As políticas de cotas em universidades públicas vêm sendo

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POLÍTICA DE COTAS EM UNIVERSIDADES PÚBLICAS: IGUALDADES E
DESIGUALDADES NO ASPECTO SOCIAL DA CONSTITUIÇÃO.
José Aurelio Kovalczuk de Oliveria1
Resumo
As políticas de cotas em universidades públicas vêm sendo nos últimos anos muito questionada,
tanto acerca de sua validade, quanto sobre sua constitucionalidade ou não. Desta forma, podem-se
observar determinadas posições, argumentos e opiniões acerca desta maneira de inclusão social.
Aspectos sociais como a “camuflada” discriminação às classes sociais mais pobres tendem a ser uma
das razões para se implementar essas políticas em universidades públicas, porém o aspecto
fundamental é a tentativa de proporcionar uma igualdade, não só perante o direito, mas sim uma
igualdade de oportunidades, para que assim, se torne uma igualdade de fato. Além disso, as políticas
de cotas têm caráter temporário, favorecendo àqueles que a simples execução do direito não abriga, e
tem como finalidade maior uma estruturação do sistema educacional brasileiro, principalmente o
deficitário ensino fundamental nas escolas públicas. Na busca pela redução das desigualdades
econômicas e culturais, bem como na intenção de manter a harmonia social, a Constituição de 1988
protege e outorga ao Governo Federal o dever de proteger os grupos “excluídos”, ou desamparados
pela simples imposição do direito. Apresentam estas ações de inclusão caráter lícito e constitucional,
contudo, devem ser aplicadas de maneira planejada, estruturada e eficazmente, atendo a todo o
contexto social da Nação.
Palavras-chave: Política de cotas universitárias; Ações afirmativas na educação; Cotas e
constituição; Igualdade; Educação.
Introdução
As políticas de cotas em universidades públicas se apresentam em evidência nas
instituições de ensino, públicas e privadas, bem como têm sido pauta constante nas discussões de
sociólogos da educação, operadores do direito, e da sociedade como um todo. Desta forma, neste
artigo, apresentam-se os aspectos inerentes a tal medida, num primeiro momento no que se refere à
parte sociológica, haja vista que todo e qualquer relacionamento se pauta nos reflexos que a
sociedade deseja, ou visa proteger; e num segundo momento, quanto à parte jurídica já que tais ações
têm sido realizadas a partir de normas. Assim, busca-se trazer esclarecimentos no que tange à
matéria, procurando integrar as duas áreas do conhecimento.
1
Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito pela FAP – Faculdade de Apucarana.
A questão sociológica das políticas de cotas
A exclusão de determinadas classes da educação não é um problema inerente
apenas à sociedade brasileira, ou restrita a ela. O tema é de grande repercussão mundial, tendo na
Europa, com a chegada da revolução industrial e as mudanças decorrentes dela na sociedade, uma
vasta doutrinação a respeito do assunto.
Para a Sociologia da Educação, traz em si a expressão de como o capitalismo
divide as classes, entre trabalhadores e proprietários, também no campo do conhecimento. Estes
estudos sociológicos com base na educação demonstram como a sociedade vem se adaptando às
novas tecnologias e à economia, bem como à organização cultural, a partir das revoluções industrial
e francesa.
Perde-se, desta forma, a concepção até então tida sobre a educação. Como salienta
Vieira (1996, p. 93): “com a expansão do capitalismo industrial, a formação educacional converte-se
em formação permanente, o planejamento da Educação ganha escala mundial, os espaços utilizados
para a formação perdem a aparência de neutralidade e mostram as contradições econômicas, as lutas
políticas e a discriminação social”.
Assim, a concepção de educação voltada aos moldes capitalistas trata as classes em
diferentes níveis, conforme as convém, isto é, para a organização capitalista até então estruturada
mundialmente, a educação era um meio de qualificar sua mão-de-obra e não um instrumento para
promover o bem estar social. Os fins eram, ou são até hoje em muitos lugares, o lucro acima de tudo.
Esta ordem baseada na doutrinação dos trabalhadores faz alusão ao que chamamos
reprodutivismo, que é a reprodução da sociedade na educação. Por meio da coerção imposta pelos
grupos dominantes, a educação se divide, favorecendo quem domina. A partir daí, o Estado, por
intermédio da influência desse grupo dominante passa a exercer uma massificação de pensamento no
outro grupo, traçando uma ideologia a ser seguida.
Por fim, a escola se divide entre aqueles que têm um estudo com qualidade voltado
essencialmente aos proprietários e seus protegidos e aos que têm um ensino voltado para o trabalho,
à produção de mão-de-obra, destinado aos proletariados. Conforme especifica Vieira (1996, p. 65):
“as práticas escolares combinam a formação da força de trabalho com a dominação das consciências
dos alunos, submetendo seu modo de pensar, sentir e agir”.
Essa desigualdade educacional afeta consideravelmente a sociedade. A
neutralidade no ensino desaparece, fazendo com que a disparidade de conhecimento seja transmitida
através das gerações, gerando uma estagnação no conhecimento de uns e o favorecimento do
conhecimento de outros.
O grupo dominante sempre terá prevalência sobre os demais, e isso vai se tornando
mais evidente com o passar dos anos e o crescimento da sociedade. As desigualdades se transmitem
e se reproduzem, e geram uma ideologia social em que os dominados não têm acesso e se
“acomodam” nesta situação. Com o passar do tempo, originam-se classes excluídas, bem como a
classe trabalhadora passa a ter uma concepção mais ampla, adquirem um status diferente e próprio do
capitalismo, o status social.
No Brasil, a educação tem um aspecto antecedente à formação do capitalismo e ao
surgimento das revoluções Industrial e Francesa. Há em peculiar um processo que se forma no ânimo
da sociedade brasileira, desde o momento de sua formação, ou podemos entender, até mesmo pelo
modo como se deu a colonização no país.
Devido à forma com que foram tratadas as classes menos favorecidas, desde a
época do Império, mesmo no período colonial, até as ultimas décadas do século XX, houve a
formação de uma “sociedade de excluídos”, ou melhor, uma sociedade em que a exclusão se
apresenta de forma mansa, calma, mas que atinge grande parte da população.
Essa exclusão ou falta de acessibilidade acontece desde os primórdios da sociedade
brasileira: com os escravos, negros, no período colonial, e as fortes fazendas produtoras de cana-deaçúcar; com os imigrantes oriundos Europa, nas grandes fazendas produtoras de café; e também, da
sociedade brasileira moderna, que no começo do século XX descobriu na mão-de-obra abundante no
país um meio de obter lucro, tendo como base a exploração do trabalhador, desfavorecido de
conhecimento e condição financeira adequada para a simples subsistência.
Essa história sócio-cultural do Brasil vem através dos tempos moldando as
características da sociedade brasileira, traça um perfil ideológico sobre o cidadão brasileiro fazendo
alusões a perfis de grupos étnicos, sociais e regionais. Por se tratar de um país de dimensões
continentais, o Brasil apresenta grande disparidade cultural. Assim, cada região se faz de suas
próprias características. Esses caracteres traçados são tanto de maneira cultural como em relação ao
desenvolvimento.
Essa herança traz reflexos na sociedade moderna. A ordem de reflexos varia de
região para região, mas em todas elas os contrastes são bem visíveis, principalmente quanto aos
níveis de escolaridade e por ventura de condições econômico-sociais. A ordem de contrastes
influencia a sociedade brasileira como um todo, começando pelo aspecto cultural, que inibe o
crescimento da nação como um todo. O crescimento só ocorre, na maioria das vezes, em
determinados grupos que tendem a ascender quando adquirem uma cultura que os torna viáveis à
sociedade, ou aos grupos dominantes que mantém sua posição há séculos.
Sobre o aspecto-social econômico apresentado na sociedade brasileira quanto à
influência na cultura e na educação da população, Afrânio Peixoto referia-se às elites em 1923:
Sobre a formação das elites (...) no Brasil se está processando a seleção dos incapazes feita
pelo ensino secundário; na escola primária o filho do rico, irmanado com o pobre, são os
bens e maus aluno, mas como os pobres são infinitamente mais numerosos, se têm
numerosos alunos maus, têm também muitos bem-dotados: digamos, se em 10 ricos há um
aluno inteligente, em 90 pobres haverá 9 alunos iguais a esse rico (...) Vai começar o ensino
secundário. Mas o pobre não pode freqüentá-lo; o liceu, o ginásio, o colégio custam caro. Os
90 pobres vão para as fábricas, para a lavoura, para a mão-de-obra. Os 10 ricos, esses farão
exames, depois serão bacharéis, médicos, engenheiros, jornalistas, burocratas, políticos,
constituirão a elite nacional (...) Mas como nesse 10, apenas 1 é inteligente, essa ‘elite’ tem
apenas 0,1 de capacidade (Apud VIERA, 1993, p.88).
Como exposto acima, a sociedade brasileira sempre preservou a “capacidade” dos
nobres, em contrapartida as classes menos favorecidas socialmente sempre se ofuscaram perante a
educação e a constituição do poder, tanto intelectual, quanto político-econômico do país. Isto se
aplica atualmente em nossa sociedade, mesmo não sendo nos moldes explanados por Afrânio
Peixoto, mas, por analogia, ainda sim continuam os “pobres” sendo afastados dos cursos de ensino
superior, que por ventura originam as profissões mais almejadas e bem vistas pela sociedade.
Por outro lado, há uma tentativa de cessar, ou ao menos diminuir, essas
desigualdades. Com a nova concepção que vem se estabelecendo em ordem mundial, a preocupação
com o bem estar social, a qualidade de vida da população, e acima de tudo, a acessibilidade a todos,
independentemente de qualquer forma de segregação, vêm interferindo no regime econômico e nas
características dos modos de governos provenientes do capitalismo.
Passa a ter, portanto, um aspecto sociológico dentro dos regimes capitalistas.
Preocupa-se com a sociedade e cada nicho pertencente a ela. O regime de governo capitalista passa a
abranger sua compreensão, inserindo a qualidade de vida para aqueles que são a “engrenagem” deste
sistema. Uma sociedade onde há maior instrução, e uma acessibilidade à qualidade de vida adequada
há de consumir mais, e manter, portanto, vivo o ideal de capitalismo baseado no consumo, e
conseqüentemente na lucratividade.
O Brasil, em busca dessa qualidade e da redução de desigualdades na sociedade,
apresenta como alternativa o investimento na Educação, principalmente na educação de nível
superior. Para isso, utiliza-se de um projeto de ações afirmativas, que incluem no ensino superior os
grupos até então “excluídos”.
Ações afirmativas são políticas sociais, as quais têm como intuito a inserção de
determinados grupos sociais na sociedade, diminuindo as desigualdades. A acessibilidade e a
paridade nas condições de vida são os focos das políticas sociais, bem como as ações afirmativas.
Tais políticas têm como caráter a periodicidade, isto é, devem ser aplicadas em determinadas
circunstâncias até que haja um efetivo progresso nas condições do grupo, ou dos grupos, que se
procura proteger na sociedade. Portanto, têm caráter temporário.
No Brasil, por meio da Secretaria de Igualdade Racial, bem como o Governo
Federal, há a aplicação dessas ações afirmativas, tendo como foco principal a inclusão de negros e
índios nos mais diversos setores da sociedade. Dentre essas políticas sociais, há a chamada “política
de cotas”, em especial, aquelas referentes a universidades púbicas. Estas políticas têm como
finalidade dar plena igualdade ao acesso às universidades públicas estaduais e federais de todo o
território nacional. Nos casos desse tipo de ação afirmativa, em se tratando de universidades, a
abrangência vai além das condições raciais, atendendo também, em alguns casos, estudantes
provenientes de escolas públicas.
Essas políticas de cotas universitárias trazem consigo um questionamento sobre a
atual condição da Educação no país, tanto nas universidades como nas escolas de ensino fundamental
e médio. Promovem uma mobilização da sociedade a ponto de instigar a reflexão sobre o ensino
público no país, principalmente quanto aos aspectos legais, constitucionais, dessas políticas de cotas
nas universidades públicas do país.
A questão jurídica das políticas de cotas
Conforme a Constituição do Brasil, promulgada em 1988, o constituinte procurou
proteger bens essenciais ao cidadão. Ao versar sobre os direitos e garantias fundamentais do cidadão,
no Título II, Capítulo I, desta Constituição, estabelece no artigo 5º que: “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”,
sendo assim, subentende-se que reger-se-á o assunto com base em princípios, tais como o da
isonomia e da legalidade.
Ao expressar a inviolabilidade à igualdade e versar: “Todos são iguais perante a
lei...”, garante claramente o legislador o princípio da isonomia, fundamental para a análise em
questão. Este princípio tenta proteger e dar igualdade a todos os cidadãos que estão sob a guarda da
Carta Magna. Esta igualdade, porém, apresenta de diferentes formas, ou seja, quanto a seu ideal,
referente a um aspecto deontológico, isto é, um “dever ser”, e quanto a sua aplicabilidade efetiva na
sociedade, relacionando-se com o direito em vigência. Há de se falar, portanto, em uma igualdade
substancial ou material, no primeiro caso; e uma igualdade formal, no segundo.
Para Bastos(2002, p. 317), “a igualdade substancial postula o tratamento uniforme
de todos os homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma
igualdade real e efetiva perante os bens da vida”.
Este tratamento igual perante o direito acaba por acarretar um ônus a aqueles que
não estejam em plena igualdade no plano social. As diferenças inerentes a cada um em determinados
momentos, áreas ou situações fazem com que a acessibilidade a tal direito se torne difícil. A
igualdade formal ao não levar em conta fatores histórico-sociais faz por discriminar, ou excluir, as
classes menos protegidas da acessibilidade a alguns direitos fundamentais.
Isto posto, busca o legislador alcançar a igualdade não de maneira jurídica e
abstrata, mas também envolver de maneira aplicável, plena, ou seja, uma igualdade de fato.
Impossível de ser realizada através de meios comuns de controle social, a isonomia se perde em dado
momento para um benefício maior e uma tentativa de igualar as condições sociais de determinados
grupos quando se faz presente pela discriminação positiva. Por assim, entende-se cabível desfazer da
isonomia presente na constituição temporariamente e aplicar uma discriminação tida como legal,
como a seguir exposto:
Na disciplina do princípio da igualdade, o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a
seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica
de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de
estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma
igualdade de oportunidades com os demais indivíduos da sociedade, que não sofreram as
mesmas espécies de restrições (ARAUJO, 2008, p.134).
O legislador se expressa a favor dessa orientação na Constituição de 1988, em
alguns artigos, como, por exemplo, o artigo 37, inciso VIII, que faz alusão à reserva de vagas para
portadores de deficiência em cargos públicos; e o artigo 7º, inciso XX, que garante a proteção do
trabalho da mulher de acordo com lei específica. Assim sendo, fica claro que o legislador é de pleno
acordo com as ações afirmativas, buscando garantir pela lei a igualdade que cada um deve ter perante
as oportunidades em decorrência do próprio Direito.
Ainda, no título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo I, “Disposições Gerais”, da
Constituição, tem-se o seguinte: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
Como exposto, os objetivos da ordem social são o “bem-estar e a justiça sociais”,
portanto, promover a proteção a aqueles que por ventura sejam socialmente prejudicados. Ainda, no
que infere estritamente a justiça social, por analogia, entende-se que a acessibilidade presente nas
políticas de cotas universitárias se enquadra no ordenamento, recebendo assim, em primeira análise,
um respaldo constitucional.
Visto que a Constituição tenta garantir uma isonomia entre todos os cidadãos, e
enquadra dentre os objetivos de ordem social a justiça social, a política de cotas universitárias;
portanto, é incumbida não só de um tratamento puramente social e de contraprestação históricosocial, mas também como um dever da Nação, perpetrado na Lei Máxima de nosso ordenamento
jurídico.
Tratando ainda do Art.193, da CF/88, a ordem social tem como base o primado do
trabalho; destarte, deve assegurar a seus cidadãos a livre oportunidade de acesso a desenvolver suas
aptidões, tanto físicas quanto intelectuais que por ventura venham a garantir o disposto no referido
artigo, e conseqüentemente atendendo ao que é tido como um “primado” para a sociedade brasileira.
Essa opção do constituinte deu origem ao que denominamos de Constituição Social, ou seja,
o conjunto de normas constantes na Constituição predispostas à regração da ordem social,
entendida de maneira a abranger os setores onde o Estado deva intervir por meio de
prestações sociais, seja indicando direitos aos indivíduos (seguridade social), seja intervindo
na realidade para propiciar um sistema de relações sociais mais equilibrado e justo
(ARAÚJO, 2008, p. 483).
A Constituição, portanto, tem como fundamento explícito o dever de promover,
através de intervenções na realidade social, formas de tornar equilibrada e justa as relações sociais.
Destarte, tem como dever, a promoção de inclusão de alguns grupos e aprimoramento das relações
sociais destes, nas situações em que são abundantemente prejudicados, como no caso da educação, a
dificuldade de acesso ao ensino superior, principalmente em universidades públicas. As relações
daqueles oriundos de um ensino deficitário, em que as condições histórico-sociais influem de
maneira negativa no desenvolvimento do cidadão, fazem com que o equilíbrio entre os demais entes
da sociedade e também concorrentes a vagas universitárias se desfaça.
Para garantir a isonomia prevista na Constituição, que como já visto é uma
igualdade sobre um direito, o constituinte inseriu em alguns artigos e princípios, os quais devem
reger a sociedade, cabendo a lei específica “discriminar” para tornar a aplicabilidade dos direitos
inerentes a todos algo justo. Tratando de direitos adquiridos na Constituição de 1988, quanto à
acessibilidade e ao dever do Estado em reger e propiciar a plena igualdade de direito a todos, temos o
seguinte:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos municípios:
[...]
V – propiciar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
[...]
X - combater as causas de pobreza e fatores de marginalização, promovendo
a integração social dos setores desfavorecidos;
[...]
Está explícito que o dever do Estado, dentro dos ditames constitucionais, é
promover a “integração social dos setores desfavorecidos”, bem como “propiciar os meios de acesso
à cultura, à educação e à ciência”. Por analogia, entende-se que ao implementar uma política de
acessibilidade e promoção de determinados grupos, o Estado tende a seguir o que está disposto na
Constituição.
Em se tratando de políticas de cotas em universidades públicas há de se falar em
quais são os grupos que abrangem este programa. Dentre os grupos atendidos temos os egressos de
escolas públicas, negros e índios.
Ao instituir o Estado Democrático de Direito, o constituinte assegura no preâmbulo
constitucional que se deve “[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias [...]”.
Em decorrência disto, entende o direito que a sociedade tem como base a ausência
de preconceitos, bem como dar o alicerce necessário para que o cidadão se desenvolva e ajude a
cumprir os ditames que regem a sociedade. Desta forma, aludindo as políticas de cotas em
universidades, tal ação faz com que a iniciativa de cumprir o que é base, objetivo e princípio
constitucional em busca da sociedade fraterna e harmonia social.
Apesar do transcrito até o momento sobre as políticas de cotas e os aspectos
constitucionais favoráveis, há ainda uma resistência sobre tal assunto, uma concepção contrária à
implementação de tal sistema. Ocorre na visão destes, a inclusão por características subjetivas, como
cor, raça, e o teor social, ferindo a Constituição no que tange à igualdade e ao preconceito, à
diferenciação. Esta abordagem leva em consideração o artigo 3º da Constituição, que em seu inciso
IV, cita a proibição de qualquer distinção mediante cor, raça, ou quaisquer outras formas
discriminatórias. Amparados, ainda, no Preâmbulo Constitucional que cita em assegurar direitos sem
preconceitos, põem à tona a discussão em decorrência da implementação deste sistema.
Por hora, entende-se como plausível tal argumentação, visto que a simples
diferenciação, por raça, cor ou classe social, faz com que se exclua uma camada da ampla sociedade
da concorrência, e, de uma maneira positivista em relação ao direito, passa a ser entendida como
discriminação.
No entanto, tal pensamento positivista, concentra seus argumentos em
características constitucionais superficiais, meramente explícitas em alguns artigos. Essa
especificação a que se refere a Constituição tem como principal finalidade evitar o abuso das classes
dominantes, bem como daqueles que por algum momento detêm o poder e o controle sobre a nação.
Verificando-se a real intenção do constituinte, é facilmente observado que o
propósito em questão, as políticas sociais, é tomado e visto com cuidado por este. Há em todo o
momento e diversas partes da CF/88, inclusive em seu preâmbulo, a preocupação com a real situação
da população, do cidadão, e, assim sendo, da sua qualidade de vida e da acessibilidade aos direitos
que a Carta Magna lhe garante.
No entanto, para Moraes (2005, p.28):
(...) quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o
intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de
forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns
em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada
qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da
harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.
É o caso das políticas de cotas nas universidades, que estão em conflito um direito
de realizar a livre concorrência, de maneira democrática, sem discriminação, e as medidas de
proteger aqueles que não têm acesso, nem a oportunidade de usufruir de tais direitos.
Ao tomar como base a política de cotas universitárias, entende-se que a sociedade
dá um mais um passo para uma estruturação que a fortifique, de maneira eqüitativa, que atenda aos
cidadãos e às regras que a regem. Atende a real intenção do agrupamento das normas, a estabilidade
das relações sociais. Apresentar o direito e perante este reger a sociedade é um erro crasso, que pode
levar a sociedade à ruína, ou então, fixar uma dupla concepção de regras. O direito deve ser utilizado
para atender a finalidade para a qual foi criado, que é a de regular e propiciar uma qualidade de vida
ao homem e seus iguais.
A Constituição de 1988 resguarda, portanto, valores que devem ser preservados na
sociedade, bem como tenta proteger os hipossuficientes do abuso dos poderosos e do próprio Estado.
No que tange à discriminação, é importante salientar que o Brasil é um país de grande miscigenação,
de difícil caracterização de raças puras, na maioria dos casos, tornando também difícil a
especificação da origem das pessoas quanto aos seus grupos de ancestrais. Porém, um fato é de ser
levado em consideração, o da discriminação racial e social, que se apresenta de maneira tênue, e
disfarçada em alguns casos, mas que está implícita na cultura brasileira.
Apesar de estar disposto na Leia Maior, a sociedade acaba recebendo influências
decorrentes da história e aceita tais preceitos, de maneira mais amena, mas que ainda são fatores
relevantes e que impedem o crescimento da sociedade como um todo, e conseqüentemente
enfraquecem o regime democrático da República.
Esta maneira de camuflar a discriminação é que faz com que as políticas de cotas
em universidades encontrem resistência. É nítido que aqueles que possuem condições de vida
favoráveis, estudando em bons colégios, acabam por reter a grande maioria das vagas em
universidades públicas. O esforço a que muitos se referem deve ser levado em conta nesta discussão.
Após essas análises sobre a sociedade brasileira e as políticas de cotas universitárias é de fácil
compreensão que as classes menos favorecidas financeiramente encontram fortes barreiras ao acesso
à informação e a um nível de vida de qualidade.
Esforçar-se neste caso não acaba sendo suficiente frente às tamanhas dificuldades
que uns enfrentam em relação aos outros. A igualdade de competição não acaba por ocorrer na
prática. Não se trata de números apenas, mas a questão ter um direito garantido e não ter acesso a ele,
enquanto outros o têm, é que leva o legislador e algumas universidades a implantarem a política de
cotas.
Como exposto anteriormente, a política de cotas tem caráter temporário e deve ser
apenas um instrumento para ajustar as relações no que se refere a ter acesso a um direito.
Culminando com estas políticas de cotas, é necessário que o Governo Federal, através de suas
secretarias e órgãos competentes, juntamente com os Estados e Municípios, empenhe-se em produzir
uma reforma na Educação Básica do país.
As políticas de cotas universitárias só terão caráter lícito e uma plena eficácia se a
educação básica receber incentivo e a melhoria necessária para que o acesso à informação seja de
maneira eqüitativa e de melhor qualidade para todos. A igualdade formal é utópica, porém a
diminuição da desigualdade e a oportunidade de usufruir de um direito constitucional básico, que é a
educação de qualidade, devem ser levadas a sério.
Tratando do que tange a Constituição ainda, o artigo 206 faz alusão aos princípios
constitucionais do ensino e, dentre eles, em seu inciso I, está assegurada a promoção da igualdade de
condições para o acesso e a permanência na escola. Ora, ao legislar de tal forma, o constituinte
baseado na concepção sociológica predominante no país assegura a aqueles que por ventura não
tenham uma educação básica de qualidade, a prerrogativa para que possam se fazer do ensino de
maneira igual perante os demais.
Isso não justifica de forma alguma o desleixo com que é tratada a Educação Básica
em nível nacional, mas assegura a todos os cidadãos o acesso à educação com relativa igualdade. A
omissão estatal não pode ser desferida em desfavor da população. O investimento deve ser mútuo,
em educação básica e de ensino superior, de forma que as diferenças gritantes presentes hoje entre a
educação básica proveniente de ensino privado e a proveniente do ensino público sejam diminuídas.
A igualdade plena é utópica, porém as melhorias necessárias para que as condições
se equiparem, promovam o que é direito adquirido conforme a lei maior, fazendo-se valer pela
soberania do Estado e seus investimentos no setor.
Por fim, as políticas de cotas se mostraram aliadas a preceitos constitucionais de tal
forma que o bem público da sociedade e a promoção da acessibilidade à educação têm valor
fundamental para nosso ordenamento jurídico. A necessidade de regulamentação destas ações
afirmativas é tamanha para que se possa incumbir, por força de lei, aos operadores das leis e da
educação uma cobrança maior e eficiente do Estado.
Visto isso, atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº. 3.627 de
2004, que versa sobre a reserva de uma porcentagem no número de vagas oferecidas por instituições
públicas de ensino superior a estudantes egressos de escolas públicas, e que têm como prioridade a
inclusão de negros e indígenas. Há a possibilidade de ser votada em breve, estando na pauta de
discussões do Congresso Nacional.
Vale ainda dizer que as políticas de cotas nas universidades além de promover a
diminuição da desigualdade servem como meio de pressionar o Governo Federal para que invista na
educação básica. As cobranças passam a ser não só de classes mais fracas e desfavorecidas, mas da
sociedade como um todo. Uns com o intuito de melhorar a educação para promover os grupos em
que estão inseridos e outros para que cessem as reservas de vagas, tendo todos a plena igualdade de
acesso aos direitos e, assim sendo favorecendo a democracia.
Em Mello (apud MORAES, 2005, p. 728) tem-se que “A educação objetiva
propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da
personalidade do educando. O processo educacional tem por meta: (a) qualificar o educando; e (b)
prepará-lo para o exercício consciente da cidadania. O acesso à educação é uma das formas de
realização concreta do ideal democrático”.
Conclusão
Visando o esclarecimento e a informação acerca do tema abordado, política de
cotas em universidades públicas, pode-se concluir que há uma grande massa de pensamentos, idéias
e opiniões acerca do que é ou não constitucional, bem como o que se passa nos anseios da sociedade.
Anseios estes, que, de uma forma ou de outra, já se apresentam transcritos na Constituição
promulgada em 1988, tida como A Lei Maior desta Nação.
Diante do que foi exposto, fica claro que as políticas de cotas universitárias são
válidas, segundo a simples análise constitucional, haja vista a quantidade de artigos que buscam a
proteção dos grupos desfavorecidos. A aplicabilidade destas políticas, segundo os aspectos
constitucionais, não é somente válida, mas também tida como um dever do Estado e da população,
que se encontra assegurada na Constituição.
Por fim, há de se esclarecer que essas medidas sociais, como as políticas de cotas,
têm caráter temporário, como manutenção de um sistema que precisa de suporte para uma devida
melhora, neste caso, uma efetiva mudança e melhora no sistema de ensino fundamental de todo o
país. A forma como foram implantadas tais medidas, ou como estão sendo aplicadas, não entram no
mérito de sua constitucionalidade. Portanto, fica claro juridicamente que as ações promovidas pelo
Governo Federal quanto às Políticas de Cotas Universitárias são constitucionais.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional
Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos
Editora, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília,DF:
Senado Federal, 1988.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
VIEIRA, Evaldo. Sociologia da Educação: Reproduzir e transformar. 3. ed. São Paulo: Ftd, 1996.
(Coleção aprender e ensinar).
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