frequência das subpopulações celulares produtoras de
citocinas foi obtida em gráficos bidimensionais de distribuição pontual de fluorescência.
46
A análise da produção de citocinas pelos monócitos foi feita a partir da construção
de gráficos de fluorescência CD14 versus granulosidade (SSC). A análise da produção de
citocinas foi determinada em graficos bidimensionais de distribuição pontual de
fluorescência CD14 versus citocinas (figura 6).
A análise da produção de citocinas pelos neutrófilos foi feita a partir da construção
de gráficos de fluorescência CD16 ou CD14 ou CD14 versus granulosidade (SSC). A
análise foi determinada em graficos bidimensionais de distribuição pontual de fluorescência
(CD16, CD14 ou CD4) versus citocinas.
Figura 6: Ilustração da análise convencional de produção de citocinas por monócitos. (A) Perfil de distribuição
celular considerando o marcador fenotípico CD14 versus granulosidade celular, para seleção de monócitos –
R4. (B) Perfil de distribuição celular CD14 versus TNF-, da população selecionada na janela R4 do gráfico A.
47
3.8.
Análise dos dados
Este é um estudo transversal descritivo no qual foram aplicadas três abordagens de
análise de dados para a investigação observacional do perfil imunológico associado com
manifestações oftalmológicas de toxoplasmose congênita: 1) Análise estatística e 2) Análise
de assinatura de biomarcadores. A análise de assinatura de biomarcadores têm se mostrado
importante para detectar, com elevada sensibilidade, pequenas alterações nos perfis
imunológicos que não são detectáveis por métodos estatísticos convencionais.
3.8.1 Análise estatística
O teste de Mann-Whitney foi empregado para a comparação das medianas, já que as
variáveis de interesse apresentavam um comportamento não gaussiano, ou distribuição nãonormal, denominados de dados não paramétricos. A determinação da normalidade da
distribuição dos valores individuais para cada variável bem como as análises estatísticas
foram realizadas através do programa GraphPadPrism (GraphPad Software Inc.), versão
5.0.
Para a análise comparativa entre três ou mais grupos, empregou-se o teste KruskalWallis seguido pelo teste de comparações múltiplas de Dunn’s, já que os dados
apresentavam um comportamento não gaussiano, ou distribuição não-normal, denominados
de dados não paramétricos. Os dados estão apresentados como dispersão dos valores
individuais sobre os valores medianos (barras) para a análise de TOXO versus NI. Dados da
análise de subgrupos TOXO foram apresentados em formato gráfico box plot destacando a
mediana, juntamente com valores mínimo e máximo. Em todos os casos as diferenças foram
consideradas significativas a p <0,05.
48
3.8.2 Análise de assinatura de biomarcadores
A utilização desta abordagem para identificar diferenças relevantes nas assinaturas
fenotípicas do sangue periférico entre os grupos foi adaptado a partir de um estudo pioneiro
realizado por Luiza-Silva et al. (2011). Todos os recém-nascidos foram colocados num
mesmo grupo e foi definida uma mediana global para cada biomarcador analisado.
Diagramas em escala de cinza foram então, montados para determinar a frequência das
crianças que mostram contagem alta de um determinado biomarcador. As frequências foram
compiladas em gráficos de radar para resumir o perfil global da assinatura dos
biomarcadores associado com manifestação clínica da toxoplasmose congênita. Dados
relevantes (> 50%) foram destacados em negrito/sublinhado. O software GraphPad Prism
5.00 (San Diego, EUA) foi utilizado para artes gráficas.
49
4. RESULTADOS
4.1.
Registros hematológicos dos recém-nascidos com toxoplasmose
congênita.
A análise de parâmetros hematológicos mostrou que os recém-nascidos do grupo
TOXO são caracterizados por relevante leucocitose, com
aumento da contagem de
monócitos e linfócitos. A análise dos recém-nascidos de acordo com seus registros
oftalmológicos mostrou que essas mudanças são particularmente observadas em pacientes
do grupo ARL. Além disso, também foi observada uma importante monocitose em
pacientes ACRL. Não foram observadas diferenças significativas nos subgrupos NRL e
CRL (Tabela 1).
4.2. Análise de células mononucleares circulantes
4.2.1. Análise das subpopulações de monócitos em recém-nascidos com
toxoplasmose congênita
A análise das subpopulações de monócitos mostrou que os recém-nascidos do grupo
TOXO apresentaram aumento nas populações de monócitos CD14+CD16+ e monócitos próinflamatórios CD14+CD16+HLA-DRhigh (Figura 7A). A análise da expressão de FC-R por
monócitos é mostrado na Figura 7B. Os dados mostram que mudanças relevantes na
expressão de CD32 e CD64 por monócitos ocorrem no grupo TOXO.
50
A análise das subpopulações de monócitos nos subgrupos dos recém-nascidos com
toxoplasmose congênita mostrou que o aumento de monócitos pró-inflamatórios
CD14+CD16+HLA-DRhigh é obsevado especificamente no grupo ARL, podendo ser um
marcador importante de lesão retinocoroideana ativa (Figura 7A). Já a análise da expressão
de FC-R por monócitos apresentou diferenças significativas no grupo CRL. Tais diferenças
podem ser sugestivos de que esses marcadores biológicos estão associados à resolução da
retinocoroidite (Figura 7B). A figura 7C mostra histogramas representativos da expressão
de CD32 e CD64 obsersvados no grupo TOXO e no grupo NI.
4.2.2. Análise das subpopulações de células NK e células T NK em recémnascidos com toxoplasmose congênita
A análise mostrou que as populações e subpopulações de células NK e de células T
NK estão aumentadas nos recém-nascidos com toxoplasmose congênita (Figura 8). Os
dados referentes à população total de células NK (CD3-CD16+/-CD56+/-) mostrou aumento
nos recém-nascidos do grupo TOXO (Figura 8A). A análise das subpopulações de células
NK mostrou aumento em todas as subpopulações nos recém-nascidos do grupo TOXO,
incluindo CD3-CD16+CD56-, CD3-CD16+CD56+ e CD3-CD16-CD56+. A análise dos
subgrupos de TOXO mostrou aumento na população total de células NK e na subpopulação
de células CD3-CD16-CD56+ no grupo ARL. Os grupos ACRL e CRL mostraram aumento
na subpopulação de células CD3-CD16+CD56+ quando comparados ao grupo NRL (Figura
8A).
51
Tabela1. Registros hematológicos em recém-nascidos com toxoplasmsose congênita
NI
(n=22)
TOXO
(n=76)
Leucócitos
Monócitos
Neutrófilos
9.3 (5.3-17.3)x103
0.8 (0.1-1.9)x103
1.8 (0.7-4.0)x103
Linfócitos
Eosinófilos
Hemáceas
Hb (g/dl)
Hct (%)
Plaquetas
6.2 (3.9-14.2)x103
0.4 (0.1-0.8)x103
3.5 (2.8-4.5)x106
10.8 (8.5-13.1)
31.0 (25.4-39.4)
4.8 (1.3-7.3)x105
Parâmetros
Subgrupos de TOXO
NRL
(n=22)
ARL
(n=15)
ACRL
(n=24)
CRL
(n=15)
11.6 (5.6-22.9)x103
1.2 (0.1-2.3)x103
1.7 (0.5-5.7)x103
11.0 (6.2-17.3)x103
1.1 (0.2-2.1)x103
1.8 (1.0-3.0)x103
14.5 (7.6-23.0)x103
1.4 (0.5-1.7)x103
1.7 (0.8-3.6)x103
11.8 (5.7-19.4)x103
1.3 (0.2-2.3)x103
1.6 (0.4-5.3)x103
11.2 (5.7-18.2)x103
1.0 (0.1-2.4)x103
1.6 (0.9-5.7)x103
7.5 (1.0-18.8)x103
0.4 (0.1-1.7)x103
3.6 (2.9-5.1)x106
10.5 (8.1-13.9)
31.9 (22.1-45.4)
3,8 (1.1-7.9)x105
7.3 (4.3-14.2)x103
0.4 (0.08-0.8)x103
3.5 (2.5-4.4)x106
10.3 (7.8-13.0)
30.6 (23.0-39.1)
4.31 (1.4-6.7)x105
8.5 (5.4-18.1)x103
0.5 (0.2-1.1)x103
3.68 (3.1-4.1)x106
10.8 (8.3-12.2)
32.8 (27.1-37.3)
3.35 (1.4-6.3)x105
7.5 (3.9-13.9)x103
0.4 (0.003-1.7)x103
3.5 (2.4-4.5)x106
9.9 (7.7-12.9)
29.4 (20.8-37.7)
3.61 (1.4-6.3)x105
7.4 (1.0-13.9)x103
0.3 (0.06-1.1)x103
3.71 (2.5-4.2)x106
10.75 (7.2-12.9)
31.8 (23.0-36.9)
2.87 (1.7-4.9)x105
Resultados estão expressos em número de células/mm3. Diferenças signficativas (p<0.05) estão destacadas por negrito e sublinhado. O IC de 95% está entre parênteses.
52
Subpopulação de Monócitos
Abs CD14+CD16+ CT x TOXO
Abs Monócito pró-inflamatório CT x TOXO
CD14+ CD16+ (células/mm3)
800
600
p<0.01
CD14+CD16+ HLA-DRhigh
(células/mm3)
A
400
0
NI
TOXO
NI
NRL
p<0.01
p<0.02
300
0
ARL ACRL CRL
NI
TOXO
NI
NRL
Subgrupos de TOXO
B
Expressão de FcR por Monócitos
IMF CD14+CD32+LOG CT x TOXO
Histograma representativo da citometria de f luxo
p<0.03
NI
Cell Counts (#)
125
TOXO
40
30
20
15
0
100
0 IMF CD14+CD64+LOG CT x TOXO
600
CD64 em células CD14+ (MFI)
p<0.01
C
NI
TOXO
p<0.01
NI
101
NRL p<0.01
ARL ACRL CRL
300
102
103
104
TOXO
NI
NRL
ARL ACRL CRL
101
102
103
104
103
104
TOXO
60
15
30
0
100
NI
100
NI
30
0
0
0
Intensidade de Fluorescência – Anti-CD32-FITC
Cell Counts (#)
CD32 em células CD14+ (MFI)
250
ARL ACRL CRL
Subgrupos de TOXO
101
102
103
104
100
101
102
Intensidade de Fluorescência– Anti-CD64-FITC
Subgrupos de TOXO
Figura 7: Subpopulação de monócitos (A) e expressão de Fc-R por monócitos (B) no sangue periférico de recém-nascidos com
toxoplasmose congênita (TOXO= ) e controles não-infectados (NI= ;
). O grupo com toxoplasmose congênita ainda foi classificado de
acordo com a análise clínica oftalmológica, sendo: Sem lesão retinocoroideana (NRL=
), lesão retinocoroideana ativa (ARL=
), lesão
retinocoroideana ativa e cicatrizada (ACRL=
) e lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL=
). Os resultados estão expressos como
dispersão dos valores individuais e mediana das contagens celulares absolutas/mm3 (lado esquerdo), ou no formato de box-plot (lado
direito). Diferenças significativas são destacadas por linhas de conexão e os valores de p. (C) Histogramas representativos ilustrando a
regulação descrescente de CD32 (painéis superiores) e da regulação crescente de CD64 (painéis inferiores) em monócitos circulantes de
crianças com toxoplasmose congênita em relação aos controles não-infectados. As linhas tracejadas foram criadas para enfatizar a mudança
na distribuição do histograma para a expressão crescente ou decrescente de Fc-R por monócitos. NI (n=22), TOXO (n=76), ARL (n=15),
ACRL (n=24), CRL (n=15) e NRL (n=22).
53
Com o objetivo de caracterizar os principais fenótipos relacionados com as
características funcionais distintas de células NK, investigamos a freqüência das
subpopulações CD56dim citotóxica e CD56bright imunoreguladora. Os nossos resultados
demonstraram que o decréscimo na percentagem de células CD56bright acompanhado do
aumento na percentagem de células CD56dim foram observados no grupo TOXO, quando
comparado com o grupo NI. Além disso, pode-se observar que embora CD56bright estivesse
reduzida em todos os subgrupos TOXO, as células CD56dim estavam particularmente
aumentadas em ARL, quenado comparado com o grupo NI (Figura 8A).
A análise das subpopulações de células T NK mostrou um aumento significativo de
ambas, CD3+CD16+ e CD3+CD56+, no grupo TOXO em comparação com o NI. As células
CD3+CD16+ estão particularmente aumentadas nos grupos ARL e ACRL, enquanto as
células CD3+CD56+ aumentaram nos grupos ARL e CRL em relação aos controles NI
(Figura 8B).
54
A
Subpopulações de células NK
CD3- CD16+/- CD56+/- (células/mm3)
Abs NK Total CT x TOXO
5,000
0
1,500
0
p<0.05
p<0.05
2,000
0
NI
CD3- CD16- CD56bright (%células)
CD3- CD16- CD56dim (%células)
5.0
p<0.01
TOXO
INF
NI
NRL
0
NI
TOXO
INF
NI
NRL
ARL ACRL CRL
ARL ACRL CRL
p<0.01
p<0.01
p<0.01
p<0.01
2.5
0.0
NI
TOXO
INF
NI
NRL
ARL ACRL CRL
Subgrupos de TOXO
Subgrupos de TOXO
B
400
p<0.01
7
0
p<0.05
Abs CD3-CD56High/CD3- CT x TOXO
Abs CD3-CD56High/CD3- CT x TOXO
p<0.01
p<0.05
800
p<0.05
CD3- CD16- CD56+ (células/mm3)
4,000
p<0.01
14
Abs NK Ativada CT x TOXO
Abs NK Madura CT x TOXO
CD3- CD16+ CD56+ (células/mm3)
CD3- CD16+ CD56- (células/mm3)
p<0.01
2,500
Abs Pré-NK CT x TOXO
3,000
p<0.01
Subpopulações de células T NK
Abs CD3+ CD16+ CT x TOXO
p<0.01
p<0.01
250
0
NI
TOXO
Abs CD3+ CD56+ CT x TOXO
400
p<0.01
CD3+ CD56+ (células/mm3)
CD3+ CD16+ (células/mm3)
500
NI
NRL
ARL ACRL CRL
Subgrupos de TOXO
p<0.01
p<0.01
p<0.01
200
0
NI
TOXO
NI
NRL
ARL ACRL CRL
Subgrupos de TOXO
Figura 8: Subpopulações de células NK (A) e células T NK (B) no sangue periférico de recém-nascidos com toxoplasmose congênita
(TOXO= ) e controles não-infectados (NI= ;
). O grupo com toxoplasmose congênita ainda foi classificado de acordo com a análise
clínica oftalmológica, sendo: Sem lesão retinocoroideana (NRL=
), lesão retinocoroideana ativa (ARL=
), lesão retinocoroideana
ativa e cicatrizada (ACRL=
) e lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL=
). Os resultados estão expressos como dispersão dos
valores individuais e mediana das contagens celulares absolutas/mm3 (lado esquerdo), ou no formato de box-plot (lado direito). Diferenças
significativas são destacadas por linhas de conexão e p-valores. NI (n=22), TOXO (n=76), ARL (n=15), ACRL (n=24), CRL (n=15) e NRL
(n=22).
55
4.2.3. Análise das subpopulações de linfócitos T e B em recém-nascidos
com toxoplasmose congênita
A figura 9 apresenta os resultados relativos à análise da resposta imune adaptativa.
Esses resultados mostram que o grupo TOXO apresentou aumento nas populações de
células T CD4+HLA-DR+, células T CD4+CD8+ (Figura 9A), células B CD19+ e células B1
CD19+CD5+ (Figura 9B) quando comparado ao grupo NI. Além disso foi observado que as
contagens de células T CD4+ do grupo ARL estão aumentadas em relação ao grupo CRL.
Adicionalmente, a contagem de células CD4+HLA-DR+ estão particularmente aumentadas
nos grupos ARL e ACRL em comparação com o grupo NI (Figura 9A), sugerindo que o
aumento de células T CD4+ ativadas está intimamente relacionado com a presença de
lesões retinocoroideanas ativas. Nenhuma mudança nas subpopulações de células B foram
observadas entre os subgrupos de TOXO (Fig. 9B).
Foi também observado aumento na contagem de células TCR, T CD8+ e T
CD8+HLA-DR+ particularmente no grupo TOXO (Figura 9A). A análise dos subgrupos de
TOXO sugere que essas três subpopulações são bons biomarcadores de morbidade, já que
estavam aumentadas em todos os grupos de recém-nascidos com lesão retinocoroideana
(ARL, ACRL e CRL).
56
A
3,000
15,000
TCR+ (células/mm 3 )
7,500
p<0.05
p<0.05
p<0.05
1,500
0
0
p<0.05
p<0.05
4,000
p<0.05
p<0.05
p<0.01
8,000
CD8+(células/mm 3 )
8,000
CD4+(células/mm 3 )
p<0.01
CD4+CD8+(células/mm 3 )
TCR   (células/mm 3 )
Subpopulações de células T
4,000
0
0
p<0.05
p<0.05
p<0.01
CD8+HLA-DR+(células/mm 3 )
CD4+HLA-DR+(células/mm 3 )
1,500
750
0
NI
TOXO
NI
NRL
5,000
p<0.05
p<0.01
p<0.05
p<0.05
2,500
0
ARL ACRL CRL
B
NI
TOXO
NI
NRL
p<0.05
3
CD19 CD5 (células/mm )
-
2,000
0
0
1,250
0
4,000
2,000
+
+
3
CD19 CD23 (células/mm )
2,500
+
3
4,000
+
p<0.05
+
3
+
2,500
ARL ACRL CRL
Subgrupos de TOXO
Subpopulações de células B
CD19 CD5 (células/mm )
5,000
p<0.01
200
0
Subgrupos de TOXO
CD19 (células/mm )
400
0
NI
TOXO
NI
NRL
ARL ACRL CRL
Subgrupos de TOXO
Figura 9: Principais subpopulações e status de ativação das células T (A) e células B (B) no sangue periférico de recém-nascidos com
toxoplasmose congênita (TOXO= ) e controles não-infectados (NI= ;
). O grupo com toxoplasmose congênita ainda foi classificado de
acordo com a análise clínica oftalmológica, sendo: Sem lesão retinocoroideana (NRL=
), lesão retinocoroideana ativa (ARL=
),
lesão retinocoroideana ativa e cicatrizada (ACRL=
) e lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL=
). Os resultados estão expressos
como dispersão dos valores individuais e mediana das contagens celulares absolutas/mm3 (lado esquerdo), ou no formato de box-plot (lado
direito). Diferenças significativas são destacadas por linhas de conexão e p-valores. NI (n=22), TOXO (n=76), ARL (n=15), ACRL (n=24),
CRL (n=15) e NRL (n=22).
57
4.2.4. Análise da assinatura de biomarcadores
Com o objetivo de caracterizar o perfil imunológico associado com as
manifestações oftalmológicas distintas de toxoplasmose congênita, nós usamos a
abordagem não-convencional de assinatura de biomarcadores das respostas imune inata e
adaptativa no sangue periférico de crianças com toxoplasmose congênita, como descrito na
metodologia (Figuras 10 e 11).
Os nossos dados mostram que no grupo NI a maioria dos biomarcadores estão com
frequência abaixo dos 50%, sendo exceção MONCD32+, CD3-CD56bright e células T CD4+.
Por outro lado, em todos os subgrupos de TOXO a maioria dos biomarcadores está com
freqüência acima dos 50%. O grupo NRL mostrou aumento em biomarcadores relacionados
com células B (BCD19+, BCD5+, BCD5-, BCD23+), além de TCD3+, TCR+, e de células
T NK na resposta imune inata. Já o grupo CRL mostrou freqüência elevada de
biomarcadores
predominantemente
da
resposta
imune
inata
(MONCD16+,
MONCD16+DRhigh, MONCD64+, células NK, CD16+CD56-, CD16+CD56+, CD16-CD56+,
CD3-CD56dim, CD3+CD16+, células T NK) e de biomarcadores relativos as células T
(TCR+, TCD4+, TCD8+, TCD4+CD8+, TCD8+DR+).
O perfil dos biomarcadores do grupo ARL chamou a atenção, pois todos os
biomarcadores avaliados nessa análise estavam com frequência acima de 50%, com exceção
de MONCD32+ e CD3-CD56bright. O grupo ACRL mostrou um perfil semelhante ao do
grupo ARL, com algumas diferenças nos biomarcadores das células NK e das células B
(Figura 11).
58
Assinatura de Biomarcadores na Toxoplasmose Congênita
Imunidade Adaptativa
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
MONCD32+
MONCD64+
NK-cells
NKCD16+CD56NKCD16+CD56+
NKCD16- CD56+
CD3- CD56dim
CD3- CD56bright
CD3+CD16+
NKT-cells
CD3+
TCRαβ +
TCRδσ+
TCD4+
TCD8+
TCD4+CD8+
TCD4+DR+
TCD8+DR+
BCD19+
BCD5+
BCD5B CD23+
Imunidade Inata
ND
ND
ND
NI
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
MONCD32+
MONCD64+
NK-cells
NKCD16+CD56NKCD16+CD56+
NKCD16- CD56+
CD3- CD56dim
CD3- CD56bright
CD3+CD16+
NKT-cells
CD3+
TCRαβ +
TCRδσ+
TCD4+
TCD8+
TCD4+CD8+
TCD4+DR+
TCD8+DR+
BCD19+
BCD5+
BCD5B CD23+
ND
Subgrupos de TOXO
ARL
NRL
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
MONCD32+
MONCD64+
NK-cells
NKCD16+CD56NKCD16+CD56+
NKCD16- CD56+
CD3- CD56dim
CD3- CD56bright
CD3+CD16+
NKT-cells
CD3+
TCRαβ +
TCRδσ+
TCD4+
TCD8+
TCD4+CD8+
TCD4+DR+
TCD8+DR+
BCD19+
BCD5+
BCD5B CD23+
% 27 23 68 32 32 29 45 33 36 86 29 18 27 48 14 64 14 45 18 18 32 32 45 32
% 67 73 47 60 67 67 60 80 80 47 73 53 67 60 87 53 80 60 80 80 73 80 60 53
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
CRL
ACRL
ND
ND
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
MONCD32+
MONCD64+
NK-cells
NKCD16+CD56NKCD16+CD56+
NKCD16- CD56+
CD3- CD56dim
CD3- CD56bright
CD3+CD16+
NKT-cells
CD3+
TCRαβ +
TCRδσ+
TCD4+
TCD8+
TCD4+CD8+
TCD4+DR+
TCD8+DR+
BCD19+
BCD5+
BCD5B CD23+
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
MONCD32+
MONCD64+
NK-cells
NKCD16+CD56NKCD16+CD56+
NKCD16- CD56+
CD3- CD56dim
CD3- CD56bright
CD3+CD16+
NKT-cells
CD3+
TCRαβ +
TCRδσ+
TCD4+
TCD8+
TCD4+CD8+
TCD4+DR+
TCD8+DR+
BCD19+
BCD5+
BCD5B CD23+
% 43 38 38 50 41 45 32 50 46 42 36 55 59 50 55 41 50 50 50 45 59 59 59 64
% 58 63 59 44 58 61 50 43 42 37 54 71 54 48 52 54 58 46 63 58 58 50 50 63
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
% 60 60 29 71 60 53 73 53 53 41 67 53 47 47 53 33 60 53 47 60 27 33 33 33
Figura 10: Assinatura de biomarcadores da imunidade inata a adaptativa no sangue periférico de recém-nascidos com toxoplasmose
congênita classificados como: sem lesão retinocoroideana (NRL), lesão retinocoroideana ativa (ARL), lesão retinocoroideana ativa e
cicatrizada (ACRL), e lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL), comparados com recém-nascidos que tiveram a infecção congênita
descartada (NI). Os diagramas em escala de cinza foram montados utilizando o valor global da mediana de cada subpopulação celular
como cut-off para determinar se cada um dos recém-nascidos apresentam “baixo” (
)ou “alto” (Inata=
; Adaptativa=
) nível
de uma determinada população celular. A freqüência (%) dos recém-nascidos que apresentam alto nível de uma determinada
população celular foi informada na figura e os dados relevantes (>50%) destacados com negrito e sublinhado.
59
NRL
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
ARL
TCD3+
TCRαβ+
MONCD16
MONCD16+DRhigh
TCRδσ +
MONCD32+
MONCD64+
NI
MONCD16+
MONCD16+DRhigh
TCD3+
TCRαβ+
MONCD32+
TCD4+DR+
TCD4+DR+
CD3 CD56
TCD8+DR+
BCD19
bright
CD3 CD56
BCD5
dim
CD16+CD56+
TCD4+DR+
NKT-cells
BCD5+
CD3 CD16
+
BCD5
+
% de recém-nascidos
com contagens
celulares altas
NKT-cells
BCD23+
Escala
100
-
MONCD16
MONCD16+DRhigh
+
CD3-CD56dim
BCD5+
CD3+CD16+
BCD5-
NKT-cells
MONCD16
MONCD16+DRhigh
TCD3
TCRαβ+
MONCD32+
MONCD64
BCD23+
CRL
+
TCRδσ +
NK-cells
+
TCD3+
TCRαβ+
TCRδσ +
MONCD32+
TCD4
+
+
TCD8+
MONCD64
TCD4+
+
NK-cells
TCD8+
CD16+CD56-
TCD4+CD8+
CD16+CD56-
TCD4+CD8+
CD16+CD56+
TCD4+DR+
CD16+CD56+
TCD4+DR+
TCD8+DR+
BCD19+
CD3-CD56bright
CD3-CD56dim
0
BCD19+
CD3-CD56bright
BCD23+
CD16-CD56+
50
+
TCD8+DR+
CD16-CD56+
ACRL
TCD8+DR+
CD3-CD56dim
+
CD16+CD56+
BCD5-
CD3+CD16+
TCD4+CD8+
BCD19+
TCD8+
CD16+CD56+
CD16+CD56-
CD3-CD56br ight
NK-cells
TCD4+CD8+
TCD8+
CD16-CD56+
TCD4+
TCD4+CD8+ CD16+CD56-
-
NK-cells
TCRδσ +
+
CD16+CD56-
-
TCD4+
MONCD64+
MONCD64
TCD8+
CD16-CD56+
TCRδσ+
TCRαβ+
MONCD32+
TCD4+
NK-cells
TCD3+
+
BCD5+
CD3+CD16+
NKT-cells
BCD5-
CD16-CD56+
TCD8+DR+
CD3-CD56bright
BCD19+
CD3-CD56dim
BCD5+
CD3+CD16+
NKT-cells
BCD23+
BCD5BCD23+
Subgrupos de TOXO
Figura 11: Assinatura de biomarcadores da imunidade inata a adaptativa no sangue periférico de recém-nascidos com toxoplasmose congênita classificados como: sem lesão
retinocoroideana (NRL), lesão retinocoroideana ativa (ARL), lesão retinocoroideana ativa e cicatrizada (ACRL), e lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL), comparados com
recém-nascidos que tiveram a infecção congênita descartada (NI). Os gráficos em forma de radar resumem a assinatura de biomarcadores da resposta imune inata (
)e
adaptativa (
), onde cada eixo exibe a proporção de crianças com altos níveis de uma determinada população celular. Os dados relevantes (> 50%) são ressaltados em
negrito
e
sublinhado.
60
4.3
Análise da produção de citocinas
Após a análise do perfil celular predominante na infecção pelo T. gondii e nas diferentes
formas clínicas da doença ocular, realizamos a análise da produção de citocinas por células da
imunidade inata (neutrófilos, monócitos e células NK) e da imunidade adaptativa (linfócitos T e
B). Inicialmente a análise foi feita comparando os recém-nascidos do grupo TOXO e do grupo NI,
e posteriormente comparando as sub-divisões do grupo TOXO de acordo com a apresentação
clínica ocular (NRL, ARL, ACRL e CRL) com o grupo NI.
Para apresentação dos resultados foi feito o cálculo do Index de Citocinas. O cálculo do
Index de citocinas é feito através da divisão do resultado obtido na cultura estimulada com STAg
pelo resultado obtido na cultura controle.
4.3.1 Perfil de citocinas produzidas por células da resposta imune inata
A figura 12 mostra a análise da produção de citocinas por células da resposta imune inata.
A análise de neutrófilos mostrou um perfil misto de citocinas, com predomínio na produção de
citocinas reguladoras (aumento de IL-4, IL5-, IL-10) em comparação com as citocinas próinflamatórias (aumento de TNF- e IL-12) no grupo TOXO quando comparado ao grupo NI. Já a
análise da produção de citocinas por monócitos mostrou um típico perfil pró-inflamatório
(aumento de IL-1, IL-6, IL-12 e TNF-) modulado por IL-10. Interessantemente, a análise de
células NK mostrou um perfil claramente pró-inflamatório, com aumento na produção das
citocinas IFN- e TNF- no grupo TOXO.
61
NEUTRÓFILOS
IL-8 +
IL-6 +
IL-1 +
8
TNF- +
4
14
IL-12 +
4
6
*
*
4
0
7
NI
TOXO
2
0
NI
IL-4 +
TOXO
2
0
NI
TOXO
4
NI
2
0
TOXO
NI
IL-10 +
6
2
NI
TOXO
2
0
NI
TOXO
0
NI
0
TOXO
NI
NI
IL-12
***
4
2
0
NI
0
TOXO
+
10
TOXO
IL-4
+
0
TOXO
2
4
1
2
0
**
NI
TOXO
0
TNF- +
*
4
4
NI
TOXO
IL-10 +
0
*
2
2
5
NI
TOXO
IFN-+
TNF- +
5
10
0
*
TOXO
CÉLULAS NK
IL-6 +
10
*
NI
3
MONÓCITOS
20
0
*
*
2
IL-1 +
TOXO
IL-17 +
4
*
*
Index de citocinas (STAg/CC)
3
IL-5 +
4
0
0
IFN-+
4
NI
TOXO
0
IL-4 +
NI
TOXO
2
*
1
NI
TOXO
0
NI
TOXO
Figura 12: Análise da produção de citocinas por células da imunidade inata do sangue periférico de recém-nascidos com
toxoplasmose congênita (TOXO=
) e controles não-infectados (NI=
). Os resultados estão expressos na forma de barras e
mediana do cálculo de Index de Citocinas (Cultura estimulada com STAg / Cultura Controle). Diferenças significativas são
destacadas
por
linhas
de
conexão
e
asterisco.
*(p<0,05);
**(p<0,01);
***(p<0,001).
NI
(n=10),
TOXO
(n=58),
ARL
(n=07),
ACRL
(n=16),
CRL
(n=20),
NRL
(n=15).
62
4.3.2 Perfil de citocinas produzidas por células da resposta imune adaptativa
A figura 13 mostra o perfil de citocinas produzidas pelas células da resposta imune
adaptativa. A análise do grupo TOXO mostra que, enquanto as células T CD4+ e T CD8+
apresentam um perfil pró-inflamatório, principalmente mediado pelas citocinas IFN- e TNF-,
as células B desempenham papel modulador através da síntese de IL-10. Nenhum aumento de
citocinas reguladoras foi observado nas células T CD4+ e TCD8+.
4.3.3 Perfil de citocinas produzidas por células da resposta imune inata nas
diferentes formas clínicas da toxoplasmose ocular.
A figura 14 mostra o perfil de citocinas produzidas por células da resposta imune inata
levando-se em consideração as diferentes formas clínicas da toxoplasmose ocular. A análise dos
neutrófilos mostrou aumento das citocinas pró-inflamatórias IL-12 no grupo ACRL e TNF- no
grupo CRL, enquanto que as citocinas reguladoras estavam aumentadas nos grupos NRL (IL-4),
ARL (IL-5) e CRL (IL-10).
A análise de monócitos mostrou aumento das citocinas pró-inflamatórias nos diferentes
grupos de TOXO. A citocina IL-1 estava aumentada nos dois grupos sem lesão ativa (NRL e
CRL), enquanto que a citocina IL-12 estava aumentada em todos os grupos de TOXO. Convém
ainda ressaltar o aumento de IL-6 no grupo ARL e de TNF- no grupo NRL.
Por fim, a análise de células NK mostrou aumento de IFN- nos dois grupos com lesão
ativa (ARL e ACRL), enquanto TNF- novamente estava aumentada no grupo NRL.
63
CÉLULAS T CD4+
CÉLULAS T CD8+
TNF- +
IL-8 +
2
IFN-+
4
IFN-+
TNF- +
IL-8 +
***
4
4
2
2
1
*
4
*
0
Index de citocinas (STAg/CC)
IL-4
+
*
2
1
NI
0
TOXO
IL-5
+
2
NI
TOXO
IL-10 +
0
NI
0
TOXO
IL-17 +
IL-4
+
NI
TOXO
2
0
IL-5
+
NI
TOXO
0
IL-10 +
NI
TOXO
2
2
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
0
NI
TOXO
0
NI
TOXO
0
NI
TOXO
0
NI
0
TOXO
NI
0
TOXO
NI
TOXO
0
NI
TOXO
0
NI
IL-17 +
TOXO
CÉLULAS B
IL-4 +
TNF- +
IL-10 +
4
2
2
2
1
1
0
NI
TOXO
0
NI
TOXO
0
*
NI
TOXO
Figura 13: Análise da produção de citocinas por células da imunidade adaptativa do sangue periférico de recém-nascidos com toxoplasmose congênita (TOXO=
)e
controles não-infectados (NI=
). Os resultados estão expressos na forma de barras e mediana do cálculo de Index (Cultura estimulada com STAg / Cultura Controle).
Diferenças significativas são destacadas por linhas de conexão e asterisco. *(p<0,05); **(p<0,01); ***(p<0,001). NI (n=10), TOXO (n=58), ARL (n=07), ACRL (n=16),
CRL (n=20), NRL (n=15).
64
NEUTRÓFILOS
IL-8
+
IL-1
+
IL-6
16
10
5
4
8
0
NI
NRL
ARL ACRL CRL
0
NI
0
NRL ARL ACRL CRL
IL-4 +
NI
NRL
ARL ACRL CRL
IL-5 +
0
*
*
3
3
NI
NRL ARL ACRL CRL
IL-10 +
6
*
6
0
NI
12
NRL ARL ACRL CRL
IL-17 +
IL-1+
*
3
0
NRL ARL ACRL CRL
**
**
15
0
3
NI
NRL ARL ACRL CRL
NI
6
*
*
**
0
NI
**
NRL ARL ACRL CRL
NRL
ARL ACRL CRL
0
NI
NRL
ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
NRL
*
0
ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
IL-10 +
*
*
NRL ARL ACRL CRL
0
**
**
*
0
*
*
3
NI
NRL ARL ACRL CRL
*
2
NI
6
3
4
2
NI
IFN-+
6
*
*
3
TNF- +
TNF- +
20
IL-4 +
4
ARL ACRL CRL
CÉLULAS NK
10
+
NRL
6
*
5
IL-12
0
IL-6 +
10
NI
*
MONÓCITOS
30
0
*
2
NI
*
IFN-+
IL-12 +
6
3
6
*
Index de citocinas (STAg/CC)
6
2
4
0
TNF- +
+
0
IL-4 +
2
1
NI
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
Figura 14: Análise da produção de citocinas por células da imunidade inata do sangue periférico de recém-nascidos com toxoplasmose congênita e controles
não-infectados (NI=
). O grupo com toxoplasmose congênita foi classificado de acordo com a análise clínica oftalmológica, sendo: Sem lesão
retinocoroideana (NRL=
), lesão retinocoroideana ativa (ARL=
), lesão retinocoroideana ativa e cicatrizada (ACRL=
) e lesão retinocoroideana
cicatrizada (CRL=
). Os resultados estão expressos na forma de barras e mediana do cálculo de Index (Cultura estimulada com STAg / Cultura Controle).
Diferenças significativas são destacadas por linhas de conexão e asterisco. *(p<0,05); **(p<0,01); ***(p<0,001). NI (n=10), TOXO (n=58), ARL (n=07),
ACRL (n=16), CRL (n=20), NRL (n=15).
65
4.3.4 Perfil de citocinas produzidas por células da resposta imune adaptativa
nas diferentes formas clínicas da toxoplasmose ocular.
A análise da produção de citocinas pelas células T CD4+, T CD8+ e B são demonstradas
na figura 15. As células T CD4+ apresentaram aumento de IFN- em todos os grupos de TOXO,
enquanto que o aumento de TNF- só foi observado nos grupos sem lesão ativa (NRL e CRL) e
o aumento de IL-17 somente no grupo ARL. Já a análise de células T CD8+ mostrou aumento de
TNF- no grupo NRL, e aumento de IFN- no grupo ARL. Não foi observado aumento
significativo em nenhuma das citocinas reguladoras. Por fim, a análise da produção de citocinas
por células B não mostrou nenhuma diferença significativa entre os grupos analisados.
4.3.5 Análise da assinatura da Biomarcadores
Nós utiltizamos a abordagem não convencional da análise da assinatura de
biomarcadores com o intuito de verificar alguma diferença entre os grupos que não foi possível
estabelecer através da análise estatística convencional. Os nossos resultados, demonstrados na
figura 16, mostram uma participação importante de citocinas pró-inflamatórias produzidas tanto
por células da imunidade inata quando da imunidade adaptativa no grupo sem lesão
retinocoroideana (NRL). Resultado semelhante foi observado no grupo com lesão cicatrizada
(CRL), porém também notamos uma participação importante principalmente de monócitos e
neutrófilos na produção de citocinas reguladoras, como IL-4, IL-5, IL-10 e IL-17. Os grupos
ARL e ACRL apresentaram perfil misto, com destaque na produção de algumas citocinas próinflamatórias como IFN- e IL-12 (principalmente o grupo ARL) e algumas citocinas
reguladoras, como IL-4 e IL-10.
66
CÉLULAS T CD4+
IL-8 +
TNF- +
2
IFN-+
4
6
*
1
0
IL-4 +
2
NI
NRL ARL ACRL CRL
*
*
*
3
0
NI
IL-5 +
NRL
ARL ACRL CRL
IL-10 +
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
IL-17 +
2
4
2
4
1
2
1
2
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
*
*
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
NRL
ARL ACRL CRL
0
*
NI
NRL ARL ACRL CRL
Index de citocinas (STAg/CC)
CÉLULAS T CD8+
IL-8 +
TNF- +
4
IFN-+
4
4
*
2
0
*
2
NI
0
NRL ARL ACRL CRL
IL-4 +
NI
*
2
0
NRL ARL ACRL CRL
IL-5 +
NI
NRL ARL ACRL CRL
IL-10 +
IL-17 +
2
4
2
4
1
2
1
2
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
CÉLULAS B
TNF- +
IL-4 +
IL-10 +
2
2
2
1
1
1
0
NI
NRL
ARL ACRL CRL
0
NI
NRL ARL ACRL CRL
0
NI
NRL
ARL ACRL CRL
Figura 15: Análise da produção de citocinas por células da imunidade adaptativa do sangue periférico de recémnascidos com toxoplasmose congênita e controles não-infectados (NI=
). O grupo com toxoplasmose congênita
foi classificado de acordo com a análise clínica oftalmológica, sendo: Sem lesão retinocoroideana (NRL=
), lesão
retinocoroideana ativa (ARL=
), lesão retinocoroideana ativa e cicatrizada (ACRL=
) e lesão retinocoroideana
cicatrizada (CRL=
). Os resultados estão expressos na forma de barras e mediana do cálculo de Index (Cultura
estimulada com STAg / Cultura Controle). Diferenças significativas são destacadas por linhas de conexão e
asterisco. *(p<0,05); **(p<0,01); ***(p<0,001). NI (n=10), TOXO (n=58), ARL (n=07), ACRL (n=16), CRL
(n=20), NRL (n=15).
67
NRL
M IL-12 +
ARL
M IL-12 +
B TNF-a+
ACRL
CRL
B TNF-a+
M IL-12 +
B TNF-a+
NI
M IL-12 +
50
0
B TNF-a+
Escala
100
B TNF-a+
% de recém-nascidos
com contagens
celulares altas
M IL-12 +
Figura 16: Assinatura de biomarcadores da produção de citocinas pelas células da imunidade inata e adaptativa no sangue periférico de recém-nascidos com
toxoplasmose congênita classificados como: sem lesão retinocoroideana (NRL), lesão retinocoroideana ativa (ARL), lesão retinocoroideana ativa e cicatrizada
(ACRL), e lesão retinocoroideana cicatrizada (CRL), comparados com recém-nascidos que tiveram a infecção congênita descartada (NI). Os gráficos em forma
de radar resumem a assinatura de biomarcadores de citocinas reguladoras (
) e citocinas inflamatórias (
), onde cada eixo exibe a proporção de crianças
com altos níveis de uma determinada população celular. Os dados relevantes (> 50%) são ressaltados em sublinhado.
68
5. DISCUSSÃO
Embora o estudo da resposta imune frente à infecção pelo T. gondii tenha tido grandes
avanços nos últimos anos, a resposta imune durante a infecção congênita e a imunopatologia
da lesão ocular continuam sendo grandes desafios. O entendimento dos mecanismos
imunopatológicos envolvidos na infecção congênita e na toxoplasmose ocular é um prérequisito para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas mais eficientes.
Estudos como os de Safadi et al. (2003) e Vasconcelos-Santos et al. (2009) têm
apontado a maior gravidade da infecção congênita nos recém-nascidos do Brasil. Outro
estudo que compara crianças infectadas, identificadas por triagem pré-natal ou neonatal no
Brasil e na Europa Ocidental, sugeriu que a geografia afeta substancialmente na ocorrência e
gravidade do envolvimento ocular na toxoplasmose congênita. Em comparação com 281
recém-nascidos europeus, 30 crianças do Brasil tiveram risco significativamente maior de
desenvolver retinocoroidite e sofreram inflamação recorrente. Para as crianças com lesões, a
dimensão global média foi de lesões maiores com mais lesões múltiplas na coorte brasileira
(Gilbert et al., 2008).
Embora os trabalhos de genotipagem levantem a hipótese de que essa diferença seja
principalmente devido às cepas encontradas no Brasil (Ferreira et al., 2006; Carneiro et al.,
2013), não podemos descartar a resposta imune do hospedeiro como um fator determinante na
maior gravidade das infecções. Sabe-se que a doença ocular é a principal manifestação clínica
da toxoplasmose congênita (Berrebi et al., 2010), e que a ocorrência e a gravidade de lesões
são mais comuns no Brasil do que em outras partes do mundo (Vasconcelos-Santos et al.,
69
2009; Rey et al., 2013). Além da presença de lesões oculares clinicamente detectáveis ao
nascimento, novas lesões geralmente aparecem ao longo de décadas em aproximadamente um
terço das crianças que recebem tratamento anti-microbial pós-natal e três quartos das crianças
que não recebem tal tratamento (Phan et al., 2008a; Phan et al., 2008b). Apesar da publicação
de alguns trabalhos abordando a papel da resposta imune no controle da toxoplasmose ocular
em modelos murinos, pouco foi estudado sobre o papel das citocinas circulantes na
toxoplasmose ocular em humanos.
O desenvolvimento de uma resposta imune adequada é importante não só para
controlar a replicação do parasito, mas também para reduzir as sequelas da toxoplasmose,
principalmente a lesão ocular. O presente estudo é uma excelente oportunidade para
entendermos as principais mudanças na população e na atividade leucocitária do sangue
periférico nos recém-nascidos com toxoplasmose congênita, e ainda, associar tais mudanças
com as análises clínicas oftalmológicas.
Inicialmente nós analisamos possíveis alterações no perfil fenotípico das células
mononucleares circulantes dos recém-nascidos com toxoplasmose congênita. Nossos
resultados mostraram aumento na população de linfócitos e monócitos desses recém-nascidos.
Sabe-se que o recrutamento de monócitos é essencial na restrição da replicação de T. gondii
em modelos murinos (Mordue & Sibley, 2003; Robben et al., 2005). Apesar da importância
dos monócitos no controle da replicação do parasito, outros estudos mostram que os
monócitos podem servir como “cavalos de tróia”, transportando o parasito para outros locais
do organismo, inclusive sítios imunoprivilegiados (Lachenmaier et al., 2001). Além disso, a
atividade dos monócitos precisa ser cuidadosamente controlada, uma vez que a produção
70
excessiva de citocinas inflamatórias e NO podem resultar em patologia grave (Mosser, 2003).
Convém destacar que o aumento na população de monócitos só foi estatisticamente
significativo no grupo de recém-nascidos com lesão retinocoroideana ativa (ARL), sugerindo
que a persistência da resposta imune mediada por monócitos está diretamente relacionada
com a patologia observada nestes recém-nascidos.
Após essa análise inicial, nós verificamos se havia alguma mudança nas
subpopulações de monócitos. Foi observado aumento de monócitos pró-inflamatórios
(CD14+CD16+HLA-DR++) nos recém-nascidos com toxoplasmose congênita. Alguns estudos
mostraram que os monócitos pró-inflamatórios são importante fonte de IL-12 quando
estimulados por T. gondii (Mordue & Sibley, 2003; Dunay et al., 2010), e também foi
proposto que estas células contribuem diretamente no controle de T. gondii através da
produção de NO, o que inibe a replicação do parasito. O aumento de monócitos próinflamatórios nos recém-nascidos infectados, especialmente aqueles com lesão ativa, é
indicativo de uma forte e persistente resposta pró-inflamatória. O atraso na modulação da
resposta imune pode estar influenciando diretamente no desenvolvimento da patologia
característica da toxoplasmose, principalmente a retinocoroidite, e talvez seja um dos motivos
de maior gravidade nas infecções congênitas observadas no Brasil.
Células NK e células T NK também estavam aumentadas em recém-nascidos
infectados com T. gondii. Nossos resultados mostraram um significativo aumento na
população de células NK citotóxicas CD56dim em recém-nascidos com lesão retinocoroideana
ativa, e uma importante diminuição de células NK imunoreguladoras CD56 bright, quando
comparados aos recém-nascidos não infectados. O aumento nas populações e sub-populações
71
de células NK e células T NK é um importante fator da resposta imune contra o parasito
(French et al., 2006).
A análise da resposta imune adaptativa mostrou alguns resultados interessantes.
Linfócitos T CD4+ aparentemente estão associados com o fenótipo de lesão ativa. Apesar de
diversos estudos demonstrarem a importância das células T CD4+ no controle da infecção, a
produção de citocinas inflamatórias, principalmente por células T CD4+, está relacionado com
a morbidade na toxoplasmose (Gazzinelli et al., 1996; Lu et al., 2004). Adicionalmente, nós
observamos que o aumento de células T CD8+ está associado com a presença de
retinocoroidite em recém-nascidos. As células T CD8+ desempenham papel efetor
fundamental contra o parasito (Suzuki et al., 1998), além de matarem macrófagos infectados e
macrófagos que foram expostos a antígenos solúveis do parasito (Hakim et al., 1991). Nossos
resultados demonstram que as células T CD8+ podem ser um importante biomarcador de
morbidade nos recém-nascidos infectados pelo T. gondii.
Os resultados do perfil fenotípico das células mononucleares circulantes nos recémnascidos com toxoplasmose congênita sugerem maturação da resposta imune. O aumento nas
populações e sub-populações de linfócitos, monócitos e células NK é importante no controle
da replicação do parasito. Porém, a exacerbação da resposta inflamatória pode estar lesando
os recém-nascidos, sendo um fator determinante na patologia observada. Somente os recémnascidos com lesões ativas tiveram aumento de leucócitos (especificamente monócitos,
células NK e linfócitos). Mais do que isso, somente esse grupo de recém-nascidos mostrou
aumento nas populações de monócitos pró-inflamatórios e células NK ativas.
72
Após a análise das modificações nos perfis fenotípicos celulares, nós verificamos
possíveis alterações na produção de citocinas por parte das células mononucleares circulantes
dos recém-nascidos com toxoplasmose congênita. Nossos resultados mostram um perfil
claramente pró-inflamatório nas células NK dos recém-nascidos infectados, com aumento na
produção de IFN- e TNF-Sabe-se que a produção de citocinas inflamatórias por parte das
células NK é extremamente importante nos estágios iniciais da infecção, auxiliando no
controle do parasito. Além de reconhecerem e matarem células infectadas, as células NK são
a principal fonte de IFN- no início da infecção, sendo tais funções fundamentais para a
sobrevivência do hospedeiro (French et al., 2006; Khan et al., 2006).
A produção de citocinas pelos monócitos mostrou um perfil claramente próinflamatório, porém modulado por IL-10. Como já mencionado anteriormente, a resposta próinflamatória estimulada pelos monócitos é fundamental para controlar a replicação do parasito
e favorecer a sobrevivência do hospedeiro, porém a exacerbação da resposta pró-inflamatória
têm se mostrado prejudicial ao hospedeiro, sendo uma das principais causas da patologia
observada. O aumento na produção da citocina reguladora IL-10 é fundamental para limitar a
inflamação decorrente da atividade contra o parasito. Estudos em toxoplasmose experimental
demonstraram que a ausência de IL-10 está diretamente ligada com a morte do hospedeiro
pela exacerbação da resposta inflamatória e consequente patologia (Gazzinelli et al., 1996).
Além disso, a IL-10 é uma potente antagonista de macrófagos ativados, e a infecção com
patógenos como o T. gondii aumentam a expressão de IL-10 (Gazzinelli et al., 1992; Khan et
al., 1995).
73
A análise da produção de citocinas por neutrófilos mostrou um perfil misto, com
aumento na produção das citocinas pró-inflamatórias IL-12 e TNF-, mas com predomínio no
aumento de citocinas reguladoras (IL-4, IL-5, IL-10 ). O aumento na produção de IL-12 tanto
por monócitos quanto por neutrófilos é interessante, haja vista que o aumento na produção de
IFN- anteriormente mostrado nas células NK, é estimulado por essa citocina (French et al.,
2006). Embora o perfil observado na produção de citocinas por neutrófilos tenha sido misto,
convém destacar a predominância de citocinas reguladoras, o que reforça aspectos já
discutidos anteriormente, isto é, a importância dos mecanismos reguladores da resposta próinflamatória com o intuito de preservar o hospedeiro, mesmo que para tal, favoreça também a
persistência do parasito. Confirmando isto, estudos com camundongos deficientes para IL-4
mostram que a mortalidade é significativamente maior do que em camundongos selvagens,
embora uma resposta persistente de IL-4 a longo prazo também seja prejudicial para o
hospedeiro (Roberts et al., 1996), o que reforça a importância do delicado controle da
resposta imune na interação parasito-hospedeiro.
Os resultados referentes a análise da produção de citocinas por parte das células da
imunidade adaptativa também foram interessantes. As células T CD4 + e T CD8+ mostraram
claramente um perfil pró-inflamatório, com aumento na produção de TNF-e IFN-. Não foi
observado aumento na produção de nenhuma citocina reguladora por parte dessas células. É
bem documentado na literatura o importante papel das células T, principalmente durante a
fase crônica, no controle da infecção pelo T. gondii. A depleção dessas duas sub-populações é
necessária para que ocorra a reativação da doença, sendo que o tratamento com anticorpos
anti-CD4 ou anti-CD8 sozinhos não resulta em aumento da patologia ou da morbidade.
74
Ambas as sub-populações são capazes de produzir IFN- e acredita-se que CD4+ e CD8+
atuem juntas na prevenção da reativação da toxoplasmose (Gazzinelli et al., 1991).
As células B apresentaram aumento de células produzindo a citocina reguladora IL-10.
Em 2000, Sayles et al., demonstraram a importância das células B na resistência ao T. gondii
através de experimentos com vacinas com taquizoítos atenuados e camundongos deficientes
em células B. A maior susceptibilidade não era causada por deficiência nas funções das
células T ou em menor capacidade de produção de IFN-. Os autores concluíram que a maior
susceptibilidade dos camundongos deficientes em células B estava relacionada com a não
produção de anticorpos que poderiam ter efeito protetor in vivo bloqueando a infecção de
células do hospedeiro por taquizoítos. Em sua discussão, porém, os autores não deixaram de
levantar a hipótese de que a mortalidade dos camundongos deficientes em células B estivesse
relacionada com uma exacerbada produção de citocinas pró-inflamatórias do tipo Th1, e que
outros componentes produzidos pelas células B poderiam de certa forma regular essa forte
resposta inflamatória. De fato, nossos resultados reforçam essa hipótese. As células B foram
as únicas células da resposta imune adaptativa que apresentaram aumento na produção de uma
citocina reguladora, a IL-10. Conforme já discutido anteriormente, a citocina IL-10 é de
fundamental importância no controle da resposta pró-inflamatória. Aparentemente as células
T CD4+ e T CD8+ estão relacionadas com o controle da infecção após replicação dos estágios
iniciais, através da produção de citocinas pró-inflamatórias, resultando no encistamento do
parasito, enquanto as células B estão relacionadas com o controle da resposta próinflamatória, evitando maiores prejuízos ao hospedeiro. Os resultados de atividade celular
observados nas células da resposta imune adaptativa reforçam a idéia de maturação da
resposta imune nos recém-nascidos com toxoplasmose congênita.
75
Após a análise da produção de citocinas comparando os recém-nascidos infectados
com aqueles sem infecção, foi verificado se havia diferença na produção de citocinas entre os
recém-nascidos com diferentes formas clínicas da toxoplasmose ocular. O grupo NRL
apresentou
um
perfil
de
citocinas
predominantemente
pró-inflamatório,
mediado
principalmente por TNF-. O grupo ARL apresentou um perfil de citocinas misto, mas com
predominância de células produtoras de citocinas pró-inflamatórias, especialmente IFN-.
Exceção feita nos neutrófilos, com aumento de células produzindo citocinas reguladoras. Já o
grupo ACRL apresentou perfil de citocinas predominantemente pró-inflamatório, mediado
por IFN-e IL-12, e modulado por IL-10 produzido por monócitos. Por fim, o grupo CRL
também apresentou perfil predominantemente pró-inflamatório, mediado principalmente por
TNF-, e modulado por IL-10 produzido pelos neutrófilos e pelos monócitos (Anexo 1).
Interessantemente, a citocina pró-inflamatória TNF- estava aumentada somente nos
grupos sem lesão ativa (NRL e/ou CRL) nas diversas células analisadas (células NK,
neutrófilos, monócitos, células T CD4+ e células T CD8+). Outra citocina pró-inflamatória que
apresentou aumento significativo somente nos grupos sem lesão ativa foi IL-1, embora dessa
vez tenha se registrado o aumento somente na população de monócitos. Em trabalho realizado
por Yamamoto et al. (2000), foi observada maior produção de IL-1 e TNF- nos pacientes
com toxoplasmose ocular pós-natal em relação aos pacientes com toxoplasmose sem
sintomatologia ocular, os pacientes com toxoplasmose ocular congênita ou pacientes sem
infecção. Os autores sugerem que a susceptibilidade a lesão ocular, pelo menos nos pacientes
com toxoplasmose ocular pós-natal, está associada com o aumento na produção de IL-1 e
TNF-. Outros estudos também já mostraram que a persistente produção de TNF- está
76
associada com maior dano tecidual, principalmente via reativos de oxigênio, promoção da
angiogênese e quebra da barreira ocular (Santos et al., 2001; Khera et al., 2010; Rey et al.,
2013). De fato, acredita-se que o aumento de TNF- pode eventualmente resultar numa
inflamação ocular mais grave com subseqüente envolvimento macular, levando a uma piora
da visão (Rey et al., 2013). Embora nossos resultados tenham sido divergentes com os
estudos apresentados acima, é necessário cautela ao analisá-los. O aumento de IL-1 e TNF-
nos recém-nascidos sem lesão retinocoroideana (NRL) ou com lesão cicatrizada (CRL) pode
realmente ser um indicativo de que, de alguma forma, essas citocinas estejam relacionadas
com mecanismos preventivos e/ou resolutivos da lesão ocular. Uma outra hipótese seria de
que tais recém-nascidos podem estar perto de desenvolver lesão ocular ou reativar lesões
antigas, embora não tenhamos encontrado aumento de células produzindo tais citocinas nos
grupos ARL e ACRL.
IL-12 estava aumentada em todos os subgrupos de TOXO na análise da população de
monócitos. Já IFN- foi encontrada aumentada em todos os subgrupos de TOXO na análise de
células T CD4+, e especificamente nos grupos ARL e ACRL nas células NK e no grupo ARL
nas células T CD8+. Não é surpresa o resultado referente as citocinas IL-12 e IFN-. São duas
citocinas pró-inflamatórias sabidamente essenciais ao controle da infecção nos estágios
iniciais, e manutenção de uma fase crônica assintomática no hospedeiro (Denkers &
Gazzinelli, 1998). Poucas horas após a infecção, IL-12 já está sendo produzida por células
dendríticas e posteriormente por monócitos, sendo fundamental na ativação das células NK e
direcionamento das células T para um perfil Th1, com consequente produção de IFN-
(Hunter et al., 1995; Pifer & Yarovinsky, 2011). Diversos estudos demonstram que a
neutralização da citocina IL-12 é extremamente danosa ao hospedeiro, e impede uma resposta
77
pró-inflamatória mediada por IFN- eficiente, levando na maioria das vezes o hospedeiro a
morte (Khan et al., 1994; Hunter et al.,1995). A produção de IFN- é fundamental tanto na
fase aguda quanto na fase crônica da infecção, desempenhando papel importante na
diferenciação de taquizoítos em bradizoítos na fase aguda, além de suprimir a conversão de
bradizoítos em taquizoítos na fase crônica (Jones et al., 1986). Como já discutido
anteriormente, a associação da resposta pró-inflamatória (IL-12 e IFN- no caso) com a
patologia está relacionado com um descontrole da resposta imune, sendo fundamental a
participação das citocinas reguladoras IL-10, IL-27 e TGF- para a proteção do hospedeiro
(Jankovic et al., 2010; Cyktor & Turner, 2011).
A citocina IL-17 apresentou aumento significativo no grupo com lesão ativa (ARL),
quando as populações celulares de neutrófilos e células T CD4+ foram analisadas. A
descoberta da resposta inflamatória Th17 aumentou o interesse no estudo da citocina IL-17,
considerada fundamental nessa nova via da resposta inflamatória. Além do seu papel antiToxoplasma (Kelly et al., 2005), IL-17 estimula a produção de IL-6 e óxido nítrico, e
amplifica a resposta inflamatória local em sinergia com outros mediadores, como IL-1, TNFe IFN-Afzali et al., 2007). Além disso, IL-17 amplifica a reposta inflamatória local
recrutando neutrófilos e monócitos aos sítios de infecção através da produção de IL-8, MCP-1
e GM-CSF (Ye et al., 2001; Miyamoto et al., 2003; Kelly et al., 2005). A citocina IL-17 e sua
resposta inflamatória correspondente já haviam sido reportadas durante a infecção por T.
gondii (Kelly et al., 2005; Guiton et al., 2010)
A expansão de células produtoras de IL-17 em toxoplasmose ocular humana foi
demonstrada por Lahmar et al. (2009) que acompanhou padrões de citocinas no soro e humor
78
aquoso de indivíduos com toxoplasmose ocular, uveíte e catarata infecciosa ou não infecciosa.
Níveis elevados de IL-17 foram relatados em amostras de humor aquoso de 70% dos
pacientes que apresentavam toxoplasmose ocular. Este aspecto também foi observado com
outro grupo que apresentava doença ocular inflamatória, mostrando que os processos
inflamatórios podem desempenhar papel importante no estabelecimento de lesão ocular. Em
outro estudo foi demonstrado o papel deletério de IL-17 em termos de patologia e controle
parasitário, e que a neutralização dessa citocina está diretamente relacionada com o aumento
de mecanismos reguladores, como as citocinas IL-27 e a expressão de foxp3 (Sauer et al.,
2012). Nossos resultados corroboram os achados de Lahmar et al. (2009), já que somente o
grupo de crianças com lesão retinocoroideana ativa (ARL) apresentou aumento significativo
de células produtoras de IL-17.
Nossos dados mostraram aumento na população de monócitos produtores da citocina
pró-inflamatória IL-6 e de neutrófilos produtores da citocina reguladora IL-5 somente no
grupo com lesão retinocoroideana ativa (ARL). IL-6 é uma citocina pleiotrópica produzida
por diversos tipos de células, tais como monócitos ativados, fibroblastos, células endoteliais e
linfócitos T e B (Van Snick, 1990). É altamente indutível e é produzida em resposta a uma
série de estímulos inflamatórios, tais como a IL-1, TNF-, produtos virais e bacterianas
(Terry et al., 2000). Além disso, IL-6 contribui para a diferenciação e/ou ativação de
macrófagos e células T e para o crescimento e diferenciação terminal de células B (Van
Snick, 1990). Na toxoplasmose ocular, a IL-6 foi anteriormente detectada no humor vítreo de
gatos e seres humanos (Murray et al., 1990, Lappin et al., 1997). Estudos demonstraram que a
infecção in vitro de células epiteliais do pigmento da retina humana com T. gondii induz IL-6
e inibe a apoptose destas células (Nagineni et al., 2000). A citocina IL-5 é principalmente
79
produzida por células T e mastócitos e desempenham um papel importante na imunidade da
mucosa. IL-5 está principalmente associada com a capacidade de induzir eosinofilia, e têm se
mostrado importante na indução de uma resposta do tipo Th2 através da habilidade dos
eosinófilos de produzirem IL-4 nos estágios iniciais da infecção. Foi demonstrado que IL-5
não só atua em sinergia com IL-2 e IL-4 para induzir a produção de anticorpos pelas células
B, mas também, juntamente com TGF- pode aumentar a produção de IgA pelos tecidos
linfóides da mucosa, sendo reconhecida a importância de IgA na inibição da invasão de
enterócitos pelo T. gondii (Mack & McLeod, 1992). Nossos achados corroboram Nickdel et al
(2001), que relataram maior susceptibilidade a infecção aguda e patologia mais grave em
camundongos selvagens, em relação aos nocaute para IL-5.
Entre as perspectivas futuras após a realização deste estudo está a análise da resposta
imune desses recém-nascidos após um ano de tratamento, comparando com os resultados
obtidos aqui. Além disso, existe a possibilidade de novos recém-nascidos participarem do
projeto, permitindo novas análises que não foram possíveis nesse estudo, como a análise de
células dendríticas nos estágios iniciais da infecção.
80
6. CONCLUSÕES
Recém-nascidos com toxoplasmose congênita apresentaram perfil fenotípico e
funcional de leucócitos diferente daquele apresentado pelos recém-nascidos sem infecção.
Foi observado nos recém-nascidos infectados: aumento de monócitos próinflamatórios; aumento das populações e subpopulações de células NK e células T NK;
aumento de linfócitos, T CD8+, T CD4+CD8+, CD4+HLA-DR+, CD8+HLA-DR+, CD19+ e
CD19+CD5+.
Recém nascidos com toxoplasmose congênita apresentaram população de neutrófilos
com perfil misto de citocinas, monócitos com perfil pró-inflamatório modulado por IL-10,
células NK com perfil pró-inflamatório, células T CD4+ e T CD8+ com perfil próinflamatório e células B com papel modulador através da síntese de IL-10.
Recém-nascidos apresentando diferentes formas clínicas da doença ocular também
apresentaram diferentes perfis fenotípicos e funcionais de leucócitos entre si.
Recém-nascidos com lesão ocular, seja ativa ou cicatrizada, apresentaram aumento
de linfócitos TCR, T CD8+ e T CD8+HLA-DR+, indicando que tais células podem
funcionar como importantes biomarcadores de morbidade.
Recém-nascidos com lesão retinocoroideana ativa se caracterizaram pelo aumento de
monócitos pró-inflamatórios, células NK, células NK ativas, células NKdim e linfócitos T
81
CD4+HLA-DR+. Além disso, apresentaram aumento de neutrófilos produtores de IL-5 e IL17, e linfócitos T CD4+ produtores de IL-17.
Recém-nascidos que não apresentaram lesão retinocoroideana ativa se caracterizaram
pelo aumento de monócitos produtores de IL-1 e de células produtoras de TNFindicando que o aumento na produção de tais citocinas pode ser um importante indicador
de proteção ou resolução da lesão ocular.
82
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100
8. ANEXOS
NRL
ARL
Neutrófilos
Neutrófilos
Monócitos
Monócitos
Células NK
Células NK
Células T-CD4+
Células T-CD4+
Células T-CD8+
Células T-CD8+
Células B
Células B
ACRL
CRL
Neutrófilos
Neutrófilos
Monócitos
Monócitos
Células NK
Células NK
Células T-CD4+
Células T-CD4+
Células T-CD8+
Células T-CD8+
Células B
Células B
Anexo 1: Diagrama mostrando as principais alterações na atividade celular observado em cada um dos grupos
classificados de acordo com a análise clínica oftalmológica.
101
Anexo 2: Parecer favorável do comitê de ética para realização do trabalho.
102
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