Boletim Suinocultura MSD 2

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Boletim Técnico Suinocultura N°2 (Nov/Dez 2010)
Circovírus suíno tipo 2:
Considerações imunológicas e virológicas
para o sucesso de um Programa de Vacinação
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Alfieri, A.A. ; Alfieri, A.F. ; Otonel, R.A.A. ; Feronato, C. .
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Laboratório de Virologia Animal - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Estadual de Londrina.
Programa de Pós-graduação em Ciência Animal.
Coordenador de Assistência Técnica - Intervet do Brasil Veterinária Ltda.
O
circovírus suíno tipo 2 (PCV2 – porcine circovirus type 2) é um dos mais importantes patógenos virais que
compromete a população de suínos e as doenças associadas à infecção pelo PCV2 (PCVAD – porcine
circovirus associated diseases) apresentam impacto significativo na economia da indústria suinícola de todo
o mundo.
O PCV2 é o agente etiológico da Síndrome da refugagem multissistêmica pós-desmame (PMWS – Postweaning multisystemic
wasting syndrome), uma doença multifatorial que aumenta a taxa de mortalidade e reduz a eficiência da conversão
alimentar. Entretanto, a infecção com o PCV2 também está associada a distúrbios respiratórios, entéricos, reprodutivos, entre
outras formas de apresentação como dermatites e nefropatias.
Os resultados de pesquisas, incluindo aqueles obtidos a campo e em laboratórios de diagnóstico e pesquisa, suportam
o conceito de que as PCVAD são multifatoriais e que nem todos os animais infectados com o PCV2 desenvolverão sinais
clínicos.
Vários aspectos podem influenciar a intensidade ou a gravidade da infecção. Entre os cofatores mais importantes destacamse aqueles dependentes da estirpe viral infectante; do hospedeiro; do efeito de coinfecções com outros vírus e/ou bactérias;
e do efeito da imunomodulação, incluindo tanto a imunoestimulação quando a imunossupressão. Todos esses aspectos
determinam a complexidade dos eventos que modulam as infecções pelo PCV2 bem como as prováveis formas de
manifestação clínica.
A infecção pelo PCV2 é acompanhada de soroconversão. Após um período de viremia, caracterizado por altos títulos virais
na corrente sanguínea, os animais infectados desenvolvem anticorpos (IgG) circulantes (séricos) que podem ser identificados
e quantificados por meio de técnicas sorológicas. Inquéritos soropidemiológicos demonstram que a infecção pelo PCV2
está amplamente disseminada nos rebanhos suínos de todo o mundo, incluindo os rebanhos brasileiros.
Como na grande maioria dos rebanhos os animais, incluindo os assintomáticos, apresentam títulos variáveis (alto / médio
/ baixo) de anticorpos contra o PCV2, caracterizando alta prevalência da infecção, a sorologia não tem valor diagnóstico.
Entretanto, a determinação da presença e do título de anticorpos é importante em estudos que incluem patogênese
e epizootiologia da infecção e para avaliar a eficiência de vacinas. A forma clássica de diagnóstico das PCVAD é
fundamentada na presença de sinais clínicos e de lesões histopatológicas características no tecido linfóide, bem como na
identificação de antígeno do PCV2 nessas lesões. Porém, essa estratégia é utilizada apenas para a identificação do nível
de infecção em um indivíduo e não do perfil da infecção em rebanhos.
Como método alternativo para o diagnóstico das
PCVAD, em nível de rebanho, destaca-se a determinação
da carga viral no soro sanguíneo, em associação com
os sinais clínicos. A quantificação da carga viral sérica,
realizada pela técnica da PCR em tempo real, pode ser
utilizada para distinguir entre infecção subclínica e clínica
e para avaliar a progressão da infecção intrarrebanho.
Com frequência, animais que apresentam grande carga
viral sérica manifestam sinais clínicos característicos das
PCVAD.
Estudos conduzidos tanto em condições experimentais
quanto de campo demonstraram que altos títulos de
anticorpos séricos anti-PCV2 desempenham importante
papel na patogenia da doença por meio do controle da
carga viral.
A maioria dos estudos conduzidos em vários países
do mundo, incluindo o Brasil, tem demonstrado que o perfil
da infecção pelo PCV2 nos rebanhos de uma região pode
apresentar-se bastante heterogêneo. Análises do perfil
sorológico (presença e título de anticorpos anti-PCV2) e do
perfil virológico (presença e quantificação da carga viral)
demonstram variações entre rebanhos. Essas variações são
influenciadas pela presença de infecção clínica (animais
com sinais clínicos de PCVAD), ou subclínica. A infecção
subclínica é caracterizada por resultados positivos na
sorologia e na determinação da presença do vírus em
rebanhos constituídos por animais que não aparentam
a manifestação de sinais clínicos de PCVAD. O tipo de
manejo e o ciclo de produção (ciclo completo ou múltiplos
sítios) também podem influenciar os perfis sorológico e
virológico dos rebanhos.
Guardadas as devidas particularidades de
cada rebanho, em geral, as porcas apresentam títulos
considerados médios de anticorpos e de carga viral. Porém,
dentro de um rebanho esses títulos também podem ser
heterogêneos com alguns animais apresentando alto título
de anticorpos enquanto que outros animais apresentam
baixo título.
O perfil sorológico dos leitões pode ser relacionado
diretamente com o perfil sorológico da porca. Porém,
aspectos como manejo de colostro (falha de proteção
passiva), número de partos e de leitões por leitegada
podem exercer influencia nos títulos individuais e mesmo
da leitegada. Como regra geral, observa-se a campo
que a maioria dos leitões com uma a duas semanas de
vida apresenta títulos de anticorpos passivos que podem
ser considerados altos a médios, porém com variações
entre as leitegadas. Esses títulos de anticorpos passivos
começam a declinar já a partir da quarta e sexta semanas
de vida do leitão. A partir da oitava e décima semanas
já é possível observar em alguns rebanhos e/ou animais
o início de soroconversão, que caracteriza imunidade
ativa induzida pela infecção. Entre as semanas 15 e
16 a maioria dos animais apresenta os mais altos títulos
de anticorpos. Paralelamente, entre a oitava e décima
semanas também observa-se aumento da carga viral que
caracteriza viremia ocasionada pela infecção que atingirá
as maiores concentrações também entre as semanas 15 e
16. Ou seja, os perfis sorológico e virológico dos leitões
da maioria dos rebanhos pode ser descrito como:
Fig1: Títulos de anticorpos e carga viral
I. semanas 1-2 (altos títulos de anticorpos
passivos);
II. semanas 4-6 (início do declínio de
anticorpos passivos
e início de viremia-infecção);
III. semanas 8-10 (início de soroconversão
devido a imunidade
ativa e pico de viremia);
IV. semanas 14-16 (títulos máximos de
anticorpos ativos e redução na concentração
da carga viral) (Fig 1).
Boletim Técnico Suinocultura N°2 (Nov/Dez 2010)
Anteriormente ao desenvolvimento de vacinas
não existiam medidas efetivas para o controle e profilaxia
das PCVAD. As estratégias empregadas eram restritas
ao controle dos fatores de risco da infecção por meio
da adoção de boas práticas de produção; redução do
stress; aumento do bem-estar e conforto dos animais;
adoção de manejo all-in / all-out; limpeza e desinfecção
rigorosas das instalações. Adicionalmente, preconizavase ainda a minimização e/ou eliminação de potenciais
coinfecções (bacterianas e virais). Porém, essas práticas
apenas minimizavam o problema. Com a evolução das
pesquisas com o PCV2 foram desenvolvidas vacinas. A
tecnologia de produção de vacinas foi também evoluindo
e hoje são disponíveis imunógenos produzidos com base
em biologia molecular para a indução de imunidade
ativa contra antígenos codificados pela região genômica
ORF-2, que corresponde ao antígeno mais imunogênico
do capsídeo viral e que induz anticorpos neutralizantes
contra o PCV2. Essas vacinas tem apresentado resultados
satisfatórios, desde que sejam acompanhadas de um bom
programa de vacinação. De uma forma geral, para o
sucesso de um programa de vacinação contra o PCV2
algumas características são desejáveis em uma boa
vacina destacando-se entre elas: I. indução de alto título
anticorpos neutralizantes; II. redução da viremia, tanto
com relação à carga viral quanto em relação ao tempo
de viremia; III. redução das lesões teciduais ocasionadas
pelo PCV2; IV. redução na identificação de antígenos
de PCV2 em tecidos; V. redução dos sinais clínicos; VI.
redução da excreção viral pelas vias fecal e nasal. Essa
última característica apresenta como consequência direta a
redução na contaminação ambiental e na transmissão do
vírus intrarrebanho.Em geral, as vacinas disponíveis no
mercado tem demonstrado eficiência mesmo em presença
de anticorpos passivos, particularmente nas situações
de animais com baixo ou mesmo títulos considerados
medianos. A análise dos perfis sorológico e virológico
observados na maioria dos rebanhos e comentados
anteriormente demonstra que o melhor período para
o início da vacinação dos leitões corresponde àquele
compreendido entre a terceira e quarta semanas de
vida. Como discutido nos tópicos anteriores, na maioria
das situações as infecções com o PCV2 tem início entre
a oitava e décima semanas de vida do leitão. Com
isso, nesse período é desejável que o animal já tenha
estabelecido imunidade ativa contra o PCV2. Dessa
forma os anticorpos séricos poderão reduzir a viremia e,
consequentemente, todos os efeitos deletérios que uma
carga viral alta irá ocasionar tanto na saúde animal (sinais
clínicos) quanto na perpetuação da infecção no rebanho.
A imunidade em qualquer mamífero, incluindo os suínos, é
bastante complexa. A defesa contra as infecções envolve
vários mecanismos da imunidade inata (inespecífica) e da
imunidade adaptativa (específica). A imunidade inata (ou
natural) independe da prévia apresentação de um antígeno
para ser estimulada. Fatores solúveis e células protegem
o organismo inespecificamente contra qualquer tipo de
invasor ou potencial patógeno. Porém, por ser inespecífica
ela também tem um período de ação muito curto. A
imunidade adaptativa necessita de uma apresentação
prévia do antígeno para que a mesma possa ser estimulada.
Ela é composta pela imunidade humoral e celular. Ambas
se interrelacionam e são importantes para o pleno
desenvolvimento e maturação da imunidade adaptativa
(específica). A imunidade adaptativa, diferentemente da
inata, é antígeno específica e tem memória imunológica,
ou seja, a reapresentação posterior do mesmo antígeno
ao sistema imune desencadeia uma série de etapas que
culmina com a rápida resposta imune específica. Quando
vacinamos um animal estamos estimulando a sua imunidade
adaptativa. Ou seja, a vacinação é a apresentação de um
antígeno em sua forma inócua (não patogênico) ao animal
para que seja desenvolvida a resposta imune adaptativa
(específica). Posteriormente, se o animal vacinado entrar
em contato novamente com o mesmo antígeno, presente,
por exemplo, em um microrganismo patogênico, ele terá
uma “lembrança” (memória imunológica) e estará apto
Fig 2: Imunidade Adq
quirid
da, Passiva e Inata
Boletim Técnico Suinocultura N°2 (Nov/Dez 2010)
O leitão, assim como outros neonatos mamíferos, ainda em sua vida intrauterina, já apresenta elementos tanto
da imunidade inata quanto adaptativa. Porém, o potencial de resposta ainda é baixo. O leitão ao nascer é considerado
imaturo imunologicamente. O sistema imunológico evolui gradativamente com a idade, bem como a sua capacidade de
resposta imune adaptativa. A partir da terceira e quarta semanas de idade o leitão já tem potencial para resposta imune
ativa, porém ainda não é plena. Além da idade, o potencial de resposta imune depende de outros fatores como tipo do
antígeno e formas de apresentação desse antígeno. A plenitude do potencial de imunidade ativa somente será alcançada
entre seis e oito semanas de vida do leitão.
Na dependência da concentração do antígeno e, principalmente, a apresentação do antígeno conjugado a um
adjuvante imunológico, que potencializa a resposta imune, os leitões a partir da terceira semana de vida já terão potencial
para processamento e reconhecimento de antígenos do PCV2. Porém, é de fundamental importância que uma dose reforço
seja aplicada. Essa dose será a responsável pelo aumento nos títulos da imunidade humoral e celular proporcionando
resistência a uma infecção de campo ou pelo controle da infecção. No caso do PCV2, que é endêmico nos rebanhos suínos,
a imunidade proporciona redução da viremia (carga viral e duração da viremia) fazendo com que a infecção se manifeste
de forma assintomática, sem a expressão de sinais clínicos. A redução da viremia também é acompanhada pela redução
na excreção (fecal / nasal) do vírus, contribuindo para a redução da contaminação ambiental e, consequentemente,
diminuindo a circulação viral.
Em resumo, a circovirose em rebanhos suínos é multifatorial. Para o controle das PCVAD há necessidade da adoção
de um programa complexo de profilaxia. Esse programa deve incluir técnicas ou métodos inespecíficos de redução e/
ou eliminação de co-fatores e de fatores de risco responsáveis pela alta prevalência da infecção e o surgimento de sinais
clínicos. Como medida específica, também deve ser adotado um programa de vacinação contra o PCV2 que considere
algumas características da infecção como: infecção clínica X subclínica; perfis sorológico X virológico; e os aspectos
imunológicos, como a maturidade imunológica e potencial (magnitude) de resposta imune dos leitões.
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