GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NA ESCOLA: DA EXCLUSÃO SOCIAL À AFIRMAÇÃO DE DIREITOS. A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO DE GÊNERO DIVERSIDADE SEXUAL DA SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ BELLO, Melissa Colbert – SEED- PR1 [email protected] LUZZI, Jacqueline – SEED – PR Área temática: Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Este artigo trata da temática da discriminação e preconceito relacionados às relações de gênero e a diversidade sexual no espaço escolar. Constatando a existência de práticas discriminatórias que excluem da escola uma parcela significativa da população por serem sujeitos diversos e não estarem adequados aos padrões hegemônicos das relações de gênero e por assumirem identidades sexuais que escapam à lógica hegemônica da heteronormatividade. Problematiza a garantia dos direitos civis e políticos garantidos a partir da promulgação da Constituição de 1988 a partir da complexidade da abordagem das relações de gênero e da diversidade na educação quando se vislumbra a efetivação da universalização da escola pública. Entendendo que na sua constituição histórica, a escola é produtora e reprodutora de diferenças, o artigo situa as políticas públicas educacionais que enfocam essa temática, no contexto histórico e político das lutas dos movimentos sociais que se fortalecem no final da década de 80 no contexto da redemocratização no Brasil. Com o enfoque na rede pública estadual do Paraná o artigo trata especificamente da gradativa assunção de políticas educacionais relativas às relações de gênero, sexualidade e a diversidade sexual, que culmina com a criação de Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual no Departamento da Diversidade dessa Secretaria, no início desse ano. Apresenta e discute as ações e concepções de trabalho desse núcleo, a partir da premissa da universalização da escola pública. Universalização que só é viável se for garantido o acesso, a permanência, e o sucesso escolar para a diversidade dos sujeitos que freqüentam a escola pública. Palavras chave: Educação pública. Preconceito. Discriminação. Evasão escolar. Gênero. Diversidade sexual. 1 Professora de história da rede estadual de ensino, especialista em organização do trabalho pedagógico pela UFPR e técnica pedagógica do Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual do Departamento da Diversidade da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. 4693 Introdução Conheci uma adolescente negra, pobre e moradora da periferia. Gostava muito de hip hop, dançava muito bem tinha uma postura de liderança entre as jovens e os jovens com quem convivia na escola. Muito carismática, se destacava na escola por sua atitude firme, sua liberdade de movimentos e de expressão de idéias. Usava roupas masculinas, transitava muito bem entre os meninos e frequentemente suscitava comentários curiosos sobre sua identidade sexual. Tempos atrás a encontrei na rua, era horário de aula na escola. Contou-me de como suscederam acontecimentos que levaram-na a ser convidada a sair da escola, num daqueles convites irrecusáveis, afinal tinha problemas com alguns professores. A sua mãe foi chamada na escola para conversar sobre o seu filho menor, que ainda estuda na escola. “Finda a reunião a pedagoga queria saber detalhes sobre o relacionamento afetivo da menina com outra menina do bairro, queria saber como era, se estavam morando juntas, afinal, na escola, estavam todos muito preocupados com a vida da menina.” Seria bom que essa fosse apenas uma ilustração para ajudar na reflexão de algumas questões. Infelizmente é uma das histórias reais, omitidos alguns detalhes sórdidos, dentre muitas que se repetem dia após dia nos espaços escolares. Relatos registrados por autoras como Berenice Bento, pesquisadora da transexualidade, que ouviu uma grande quantidade de relatos como esse para desenvolver a sua pesquisa de pós doutorado sobre os sujeitos transexuais e dedica um capítulo específico do seu trabalho para tratar exclusivamente da experiência escolar desses sujeitos. Esse foco específico na escola justifica-se na percepção da dimensão do papel na exclusão social desses sujeitos. Segundo a autora […] a escola, que se apresenta como uma instituição incapaz de lidar com a diferença e pluralidade, funciona como uma das principais instituições guardiãs das normas de gênero e produtora da heterosexualidade. Para os casos em que as crianças são levadas a deixar a escola por não suportarem o ambiente hostil é limitador falarmos em “evasão”. No entanto, não existem indicadores para medir a homofobia de uma sociedade e, quando se fala na escola, tudo aparece sob o manto invisibilizante da evasão. Na verdade há um desejo em eliminar e excluir aqueles que contaminam o espaço escolar. Há um processo de expulsão e não de evasão. (BENTO, 2008, p 129) Os relatos de exclusão escolar percebidos nas experiências de vida abordadas por essa pesquisadora no universo dessa pesquisa são também comuns no universo do trabalho das professoras e professores das escolas públicas do Paraná. O reconhecimento de que essa é a 4694 realidade com que convivemos e que embora comuns, casos como esses não ganham visibilidade expressiva e permanecem no anonimato demonstra que o conhecimento e reflexão sobre a construção social das identidades de gênero e a diversidade sexual devem estar presentes no espaço escolar. Debates sobre a temática de gênero e diversidade sexual já acontecem efetivamente no espaço escolar, salas de professoras e professores, reuniões pedagógicas e conselhos de classe, sobretudo quando acontecem “problemas” com alunos e alunas homossexuais, desequilibrando as rotinas normativas escolares. São debates muitas vezes realizados à boca pequena, recheados de moralismos, de posições religiosas, feitos em tom de fofoca que ao não enfrentar a reflexão e necessidade de conhecimento sobre a temática acabam por referendar a discriminação e a exclusão de inúmeros estudantes do espaço escolar. Exclusão que por ser invisível demonstra também que é socialmente aceita e só ganha visibilidade quando os sujeitos conscientes de seus direitos clamam por eles. Guacira Louro discutindo a construção escolar das diferenças reflete que: Concebida inicialmente para acolher alguns - mas não todos- ela [a escola] foi, lentamente, sendo requisitada por aqueles/as aos/às quais havia sido negada. Os novos grupos foram trazendo transformações à instituição. Ela precisou ser diversa: organização, currículos, prédios, docentes, regulamentos, avaliações iriam, explícita ou implicitamente, ''garantir” – e também “produzir”– as diferenças entre os sujeitos.(LOURO, 1997, p.57) É fato observado que na escola se aprende a diferença, e que historicamente a escola trata de colocar para fora sujeitos que resistem a normatização de suas identidades sexuais e de gênero a partir de padrões hegemônicos, assim como também exclui quando tratam de identidades raciais ou de classes desvalorizadas socialmente. Em outro contexto afirma também com base em Foucault que existem mecanismos de poder que disciplinam os sujeitos através de variadas estratégias. (LOURO, 1997, p.41) Pensamos que as práticas excludentes disciplinam os sujeitos escolares de diferentes formas. Tanto ensinam aqueles/as que resistem a normatização de seu corpos o preço de sua resistência quanto mostram para aquelas/es que permanecem na escola qual é o comportamento aceito. Algumas reflexões de Berenice Bento são interessantes nesse sentido: 4695 É um equívoco falar em “diferença ou diversidade no ambiente escolar”, como se houvesse o lado da igualdade, onde habitam os/as que agem naturalmente de acordo com os valores hegemônicos e os outros, ou diferentes. Quando de fato a diferença é anterior, é constitutiva dessa suposta igualdade. Portanto, não se trata de “saber conviver”, mas ter claro que a humanidade se organiza e se estrutura na e pela diferença. Se tivermos essa premissa clara, talvez possamos inverter a lógica: não se trata de identificar o estranho como o diferente, mas de pensar que estranho é ser igual e quanta violência é cometida para se produzir o hegemônico transfigurado em igualdade natural (BENTO, 2008, p.131-132) Posicionando-se a partir desse entendimento a Secretaria de Estado de Educação do Paraná vem definido historicamente um lugar para inserir a discussão crítica dessas temáticas na escola, lugar institucional para o direcionamento da política educacional em gênero e diversidade sexual que se denomina desde fevereiro de 2009 como Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual, assumindo o compromisso com os sujeitos das relações entre os gêneros e das diversas identidades sexuais que têm se organizado historicamente como movimentos sociais em busca de igualdade de direitos. Uma política educacional de afirmação de direitos Começa-se a evidenciar institucionalmente que a discriminação e o preconceito são fatores determinantes no fracasso escolar e na evasão de sujeitos negros e negras, lésbicas, gays, travestis e transexuais do espaço escolar. Passada uma década de sua promulgação já não basta reconhecer os avanços da Constituição Federal Brasileira de 1988, a chamada constituição cidadã, no campo da legislação dos direitos civis e sociais, faz se necessário propor políticas que estejam de acordo com esses princípios. Destaca-se que, conforme a letra dessa constituição o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e que conforme o artigo 5º consideram-se todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; e ainda que no inciso I desse artigo considera que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; e no inciso III que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; no inciso X que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, em seu inciso XLI que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades 4696 fundamentais. E, ainda, em seu artigo 205º, no qual promulga que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família; e no artigo 206º ao determinar alguns princípios para o ensino, onde se destaca: a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Pensar em políticas educacionais afirmativas que focam sujeitos discriminados no interior da escola é corresponder às expectativas de democratização da sociedade que, através das lutas e embates dos movimentos sociais no processo de elaboração dessa constituição, se efetivaram como legislação brasileira. Na esteira dos debates da Constituição a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei Federal nº 8.069/90, para tratar especificamente da proteção integral à criança e ao adolescente referenda os direitos fundamentais desses sujeitos: a liberdade, o respeito e a dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais. Afirma também o dever de todos em velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. No Paraná, a Constituição do Estado através dos artigos 177º e 178º reitera a proposta da Constituição Cidadã de 1988, defendendo a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, referenda como princípios do ensino a igualdade de condição para acesso e permanência na escola, vedada qualquer forma de discriminação e segregação. Tendo essas legislações em vista e ainda considerando diferentes convenções e compromissos políticos que fundamentam suas ações2 a SEED, como órgão público do Estado do Paraná, responsável pela oferta da escolarização básica para todos, não pode deixar de intervir no sentido de transformar essa realidade. Para tanto, assume um posicionamento político pedagógico que se fundamenta numa concepção específica de escola, de sujeito, de educação e de formação, que prioriza o direito civil de todas as pessoas à educação. Assume também o princípio do reconhecimento, respeito e apoio à presença da diversidade sexual nas escolas, em detrimento de uma postura de tolerância que pressupõe uma hierarquização dos sujeitos, frequentemente adotada na ótica da manutenção da ordem 2 A Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do ensino – Decreto Federal nº 63.223, de 06 de setembro de 1968; Programa Brasil sem Homofobia, instituído no ano de 2004; Anais da Conferência Nacional de Educação Básica, realizada no ano de 2008, eixo temático Inclusão e Diversidade na Educação Básica; Os Anais da I Conferência Nacional GLBT, realizado no ano de 2008, convocada por decreto federal pela Presidência da República; Os Anais da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada no ano de 2008; O Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids, elaborado em 2008; 4697 social vigente onde alguns sujeitos possuem maior valor que outros. Nas palavras do professor Tomaz Tadeu da Silva: Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a idéia de tolerância, por exemplo, implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra 'tolerância'. [...] Do ponto de vista mais crítico, as diferenças estão sendo constantemente produzidas e reproduzidas através de relações de poder. As diferenças não devem ser simplesmente [...] toleradas. Na medida em que elas estão sendo constantemente feitas e refeitas, o que se deve focalizar são precisamente as relações de poder que presidem sua produção. (2007, p. 88). Essa percepção traz novas preocupações para uma Secretaria de Estado de Educação que vem trabalhando na perspectiva de resgatar a centralidade do conhecimento na escola visando a ruptura com as relações sociais hegemônicas que produzem desigualdades sociais e econômicas e as reproduzem através das relações de poder instituídas. Reconhecidos os avanços das políticas educacionais que vem sendo construídas e implementadas nas duas últimas gestões de governo ao construir diretrizes curriculares e fortalecer a gestão democrática para a organização do trabalho pedagógico na escola percebe-se que, se pensadas a partir dos sujeitos concretos é necessário ampliar o olhar. Se na perspectiva da garantia dos direitos civis e sociais a escola tem a função de trabalhar os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade com todas e todos há que se pensar sobre que conhecimentos são esses, sobre sua universalidade. Entendendo que conhecimentos podem referendar o status quo ou fundamentar a busca pela transformação da sociedade e que é na perspectiva da transformação social que essa Secretaria de Estado orienta o trabalho com os conteúdos, é preciso assumir o posicionamento político de abordar os conteúdos de gênero, relações étnico-raciais e diversidade sexual na escola, ao entender que com a ampliação do conhecimento enfrenta-se o preconceito e reduzem-se as práticas discriminatórias e excludentes. É preciso reconhecer que a criação desse espaço num Departamento focado na diversidade dos sujeitos não se fez num vácuo. A ampliação progressiva desse espaço para a reflexão sobre a diversidade na escola é um processo amplo que situa-se no avanço dos novos movimentos sociais e suas trajetórias históricas de conquista de direitos e diálogo com as instâncias governamentais. (SECAD/MEC, 2007, p. 13) Na história da discussão de direitos humanos, gênero e diversidade sexual pontuada no Caderno de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar 4698 preconceitos, publicado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD/MEC destaca-se a participação da sociedade através de seus movimentos sociais na abertura de espaço para a reflexão afirmativa sobre gênero e diversidade sexual na escola: […] pressionado por grupos de pessoas soropositivas e vivendo com Aids, o Ministério da Saúde desenvolveu um trabalho pioneiro e exitoso no enfrentamento da síndrome que, na segunda metade da década de 1990, tornou-se referência mundial, inclusive no que concerne à luta contra preconceitos. Os/as técnicos/as da área da saúde entenderam que de pouco serviriam os esforços no combate à Aids se acompanhados apenas por mais investimentos na pesquisa e no tratamento das pessoas. Tais profissionais da saúde dedicaram-se a construir, junto com a sociedade, um modelo de prevenção pautado pela promoção da saúde e pela humanização do tratamento e, mais do que tudo, pelo enfrentamento do preconceito e da homofobia. Vimos, a partir daquele momento, produção e ampla divulgação de material informativo, organização de cursos, formação e capacitação de profissionais e incessante lançamento de campanhas dirigidas a todos os públicos, inclusive o escolar. (BRASIL/MEC/SECAD, 2007. p. 13) Nesse sentido temos no Paraná ações voltadas para a educação sexual fazendo-se presentes no contexto do final da década de 90. A sanção das Leis Estaduais nº11.733 e nº11.734 demarca uma preocupação governamental com a temática ainda pautada no enfoque da doença. Tratam-se de leis que autorizam campanhas de educação sexual nos estabelecimentos de ensino e obrigam a veiculação de programas de informação e prevenção a AIDS para os alunos de primeiro e segundo graus, portanto pensadas a partir de uma ação pontual específica “campanhas de prevenção” que ao que tudo indica não comporiam uma política educacional mais ampla. O destaque público dado a epidemia da Aids faz com que o tema da sexualidade que, durante muito tempo foi abordado de forma velada, passe a ser pontuado nas escolas: Em um país que assistia a uma série de mudanças comportamentais, a necessidade de se fazer frente a Aids fez com que organismos oficiais, tais como o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, passassem a estimular projetos de educação sexual, nos finais dos anos 80 e anos 90. Contudo, assim como ocorreu em diversos outros países desde o fim dos anos 1970, muitas iniciativas em que se abordavam as temáticas relativas à sexualidade acabaram por alimentar uma visão conservadora de educação sexual – uma espécie de política sexual voltada a conter ameaças à família e ataques a normalidade heterossexual (WEEKS, 1999, 76-77). A criação dessas leis no Paraná coincide com um contexto político de terceirização da 4699 responsabilidade para com a política educacional através da criação de organizações sociais que passam a gerir a educação no estado. A educação no governo Lerner foi marcada pelas péssimas condições de trabalho nas escolas, precarização estrutural e na organização pedagógica pelo empobrecimento do currículo da escola que se esvaziava em ações pontuais, formalizadas como projetos, que fragmentavam o conhecimento tratado na escola a partir de questões que nem sempre condiziam com as suas demandas, pois muitas vezes eram pautadas por questões externas à escola. Trazer a sexualidade como temática para a escola, apesar dos limites dessa abordagem, contribuiu para a visibilidade desses temas no espaço escolar. Focadas na epidemia da Aids diversas ações das secretarias de saúde entendiam a escola como esse espaço de atuação e enfrentamento a epidemia, contudo a assunção de uma política educacional pública que trouxesse o conhecimento como possibilidade de transformação e empoderamento dos sujeitos vulneráveis se daria numa outra perspectiva de gestão. No contexto político nacional a participação do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) brasileiro com estratégias de pressão por políticas públicas trazia novas perspectivas para a visibilidade dessas temáticas. Aprofundava-se a percepção de que grupos LGBT possuem considerável capacidade estratégica não apenas em ações de prevenção da Aids, mas também em ações de formação para o enfrentamento da homofobia. Paralelamente, consolidava-se a compreensão de que a escola é, entre outros lugares, um espaço privilegiado de formação cidadã e de luta contra toda espécie de preconceitos. (BRASIL/MEC/SECAD, 2007, p. 14) No Paraná, as ações educativas coerentes com essa compreensão se intensificaram com a reestruturação da SEED, em 2007, e a criação do Departamento da Diversidade no interior do qual se constitui uma equipe de Sexualidade e Prevenção ao uso Indevido de Drogas. Inicialmente, acreditou-se que esses temas pudessem ser encaminhados em conjunto, mas, em 2008, esta equipe foi transferida para a Diretoria de Políticas e Programas Educacionais – Coordenação dos Desafios Educacionais Contemporâneos, e depois as demandas foram separadas. Constituiu-se, então a equipe de Sexualidade, com enfoque na produção de materiais de apoio pedagógico e na formação continuada das/dos profissionais da educação. Em janeiro de 2009, numa nova reestruturação essa equipe foi inserida no Departamento da Diversidade – DEDI. Ao assumir essa demanda educacional na perspectiva da diversidade dos sujeitos que a 4700 compõe a Secretaria de Estado da Educação firma o compromisso com a inclusão social desses sujeitos. Na concepção do Departamento da Diversidade essa temática extrapola a dimensão da matriz curricular para alcançar uma concepção ampla de currículo, que é pensado para além da sala de aula, alcança o pátio da escola, o espaço das refeições, a gestão democrática do espaço público. Esse redirecionamento incluiu de forma mais expressiva a discussão sobre as relações entre os gêneros e da diversidade sexual nas políticas públicas educacionais reconhecendo os sujeitos das relações entre os gêneros e da diversidade sexual como sujeitos de classe, com direitos civis e sociais, que precisam ser garantidos nos espaços escolares. Essa postura político-pedagógica determinou a definição do Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual – NGDS. Partilhando da compreensão de Guacira Lopes Louro, autora que é referência para nosso trabalho compreendemos os sujeitos como tendo identidades plurais, múltiplas; identidades que se transformam, que não são fixas ou permanentes, que podem, até mesmo, ser contraditórias. Assim o sentido de pertencimento a diferentes grupos – étnicos, sexuais, de classe, de gênero, etc. - constitui o sujeito e pode levá-lo a se perceber como se fosse “empurrado em diferentes direções”, como diz Stuart Hall (1992, p 4). Ao afirmar que o gênero institui a identidade do sujeito (assim como a etnia, a classe ou a nacionalidade, por exemplo) pretende-se referir, portanto, a algo que transcende o mero desempenho de papéis, a idéia é perceber o gênero fazendo parte do sujeito, constituindo-o.(1997, p. 25) (grifos da autora) Nesse sentido os referenciais que orientam as discussões no NGDS são: classe, gênero, raça/etnia e diversidade sexual e as ações são orientadas pela articulação de três eixos de Trabalho: 1. Prevenção e Promoção da Saúde abordando a prevenção à gravidez na adolescência, às Dst/Aids discutindo e problematizando conceitos como o de vulnerabilidade, abuso sexual e violência sexual; 2. Gênero entendido como categoria relacional de análise construída e reelaborada historicamente. Na perspectiva da equidade das relações entre os gêneros é necessário desnaturalizar as relações de poder nelas implicadas e a invisibilidade das mulheres como sujeitos históricos. Temas como a exploração sexual de crianças, jovens e mulheres e a violência sexual são tratados de forma articulada ao conceito de gênero. 3. Diversidade sexual abordando os direitos civis e sociais, o preconceito e discriminação por assunção de identidades sexuais não hegemônicas, a construção social da sexualidade e das as diferentes constituições familiares e os diferentes discursos que incidem sobre os sujeitos 4701 (religioso, midiático, científico) Esses eixos são abordados através de políticas públicas educacionais de formação continuada das/os profissionais da educação, produção de material didático e informativo que provoquem essas reflexões na escola buscando contribuir para enfrentar a evasão escolar de sujeitos vítimas de preconceito e discriminação. Temos como desafio provocar as/os diferentes sujeitos da escola a perceber, questionar e interpretar por meio de conhecimentos específicos as relações de preconceito existentes no seu interior e na sociedade e construir coletivamente encaminhamentos metodológicos para essas questões na escola. Nesse sentido temos como princípios a gestão participativa e democrática; a defesa do acesso e permanência da população LGBT nas escolas públicas; o enfrentamento da evasão escolar das pessoas travestis e transexuais na escola pública; a aproximação com os movimentos sociais de mulheres e dos movimentos LGBT; a adoção, gradativa, da linguagem de gênero nos documentos oficiais, cursos de formação e materiais produzidos pela Secretaria de estado da educação. Tendo em vista a necessidade permanente de subsidiar teórico-metodologicamente os encaminhamentos referentes às discussões dos eixos de trabalho propostos pelo NGDS nas escolas; de constituir gradativamente grupos de trabalho multidisciplinares nas escolas e nos Núcleos Regionais de Educação para estudos, reflexões e encaminhamentos das temáticas propostas de gênero e diversidade sexual nos diferentes espaços escolares e; pautadas nesses princípios, o NGDS desenvolve suas ações. São ações de enfrentamento ao preconceito e discriminação orientação sexual e identidade de gênero nas escolas tais como a Campanha de mobilização Estadual pela superação do preconceito e da discriminação por identidade de gênero e orientação sexual na escola que visa a sensibilização e orientação às escolas em relação à garantia do direito civil constitucional à educação para todas as pessoas ou a gravação de programas de TV (TV Paulo Freire) com professoras/es lésbicas, gays, travestis e transexuais – LGBT, da rede estadual de educação abordando o preconceito e a discriminação. Um ponto central das nossas ações são as políticas de formação continuada para as/os profissionais da educação. Duas grandes ações estão sendo desenvolvidas nesse sentido: O Curso de Gênero e Diversidade na escola e o Projeto Saúde e Prevenção na Escola. A Prevenção e Promoção da Saúde das/dos estudantes é focada através do Projeto Saúde e 4702 Prevenção nas Escolas (SPE) em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde. O projeto é desenvolvido em todos os Estados da federação, fundamentando-se na abordagem de assuntos pertinentes à prevenção de DST, HIV e Aids, da gravidez na adolescência, do uso indevido de drogas e também relacionados às relações entre os gêneros e à diversidade sexual no espaço escolar, dentre outros assuntos. A implantação desta ação nos 399 municípios do estado do Paraná, em consonância com as Diretrizes Curriculares Estaduais e demais concepções político-pedagógicas da SEED está acontecendo com a oferta de 8 cursos de formação continuada para os 32 Núcleos Regionais de Educação _ NRE, desenvolvidos em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde – SESA, sendo cada curso de 20h/a, e atenderá aproximadamente 2.000 professores/as das diversas disciplinas da Educação Básica da rede estadual de ensino, representantes da SEED e, cerca de 2.000 técnicos/as de saúde da SESA e dos municípios, com distribuição de material de apoio pedagógico. Como parte desse projeto pretendemos envolver alunas e alunos das escolas estaduais, professoras e professores da rede pública estadual de ensino e técnicas/os de saúde no I Encontro Estadual de Prevenção e Promoção da Saúde de adolescentes e jovens participantes do SPE, que será desenvolvido em parceria com a SESA em Faxinal do Céu. Para abordar as relações entre os Gêneros, Diversidade Sexual e relações étnico-raciais de forma integrada essa Secretaria assumiu em parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa um projeto desenvolvido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, Ministério da educação através da SECAD além do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos CLAM do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Curso Gênero e Diversidade na Escola. O curso, com carga horária de 200 horas, sendo 170 a distância e 30 presenciais, atenderá 1.500 professoras e professores das diversas disciplinas da educação básica da rede pública estadual de ensino. O Núcleo também realizará ainda em novembro de 2009 o I Seminário Estadual de Igualdade de Gênero e Diversidade Sexual – em parceria com a SESA, com a Pontifícia Universidade católica da Paraná, com o Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR e com a Secretaria de Gênero e Igualdade Racial da APP. Nesse seminário de três dias será lançado oficialmente o I Caderno Temático de Sexualidade, com a presença dos autores e autoras dessa publicação, numa noite de autógrafos. 4703 Outra importante ação do NGDS se pauta na pesquisa e produção de materiais pedagógicos abordando as temáticas de gênero e diversidade sexual e sua interface com a realidade das escolas públicas da rede estadual de ensino. O I Caderno Temático de Sexualidade, já finalizado aguardando a impressão de 60.000 cadernos para que cada professora e professor da rede receba um exemplar. O Caderno conta com textos de fundamentação teórico-metodológica sobre Gênero e Diversidade Sexual e é acompanhado de um DVD com dois vídeos educativos sobre Questões de Gênero na Escola, com a professora Dra. Guacira Lopes Louro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Educação Sexual na Escola, com a professora Dra. Jimena Furlani, da Universidade do Estado de Santa Catarina. O I Caderno de Gênero e Diversidade Sexual está em processo de elaboração e contará com temas de grande relevância tais como: Gêneros e Sexualidades nas Práticas Escolares, Relações Étnico-Raciais, Discurso Religioso, Mídias, na escola se aprende que a diferença faz a diferença, gravidez na Adolescência, Prevenção de DSTs, HIV e AIDS, Violências Sexuais e de Gênero, Direitos, Exclusão e Sexualidades, Lesbofobia, homofobia e transfobia na Escola, famílias contemporâneas, violência contra a mulher: como a escola pode atuar na implementação da Lei Maria da Penha, Prostituição: prazer e violência, implicações jurídicas para uma educação escolar preconceituosa e discriminatória, produção das masculinidades nas aulas de Educação Física. A exemplo do primeiro este Caderno será acompanhado de um DVD com dois programas sobre os temas abordados. Conclusão Diante das ações propostas e já realizadas pelo Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual vislumbramos algumas transformações importantes. Entendemos que a realização da propalada bandeira da educação para todos requer a reflexão e o enfrentamento da discriminação que envolve as relações de gênero e a diversidade sexual no espaço escolar. E quando falamos em nossos sujeitos da diversidade, vale lembrar que não é de minorias que estamos falando. O desafio de incluir apenas uma letra nessa perspectiva, a letra “A” nesse caso representa na realidade a inclusão de metade da população em idade escolar, a população feminina. Dizer, pensar e defender a educação para todos e todas implica em assumir o posicionamento político de primeiro reconhecer a desigualdade das relações historicamente construídas entre os gêneros e entre a diversidade dos sujeitos históricos. Reconhecer a 4704 desigualdade para, a partir desse reconhecimento, assumir políticas que contribuam para a transformação dessas relações desiguais rumo a uma perspectiva de equidade de condições sociais e econômicas tanto pensando as relações de classe como as de gênero, etnias, culturas e identidades. Inspiradas na frase de Boaventura Souza Santos que afirma “o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (SANTOS, 2001, p.28) buscamos uma concepção multicultural de direitos humanos que nos auxilie no enfrentamento das práticas discriminatórias. Entendemos que os conhecimentos de relações de gênero, sexualidade e relações étnico-raciais incluídos no currículo da escola são fundamentais. São conhecimentos que contribuem para a promoção da igualdade de condições de acesso e permanência dos diferentes sujeitos na medida em que promovem o respeito à diversidade cultural. O trabalho com esses conhecimentos no cotidiano da sala de aula, instrumentaliza a reflexão e desnaturaliza a exclusão social. Reconhecer a sociedade, suas relações e a historicidade das mesmas é um passo importante na busca de um posicionamento crítico e transformador diante da realidade e esse tem sido o nosso trabalho. REFERÊNCIAS BENTO, Berenice Alves de Melo. O que é transexualidade. São Paulo; Brasiliense, 2008. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Qualidade da educação : uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 8ª série do ensino fundamental. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7BC00EFE24-1160-4D1A-869548061763945C%7D_qualidade_educa.pdf>. Acesso em: junho 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Caderno de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Brasília, 2007. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de janeiro: DP&A, 2006. 4705 LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós estruturalista. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. SANTOS, Boaventura Souza. Para uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Revista Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol 23, nº1, Janeiro/junho de 2001. p. 7-34. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.