Texto de toxoplasmose ocular

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Texto de toxoplasmose ocular
A toxoplasmose é uma infecção causada pelo parasita Toxoplasma gondii, que se apresenta
em três formas principais: o ocisto, o taquizoíta ou forma infecciosa, e o cisto de tecido ou
forma latente. T. gondii tem um ciclo de vida complexo. Gatos são os hospedeiros
definitivos, geralmente infectados ao consumir cistos de tecido em carne de hospedeiros
intermediários contaminados, como pequenos mamíferos e pássaros. O parasita se reproduz
sexualmente no intestino do gato e os ocistos são excretados por meio de suas fezes,
contaminando sua caixa de areia e o ambiente ao redor. Ocistos podem persistir por mais de
um ano se encontrarem as condições adequadas.
Humanos geralmente contraem toxoplasmose de três formas. A primeira delas é por
ingestão de carne malpassada infectada com cistos de tecido com T. gondii. A segunda
maneira é o contato inadvertido com fezes de gato, sua caixa de areia ou solo contendo
ocistos. Em terceiro lugar encontra-se a transmissão transplacentária, que ocorre quando a
grávida contrai uma infecção primária. Nesses casos, os taquizoítas cruzam a placenta e
viajam pelo sangue ou pela linfa. Os taquizoítas se encistam nos tecidos afetados. A doença
congênita tende a ser mais severa quando adquirida no primeiro trimestre de gravidez e
pode se manifestar de várias formas, de aborto espontâneo, morte no nascimento e
envolvimento multissistêmico severo a crianças assintomáticas, que só apresentam
cicatrizes oculares ou neurológicas ou reativação no futuro. Infecção materna crônica ou
recorrente não costuma oferecer risco de toxoplasmose congênita. Relatórios isolados de
surtos epidêmicos após inalação de cistos aerosolizados ou ingestão de água contaminada
sugerem a existência de outros meios de se contrair toxoplasmose em áreas altamente
endêmicas.
Toxoplasmose ocular
Apesar de a toxoplasmose congênita ter sido considerada por muito tempo a responsável
pela maioria dos casos de retinocoroidite toxoplásmica, sabe-se hoje que a infecção
adquirida é a fonte mais importante e comum de infecção ocular. Os sintomas associados à
toxoplasmose ocular são geralmente unilaterais e incluem visão embaçada, muitas vezes
acompanhada por opacidades vítreas. Uma irite é tipicamente identificada num exame de
lâmpada de fenda e pode ter uma aparência granulomatosa. Entre 10% e 20% dos pacientes
terão um aumento agudo da pressão intra-ocular. Classicamente observa-se uma vitreíte
moderadamente densa associada a uma lesão coriorretiniana ativa com aspecto de farol na
neblina e uma cicatriz coriorretiniana adjacente ou nas proximidades (Figura 1). Mas
cicatrizes coriorretinianas não são sempre encontradas e nesses casos deve-se suspeitar de
uma infecção adquirida. Complicações oculares adicionais incluem catarata, edema de
nervo óptico, edema macular cistóide, vasculite retiniana, descolamento retiniano seroso e
neovascularização coroidal.
O desenvolvimento da doença depende do estado de imunização do indivíduo infectado e
da rota da infecção. Toxoplasmose adquirida depois do nascimento é tipicamente unilateral
e segue um curso autolimitante. Se presentes, sintomas sistêmicos tendem a ser suaves e
não específicos. A lesão ocular é freqüentemente assintomática e se torna evidente por meio
de inflamações recorrentes no futuro. Pacientes mais velhos e com sistema imunológico
comprometido correm o risco de lesões maiores, múltiplas e/ou bilaterais. Além disso, em
pacientes imunodeprimidos a inflamação ocular é geralmente associada a uma doença
sistêmica sintomática. Sinais e sintomas podem incluir febre, mal-estar, rash cutâneo,
linfadenite, dispnéia, miosite, miocardite aguda e encefalite.
Toxoplasmose ocular em indivíduos imunodeprimidos podem ser uni ou bilaterais com
lesões coriorretinianas simples ou múltiplas. Outras apresentações atípicas incluem
toxoplasmose retiniana externa puntata, vasculite retiniana, oclusão retiniana vascular,
descolamento retiniano regmatogênico e seroso, retinopatia pigmentar, neurorretinite e
esclerite.
Fazendo o diagnóstico
Enquanto em muitas situações exames oftalmoscópicos indiretos são o único procedimento
necessário para diagnóstico de retinocoroidite toxoplásmica, o reconhecimento de formas
atípicas da doença pode ser desafiador e geralmente exige o uso de testes sorológicos. A
maioria dos laboratórios utiliza o teste imunológico enzimático ELISA ou de
imunofluorescência (IFA) para medir títulos de imunoglobulina M (IgM) e imunoglobulina
G (IgG) contra T. gondii. Anticorpos IgG são produzidos nas primeiras semanas pósinfecção e geralmente se mantêm positivos para o resto da vida. Anticorpos IgM, por sua
vez, são conhecidos por aumentar num período agudo da infecção e podem ser úteis no
diagnóstico de toxoplosmose adquirida aguda. Anticorpos IgM geralmente ficam positivos
por menos de um ano.
Um IgG positivo significa apenas que o paciente foi exposto ao T. gondii em algum
momento, mas não diferencia a infecção latente da ativa. Além disso, a interpretação desses
testes pode ser confusa, já que uma grande parcela da população mundial já foi exposta a –
e portanto é positiva para – T. gondii. IgM não ultrapassa a barreira sanguínea da placenta
materna e portanto pode auxiliar na diferenciação entre a doença congênita e a adquirida.
Um título negativo de IgG anti-T. gondii pode ser considerado uma forte evidência contra
toxoplasmose como causa de retinite.
O isolamento direto de taquizoítas T. gondii em fluidos corporais ou taquizoítas ou
bradizoítas do tecido permite um diagnóstico definitivo, mas geralmente não pode ser feito
para o diagnóstico de toxoplasmose ocular. Reação em cadeia de polimerase tem sido usada
de maneira bem-sucedida para análise de humor vítreo e humor aquoso para DNA
toxoplásmico e pode ser particularmente útil em pacientes com apresentação atípica.
Tratamento
O tratamento de toxoplasmose ocular depende muito da condição imunológica do
hospedeiro, da avaliação médica de localização e da gravidade da infecção, e da inflamação
que a acompanha. Em pacientes imunocompetentes, a doença tende a ser autolimitante.
Vários critérios foram sugeridos para ajudar a determinar quando e como iniciar o
tratamento. Fatores a se considerar incluem visão, local da lesão em relação à mácula e à
área de disco, tamanho e número das lesões, e severidade e duração da inflamação vítrea.
Vários agentes têm sido usados para toxoplasmose e não há um tratamento padrão a ser
aplicado em todos os pacientes. Numa pesquisa recente da American Uveitis Society
(AUS), 78 especialistas em uveíte usaram 24 diferentes tratamentos, utilizando nove drogas
antiparasíticas. As drogas mais comuns utilizadas em casos típicos de infecção para um
adulto médio foram pirimetamina (dose de ataque: 50-100 mg; dose de tratamento: 25-50
mg diariamente), sulfadiazina (dose de ataque: 2-4 g; dose de tratamento: 1 g quatro vezes
ao dia), clindamicina (dose de tratamento: 300 mg 4 vezes ao dia),
trimetoprim/sulfametoxazol (dose de tratamento: 160 mg/800 mg duas vezes ao dia) e
prednisona (dose de tratamento: 20-80 mg diariamente, adaptada à gravidade da
inflamação). Combinações das drogas acima foram freqüentemente usadas e o tratamento
mais adotado foi com pirimetamina, sulfadiazina e prednisona (terapia tripla). Alguns
médicos defenderam a adição de clindamicina a esse regime (terapia quádrupla).
Sulfonamidas e pirimetamina inibem o metabolismo do ácido fólico. É importante, por isso,
que o ácido folínico (5 mg em dias alternados) seja adicionado a qualquer regime de
tratamento incorporando essas duas drogas. Apenas 17% dos respondentes na pesquisa da
AUS usaram corticosteróides via oral ao tratarem de todos os casos de toxoplasmose ocular
em pacientes imunocompetentes. Outros médicos usaram corticosteróides apenas em
indicações específicas, incluindo vitreíte severa, acuidade visual diminuída e proximidade
da lesão do nervo óptico e da fóvea. 36% dos respondentes iniciaram terapia antiparasítica
simultaneamente com corticosteróides e 64% dos médicos esperaram até sete dias para
começar a terapia com corticosteróides. O uso de fórmulas corticosteróides perioculares e
intra-oculares de longa ação, como acetato de triamcinolona (Kenalog), deve ser evitado, já
que eles têm sido associados com ativação prolongada, panoftalmite e até a perda do olho.
Ao tratar de grávidas com toxoplasmose ocular ativa, a maioria dos médicos evita o uso de
pirimetamina, dados seus efeitos teratogênicos. Em contraste, espiramicina (dose de
tratamento: 400 mg três vezes ao dia) pode ser usado em grávidas e reduz a taxa de
transmissão de taquizoíta para o feto.
O oftalmologista brasileiro Cláudio Silveira e colegas recentemente descreveram o uso
intermitente a longo prazo de trimetoprim/sulfametoxazol em pacientes com retinocoroidite
toxoplásmica recorrente. Ao contrário de outras fórmulas sulfa, trimetoprim/sulfametoxazol
já se encontra disponível nas principais farmácias, apresentando baixo custo e uma reduzida
taxa de alergia. Pouco mais de 5% dos pacientes nesse estudo desenvolveram eritema
cutâneo, solucionado com a interrupção do tratamento.
Lotje Bosch-Driessen e colegas descreveram a associação entre cirurgia de catarata e
grande risco de reativação do que, em outras circunstâncias, seria uma retinocoroidite
toxoplásmica inativa. Isso motivou alguns oftalmologistas a considerar tratamento
profilático antimicrobiano um pouco antes e depois da cirurgia em pacientes com cicatrizes
toxoplásmicas inativas, particularmente as que ameaçam o disco óptico ou a fóvea.
Enquanto ainda não existe consenso quanto ao regime usado nesses pacientes, a utilização
de trimetoprim/sulfametoxazol por três dias antes e duas a três semanas depois da cirurgia
pode ser uma boa escolha, caso não haja contra-indicações.
Adaptado do artigo “Toxoplasmosis can test diagnostic skills”, da Review of
Ophthalmology, outubro de 2004
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