Dissertação de Mestrado - Janaína Soares Tizzoni

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local
POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO:
Especificidades do Atendimento Ambulatorial Prisional
Janaína Soares Tizzoni
Belo Horizonte - MG
2011
JANAÍNA SOARES TIZZONI
POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO:
Especificidades do Atendimento Ambulatorial Prisional
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Gestão
Social,
Educação
e
Desenvolvimento
Local
do
Centro
Universitário UNA, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos PolíticoSociais - Articulações Institucionais e
Desenvolvimento Local (ênfase em Gestão
Social).
Orientadora: Profª Drª
Guimarães Thomazi.
Belo Horizonte – MG
Centro Universitário UNA
2011
Áurea
Regina
T625p
Tizzoni, Janaína Soares
Política nacional de humanização: especificidades do atendimento
ambulatorial prisional / Janaína Soares Tizzoni. – 2011.
105f.: il.
Orientador: Profª Drª Áurea Regina Guimarães Thomazi.
Dissertação (Mestrado) - Centro Universitário UNA 2011. Programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.
Bibliografia f. 94 – 98.
1. Prisões e prisioneiros – Humanização dos serviços de saúde. I. Thomazi,
Áurea Regina Guimar. II. Centro Universitário UNA. III. Título.
CDU: 658.114.8
Ao meu amado esposo, toda a gratidão e o
reconhecimento, pela doçura e cuidados a
mim dispensados.
Aos meus pais, por terem me dado a vida,
valores e princípios.
Ao Nosso Criador, por atender sempre aos
meus rogos, mesmo silenciosos.
AGRADECIMENTOS
Ao Nosso Criador, que sempre me ilumina e me fortalece, não me deixando
esmorecer, nunca, diante dos obstáculos da vida.
Ao meu amado e dedicado esposo Erasmo, pelo companheirismo , amor ,
sabedoria e paciência que sempre me ofertou.
À minha orientadora, Professora Drª Áurea Regina Guimarães Thomazi, que, com
doçura, sabedoria e competência, soube conduzir-me de forma tão construtiva e
adequada à conclusão dos trabalhos, contribuindo para o meu crescimento
intelectual e moral.
A todos os professores do mestrado, que me ajudaram a construir o alicerce
necessário para solidificar a construção da minha dissertação.
Ao meu querido amigo Jader Sebastião Raimundo, que nas horas mais difíceis
sempre teve a atitude e palavra certa para me acalentar e me fortalecer.
À Juliceli Márcia, amiga querida que caminhou comigo, sempre sendo fonte de
inspiração.
Ao amigo Gilmar Borba, pelo conhecimento compartilhado e pela disponibilidade
em ajudar.
Aos amigos Agnus, Cristiano, Rodrigo, Carlos, Célia e Jane, que ao longo do
curso dividiram comigo tarefas e aprendizado.
Aos demais colegas, muito obrigada pelo encontro feliz, pela oportunidade de
conhecê-los e por fazerem parte da minha vida.
À Magda Roquette, pela competência profissional e pela doçura com a qual me
acolheu na reta final do meu trabalho.
A todos os profissionais do Ambulatório de Saúde da Penitenciária Industrial
Estevão Pinto, pela disponibilidade e cooperação, e, em especial, à minha querida
amiga e enfermeira Priscila Morais e à tão estimada Diretora Natália Rodrigues,
que me abriram as portas para a pesquisa.
“O
aperfeiçoamento
da
Humanidade
depende do aperfeiçoamento de cada um
dos indivíduos que a formam. Enquanto as
partes não forem boas, o todo não pode ser
bom. Os homens, na sua maioria, são ainda
maus e é por isso que a sociedade é
enferma
de
tantos
males.
Não
foi
a
sociedade que fez os homens; foram os
homens que fizeram a sociedade. Quando
os homens se tornarem bons, a sociedade
tornar-se-á boa, sejam quais forem as bases
políticas e econômicas em que ela assente”.
Teixeira de Pascoaes, in "A saudade e o
saudosismo".
RESUMO
O ambulatório prisional, como extensão dos serviços de atenção primária
previstos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tem como um de seus desafios
viabilizar a aplicabilidade das premissas da Política Nacional de Humanização
(PNH) pelos seus trabalhadores no seu cotidiano de trabalho, independentemente
de possíveis limitações e dificuldades. Para isso, uma das estratégias
desenvolvidas em conjunto com o Ministério da Justiça foi o Plano Nacional de
Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), lançado em 2003 com a finalidade de
facilitar a inclusão de pessoas privadas de liberdade no atendimento de saúde
adequado, igualitário e irrestrito. Nesse contexto, esta pesquisa objetivou verificar,
por meio da análise de relatos dos profissionais da equipe multidisciplinar que
atendem no ambulatório de um presídio feminino de Minas Gerais, o que
conhecem sobre a Política Nacional de Humanização, como a aplicam no seu
cotidiano, quais os entraves por se tratar de um ambulatório de presídio e, por fim,
qual importância atribuem à qualificação acerca do tema para a melhoria da
qualidade do seu atendimento. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo
que teve como cenário para o seu desenvolvimento o Ambulatório da
Penitenciária Industrial Estevão Pinto (PIEP), em Belo Horizonte , e como objetivo
geral analisar o seu funcionamento em relação às premissas da Política Nacional
de Humanização. Como sujeitos, cinco profissionais que compõem a equipe
multidisciplinar de saúde foram entrevistados e responderam a quatro questões
norteadoras da entrevista. Como fundamentação para a análise dos relatos,
referenciou-se na técnica “análise de conteúdo”.
Palavras-chave: Humanização. Presídio. Gestão em saúde.
ABSTRACT
The prison clinic, as an extension of primary care services, provided by the Unified
Health System (Sistema Único de Saúde - SUS), is also a challenge, enabling the
applicability of the premises of the National Humanization Policy (Política Nacional
de Humanização - PNH) by their workers in their daily work, regardless of possible
limitations and difficulties. In order to do so, one of the strategies developed jointly
with the Ministry of Justice was the National Health Plan in Prisons (Plano
Nacional Saúde no Sistema Penitenciário - PNSSP), launched in 2003, it aims to
facilitate the inclusion of persons deprived of liberty to an adequate, equal and
unrestricted health care service. In this context, this research aimed to verify,
through analysis of reports from the multidisciplinary team of professionals who
attend at the prison clinic of a women's prison in Minas Gerais, what they know
about the National Policy of Humanization, how it applies to everyday life, what
obstacles it finds for being a prison clinic and eventually, how important it is to
acquire additional knowledge on the subject to improve the quality of their care. It
is a qualitative research which was developed at the Penitenciária Industrial
Estêvão Pinto (PIEP) in Belo Horizonte, and aimed at analyzing its operation in
relation to the premises of the National Policy of Humanization. As subjects, five
professionals who comprise the multidisciplinary health team were interviewed and
responded to four questions that guided the interview. As the basis for the analysis
of the reports, it was used the content analysis technique.
Keywords: Humanization. Prison. Health management.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Presos na Secretaria de Segurança - dezembro 2003/2009.......
28
FIGURA 2 Faixa etária da população penitenciária.......................................
29
FIGURA 3 Tipificação masculina...................................................................
29
FIGURA 4 Tipificação feminina......................................................................
30
FIGURA 5 Escolaridade dos detentos...........................................................
31
FIGURA 6 Penitenciária Industrial Estêvão Pinto, muro da fachada da
Avenida dos Andradas.............................................................................. 54
FIGURA 7 Penitenciária Industrial Estêvão Pinto, entrada do prédio
principal onde se abrigam a administração e as detentas do regime
fechado.....................................................................................................
55
FIGURA 8 Penitenciária Industrial Estêvão Pinto, edifício que abriga o
ambulatório ou posto médico.................................................................... 56
LISTAS DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACD
Auxiliar de consultório dentário
CAP
Comunidade Ampliada de Pesquisa
CNS
Conselho Nacional de Saúde
CPMF
Contribuição
Provisória
sobre
a
Movimentação
ou
Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira
CS
Centro de Saúde
CTC
Comissão Técnica de Classificação
CTH
Câmara Técnica de Humanização
DAD
Departamento de Apoio à Descentralização
DEPEN
Departamento Penitenciário Nacional
ESF
Estratégia de Saúde da Família
FNS
Fundo Nacional de Saúde
FUNPEN
Fundo Penitenciário Nacional
GTH
Grupo de Trabalho de Humanização
HCTP
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
HumanizaSUS
Humanização da Atenção e Gestão no Sistema Único de
Saúde
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LEP
Lei de Execução Penal
MS
Ministério da Saúde
OMS
Organização das Nações Unidas
ONU
Organização das Nações Unidas
PAB
Piso de Atenção Básica
PFST
Programa de Formação em Saúde do Trabalhador
PIEP
Penitenciária Industrial Estêvão Pinto
PNH
Política Nacional de Humanização
PNHA
Programa
Nacional
de
Humanização
da
Assistência
Hospitalar
PNSSP
Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário
SE
Secretaria Executiva
SEDS
Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de Minas
Gerais
SGTES
Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde
SUS
Sistema Único de Saúde
UPA
Unidade de Pronto-Atendimento
SUMÁRIO1
1 INTRODUÇÃO............................................................................................
14
2 O SISTEMA PRISIONAL E A SAÚDE........................................................
23
2.1 O nascimento do modelo prisional...........................................................
23
2.2 O cenário prisional brasileiro.................................................................... 27
2.3 Política de inclusão ao atendimento de saúde......................................... 32
2.4 A Política Nacional de Humanização.......................................................
39
2.5 Gestão social e Política Nacional de Humanização................................. 46
3 PERCURSO METODOLÓGICO.................................................................
52
3.1 Modalidade de estudo..............................................................................
52
3.2 Cenário e os sujeitos da pesquisa...........................................................
54
3.3 Coleta de dados.......................................................................................
58
3.4 Aspectos éticos........................................................................................
61
3.5 Análise dos dados....................................................................................
61
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RELATOS................................... 65
4.1
Compreensão
da
Política
Nacional
de
Humanização
pelos
profissionais do ambulatório........................................................................... 65
4.2 Percepções da aplicabilidade da PNH no cotidiano de trabalho.............
71
4.3 Entraves do ambiente ambulatorial prisional...........................................
74
4.4 O conhecimento como instrumento de melhoria do atendimento............
77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................
80
6 PROPOSTA DE CAPACITAÇÃO..............................................................
82
6.1 Introdução................................................................................................
82
1
Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo
Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009.
6.2 Entendendo a PNH..................................................................................
84
6.2.1 Intervenção como estratégia de articulação.......................................... 87
6.3 Objetivos..................................................................................................
88
6.3.1 Objetivo geral........................................................................................
88
6.3.2 Objetivos específicos............................................................................
88
6.4 Plano de ação..........................................................................................
89
6.4.1 População e local..................................................................................
90
6.4.2 Estratégias e métodos a serem utilizados............................................
91
6.4.3 Planejamento: oficinas de capacitação.................................................
91
6.5 Resultados esperados.............................................................................. 93
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 94
APÊNDICES E ANEXOS...............................................................................
99
14
1 INTRODUÇÃO
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão executivo
da Política Penitenciária Nacional, com existência e atribuições fundamentadas na
Lei n° 7.210 – Lei de Execução Penal (LEP), de 11 d e julho de 1984 (BRASIL,
1984):
O principal problema do Sistema Penitenciário Brasileiro atualmente é o
déficit de vagas. Com a superpopulação prisional as normas de
segurança são contrariadas, criando-se condições para elevação do
índice de consumo de drogas; corrupção; abusos sexuais; um ambiente
propício à violência; deficiências no serviço médico; e a quase ausência
de perspectivas de reinserção social (BRASIL, 2009a, p. 2).
Como instrumento para se conhecer melhor a população penitenciária do país,
para, assim, articular políticas públicas estratégicas, o Ministério da Justiça
desenvolveu o InfoPen, um programa de computador (software) inaugurado em
16 de setembro de 2004, pelo Governo Federal. Sua finalidade é desenvolver e
disponibilizar aos estados da federação, por meio de suas secretarias gestoras da
pasta penitenciária, um modelo apropriado para serem lançados dados referentes
à população carcerária e oferecer subsídios para o compilamento dos dados e a
geração de um consolidado nacional para servir de base para se estabelecerem
novas estratégias e políticas públicas (BRASIL, 2008)
Tais informações e dados estatísticos organizados neste consolidado são
utilizados também para mapear prioridades e nortear os investimentos do Fundo
Penitenciário Nacional (FUNPEN). O FUNPEN é voltado para a elaboração de
políticas públicas mais efetivas e coerentes com as necessidades do sistema
penitenciário brasileiro, além de ser fonte para fomentar estudos mais
aprofundados sobre o sistema de justiça criminal do Brasil (BRASIL, 2009a).
De acordo com o consolidado de 2009 do DEPEN, que apresenta dados
coletados no ano de 2008, disponibilizando apanhado nacional, a população
prisional total é de 451.219 pessoas de ambos os sexos, estando 174.372
pessoas cumprindo pena em regime fechado, 152.612 aguardando julgamento,
15
66.670 no regime semiaberto, 19.458 no regime aberto e 4.000 em medida de
segurança. No estado de Minas Gerais estão 46.447 presos distribuídos em 98
instituições prisionais (BRASIL, 2009a).
Dados do Ministério da Justiça revelam que no período de 1995 a 2005 a
população carcerária brasileira evoluiu de 148.000 presos para 361.402, com taxa
de crescimento de 143,91% em uma década. Isso representava percentual de
crescimento anual entre 10 e 12%, ressaltando que no referido período as
informações eram processadas de forma lenta, recebidas via fax, ofício ou
telefone, sem padronizações ou critérios previamente estabelecidos, o que
certamente pode ter desencadeado distorções.
Sendo assim, com população prisional crescente, chegando em 2008 a 237,97
presos para cada 100.000 habitantes, também explicitados no consolidado 2009
do DEPEN, faz-se necessário estabelecer políticas mais abrangentes para lidar
com as demandas surgidas no sistema penitenciário (BRASIL, 2004).
Inúmeros
avanços
ocorreram
no
Brasil
no
campo
da
saúde
pública,
especialmente ao longo das últimas décadas, iniciando com o movimento de
Reforma Sanitária nos anos 70 e se concretizando posteriormente com a criação
do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988. Mas esse progresso ainda não foi
suficientemente capaz de sanar os problemas de diversas ordens, visto que o
segmento da saúde é o ponto de convergência das demais mazelas e problemas
de ordem social, econômica e psíquica da população (BRASIL, 2006c; TEIXEIRA,
1995).
No âmbito da saúde pública é possível registrar avanços advindos da implantação
e estruturação do SUS, como na descentralização dos atendimentos, na
regionalização da atenção e gestão dos serviços. Registra-se também proposta
de
atendimento
que
acate
os
princípios
da
universalidade,
equidade,
integralidade, entre outros, e que tem como finalidade principal a melhoria da
atenção ao usuário do serviço, assim como a valorização do profissional que
presta tal serviço de forma consciente e comprometida (BRASIL, 2004)
16
A criação do SUS em 1988 surgiu como primeiro passo em busca de políticas
públicas amplas e comprometidas com a real melhoria das condições de vida da
população, de cunho mais abrangente e voltadas para formar usuários atuantes
no processo de construção de saúde no seu mais amplo sentido. Teve como
intuito também profissionais comprometidos com a população, éticos no trato com
a vida humana, contextualizados na realidade e com discernimento para atuar
junto à população como agente de transformação, mesmo no caso do ambiente
prisional (BRASIL,1990).
Para o fortalecimento e legitimação do SUS, que desde sua implantação objetivou
a atenção integral, a participação comunitária na gestão e no controle social, em
2000, na XI Conferência Nacional de Saúde, um tema começou a ser discutido: a
humanização. O assunto culminou em 2003 com a criação de uma política pública
denominada Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão no Sistema
Único de Saúde, HumanizaSUS. Pasche (2009) descreve-a como uma inflexão do
SUS, ou seja, surge do experimento prático de uma política já existente, propõe
um repensar sobre a humanização, com a participação de todos os atores
implicados no processo de produção de saúde com os usuários, trabalhadores e
gestores. E enfatiza valores tais como o da autonomia, do protagonismo dos
sujeitos, da corresponsabilidade entre todos, com a finalidade de se consolidar
um sistema de saúde de qualidade e que atenda às necessidades iminentes da
população.
A Política Nacional de Humanização (PNH) se estrutura a partir de princípios,
métodos, diretrizes e seus dispositivos, bem explicados no documento-base
elaborado pelo Ministério da Saúde a partir do qual foram desenvolvidas
estratégias para serem utilizadas em capacitações elaboradas para os
profissionais e gestores nos diferentes níveis de atenção. Na prática, porém, não
alcançou todos os envolvidos nessa rede de atendimento, evidenciando o maior
dos desafios a serem vencidos a longo prazo - a produção de novos sujeitos
(CAMPOS, 2005).
Os quatro princípios mais importantes da PNH em relação aos processos de
formação, para Pasche (2009), começam pela aposta de que a formação é uma
17
intervenção na realidade, que se efetiva nas trocas e nas relações do cotidiano.
Depois, a inseparabilidade entre gestão e atenção, pois a qualidade do
atendimento está vinculada a questões definidas pela organização do processo
de trabalho. Também se considera o trabalho em equipe, que possibilita a
articulação entre saberes e proporciona alto grau de resolutividade de problemas.
E, por fim, a necessidade de os processos de formação não serem fragmentados
e serem contínuos.
Por método ou caminho, a PNH é pautada na inclusão de todos os atores
envolvidos nos processos de produção de saúde, que está contido em alguns
conceitos de gestão social:
[...] gestão social como um conjunto de processos sociais com potencial
viabilizador
do
desenvolvimento
societário,
emancipatório
e
transformador. É fundada nos valores, práticas e formação da
democracia e da cidadania, em vista do enfrentamento às expressões da
questão social, da garantia dos direitos humanos universais e da
afirmação dos interesses e espaços públicos como padrões de uma nova
civilidade (MAIA, 2005, p. 78).
Fischer (2002, s.p.) enfatiza ser a gestão social um ato relacional que se
estabelece entre pessoas e, portanto, se faz presente e importante nas relações
do trabalho e nas diretrizes da PNH com a clínica ampliada, a cogestão e fomento
das grupalidades.
Já para Dowbor (1999; 2006) a gestão social é entendida como um processo no
qual a dimensão social se torna essencial na reprodução social, visando à
transformação da sociedade, como propõe a PNH. Silva (2004) entende a gestão
como estratégias direcionadas para a reprodução da vida social no âmbito dos
serviços, que são os dispositivos ou arranjos de processos de trabalho.
Como estratégia para se estender às pessoas privadas de liberdade, têm-se o
serviço de saúde não excludente e de qualidade, previsto na Lei 8.080, de 1988,
que institui o SUS, em 09 de setembro de 2003, e a Portaria Interministerial
número 1.777, que institui o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário
(PNSSP).
18
O PNSSP faz uma descrição acerca da população carcerária, estabelece critérios
para a implantação de um serviço de atendimento ambulatorial nas instituições
que abrigam presos, aos moldes da atenção primária, e estabelece também
normas para credenciamento das instituições e fontes financiadoras. E salienta:
[...] vem contemplar essencialmente a população estabelecida em
penitenciárias, presídios, colônias agrícolas e/ou agroindustriais e
Hospitais de Custódia Tratamento (HCT), sanatórios penais, não
incluindo presos do regime aberto e presos provisórios, recolhidos em
cadeias públicas e distritos policiais (BRASIL, 2004, p. 12).
Embora o PNSSP seja também coerentemente pautado nos princípios de ética,
justiça, cidadania, direitos humanos, participação, equidade e qualidade, termos
bastante explorados e enfatizados nas premissas da PNH, o tema humanização
em si, seus princípios, método, diretrizes e dispositivos não pautam tal
documento. Isso, de certa forma, aleija a proposta da criação de modelos que se
adequem às demandas tão específicas de uma instituição prisional, deixando uma
lacuna.
Um ambulatório prisional é delineado para atender num formato similar aos de
centros de saúde (CS), porém tendo como população de abrangência somente
detentos, que são atendidos em todas as suas demandas físico-psicossociais.
Para isso, supostamente , necessita ter profissionais capacitados e preparados
para lidar com limitações institucionais e da própria clientela a ser atendida
(BRASIL, 2004).
Diante do universo do atendimento ambulatorial prisional repleto de desafios,
mazelas e desassistência e, paradoxalmente, similaridades com os serviços que
atendem ao cidadão comum na esfera SUS, surge o interesse em compreender
melhor as questões vivenciadas pelos profissionais no seu cotidiano de trabalho,
assim como a aplicabilidade das premissas da PNH em tal circunstância e as
possíveis contribuições da gestão social neste cenário (BRASIL, 2004).
Para o estudo, elegeu-se um ambulatório prisional feminino da Penitenciária
Industrial Estevão Pinto, cuja estrutura física é adequada e o atendimento é
aparentemente estruturado, mantendo um quadro fixo de funcionários que
19
atendam ao número de detentas da instituição. Outro quesito levado em
consideração foi a receptividade dos profissionais e da direção da instituição.
Ao se observar o cotidiano do ambulatório do presídio escolhido para a referida
pesquisa, percebe-se algumas limitações para se implementar as premissas da
PNH. Inicialmente, por apresentar equipe multiprofissional cujos profissionais, em
sua maioria, disponibilizam carga horária muitas vezes inferior à sua demanda de
atividades. Isso tende a acarretar atendimento mais objetivo e sucinto, não
propiciando condições adequadas para o desenvolvimento de uma rotina que
estabeleça atenção humanizada e acolhedora, o que são condições básicas para
o atendimento de qualidade (NEVES; ROLLO, 2006).
Algumas demandas e limitações são inerentes aos serviços ambulatoriais
penitenciários, tais como dificuldades de transporte para levar as detentas para
atendimentos externos nos serviços de referência como hospitais, unidades de
pronto-atendimento (UPAs) e CS; e dificuldades de acesso à rede de assistência
externa que garante a continuidade do atendimento às usuárias do ambulatório.
Tais entraves desencadeiam sobrecarga dos profissionais e do serviço, que
passam a desempenhar atividades que não são necessariamente de sua
incumbência, como prestar assistência a pacientes pós-quimioterapia, com
doenças crônico-degenerativas, problemas psiquiátricos, dependentes químicos e
grávidas. Estes reproduzem os problemas de saúde da população em geral, mas
que se diferem nas possibilidades de receber atenção especializada, visto que
ficam restritos às possibilidades do ambulatório.
O presente trabalho se propõe a aprofundar o conhecimento sobre a
aplicabilidade das premissas da PNH, tanto quanto da gestão social, voltadas
para o atendimento ambulatorial de detentas em um presídio feminino de Belo
Horizonte, sob a ótica dos profissionais do ambulatório de saúde que a elas
prestam atendimento.
A pesquisa em questão é de cunho qualitativo, tendo como objetivo geral analisar
o funcionamento de um ambulatório em um presídio em relação às premissas da
20
“Política Nacional de Humanização”. Como objetivos específicos, analisar a
“Política Nacional de Humanização” em vias gerais e específicas de atendimento
ambulatorial, identificar as limitações impostas pela estrutura prisional para
otimização do que é preconizado pela PNH, assim como as demandas
específicas dos profissionais para o funcionamento do ambulatório sob as
prerrogativas da PNH.
Assim, levanta-se como um problema a ser investigado a contradição entre o que
é preconizado pelas diretrizes da PNH e a sua aplicabilidade. Salienta-se que o
SUS defende uma política pública que visa à integralidade, à universalidade e ao
aumento da equidade e que tem como finalidade prioritária a melhoria da
qualidade da relação entre usuário, profissional e a rede de serviços, o que no
âmbito prisional nem sempre se faz efetivo.
Apesar dos avanços acumulados nos segmentos da saúde depois da criação do
SUS, com a garantia da universalidade e equidade do atendimento, ainda é
perceptível a existência de contradições e lacunas no que diz respeito à
incorporação de tais princípios às rotinas de alguns serviços, o que não é
diferente em um ambulatório prisional, foco deste estudo.
A partir dessas observações, pode-se inquirir: as premissas da PNH estão sendo
implementadas no ambulatório prisional?
No referencial teórico, o primeiro capítulo, “O nascimento do modelo prisional”
utilizou-se Vaz (2005) e Foucault (2009), com o intuito de explicar o aparecimento
dos presídios, passando por diversos formatos até se chegar aos moldes atuais,
que ainda guardam características de cunho segregatório, disciplinar, mas que se
esforçam para evoluir com propostas de regeneração e integração de seus
presos. Ao contrário, as punições antigas que aconteciam em praça pública
tinham como finalidade a morte do delituoso de forma cruel e trágica, para gerar
medo na população que assistia e, assim, fortalecer o poder punitivo do estado.
No segundo capítulo, “O Cenário prisional brasileiro”, relatórios e consolidados do
Ministério da Justiça, através do DEPEN, fornecem um panorama da população
21
encarcerada, seus problemas e suas fragilidades. O terceiro capítulo, “Política de
inclusão ao atendimento de saúde”, evidencia as estratégias estabelecidas para
estruturação do atendimento em saúde no segmento prisional baseado no Plano
Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, o PNSSP.
Para contextualizar a humanização e ampliar a compreensão do termo como
política pública, no quarto capítulo, “A política nacional de humanização”, utilizouse o documento-base da PNH e suas cartilhas disponibilizadas sobre o tema,
assim como as ideias de autores como Ayres (2005), Benevides e Passos (2005),
Merhy (2003), dentre outros, que discutem os princípios, os métodos, as diretrizes
e os dispositivos desta política .
Para finalizar o referencial teórico, o quinto capítulo, “Gestão social e a PNH”,
estabelece pontos convergentes entre as premissas da PNH e a gestão social,
onde autores como Carrion, Valentim e Hellwig (2006), Demo (1993; 2001),
Fischer (2002) e Tenório (1990; 2004), trazem conceitos que vêm esclarecer e
enfatizar que o desenho da PNH traduz-se como poderosa ferramenta de gestão
social e que contribui para o desenvolvimento e compreensão do fato pesquisado.
A motivação para o desenvolvimento deste estudo vem de vivência profissional da
pesquisadora. Ao adentrar o universo prisional, acompanhando graduandos do
curso de Enfermagem em estágio no ambulatório da instituição em questão,
começou-se a questionar sobre as possíveis limitações para a aplicabilidade da
PNH, que regem as condutas e regras das relações entre usuários, serviços de
saúde e profissionais envolvidos no atendimento naquele universo.
A relevância social se dá na medida em que se tem, no Brasil, segundo o relatório
de dados consolidados do DEPEN (BRASIL, 2009a), uma população prisional
crescente em ambos os sexos. Para acomodá-los, cada vez mais são construídas
novas unidades prisionais que estão se aprimorando para se adequarem para
atenderem às prerrogativas da PNSSP. Para isso, elaboram e estruturam
ambulatórios que atendam às demandas da população penitenciária, contribuindo
para o resgate de cidadania e aumentando as possibilidades de reintegração
positiva desse egresso à sociedade.
22
Também se pode destacar a importância do tema em função da escassez de
estudos e trabalhos científicos focados em entender as contradições da
aplicabilidade da PNH, num recorte específico de um ambulatório prisional com
suas limitações e especificidades. Talvez, por ser o presídio um segmento da
sociedade que cause estranhamento e ímpeto de distanciamento, como citado em
Foucault (2009, p. 110): “É um lugar de trevas onde o olho do cidadão não pode
contar as vítimas, onde consequentemente seu número está perdido para o
exemplo [...]”.
23
2 O SISTEMA PRISIONAL E A SAÚDE
2.1 O nascimento do modelo prisional
Visitando a história antiga, podem-se encontrar, segundo Johnston (2000), certas
similaridades entre alguns modelos e/ou esboços de prisões, como na cultura
grega. Nesta, utilizavam-se labirintos que esteticamente, funcionalmente e
simbolicamente se assemelhavam ao modelo prisional instituído no século XVIII
na Europa e que foram reproduzidos e difundidos em outros continentes em
diversos outros países, inspirando grande parte das estruturas hoje vigentes.
Para Vaz (2005, p. 28), fazendo um paralelo com a mitologia grega, o labirinto faz
menção à existência humana, à relação do homem com a vida e suas
fragilidades, suas lutas internas, que podem ser obscuras, cuja essência pode ser
desvirtuada e fragmentada e o sofrimento comparado às contradições da própria
condição humana, que se potencializa na reclusão. Seria “a antítese da pirâmide
egípcia, que espelha o domínio do todo, a verticalidade, o conhecimento, o
equilíbrio.”
Assim, comparando-se aos modelos prisionais atuais:
Tanto no labirinto quanto no presídio – regido por leis próprias,
peculiares, que fogem ao domínio de seus usuários – o individuo está
entregue à sua sorte. Também nos dois coloca-se uma sinistra dimensão
das atitudes: um erro pode comprometer a sobrevivência. Até mesmo a
presença do monstro pode ser personificada para o sentenciado, no
caso de nossos presídios, de uma forma mais difusa, na iminência de a
conjuntura condená-lo, ou seja, o Minotauro pode ser um companheiro
de cela (VAZ, 2005, p. 31).
Ainda na Idade Antiga, em Roma, as modalidades de punições se davam desde
multas cobradas em moeda corrente até formas de tortura que desencadeavam a
morte do sentenciado. Posteriormente, foram estabelecidas novas modalidades
de penas, como o exílio, acompanhado ou não de trabalhos forçados. Mais tarde,
ampliado para formas de cárceres privados, que tinham como alvo os devedores,
para obrigá-los a honrar seus compromissos. Prisões públicas eram poucas e
24
tinham a restrita finalidade de abrigar e vigiar os indivíduos que por algum motivo
aguardavam sentença, sendo o aprisionamento, como hoje é conhecido,
raramente utilizado como pena (VAZ, 2005).
Na Idade Média, na Europa, castelos, fortalezas e antigos portais de algumas
cidades, a partir do século X, passaram a ser utilizados como presídios:
Com variações na situação dos encarcerados, sem critérios
estabelecidos, tendo alguns prisioneiros grande liberdade em seu
interior, chegando a atuar como funcionários, ao passo que outros eram
tratados mais severamente ou até mantidos acorrentados, às vezes em
condições miseráveis, em quartos subterrâneos (MARKUS, 1993, p.
118).
Um tenro modelo prisional surgia, então, em um espaço físico que se misturava
às muralhas de proteção dos antigos feudos, agora se estabelecendo como
cidades. Era desprovido de planejamento prévio, sem formato definido de prisão,
para aglomerar uma classe desconhecida e segregada, sem a legitimação da
custódia pelo Estado, o preso (VAZ, 2005).
Com a instauração da Inquisição católica, que estabelecia critérios pautados em
dogmas religiosos para incriminar as pessoas, o contingente de condenados
cresceu demasiadamente. As prisões da Igreja apresentavam métodos punitivos,
mas com a finalidade de correção e resgate do bom comportamento e dos valores
cristãos, o que, de certa forma, ainda inspira as condutas em instituições penais
nos dias atuais (VAZ, 2005).
Também nas prisões religiosas eram utilizadas celas individuais, com o intuito de
incitar o preso ao arrependimento a partir do isolamento e da prece. Tal forma de
aprisionamento desencadeou transformações na sociedade vigente, contribuindo
para a extinção da pena de morte e criação de modalidades de reclusão,
precipitando as condições para a articulação de um tipo específico de edificação
para o cumprimento de penas, denominado presídio (VAZ, 2005).
Ainda segundo Vaz (2005), o fato de a Igreja se manifestar contra o
derramamento de sangue ou a morte designada pelo homem, contrapondo-se aos
25
ensinamentos cristãos, corrobora o desenvolvimento de técnicas alternativas para
punição, tais como o isolamento, a disciplina e a incomunicabilidade, uma
modalidade de clausura. Nessa perspectiva, surgem os espaços denominados
celas, que inicialmente, seguindo o modelo da Igreja, eram individuais, mas que
foram se adaptando às necessidades e ao aumento dos apenados, tornando-se
coletivas.
Na Idade Moderna, a partir do século XV, na Europa, instaurou-se nova estratégia
de segurança pública, devido ao aumento do número de criminosos e com a
finalidade de segregar os meliantes da população em geral. Muralhas dos antigos
feudos passaram a abrigar, em seus portões, improvisados edifícios também
destinados à prisão. Os prisioneiros eram do sexo masculino, distribuídos nas
melhores acomodações, de acordo com sua disponibilidade de pagar taxas
estabelecidas como custos para a manutenção dos presos. E nos espaços
destinados à reclusão de mulheres estabeleciam-se como prostíbulo, justificado
como fonte de renda para a manutenção e sustento das presas (VAZ, 2005).
Alguns pontos evidenciados em tais depósitos são similares aos modelos de
presídios atuais, como a superlotação de celas, condições físicas inadequadas
dos prédios designados para o recebimento dos presos, tratamento desumano e
desrespeito às leis vigentes. Tais inadequações são replicadas em inúmeras
instituições prisionais, muitas vezes de forma oculta e imperceptível aos olhos da
população, principalmente em países subdesenvolvidos. Nesses países, as
instituições deveriam legitimar o cumprimento das leis e fortalecer a cidadania e
se dispersam na postura corruptível de seus representantes e na impunidade das
instituições, que deveriam fazer valer os princípios éticos e legais vigentes.
No período moderno, o objetivo principal dos modelos prisionais vigentes era
manter seguros os internos transgressores e evitar a desordem, sendo que a
função inibidora do crime não era focada nem se encontra sistematizada à
estratificação dos condenados pela modalidade e gravidade do crime cometido,
todos juntos sem critério algum. Esse modelo de presídio surgido na Idade
Moderna termina se estabelecendo como um mero depósito de pessoas
transgressoras das leis vigentes e desencadeia mudanças mais evidentes que
26
acontecerão a partir do século XVII até o final do século XVIII, denominado
Reforma Carcerária (FOUCAULT, 2009).
As péssimas condições do cárcere conjugada com a excessiva aglomeração de
pessoas e, ainda, com a inexistência de padrões de higienização acabam por
reduzir naturalmente o contingente de presos, que eram dizimados por epidemias
diversas, principalmente o tifo. Inicia-se a construção de instituições propícias
para abrigar os condenados em uma nova perspectiva de saúde pública
(FOUCAULT, 2009).
Assim:
A partir do século XVIII, o desenvolvimento da Medicina leva a um novo
conceito quanto a saúde e higiene. Tais evoluções são incorporadas aos
poucos. Na primeira metade do século XIX, a Reforma Sanitária ganha
força, em parte influenciada pelos reformadores e também pelo medo de
epidemias de doenças como cólera, tifo e febre amarela, que assolam a
Europa e a América do Norte (JOHNSTON, 2000, p. 45-46).
O humanitarismo reinante na população da época pautado na ótica religiosa
demandava menos violência nas penas, que passam a ser alicerçadas também
na disciplina implementada nas instituições prisionais:
As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam
espaços complexos: ao mesmo tempo, arquiteturais, funcionais e
hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a
circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações
operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência
dos indivíduos, mas também melhor economia do tempo e dos gestos
[...]. (FOUCAULT, 2009, p. 142)
A disciplina, segundo Foucault (2009, p. 164), “fabrica” indivíduos, ela em si é um
poder que toma os sujeitos como “objeto” e “instrumento do seu exercício” e se
propagou a partir do século XVIII, também, às instituições educacionais, militares,
ao mundo do trabalho e à rotina moderna, impregnando a sociedade.
Assim como no trabalho inspirado nas comunidades monásticas, que determinam
obrigações, os horários e os ciclos das tarefas de cada indivíduo na clausura,
agora replicados nas rotinas dos novos modelos prisionais em vigência, para o
seu adequado funcionamento, tornava-se também necessária a vigilância:
27
[...] A vigilância central alcança controle total e continuo. Os benefícios
do trabalho produtivo caberiam ao vigia encarregado de administrar a
prisão. A classificação seria pela capacidade produtiva e não pelo tipo de
crime. O edifício, seus controladores e seus internos trabalhariam juntos
em uma regularidade pontual tanto no tempo como no espaço
(BENTHAM, 2000, p. 15).
A prisão, para Foucault (2009, p. 217), se constitui fora do aparelho judiciário,
quando se elaboram por todo o corpo social e se estabelecem nos processos
para “repartir” os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente. Sua função
precípua, a privação da liberdade, um “castigo igualitário”, permite, sobretudo,
quantificar a pena segundo a variável de tempo. É uma espécie de tradução
concreta da ideia de que a infração cometida lesou, além da vítima, a sociedade
inteira, mas ainda traz em si um outro papel cada vez mais exigido e esperado, o
de transformar para melhor os indivíduos que por ela passam.
2.2 O cenário prisional brasileiro
A população carcerária no Brasil é de aproximadamente 417.112 pessoas.
Encontram-se distribuídas nos diferentes estabelecimentos penais que compõem
o Sistema Penitenciário Brasileiro, que são: penitenciárias, presídios, colônias
agrícolas, industriais ou similares, que recebem presos sentenciados ao
cumprimento da pena em regime semiaberto, e os hospitais de custódia e
tratamento psiquiátrico (HCTP), que abrigam presos em medida de segurança, ou
seja, internos que, em razão de grave transtorno mental, são incapazes de
reconhecer o caráter ilícito de suas ações. Existem ainda as casas de albergado,
destinadas aos presos do regime aberto, e as cadeias públicas e distritos
policiais, destinados à custódia de presos provisórios que ainda não foram a
julgamento (BRASIL, 2009b).
É possível estabelecer, a partir da visualização do gráfico da FIG. 1 e dos dados
mencionados no consolidado do DEPEN (BRASIL, 2009a, p. 53), que o estado de
Minas Gerais tem um dos mais altos números de presos da federação, 43.118,
tendo somente o estado de São Paulo número superior, contabilizando em torno
de 154.696 presos, somados os presos sob custódia da Secretaria de Segurança
e instalações da Polícia Civil, as delegacias.
28
Figura 1 - Presos nas Secretaria de Segurança - dezembro 2003/2009.
Os anos sem valores não foram informados pelas unidades da federação.
Fonte: Brasil (2009a, p. 38).
Aproximadamente
75%
dos
presos
estão
recolhidos
em
presídios
e
penitenciárias, unidades, em teoria, destinadas a presos condenados à pena de
reclusão em regime fechado, mas que hoje recebem todas as modalidades de
regimes. Também devido à superlotação das cadeias públicas e distritos policiais,
muitas vezes presídios e penitenciárias recebem presos ainda em situação
provisória, aguardando julgamento.
O perfil demográfico da população penitenciária brasileira, segundo relatórios do
DEPEN (BRASIL, 2009a) e FIG. 2, é composto, predominantemente, de adultos
jovens do sexo masculino, de cor branca, solteiros e com menos de 30 anos de
idade.
29
Figura 2 – Faixa etária da população penitenciária.
Fonte: Brasil (2009a, p. 43).
A FIG. 3 mostra que a maioria dessa população presidiária pertence a classes
pobres e condenadas pelos crimes de roubo, seguidos de crimes ligados a
entorpecentes, furtos e homicídios:
Figura 3 - Tipificação masculina.
Fonte: Brasil (2009a, p. 41).
30
Os dados contidos no consolidado do DEPEN em relação à população carcerária
feminina destacam que 59% estão presas por questões ligadas a entorpecentes,
principalmente o tráfico, seguido pelo crime de roubo, com 11% de incidência,
furto, com 9%, e, em quarto lugar, os homicídios, com 7%. Os 23 pontos
percentuais restantes dizem respeito a latrocínio, receptação, estelionato, entre
outras modalidades de crimes, e se encontram evidenciados na FIG. 4.
Figura 4 – Tipificação feminina.
Fonte: Brasil (2009a, p. 42).
O baixo nível educacional e o elevado número de analfabetos e sem profissão
prévia à prisão caracterizam a situação de exclusão social anterior ao seu
ingresso no sistema prisional. O número de presos com o ensino superior também
é pouco representativo, o que denota a baixa escolaridade e o perfil
socioeconômico comprometido.
A LEP, de 1984, apresenta em seu artigo 1º o seu principal objetivo, que é
“efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Em seu
capítulo II, artigo 10, enfatiza a assistência ao preso e ao internado como dever
do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
31
sociedade. E no artigo 11 enumera quais são as modalidades de assistência
material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
Baseado em tais prerrogativas, com a finalidade de garantir a plenitude da
assistência, no campo da educação existem políticas públicas que têm como
meta o incentivo à melhoria dos níveis de escolaridade e capacitação profissional
que, a partir de parcerias com instituições de ensino públicas e privadas,
proporciona possibilidade de ingresso dos presos também no ensino superior.
Figura 5 – Escolaridade dos detentos.
Fonte: Brasil (2009a, p. 44).
No Brasil, o número de presos por estado e região é irregular e muitas vezes
desproporcional. Os estados de São Paulo, Minas Gerias, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul, juntos, contabilizam em torno de 65% da população carcerária
nacional. O custo médio mensal de um preso para o Estado também varia muito
de uma unidade federada para outra, retratando realidades diferenciadas de
confinamento e assistência a essa população, inclusive nas questões da saúde.
Em todo o país existe déficit de vagas no sistema prisional, o que gera acentuada
negligência na acomodação e desrespeito aos direitos do preso.
32
2.3 Política de inclusão ao atendimento de saúde
O Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU), que
norteia mundialmente as políticas públicas voltadas para a segurança pública e os
direitos humanos, pressupõe as regras mínimas para o tratamento de prisioneiros.
Isso atribui às instituições prisionais a função de proteger a sociedade contra o
crime, cabendo-lhes assegurar que a pessoa egressa do sistema seja capaz de
respeitar a lei e tornar-se produtiva para a sociedade. Para tanto, é preciso reduzir
as diferenças entre a vida intramuros e a vida extramuros, no sentido de garantirlhe o acesso aos direitos civis que lhe cabem, bem como o exercício de sua
cidadania - e um deles é o direito à saúde (BRASIL, 2004).
Para contribuir no processo de ressocialização e inclusão, foi elaborado o
PNSSP, que surge como uma proposta interministerial do Ministério da Saúde e
do Ministério da Justiça, com o intuito de atender o que prevê a Lei de Execuções
Penais (Lei nº 7.210/84), que regulamenta:
O sistema penitenciário deve efetivar as disposições de sentença
ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado. Para que tal
objetivo seja alcançado, é necessária a aplicação de meios
preventivos e curativos in loco, assegurando o acesso das
pessoas presas a ações de saúde, educação, profissionalização e
trabalho (BRASIL, 1984, p.3).
Bolander (1998) relembra que não é muito distante o tempo em que se
denominava saúde como ausência de doença e estreitava seu significado ao
bem-estar exclusivamente físico do indivíduo.
O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 07 de
abril de 1948, conceituou saúde como:
A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar
do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos
direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, de
religião, de credo político, de condição econômica ou social (OMS, 1948,
preâmbulo).
33
Para enfatizar e difundir tal ideia para todos os países do mundo no sentido de
que seus governos estabeleçam novas estratégias e práticas coletivas para
estender a amplitude conceitual de saúde para sua população, a ONU, em 10 de
dezembro de 1948 (ONU, 1948), estabeleceu os Princípios Universais dos
Direitos do Homem e o Pacto Internacional das Nações Unidas (1966). São
documentos relativos aos direitos econômicos, sociais e culturais, de 19 de
dezembro de 1966, cuja adesão do Brasil é assinada no Decreto nº 591, de 06 de
julho de 1992, pelo então presidente Fernando Collor. Em seu artigo 12.1,
reconhece, para todos os seres humanos, o direito de gozar do melhor estado de
saúde física e mental possível2.
O mesmo conceito foi utilizado e aprofundado na I Conferência Internacional
sobre Promoção da Saúde, Ottawa, Canadá, em novembro de 1986. No
documento denominado Carta de Intenções ampliou-se a discussão sobre a
saúde, com a finalidade de atingir todos, pautando temas como pré-requisitos
para a efetivação de saúde e promoção e participação de todos para a melhoria
das condições de vida da população mundial.
As intenções abordadas nessa conferência de cunho equânime e universal
acabou por inspirar, dois anos mais tarde, em 1988, a estruturação do SUS no
Brasil e, posteriormente, a PNH3.
O SUS tem em si demanda de inúmeras ações e serviços de saúde que almejam
contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira como um
todo, viabilizando o acesso das pessoas à assistência integral à saúde com
equidade, pois "a saúde é um direito de todos e um dever do Estado". E a PNH
surge como uma estratégia para a validação dos princípios do SUS; e o PNSSP
como um suporte para estender tais princípios à população penitenciária
(BRASIL, 2004).
2
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, 10/12/1948, pode ser encontrada na
íntegra no site: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. E o Pacto
internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais, também na íntegra, no site:
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm
3
Rodape.www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Ottawa.pdf.
34
O PNSSP deriva da iminente necessidade de atender à população penitenciária,
que se encontra segregada do convívio social, mas traz consigo demandas
sociais e de saúde densas e complexas tanto quanto as demais pessoas da
sociedade, mas, por ser privada de liberdade, torna-se mais limitada e acumula
mais necessidades a serem atendidas (BRASIL, 2004).
O plano é, ainda, produto de um trabalho conjunto entre áreas técnicas dos
Ministérios da Saúde e da Justiça com a participação do Conselho Nacional de
Secretários de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (instituído pela
Portaria Interministerial nº 1.777, de 09 de setembro de 2003). E preconiza a
inclusão da população penitenciária na rede SUS, garantindo-lhe o direito à saúde
e contribuindo para a construção de sua cidadania plena (BRASIL, 2004)4.
A Constituição Federal de 1988, pela Lei nº 8.080, de 1990, que regulamenta o
SUS pela Lei nº 8.142, do mesmo ano, dispõe também sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde. E, ainda, a LEP nº 7.210, de
1984, garante, por força de lei, o acesso da população carcerária a ações e
serviços de saúde consoantes com os princípios e as diretrizes do SUS. Mas não
contempla a participação de detentos nas questões de gestão dos serviços, como
é com os cidadãos comuns (BRASIL, 2004)5.
Também segundo o PNSSP:
As ações e os serviços de atenção básica em saúde devem ser
organizadas nas unidades prisionais e realizadas por equipes
interdisciplinares de saúde. O acesso aos demais níveis de atenção em
saúde deverá ser pactuado e definido no âmbito de cada estado em
consonância com os planos diretores de regionalização na esfera
estadual e municipal (BRASIL, 2004)
O PNSSP surgiu como estratégia para minimizar a desigualdade de oportunidade
de atenção adequada à saúde e foi elaborado a partir de uma perspectiva
pautada na assistência e na inclusão das pessoas presas e respaldou-se em
4
O PNSSPpode ser encontrado na íntegra no site : http://portal.mj.gov.br ou no site HTTP.:
//bvsms.saude.gov.br/.../plano_nacional_saude_sistema_penitenciario
5
A LEP pode ser lida na íntegra no site do Ministério da Justiça : Http.:// WWW.portal.mj.gov.br
35
princípios básicos que asseguram a eficácia das ações de promoção, prevenção
e atenção integral à saúde, tais como:
Ética: não só na concepção da honra, da integridade, da credibilidade,
mas, sobretudo, do compromisso.
Justiça: para dar a cada um aquilo que é seu, princípio este que deve
valer para todas as pessoas: brancas ou negras, ricas ou pobres,
homens ou mulheres, privadas ou não de liberdade.
Cidadania: na perspectiva dos direitos civis, políticos, sociais e
republicanos.
Direitos Humanos: ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações. Referencial constante de homens e mulheres que
buscam uma vida em comum mais humana, com dignidade, sem
discriminação, sem violência e sem privações.
Participação: entendida como a conquista de espaços democráticos.
Equidade: a virtude de reconhecer as diferenças e os direitos de cada
um.
Qualidade: na concepção da eficiência, da eficácia e, essencialmente, da
efetividade significa estar plenamente comprometido.
Transparência: tida como base de uma gestão que precisa prestar
contas às pessoas às quais se destinam os programas, os projetos e as
ações sociais (BRASIL, 2004, p. 14).
Algumas das diretrizes estratégicas do PNSSP preconizam prestar assistência
integral resolutiva, contínua e de boa qualidade às necessidades de saúde da
população penitenciária, contribuindo para o controle e/ou redução dos agravos
mais frequentes que acometem essa população (BRASIL, 2004). E também
definir e implementar ações pautadas nos princípios e diretrizes do SUS,
proporcionando o estabelecimento de parcerias por meio do desenvolvimento de
ações intersetoriais, contribuindo para trocas de saberes que possibilitem
melhoria da assistência e da gestão dos serviços para provocar nos profissionais
e no usuário, no caso o detento, o reconhecimento da saúde como um direito e a
cidadania um bem, para si e para a sociedade (BRASIL, 2004).
Parte do financiamento do atendimento de saúde descrito no PNSSP provém de
um fundo de incentivo para atenção à saúde no sistema penitenciário, que deverá
ser compartilhado entre os gestores da saúde e da justiça das esferas de
governo. Cabe ao Ministério da Saúde financiar o equivalente a 70% dos recursos
e os restantes 30% ao Ministério da Justiça (BRASIL, 2004).
O incentivo previsto pelo Ministério da Saúde é um componente variável do piso
de atenção básica (PAB), que é definido como:
36
Piso formado por dois componentes: o piso de atenção básica fixo (PAB
fixo) e o piso da atenção básica variável (PAB variável). O PAB fixo
destina-se ao custeio de ações de atenção básica à saúde cujos
recursos são transferidos mensalmente, de forma regular e automática,
do Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos fundos de saúde dos municípios
e do Distrito Federal. O PAB variável é constituído por recursos
destinados ao custeio de estratégias realizadas no âmbito da atenção
básica em saúde. Os recursos do PAB variável são transferidos do FNS
aos fundos de saúde dos municípios e Distrito Federal mediante adesão
e implementação das ações às quais se destinam, desde que constantes
nos respectivos planos de saúde (BRASIL, 2006a, p. 6).
O PAB é composto de uma parte fixa destinada à assistência básica a cada
cidadão brasileiro e de uma parte variável relativa aos incentivos de ações
estratégicas da própria atenção básica destinada às populações específicas,
como a população carcerária. Como a população penitenciária é considerada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como população residente,
esta é contemplada nos repasses de recursos federais para atenção de básica,
média e alta complexidade (BRASIL, 2006a).
Em relação à designação das competências na gestão de saúde de unidades
prisionais nas instâncias federais, cabe ao Ministério da Saúde:
• Gestão deste plano em âmbito federal;
• cofinanciamento da atenção à saúde da população penitenciária;
• prestar assessoria técnica aos estados no processo de discussão e
implantação dos planos operativos estaduais;
• monitorar, acompanhar e avaliar as ações desenvolvidas tendo como
base o Plano Operativo Estadual;
• elaboração de protocolos assistenciais, com descrição das ações,
serviços e procedimentos a serem realizados pelas unidades próprias
do sistema penitenciário e pelos serviços referenciados, vinculados ao
SUS;
• padronização das normas de funcionamento dos estabelecimentos de
saúde nas unidades prisionais;
• organização e controle do sistema de informação em saúde da
população penitenciária, em colaboração com o Ministério da Justiça;
• participar e apoiar tecnicamente o Ministério da Justiça no planejamento
e implementação das atividades relativas à criação ou melhoria da
infraestrutura dos ambulatórios de saúde das unidades prisionais,
compreendendo instalações físicas e equipamentos;
• apoiar a Secretaria no treinamento e capacitação dos profissionais das
equipes de saúde;
• apoiar a Secretaria na definição dos serviços e na organização da
referência e contrarreferência para a prestação da assistência de média
e alta complexidades (BRASIL, 2004, p. 40-41).
Assim como se atribuem ao Ministério da Justiça:
37
• Cofinanciamento da atenção à saúde da população penitenciária;
• repasse de informações atualizadas ao Ministério da Saúde acerca da
estrutura, número de pessoas presas e classificação dos
estabelecimentos penitenciários;
• financiamento da adequação do espaço físico para os serviços de
saúde nas unidades prisionais e aquisição de equipamentos;
• participação na organização e implantação dos sistemas de
informação em saúde a serem utilizados (BRASIL, 2004, p. 41).
Nas
instâncias
estaduais
e
municipais,
são
designadas
as
seguintes
competências:
• Secretarias Estaduais de Saúde:
• Elaboração do Plano Operativo Estadual;
• participação no financiamento das ações e serviços previstos no
Plano;
• organização da referência e contrarreferência para a prestação da
assistência de média e alta complexidades;
• capacitação das equipes de saúde das unidades prisionais;
• prestar assessoria técnica aos municípios no processo de discussão e
implantação dos Planos Operativos Estaduais;
• monitorar, acompanhar e avaliar as ações desenvolvidas tendo como
base o Plano Operativo Estadual;
• elaboração de protocolos assistenciais, com descrição das ações,
serviços e procedimentos a serem realizados pelas unidades próprias
do sistema penitenciário e pelos serviços referenciados, vinculados ao
SUS;
• padronização das normas de funcionamento dos ambulatórios e
demais serviços de saúde prestados diretamente pelo sistema
penitenciário.
• “Secretarias Municipais de Saúde:
• Participação na elaboração do Plano Operativo Estadual;
• participação no financiamento das ações e serviços previstos no
Plano;
• contratação e controle dos serviços de referência sob sua gestão para
atendimento da população penitenciária;
• capacitação das equipes de saúde das unidades prisionais;
• monitorar, acompanhar e avaliar as ações desenvolvidas tendo como
base o Plano Operativo Estadual;
• participação na elaboração de protocolos assistenciais, com descrição
das ações, serviços e procedimentos a serem realizados pelas
unidades próprias do sistema penitenciário e pelos serviços
referenciados, vinculados ao SUS;
• execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica (BRASIL,
2004, p. 41).
O subsídio financeiro é repassado em conformidade com o número de equipes
implantadas nas unidades prisionais, ou seja, o incentivo destinado às unidades
com mais de 100 pessoas presas, nas quais deve ser implantada uma equipe
para cada grupo de até 500 presos. Isso corresponde a R$ 40.008,00/ano por
38
equipe, valor estimado com cálculo sobre o número total de detentas multiplicado
pelo PAB fixo e acrescidos valores do PAB móvel (BRASIL, 2004).
Em valores atuais, o PAB fixo está contemplando R$ 18,00 por habitante ao ano,
para efeito do cálculo do montante de recursos a ser transferido pelo FNS aos
Fundos de Saúde dos Municípios e do Distrito Federal. O PAB variável é um valor
não fixado, relativo a incentivos de ações e estratégias da própria atenção básica
destinada às populações específicas, no caso a população carcerária (BRASIL,
2009b).
Para as unidades com até 100 pessoas presas, o incentivo será de R$
20.004,00/ano por estabelecimento, em virtude de que os profissionais de saúde
atuantes nessas unidades pertencerão à Secretaria Municipal de Saúde. Esta
pagará os salários e a carga horária será mais curta que a das equipes atuantes
nas unidades ambulatoriais com mais de 100 presos, por pertencerem ao CS que
atende à região do presídio, não sendo exclusivas da unidade prisional.
O repasse dos recursos provenientes do Ministério da Saúde e do Ministério da
Justiça é efetuado por intermédio do FNS, que os remeterá para os Fundos
Estaduais e/ou Municipais de Saúde, de acordo com a pactuação celebrada no
âmbito de cada unidade federada, para que estes repassem para os respectivos
serviços executores do serviço (BRASIL, 2004).
O referido repasse obedecerá às regras que regulamentam a transferência de
recursos financeiros a estados e municípios, estabelecidas pelo Ministério da
Saúde, cabendo destacar a orientação do Manual para Organização da Atenção
Básica.
Quanto aos profissionais de saúde, estes têm o desafio de interferir no cotidiano
de desassistência num contexto em que a saúde é a somatização das demais
fragilidades sociais, psicológicas, econômicas, tendo por base os mesmos
padrões instituídos pela PNH.
39
Essas equipes devem estar articuladas com a rede de saúde do SUS, como CS,
UPAs e hospitais conveniados, mantendo, ainda, suas atribuições fundamentais
de planejamento das ações assistenciais, prevenção, promoção e vigilância, além
de manter meta de trabalho inter/multi e transdisciplinar, visando à alta
resolutividade do atendimento.
Os estabelecimentos com menos de 100 presos não têm equipes de saúde
exclusivas, nem ambulatórios, sendo os detentos encaminhados, se necessário,
às redes públicas de atenção à saúde.
Nas unidades prisionais com mais de 100 e até 500 presos, preconiza-se ter uma
equipe técnica mínima, com jornada de trabalho de 20 horas semanais e
composta no mínimo de um profissional de cada área, como: médico, enfermeiro,
cirurgião-dentista, psicólogo, assistente social, auxiliar de enfermagem e auxiliar
de consultório dentário (ACD).
No ambulatório pesquisado, a estrutura da equipe não segue especificamente o
formato prescrito, tendo na sua programação de funcionamento a presença do
médico com carga horária inferior a 20 horas semanais, além de ter também
agregado à equipe um terapeuta ocupacional.
Há também uma equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF) composta de
um médico, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem, designada pela
Secretaria Municipal de Saúde para dar suporte ao atendimento vacinal e,
eventualmente, suprir a ausência do médico.
2.4 A Política Nacional de Humanização
Em 2003, o Ministério da Saúde (MS), por intermédio da Secretaria de Atenção à
Saúde e do Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização, lança a PNH
como uma estratégia de redimensionar a atenção às demandas estabelecidas
pelo novo contexto da saúde pública (BRASIL, 2006b).
40
Anteriormente à apresentação da nova política, já estavam em andamento
algumas ações e programas de humanização, como o Programa de Atenção ao
Parto e Pré-Natal e o Programa Nacional de Humanização da Assistência
Hospitalar (PNHAH), mas eram iniciativas voltadas para os hospitais e
apresentavam-se de forma fragmentada e um tanto inconsistente.
A PNH tem a responsabilidade de convergir, difundir e potencializar todas as
iniciativas já instituídas para tornar o sistema de saúde brasileiro compatível com
as propostas idealizadas na Constituição de 1988, que estabelece premissas para
a criação do SUS. Tem como princípio a indissociabilidade entre a atenção e
gestão, que para Benevides e Passos (2005) traduz-se por um “conceito
experiência”, que vai se efetivar nas experiências do cotidiano dos serviços nas
trocas de saberes, na reinvenção coletiva de soluções.
Com a finalidade de melhorar o panorama de desqualificação dos trabalhadores e
de precarização das relações de trabalho, o governo federal lançou uma cartilha
específica para os gestores e trabalhadores do SUS. Nela a PNH foi definida
como uma política de “valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo
de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores”, reiterando sua
condição de política pública e não de um mero programa (BRASIL, 2006b, p. 8).
O motor precursor das mudanças esperadas e propostas pela PNH são os da
transversalidade, indissocialibilidade entre atenção e gestão, protagonismo,
corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e dos coletivos, descritos como
princípios dessa política pública (BRASIL, 2008).
O princípio da transversalidade propõe a ampliação da comunicação intra e
intergrupos, transformando a relação entre os sujeitos em algo mais produtivo.
Guattari (1977) conceitua-o como sendo um híbrido entre a verticalidade e a
horizontalidade das relações e que tende a se realizar quando uma comunicação
máxima se efetua entre os diferentes níveis hierárquicos nos diferentes sentidos.
Assim, reforça a premissa de que a gestão e a atenção devem acontecer
concomitantes, desconstruindo os modelos verticais e hierárquicos que ainda se
fazem presentes em muitos serviços, com a finalidade de fortalecer redes.
41
Reafirmado em Benevides e Passos (2005, p. 562):
Como política, a humanização deveria traduzir princípios e modos de
operar no conjunto das relações entre todos que constituem o SUS. Era
principalmente o modo coletivo e cogestivo de produção de saúde e de
sujeitos implicados nesta produção que deveria orientar a construção da
PNH como política pública.
Com a finalidade de evitar que a PNH fosse desvirtuada pela máquina do Estado,
perdendo, assim, seu caráter instituinte e de constante construção, denominaram
como uma “política dispositivo” que vai se estabelecer abrindo portas para a
atuação de diferentes linhas de forças e que se define por:
[...] conjunto multilinear [...] composto por linhas de natureza diferentes e
essas linhas do dispositivo não abarcam nem delimitam sistemas
homogêneos por sua própria conta, mas seguem direções diferentes,
formam processos sempre em desequilíbrio e essas linhas sempre se
afastam umas das outras [...] (DELEUZE, 1990, p. 1).
Ser uma política dispositiva reafirma e assegura seu caráter contestador e
dinâmico, construído por todos os atores envolvidos, cotidianamente.
A efetivação do SUS, assim como seu processo de melhoria a partir de políticas,
como a de humanização, vem sofrendo ataques, como: modelos de gestão que
negligenciam a indicação constitucional de que 30% do orçamento da seguridade
social teriam que ser direcionados para o SUS; e a Contribuição Provisória sobre
a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira (CPMF). A Contribuição, durante algum tempo, deveria ser
inteiramente aplicada na saúde, mas teve grande parte desviada, colaborando
para aumentar ainda mais a precarização das relações de trabalho, suspensão
dos concursos públicos e aviltamento das carreiras e salários, entre outros
(SANTOS, 2009).
O tema humanização, na PNH, aparece primeiramente ligado à busca de
melhoria na qualidade da atenção ao usuário e, posteriormente, aos
trabalhadores da saúde. Pelo lado dos usuários, a reivindicação pode ser
sintetizada pelo clamor de qualificação e de ampliação do acolhimento, da
resolutividade e da disponibilidade dos serviços.
42
Em contrapartida, os trabalhadores querem melhores condições de trabalho e de
formação para lidarem satisfatoriamente com a intensidade do impacto que o
enfrentamento cotidiano da doença e do sofrimento impõe, bem como para dar
conta dos desafios da assistência nas perspectivas da universalidade, da
integralidade e da equidade da atenção à saúde, enfatizados no SUS.
Faz-se necessário compreender o termo humanizar para que não haja
apropriação indevida. Historicamente, a assistência em saúde sempre esteve
intimamente ligada ao humanismo cristão, que disseminou no senso comum a
crença de que a piedade e o espírito caritativo seriam seus sinônimos, instituindo,
assim, uma prática assistencialista por meio da qual ações e políticas ditas
humanistas ou humanas do estado, de governos e de outras instituições são tidas
como dádivas ou concessões, o que reitera estruturas sociais conservadoras e
alienantes.
O assistencialismo, no sentido de uma assistência caritativa, é certamente
antagônico à conquista e ao exercício de direitos na área da saúde, estirpando as
possibilidades de promover protagonismo dos usuários, assim como de deficitária
apropriação dos processos de trabalho pelos trabalhadores e gestores da saúde.
Contraria também o marco legal do SUS e a concepção de que a saúde é um
direito de todos e um dever do estado, não uma beneficência ou um favor
prestado ao cidadão (SOUZA; MENDES, 2009).
Discutir humanização no âmbito da saúde se torna restrito se não se remeter ao
processo de constituição do SUS no Brasil, sendo este o resultado de lutas pela
redemocratização da sociedade brasileira que aconteciam em meio a movimentos
de resistência à ditadura militar, a partir principalmente do Movimento da Reforma
Sanitária. Esse movimento é um marco para a formulação dos princípios de
universalidade, equidade e integralidade da saúde na Constituição de 1988 como
direito de qualquer cidadão e como dever do Estado.
Num primeiro momento da reforma da saúde, com a criação do SUS, preconizouse o acesso universal dos cidadãos aos serviços, assim como a descentralização
da gestão e a reorganização dos níveis de atenção: o primário, constituído pelos
43
CS; o secundário, pelas UPAs; e o terciário, que se constituía pela rede hospitalar
própria e também conveniada. Mas ainda era tenra a ideia de se estabelecer a
qualidade desse atendimento, o que, em 2003, a partir de uma nova política
pública instituída em âmbito nacional, a PNH começou a ser repensada com base
nos seguintes princípios norteadores:
• Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de
atenção e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os
direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero,
etnia, raça, orientação sexual e às populações específicas (índios,
quilombolas, ribeirinhos, assentados, etc.);
• fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a
transversalidade e a grupalidade;
• apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas
com a produção de saúde e com a produção de sujeitos;
• construção de autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos
implicados na rede do SUS;
• corresponsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e de
atenção;
• fortalecimento do controle social com caráter participativo em todas as
instâncias gestoras do SUS;
• compromisso com a democratização das relações de trabalho e
valorização dos profissionais de saúde, estimulando processos de
educação permanente (BRASIL, 2004,p.18-19).
Vencidos os desafios iniciais de implantação do SUS, nos dias atuais, diante dos
inúmeros obstáculos que se apresentam para se prestar assistência de qualidade,
sejam de ordem financeira, política, organizativa ou ética, coloca-se em pauta o
fundamental papel da atuação dos profissionais envolvidos no atendimento.
Aborda-se também a postura do cidadão que busca o serviço e a maneira
indissociável da adequada utilização de tecnologias, saberes, que constituem
ferrramentas adequadas para o encontro exitoso do usuário, profissionais de
saúde, gestores ou técnicos (BRASIL, 2008).
A aplicabilidade da PNH nesse universo que é a rede pública de saúde, composta
de uma diversidade de atores com as mais variadas realidades institucionais, com
regras, hierarquias e limitações e, ainda assim, tendo que convergir esforços para
transformar o que essa política, que é nacional, preconiza e transforma em ação
prática. Isso requer exercício de repensar as práticas cotidianas, o que muitas
vezes é inviabilizado pela sobrecarga de trabalho dos profissionais (MERHY;
FRANCO, 2003).
44
Diante dessas contradições, a PNH nasceu como “radicalização” da aposta na
humanização, o que, para Souza e Mendes (2009), significa dizer que o
estabelecimento dessa política pelo Ministério da Saúde procura confrontar
tendências tecnocráticas e errôneas arraigadas em políticas públicas e serviços
de saúde.
Os objetivos a serem alcançados pela PNH não são de fácil assimilação e
operacionalização, pois requerem mais do que mudanças e/ou aprimoramentos
técnicos e procedimentais, mais do que somente vontade dos atores envolvidos,
refinamento e racionalização administrativa e gerencial. Faz-se necessária a
apropriação dos processos de trabalho por gestores, profissionais e usuários, com
base em trocas positivas que impliquem a produção de novos saberes por meio
do aumento do grau de comunicação, de colaboração e de compartilhamento
entre todos os envolvidos no processo (BRASIL, 2003).
A PNH incita a compreender o trabalho em saúde como fundamentalmente
afetivo, de produção de afetos e de modos de afetar e ser afetado pelo outro na
criação de redes sociais, de troca de saberes, de diferentes formas de vida, de
novas subjetividades e sociabilidades (MENDES, 1999).
Uma das ferramentas preconizadas para se estabelecer a produção de afetos é o
chamado acolhimento, que corresponde, sobretudo, à disposição ético-política ao
outro, fazendo da clínica um momento de aproximação do usuário e permitindo o
exercício da escuta. O intuito é estabelecer laços de confiança e dar o espaço
necessário para que o usuário exteriorize quais são as suas demandas.
Em Brasil (2009c, p. 22), entende-se acolhimento como:
Processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde
que implica responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde
a sua chegada até a sua saída. Ouvindo sua queixa, considerando suas
preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que
possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários,
garantir atenção integral, resolutiva e responsável por meio do
acionamento/articulação das redes internas dos serviços (visando à
horizontalidade do cuidado) e redes externas, com outros serviços de
saúde, para continuidade da assistência quando necessário.
45
Mesmo com a implementação da PNH, ainda é frequente perceber profissionais
de saúde pensarem o homem como algo separado do meio social e cultural e das
condições nas quais ele vive e se transforma. E também enxergando a doença e
não o doente, tratando as doenças como uma entidade em si, separada do modus
vivendi do seu paciente, ocasionando, assim, a perda de sua singularidade e a
possibilidade de intervenção mais ampla e efetiva.
A técnica e a tecnologia também são preconizadas pela PNH como instrumentos
importantes no processo de atenção ampla e adequada ao usuário. Mas estas
devem vir agregando qualidade ao atendimento e não tolhendo a condição do
profissional como partícipe na construção dos processos pautados nas relações
humanas e que podem impactar um repensar contínuo de novos modelos de
atendimento (BRASIL, 2009c).
Para Souza e Mendes (2009), a PNH aposta numa ruptura e num novo fazer, o
que impõe grandes desafios em relação à absorção de novos conceitos, não
podendo ficar somente em formulações e discursos científicos ou políticos. Ao
contrário, precisam ser híbridas, capazes de transversalizar os vários planos
conceituais implicados nos processos de trabalho em saúde. Precisam ser
construídas a partir e em função das condições concretas dos serviços de saúde.
Benevides e Passos (2005), formuladores e implementadores da PNH, no plano
conceitual, entendem a humanização como conceito-sintoma e acreditam que,
para transformar em conceito-experiência, faz-se necessário o esforço de todos
de forma a estabelecer trocas de saberes cotidianamente que envolvam a todos,
gerando aumento e resolutividade para os problemas que vão surgindo.
As ambições da PNH são amplas e desafiadoras, tais como fomentar a criação de
redes de produção de saúde nas quais o usuário é o protagonista das suas
escolhas; estabelecer relação construtiva consigo mesmo e com a rede da qual
faz parte; e, ainda, fortalecer e criar relações estruturadas e de cooperação em
toda a rede SUS, fortalecendo mecanismos de coletivização e pactuação e
viabilizando os atendimentos também de forma transversal.
46
Os dois eixos de protagonismo, tanto do usuário como do trabalhador, colaboram
para que a humanização se afirme como conceito-experiência, na medida em que
"descreve, intervém e produz a realidade, convocando-nos para mantermos vivo o
movimento a partir do qual o SUS se consolida como política pública, política de
todos, política para qualquer um, política comum" (BENEVIDES; PASSOS, 2005,
p. 393).
Pensar as limitações do nosso sistema de saúde, assim como as políticas
públicas que o validam e o fortalecem, se faz necessário. Os dispositivos
descritos pela PNH não devem se transformar em modelos rígidos e acabados,
mas serem vistos como tecnologias que foram pensadas e disponibilizadas para
operar mudanças, as quais necessitam ser avaliadas, repensadas, modificadas
e/ou replicadas.
2.5 Gestão social e Política Nacional de Humanização
A saúde é direito de todos e dever do Estado. Esta é uma conquista do
povo brasileiro. Toda conquista é, entretanto, resultado e início de um
outro processo (BRASIL, 2004,p.7).
Para falar sobre a “Política Nacional de Humanização” faz-se necessário adentrar
também no tema gestão social, já que a mesma se encaixa perfeitamente no
tema. No campo das ciências administrativas, de modo geral, como para Carrion,
Valentim e Hellwig (2006), a gestão é entendida como um processo que visa ao
uso racional dos recursos para a realização de fins econômicos e sociais. Isso
significa dizer que:
O conjunto dos “ativos” deverá ser mobilizado, ajustado, a normas,
procedimentos e medidas, que viabilizem a otimização do capital
investido. Invertendo a lógica que deu origem à constituição do próprio
Estado Moderno e o sentido dos valores subjacentes às lutas históricas
movidas pelos ideais de democracia, igualdade e direito à vida digna, o
uso dado pela Ciência Administrativa ao termo gestão propõe, assim, o
assujeitamento do conjunto das demais dimensões da vida, entre as
quais a cultural, a política, a ambiental e a humana, ao objetivo de
acumulação capitalista (CARRION; VALENTIM; HELLWIG, 2006).
47
Quando se fala de políticas públicas, sociais e ambientais, combate à pobreza,
gestão democrática e organizações do terceiro setor, entre outras designações,
para França Filho (2003) o adjetivo social qualificando o substantivo gestão é
percebido como o espaço privilegiado de relações sociais em que todos têm o
direito à fala, sem algum tipo de coação. Trata-se de um ponto de convergência
com a PNH, visto que as relações dos atores sociais envolvidos, usuário,
familiares, profissionais assistenciais e gestores dos serviços de saúde, devem
corroborar para a construção de trocas solidárias e comprometidas com a dupla
tarefa de produção de saúde e produção de sujeitos (BRASIL, 2009c).
Segundo França Filho (2003), o conceito de gestão social é entendido como o
processo gerencial dialógico cuja autoridade decisória é compartilhada entre os
participantes da ação, assim como preconizado na PNH tanto para CS quanto
ambulatórios prisionais. Esses ambulatórios são considerados nível primário de
atenção, tanto para UPAs quanto para os hospitais.
Para a gestão compartilhada, dialógica, preconiza-se um modelo de gestão
participativa centrado no trabalho em equipe e na construção coletiva,
denominado colegiados gestores, que garantem o compartilhamento do poder, a
coanálise, a codecisão e a coavaliação. Eles devem acontecer nas mais diversas
esferas da atenção à saúde e devem ter representantes dos usuários, dos
trabalhadores assistenciais e gestores (BRASIL, 2009c).
Conceitualmente:
Os colegiados são espaços coletivos deliberativos, tomam decisões no
seu âmbito de governo em conformidade com as diretrizes e contratos
definidos. O colegiado gestor de uma unidade de saúde é composto por
todos os membros da equipe ou por representantes. Tem por finalidade
elaborar o projeto de ação da instituição, atuar no processo de trabalho
da unidade, responsabilizar os envolvidos, acolher os usuários, criar e
avaliar os indicadores, sugerir e elaborar propostas (BRASIL, 2008, p.
56).
Portanto, o colegiado gestor, preconizado pela PNH, está inviabilizado ou
descaracterizado
no
ambulatório
prisional,
devido
à
impossibilidade
de
48
participação do usuário, no caso as detentas, devido a limitações e normas de
segurança institucionais.
Também se pode dizer que o termo gestão social converge para a própria ideia
de gestão pública, gestão das demandas e necessidades do povo, que sempre
foram, em tese, atribuição específica do Estado na modernidade. Essa atribuição
é dada a partir de políticas públicas, especialmente aquelas voltadas para
questões de cunho social no estado liberal, mas que se torna gradativamente
ineficiente e limitado, precipitando mudanças em tal concepção e tornando-se
necessária a participação da sociedade civil nas questões referentes à gestão de
serviços públicos, como a saúde (POLANYI, 1980).
As questões de âmbito político, para França Filho (2003), tem dimensão
constitutiva da vida humana, não é atribuição exclusiva do estado como
instituição, pois existe uma dinâmica política de auto-organização social, com
base em diferentes modalidades do fato associativo, cujo papel deve ser
valorizado e, assim, contribuir para a democratização da sociedade em todos os
seus segmentos, inclusive o da saúde.
Falar em gestão social implica conceituar participação, que para Demo (2001, p.
18) é “um processo em constante vir-a-ser, que, em sua essência, trata da
autopromoção e de uma conquista processual. Não existe participação suficiente,
nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a
regredir”.
Logo, para que haja gestão social, é preciso participação:
Participação é um processo de conquista, não somente na ótica da
comunidade ou dos interessados, mas também do técnico, do professor,
do pesquisador, do intelectual. Todas essas figuras pertencem ao lado
privilegiado da sociedade, ainda que nem sempre ao mais privilegiado.
Tendencialmente, buscam manter e aumentar seus privilégios. Se o
processo de participação for coerente e consistente, atingirá tais
privilégios, pelo menos no sentido de que a distância entre tais figuras e
os pobres deverá diminuir (DEMO, 1993, p. 21).
A PNH traduz-se em gestão social, segundo França Filho (2003), que entende
que gestão social é um processo gerencial dialógico em que a autoridade
49
decisória é compartilhada entre os participantes da ação, assim como é
preconizado pela PNH e como citado no recorte das orientações para gestores e
trabalhadores do SUS, que preconiza e conceitua:
Grupalidade como uma experiência que não se reduz a um conjunto de
indivíduos, tampouco pode ser tomada como uma unidade ou identidade
imutável. É um coletivo ou uma multiplicidade de termos (usuários,
trabalhadores, gestores, familiares, etc.) em agenciamento e
transformação, compondo uma rede de conexão na qual o processo de
produção de saúde e de subjetividade se realiza (BRASIL, 2008, p. 61).
Humanização é o processo de valorização dos diferentes sujeitos implicados no
processo de produção de saúde, como usuários, trabalhadores e gestores
(BRASIL, 2004). Enfatiza-se que os valores que norteiam a PNH são a autonomia
e
o
protagonismo
dos
sujeitos,
a
corresponsabilidade
entre
eles,
o
estabelecimento de vínculos solidários e a participação coletiva.
Como vislumbrar participação de todos os atores se em um ambulatório prisional
tem-se um usuário atípico, aprisionado, cerceado do seu direito de ir e vir e que
obedece a rígidas normas de segurança? Talvez, repensando o cotidiano de
trabalho do ambulatório, pudessem ser criados espaços em outros formatos,
possibilitando a participação das detentas na gestão da saúde.
Tenório (1990) diz que para que haja gestão social é preciso que se estabeleça a
relação entre os participantes, uma discussão que será intimamente afetada pelo
grau de escolaridade de seus membros. Os que detêm mais “conhecimento”
acabam estabelecendo uma relação de poder sobre os demais. Assim, qualquer
que seja a relação social, haverá duas possibilidades no uso do conhecimento: a
direção, apontando o que é certo e o que é errado; e a discussão dos saberes:
Numa relação social que se pretenda participativa, os conhecimentos
devem ser convergentes. O saber de quem estudou deve ser usado
como apoio às discussões, mas não como orientador primeiro na
decisão. Numa relação coletiva o poder se dilui entre os participantes, já
que o conhecimento e as informações são compartilhados, não existindo
“donos da verdade” (TENÓRIO, 1990, p. 163).
Para Tenório (1990, p. 163), os conhecimentos, mesmo que diferentes, podem e
devem ser integrados. “Uma pessoa é capaz de pensar sua experiência, ela é ca-
50
paz de produzir conhecimento”. Pensar em gestão num ambiente prisional implica
considerar desníveis sociais e intelectuais por parte do usuário, que também é um
preso, além da própria reclusão física que limita a troca de saberes de forma
proposital para garantir o controle do ambiente.
Ainda para Tenório (1990, p. 163): “[...] participar é repensar o seu saber em
confronto com outros saberes, é fazer ‘com’ e não ‘para’ [...] é uma prática social”.
Porém, em um ambiente prisional não é incentivado, nem permitido.
Tais trocas de saberes, também entre os profissionais e gestores, contribuem
para estabelecer um agir intersubjetivo, assim como na PNH, na qual o diálogo, o
consenso, a negociação de significados e de maneiras de agir devem superar o
agir estratégico. E este tende a priorizar interesses individualizados, buscando
articular as pessoas para atingir objetivos já definidos e comuns:
Especialmente em um país como o Brasil, com profundas desigualdades
socioeconômicas, permanecem vários desafios na saúde, como a
ampliação do acesso com qualidade aos serviços e aos bens de saúde e
a ampliação do processo de corresponsabilização entre trabalhadores,
gestores e usuários nos processos de gerir e de cuidar (BRASIL, 2008,
p. 7).
Na medida em que vai acumulando e trocando experiências devidamente
analisadas, o indivíduo cresce como pessoa e suas próximas ações tendem a ser
melhores que as passadas. Isso também se dá com a gestão social e no âmbito
da saúde. Segundo Freire (2001), esse é o caminho para a construção da
consciência crítica que é mais do que a tomada de consciência (prise de
conscience), “[...] a consciência crítica não se constrói através de um trabalho
intelectualista, mas na práxis - ação e reflexão” (FREIRE, 2001, p. 96).
Nas orientações gerais da PNH, a junção de esforços e a troca de saberes são
incentivadas a partir do:
51
• Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando
a transversalidade e a grupalidade;
• apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas
com a produção de saúde e com a produção de sujeitos;
• construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
implicados na rede do SUS;
• corresponsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e
atenção;
• fortalecimento do controle social, com caráter participativo, em todas
as instâncias gestoras do SUS;
• compromisso com a democratização das relações de trabalho e
valorização dos trabalhadores da saúde, estimulando processos de
educação permanente em saúde;
• valorização da ambiência, com organização de espaços de trabalho
saudáveis e acolhedores (BRASIL, 2004, p. 21).
Porém, quando enfatizados os direitos, o trecho a seguir não faz qualquer
inferência específica à população carcerária.
Valorização da dimensão subjetiva e coletiva em todas as práticas de
atenção e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos
de cidadania, destacando-se as necessidades específicas de gênero,
étnico-racial, orientação/expressão sexual e de segmentos específicos
(população negra, do campo, extrativista, povos indígenas, quilombolas,
ciganos, ribeirinhos, assentados, população em situação de rua, etc.)
(BRASIL, 2008, p. 21).
Assim, quanto mais participativo e horizontal seja um processo de planejamento,
de decisão e de avaliação de práticas, mais se aproxima do ideal da gestão
social. E também mais oportunidades de aprendizagem são geradas, na medida
em que todos os participantes têm oportunidade de manifestar seus saberes e de
se engajar na construção de novos saberes, com legitimidade para definir,
adaptar ou interpretar as ações e seus significados (TENÓRIO, 2004).
52
3 PERCURSO METODOLÓGICO
3.1 Modalidade de estudo
Em se tratando de compreender o universo das relações assistenciais na ótica da
aplicabilidade da PNH no cotidiano de trabalho entre os profissionais que prestam
serviço em um ambulatório prisional e seus usuários, as detentas de uma unidade
prisional, optou-se pela abordagem qualitativa. O objetivo desse tipo de
abordagem é perceber o que de fato permeia essa práxis, se é o conhecimento
formal ou o intuitivo ou valores pessoais aplicados sem embasamento teórico ou
intencionalidade.
A abordagem qualitativa, que em Turato (2003,p.153) vem citado como
“instrumento para o estudo dos
significados, representações
psíquicas,
representações sociais, simbolizações, simbolismos, percepções, pontos de vista,
perspectivas, vivências, experiências de vida e analogias”, corrobora e torna-se
bastante pertinente aos objetivos da presente pesquisa, que tem como finalidade
adentrar os significados da vivência de um grupo de profissionais, num serviço de
saúde.
O atendimento ambulatorial prisional é um formato inicial de atenção primária,
mas que acaba desempenhando atividades atribuídas ao segmento da atenção
secundária segundo as normas de estruturação do SUS. Amplia, assim, os
desafios, as contradições e as limitações dos profissionais que compõem a
equipe multidisciplinar. Não há condições de padronizar suas atitudes ou
mensurar
os
seus
comportamentos
quantitativamente.
Sendo
assim,
a
abordagem qualitativa para o estudo do problema em questão se torna bastante
pertinente.
Dessa forma, a ótica qualitativa tende a responder questões muito particulares,
preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado.
53
Trabalha com “significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”
(MINAYO et al., 2002, p. 21,22).
Outro ponto importante para a escolha do método qualitativo deve-se ao fato de
esse tipo de pesquisa se ater mais ao aprofundamento da compreensão do objeto
de estudo e seu critério de representatividade não numérico. Pode-se considerar
que a amostra ideal seria aquela capaz de possibilitar a apreensão da totalidade
dos conceitos do grupo social pesquisado (MINAYO; SANCHES, 1993).
Outro ponto interessante comentado por Turato (2003, p. 239) é que:
A pesquisa qualitativa instrumentaliza-se, além de fatos e dados, da
imaginação e interpretação do pesquisador para a compreensão do que
os sujeitos pesquisados querem dizer, considerando os planos das
estruturas sociais, culturais, buscando saber o que isto quer dizer num
determinado contexto.
Isso torna bastante abrangente a análise das entrevistas.
Alguns autores, como Dias (1999), descrevem os métodos qualitativos como
sendo menos estruturados, mas que proporcionam um relacionamento mais longo
e flexível entre o pesquisador e os entrevistados. Isso pode dificultar o
distanciamento necessário para se efetivar a pesquisa ou colaborar para a
extração de uma riqueza de detalhes de grande relevância para a análise dos
dados coletados, dependendo da relação do pesquisador com seus pesquisados.
Atentando para tais fragilidades do método qualitativo, mantiveram-se o zelo e a
construção de relações respeitosas necessárias para o desenvolvimento da
pesquisa.
Outro aspecto importante levado em questão e descrito por Turato (2003) aborda
os fatores facilitadores e dificuldades frente às pesquisas que envolvem
profissionais do atendimento de saúde. Entre esses fatores, citam-se condições
de trabalho muitas vezes precárias, carga horária exaustiva, pressão por
54
resultados, envolvimento emocional, que muitas vezes dificultam as entrevistas, o
que não aconteceu mesmo sendo um ambulatório prisional. Os ambulatórios
prisionais de certa forma reproduzem esse cenário repleto de limitações,
sugestivo de ser ambiente hostil, de risco, vulnerabilidades e violência.
3.2 Cenário e os sujeitos da pesquisa
Este estudo foi desenvolvido no ambulatório prisional feminino que se encontra
inserido na Penitenciária Industrial Estevão Pinto (PIEP), construída em 1948 e
inaugurada em 1955 , na cidade de Belo Horizonte , com a finalidade de receber
detentas de todo o estado de Minas Gerais. Hoje faz parte do sistema prisional
estadual, administrado pela Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de
Minas Gerais (SEDS).
Localizado na Rua Conselheiro Rocha, no encontro dos bairros Horto e Santa
Tereza, região periférica de Belo Horizonte, próximo ao centro da cidade.
Encontra-se numa área que hoje é também um bairro residencial com
proximidade de comércios e serviços, além de edifícios comerciais. Um pouco
mais distante, há prédios públicos, hospitais e escola infantil.
Figura 6 - Penitenciária Industrial Estêvão Pinto, muro da fachada da Avenida dos Andradas.
Fonte: Vaz (2005)
55
A capacidade atual da penitenciária, segundo informação de sua diretoria, é de
cerca de 250 detentas com alta rotatividade devido a transferências,
progressões de penas e mudança de regimes. O complexo penitenciário que
hoje admite os três regimes de cumprimento de pena, que são compreendidos
em fechado, semiaberto e aberto, além de contar com espaço para as presas
provisórias que aguardam seu julgamento, torna o atendimento ambulatorial
mais desafiador. Isso porque não se tem população fixa para se desempenhar
trabalhos a longo prazo, principalmente a prevenção em saúde.
Figura 7 – Penitenciária Industrial Estêvão Pinto, entrada do prédio principal onde se abrigam
a administração e as detentas do regime fechado.
Fonte: Vaz (2005).
O ambulatório localiza-se dentro dos muros do presídio, mas fora do prédio que
recebe as detentas que cumprem pena em regime fechado, ou seja, é uma
construção independente.
56
Figura 8 – Penitenciária Industrial Estêvão Pinto, edifício que abriga o ambulatório
ou posto médico.
Fonte: Vaz (2005).
O prédio onde funciona o ambulatório, conforme foto anexa, é uma construção
vertical, com janelas tipo basculante, de vidro e boa circulação de ar. Possui na
recepção um arquivo com os prontuários para registro multiprofissional dos
atendimentos, consultórios para atendimento de Psicologia, Serviço Social,
Enfermagem , Medicina, Odontologia e Terapia Ocupacional.
Na respectiva construção tem também uma cela de espera, onde as mulheres
trazidas de seus alojamentos (como denominam as celas que as mesmas
cumprem pena) aguardam atendimento. Além disso, conta com duas enfermarias,
média de cinco leitos cada uma, para receber pacientes que necessitem de
observação ou cuidado específico, uma sala de reuniões e uma farmácia, onde
são armazenados todo tipo de medicamento, um posto de enfermagem, onde são
preparadas as medicações, um expurgo, que recebe o lixo e o material sujo de
procedimentos, uma sala de esterilização de materiais, duas copas e banheiros
para os funcionários.
Algumas detentas com bom comportamento e que cumprem pena em regime
semiaberto prestam serviços no ambulatório, tais como limpeza e arquivamento
57
de prontuários. Segundo a LEP (BRASIL, 1984), a cada três dias trabalhados elas
têm a remissão de um dia da pena estabelecida pelo juiz, mas não recebem
remuneração financeira. Isso muitas vezes dificulta a aquisição de funcionárias na
condição de presa, visto que o presídio tem oficinas de trabalho que são partes de
linhas de montagens de algumas empresas, como de eletrônicos e roupas, que
além da diminuição da pena proporcionam pro labore em espécie, tornando mais
atrativo e viável para elas.
Os sujeitos da pesquisa foram profissionais de nível superior, um enfermeiro, um
assistente social, um cirurgião-dentista, um psicólogo e um terapeuta ocupacional.
Representando cada categoria profissional atuante no ambulatório, todos os dias
da semana, de segunda à sexta-feira, visto que a ideia era conhecer a forma
como cada um deles percebe e aplica a PNH no seu cotidiano de trabalho, já que
o eixo dessa política está no trabalho multi e interdisciplinar.
A amostra se torna significativa por conter um profissional de cada área do
conhecimento que atua nos atendimentos cotidianos em todos os dias da semana
e , portanto também compõem a CTC (Comissão Técnica de Classificação).
Segundo Vasconcelos (1997, p. 12), no método qualitativo ampla variedade de
procedimentos
pode
se
basear
no
estudo
de
pequenas
amostragens
estatisticamente irrelevantes, mas cuidadosa e intensivamente observadas e
devidamente analisadas.
Assim, os sujeitos da pesquisa foram incluídos de forma a contemplar a
participação de todas as categorias profissionais que compõem a equipe
multidisciplinar que atende no ambulatório da Penitenciária Industrial Estêvão
Pinto e que, além de prestarem atendimentos específicos em suas respectivas
áreas de atuação, participam da Comissão Técnica de Classificação (CTC). A
CTC tem como finalidade elaborar um programa individualizado e acompanhar a
execução das penas, devendo propor à autoridade competente, no caso do
presídio sua diretoria, as progressões e regressões dos regimes, bem como as
conversões, respaldados pela LEP.
58
Quanto à relevância dos resultados e sua possível replicação em outros
ambulatórios prisionais, conforme Vasconcelos (1997, p. 33), a respeito de
generalização em pesquisas qualitativas:
O trabalho procura estudar um problema teórico amplo num local
circunscrito, a partir do acompanhamento de um número limitado de
atores envolvidos. Qual a possibilidade de generalização do
conhecimento produzido? A possibilidade de generalização nasce do
pressuposto de que há dimensões estruturais e recorrentes na realidade.
Assim, o estudo dirá respeito a outras realidades. Mas a generalização
não pode ser imediata. São feitas afirmações sobre a realidade
estudada; a generalização e a aplicação a outras realidades se farão
pela mediação do leitor através de sua interpretação aplicada aos
contextos em que estiver inserido. Será o leitor que julgará se o texto
oferece chaves de compreensão aplicáveis à sua problemática
Os relatos extraídos das entrevistas aparecerão numerados de acordo com a
sequência das entrevistas, mantendo-se a privacidade das identidades dos
sujeitos da pesquisa, identificando-os como E1, E2 , E3 ,E4 e E5.
3.3 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no próprio ambulatório em horários flexibilizados,
de acordo com a disponibilidade dos profissionais, individualmente, utilizando os
próprios consultórios onde realizam seus atendimentos. Garret (1981) salienta
que “o entrevistado deve se sentir à vontade e confortável durante seu
depoimento e o entrevistador tem o papel de providenciar tudo isso, inclusive
quanto aos objetivos da entrevista”.
Optou-se pela entrevista pautado na possibilidade de ser um tipo de instrumento
que proporciona ao entrevistado a livre expressão de suas representações
(TRIVIÑOS, 1987). Além disso, “a entrevista permite tratar de temas complexos
que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente por meio de
questionários,
explorando-os
em
GEWANDSZNAJDER, 1999, p. 168).
profundidade”
(ALVES-MAZZOTTI;
59
A entrevista permite a leitura mais ampla do entrevistado e abre espaço mais
flexível para as respostas, o que é muito adequado para a pesquisa em questão,
por se tratar de questões ligadas à subjetividade de cada profissional, à
compreensão que ele tem da construção do atendimento humanizado.
Para a realização das entrevistas, foi utilizado um recurso de áudio (gravador de
voz) visando à agilidade e à fidedignidade das informações. Após a gravação,
realizou-se a transcrição de seu conteúdo integralmente, dividindo-o em
categorias para facilitar a análise.
As entrevistas foram também observadas por três graduandas do curso de
Enfermagem, juntamente com a pesquisadora, com consentimento dos
entrevistados, com o intuito de ampliar as observações da linguagem verbal e não
verbal dos entrevistados e, posteriormente, transcritas, na íntegra, para análise e
interpretação das falas dos entrevistados.
O instrumento norteador utilizado para a entrevista foi um roteiro semiestruturado
(APÊNDICE A), dada sua capacidade de enumerar de forma mais abrangente as
questões que o pesquisador pretende abordar no campo, a partir de suas
hipóteses ou pressupostos (MINAYO, 2004).
Triviños (1987, p. 146) ressalta que:
A entrevista semiestruturada tem como característica questionamentos
básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao
tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos à formulação de
novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco
principal seria colocado pelo investigador-entrevistador. Essa técnica
favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua
explicação e a compreensão de sua totalidade, além de manter a
presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de
informações.
Em relação à citação anterior, o grande ganho da entrevista semiestruturada e
que se pode perceber ao longo das entrevistas é a possibilidade de se refazer a
pergunta de forma a ser mais inteligível ao entrevistado. Ou então dar liberdade
para a divagação produtiva, da qual sairão as respostas aos questionamentos,
60
precisando, portanto, que o entrevistador esteja muito atento para explorar as
respostas e incitar a fala mais descomprometida do entrevistado, sem perder o
foco da questão, principalmente pelo fato de que profissionais da assistência e de
serviços públicos ficarem receosos de que suas respostas possam comprometer
sua carreira ou avaliação institucional.
As entrevistas foram feitas no próprio ambiente em que trabalham, em seus
consultórios, previamente agendadas, mas ainda assim as interrupções se davam
em função de chamados na porta, ligações telefônicas ou alguma outra demanda
do trabalho. Esses entraves à concentração do entrevistado e entrevistador não
comprometeram a qualidade e o desenvolvimento da mesma.
Em relação a explicar sobre os objetivos da pesquisa, isso foi feito previamente à
entrevista, de forma individual, com excelente aceitação e sem entraves. Todos
os entrevistados mostraram-se bastante receptivos e disponíveis.
Duarte (2004,p.72) refere que “as entrevistas realizadas em pesquisa qualitativa
devem ser analisadas sempre à luz de literaturas científicas, validando sua
análise e interpretação do pesquisador”. Assim, para a análise dos dados
transcritos da entrevista, optou-se pelo método de análise de conteúdo com o
propósito de compreender e estabelecer correlações entre o problema estudado e
as hipóteses iniciais da pesquisa.
Segundo Bardin (2009, p. 40), a análise de conteúdo define-se por um conjunto
de técnicas para análise de comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos
e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obtidos das falas que
permitirão a inferência ou dedução lógica de conhecimentos relativos às
condições de produção e/ou recepção de variáveis dessas mensagens. Tal
método facilita a compreensão e construção de significados, que os entrevistados
exteriorizam em seus relatos, permitindo ao pesquisador a compreensão do que
representa para eles e como interpretam a realidade e os significados à sua volta.
61
3.4 Aspectos éticos
Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Centro Universitário UNA (ANEXO A), de acordo com as normas do Conselho
Nacional de Saúde – Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 –, que
regulamentam a pesquisa com seres humanos. Foi também encaminhada à
Diretoria da Penitenciária Industrial Estêvão Pinto (ANEXOS B e C) para sua
ciência e autorização para a coleta de dados.
Foram também elucidadas as dúvidas quanto ao anonimato da participação, tanto
quanto à liberdade de participar ou não da pesquisa. Houve a concordância de
todos em colaborar, com registro feito no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, o qual foi devolvido em cópia assinada por esta pesquisadora aos
sujeitos (APÊNDICE B).
3.5 Análise dos dados
Num primeiro momento, para apropriação total do conteúdo, as entrevistas foram
ouvidas algumas vezes para, posteriormente, proceder-se à transcrição rigorosa
das mesmas por um grupo de pesquisadores auxiliares, acadêmicos de
Enfermagem, que também acompanharam as entrevistas. Depois de transcritas,
deu-se início à criteriosa inspeção de todas as transcrições pela pesquisadora
responsável e, por fim, à análise dos conteúdos.
Em relação ao tratamento dos dados pesquisados, é pertinente ressaltar que,
segundo Minayo (2004), “a análise do material recolhido deve atingir três
objetivos: ultrapassar a incerteza, enriquecer a leitura e integrar as descobertas”.
No entanto, a autora alerta para o fato de que, ao partirem para a fase de análise
dos dados, os pesquisadores costumam deparar com três grandes obstáculos,
descritos a seguir:
O primeiro deles é a “ilusão da transparência”, que é o risco que se corre de
compreender as coisas espontaneamente, como se o real se mostrasse
62
nitidamente ao observador. Por isso, o cuidado em ouvir na íntegra diversas
vezes as entrevistas, assim como ler as transcrições antes de analisar os dados
propriamente ditos ou tirar conclusões precipitadas e errôneas ou tendenciosas.
O segundo obstáculo é “a tendência de prender-se aos métodos e técnicas”, aqui
em questão a “análise de conteúdo”, e esquecer-se do essencial; ou seja, de
desenvolver a análise das significações de forma ampla e coerente, explorando
ao máximo não só o que está transcrito a partir das falas dos entrevistados, mas o
que se percebe também nas entrelinhas.
Por fim, o terceiro obstáculo refere-se à “dificuldade de associar as teorias e
conceitos muito abstratos aos dados recolhidos no campo, em função da
diversidade de interpretações que se pode extrair da fala de um entrevistado”,
precisando ater-se às respostas do problema de pesquisa.
No capítulo seguinte serão exibidos os resultados da análise de conteúdo que,
para Pêcheux (1975), tem como objetivo principal a procura pelo conhecimento
daquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça. É compreender
a ideia, aquilo que o entrevistado quis dizer realmente, e não o subentendido.
Assim sendo, não se pode confundir a linguística e a análise de conteúdo, pois:
O objeto da linguística é a linguagem e o da análise de conteúdo é a
palavra. O papel da linguística é a descrição do funcionamento da língua
e o da análise de conteúdo é trabalhar a prática da língua realizada por
emissores identificáveis. A linguística estuda a língua e a análise de
conteúdo concebe aquilo que está por trás das palavras (PÊCHEUX,
1975, p. 43).
Análise de conteúdo também é descrito por Cruz e Ribeiro (2004, p. 32) como:
Um método adequado ao estudo do não dito, do implícito, que obriga o
investigador a manter distância em relação a interpretações
espontâneas, em particular às suas próprias, e permite o controle
posterior para manter distanciamento e rigor na interpretação dos
dados.
63
O método de análise consiste na pré-análise, com a leitura das transcrições na
íntegra; exploração do material, fazendo leitura crítica e minuciosa; o tratamento
dos resultados; inferência; e, por fim, a interpretação.
A sistematização das ideias iniciais foi feita num esquema de operações
sucessivas (leitura, escolha, recenseamento, representatividade, exaustividade e
pertinência dos documentos) para categorizá-las e formular menções pertinentes,
inferências e interpretações (BARDIN, 2009).
Utilizaram-se
a
categorização,
operação
de
classificação
de
elementos
constitutivos de um conjunto, por diferenciação seguida de um reagrupamento
baseado em analogias, a partir de critérios definidos. Para Franco (2008), trata-se
de “um processo longo, difícil e desafiante, que exige esforço por parte do
pesquisador”. Não há fórmulas, cada um traça sua própria trajetória, norteando-se
pelo seu próprio cabedal de conhecimentos científicos e, de certa forma,
intuitivos.
Ainda segundo Franco (2008,p.23), “a definição de categorias implica idas e
vindas do material de análise à teoria e pressupõe a elaboração de várias
versões, que são uma espécie de “lapidação” que dará subsídios à versão final”.
As categorias estabelecidas podem se diferenciar em criadas a priori, que buscam
resposta específica às perguntas do pesquisador, ou criadas a posteriori, que
surgem da fala, do discurso, do conteúdo das respostas dos entrevistados e
exigem constante ida e vinda do material colhido na entrevista e as teorias que o
respaldam.
No caso em questão, as categorias foram criadas a priori, a partir dos temas das
perguntas que nortearam as entrevistas. Assim, as categorias vão sendo criadas
na medida em que surgem nas respostas, para depois serem interpretadas.
Contudo, o princípio da análise de conteúdo pode ser definido à medida que se
demonstra a estrutura para esclarecer diferentes características e extrair seu
significado. Não há a necessidade de obedecer às etapas rigidamente, as quais
64
podem ser reconstruídas concomitantemente às percepções dos pesquisadores,
que nem sempre têm suas conclusões claramente direcionadas (BARDIN, 2009).
65
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RELATOS
Após leitura sistemática e criteriosa das entrevistas, foram eleitas as seguintes
categorias:
•
Compreensão da PNH;
•
aplicabilidade da PNH no cotidiano do trabalho;
•
entraves no atendimento ambulatorial prisional;
•
o conhecimento como instrumento para melhoria do atendimento.
4.1 Compreensão da Política Nacional de Humanização pelos profissionais
do ambulatório
Para esta categoria foi utilizada a seguinte pergunta: O que você entende por
Política Nacional de Humanização (PNH)?
Nesta categoria estão incluídas as representações dos entrevistados sobre o seu
entendimento acerca da PNH.
Por meio dos depoimentos escolhidos foi possível perceber, assim como no
momento das entrevistas, certa dificuldade para responder, um silêncio
prolongado, uma pausa, em alguns casos, uma espécie de gagueira nervosa
demonstrando certa insegurança e/ou dificuldade quanto ao tema ou quanto à
situação de ser inquirido. Evidenciado nos seguintes trechos das entrevistas:
[..] Política Nacional de Humanização é uma política que poderia
humanizar o sistema dando pra esse usuário, né, independente da
condição dele de livre ou privado de liberdade, o direito de todos os
atendimentos que lhe é cabível enquanto ser humano (E.1).
A política, né, assim, é uma política pública que vai direcionar todo um
trabalho seja lá em que área que o funcionário público estiver ou que o
cidadão estiver, buscando a humanização. O que que é a humanização
que eu entendo, né, é a lei mais assim, com um significado humano
assim, uma aproximação do outro, né, assim, o outro tá ali precisando do
seu serviço e você vai recebê-lo como uma pessoa humana e não como
lá um chato que tá ali batendo na sua porta, que tá te incomodando, que
tá te atrapalhando [...] (E.3).
66
É creio que PNH é que... Devemos tratar a todas as pessoas
independente se estão privadas de liberdade que é [...] Nosso local de
trabalho ou é... Independente se a pessoa, né, tem condição financeira
boa ou não, que tenham uma condição de atendimento principalmente
na saúde, uma condição é... Igual em todas as... Independente do nível
social e... Tanto acho que nessa questão de saúde quanto também na
questão de educação, na questão de lazer que todo mundo tenha o
mesmo direito, então não é priorizar um paciente X porque ele tem uma
condição melhor, porque ele tem uma... (E.4).
Eu acho que principalmente em um presídio onde existe um “préconceito” e um estigma, vc deixa de ver esse sujeito como um indivíduo
que tem sentimentos e desejos próprios dele, mesmo respondendo pelos
seus delitos, tratando esse sujeito como ser humano... Conscientizar as
pessoas que só através da humanização e de um tratamento digno
podemos suscitar nelas um desejo de mudança... (E.5).
E ainda alguma redundância de significados: “[...] Política Nacional de
Humanização é uma política que poderia humanizar...” Onde a PNH se equivale
a humanizar, no sentido original da palavra descrito no dicionário da língua culta
brasileira, como tornar humano, humanar, tornar benévolo, afável (FERREIRA,
1986).
Esse conceito sinaliza que os sujeitos desta pesquisa compreendem por “PNH”
sua prática cotidiana, mais similar ao conceito de humanizado, de ser bom, de se
compadecer com o sofrimento alheio, denominado por Benevides e Passos
(2005) como “conceito sintoma” que associa um sentido idealizado ao termo e
consequentemente à política que deve pautar
no concreto das experiências
cotidianas dos serviços, nas experiências geradas pelo convívio humano, que
não é aquele humano idealizado.
É também bastante perceptível nos relatos o norteamento da conduta profissional
pautada pela benevolência, com similaridades aos princípios do humanismo
cristão que, segundo Deslandes (2005), agregou ao comportamento da
humanidade, principalmente a cristã, ações e características de caráter voltado
para sentimentos e atitudes de piedade e de caridade para com o semelhante.
Os entrevistados se remetem à PNH como algo positivo: “[...] significado humano
assim, uma aproximação do outro... Coerente com Mendes (1999) , que ressalta
as premissas da PNH que compreende o trabalho em saúde como de cunho
67
afetivo, que gera modos de afetar e ser afetado impactando de forma positiva nas
relações entre os profissionais e usuários.
“[...] tratar a todas as pessoas independente se estão privadas de liberdade [...]”
Para Santos-Filho,Barros, (2007), tratar os usuários de forma igualitária coincide
com os
princípios do SUS, constituindo-se como estratégia para
ampliar a
condição de direito e de cidadania das pessoas.
“[...] só através da humanização e de um tratamento digno podemos suscitar
nelas um desejo de mudança [...]” evidenciando sua compreensão voltada para o
atendimento assistencial que satisfaça as expectativas do usuário e que pode ter
desdobramento benéfico. Souza e Mendes (2009), contudo, ressaltam ser uma
prática assistencialista e que tende a acomodar tanto o usuário como o próprio
profissional, limitando as suas possibilidades de protagonizar sua participação e
exercer sua cidadania.
Em contrapartida, Carvalho (1999), ao conceituar a gestão social enfatiza ser a
gestão das demandas e necessidades dos cidadãos, portanto, dar assistência
não necessariamente implica estirpar as possibilidades de cidadania. E Maia
(2005) destaca o papel viabilizador do desenvolvimento societário, emancipatório
e transformador, com a garantia de direitos universais, como o atendimento
humanizado de saúde.
Pela observação das práticas de atendimento cotidiano desses profissionais, é
perceptível um esforço e uma intencionalidade, talvez intuitiva, em instituir uma
relação não somente de cunho assistencial com a sua clientela, mas, como é
preconizado pela PNH, o esforço em “construir trocas solidárias e comprometidas
com a dupla tarefa de produção de saúde e produção de sujeitos” (BRASIL, 2004,
p. 12).
Lepargneur (2003) enfatiza que o processo de humanização do atendimento
deve-se pautar fundamentalmente na disponibilidade do profissional de sobrepor
o bem comum acima de seus interesses, assim como a maturidade da equipe em
68
convergir esforços para um resultado que se sobreponha a divergências ou
incompatibilidades.
Termos como “lei”, “direito”, “igualdade” e “dignidade” estão presentes na maioria
dos discursos, o que sinaliza a assimilação pelos profissionais entrevistados da
proposta divulgada e disseminada para trabalhadores, gestores e usuários SUS ,
a partir da Cartilha do HumanizaSUS, cujo slogan é “a saúde é um direito de
todos e um dever do Estado”. Esse slogan refere-se à Lei 8.080, que regulamenta
o SUS e, especificamente no artigo 2º, explicita a condição de ser a saúde um
direito do cidadão e que deve ser provida pelo Estado de forma igualitária e de
qualidade, assegurado em lei.
Para Pessini (2005), um profissional com postura solidária, compreensiva e
sensível tem mais facilidade para conseguir estabelecer laços de confiança com o
seu usuário. Isso viabiliza atendimento mais próximo das reais demandas a serem
resolvidas pelo serviço, além de estabelecer vínculos positivos que incentivam a
continuidade e a execução das orientações dadas. É algo bastante importante, e
também coerente, principalmente devido ao fato do ambulatório em questão
atender a detentas, que trazem consigo limitações cognitivas e afetivas e, muitas
vezes, agressividade e desconfiança.
A esse respeito Ayres (2005, p. 57) reitera:
[...] a reconstrução humanizadora das práticas de saúde se dá na
medida em que profissionais, serviços, programas e políticas de saúde
estejam mais sensíveis e responsivos ao sucesso prático de suas ações,
isto é, que orientem a busca de êxito técnico de suas intervenções na
direção apontada pelos projetos de felicidade dos destinatários de suas
ações.
Tal construção pode se solidificar a partir da proposta de parcerias com
instituições de ensino , viabilizando a presença de acadêmicos no atendimento
ambulatorial e no desenvolvimento de práticas educativas para a comunidade
prisional , propiciando trocas de saberes , que no campo da gestão social , para
69
Schommer e França (2006) se efetiva por meio de novas abordagens e
metodologias que estabeleçam a articulação de variadas áreas do conhecimento.
A PNH, com sua característica universalizadora, procura confrontar as práticas
meramente administrativas, que limitam a gestão participativa e dinâmica e que
desencadeia uma prática assistencial padronizada, limitada, que não consegue
atingir a subjetividade e demandas de cada usuário do SUS, dificultando a
produção de personagens sociais mais autônomos que são importantes
ferramentas da gestão social (PASCHE, 2009).
Alguns autores consagrados nesta temática, como Souza e Mendes (2009),
reportam que a assimilação dos preceitos da PNH não é algo fácil, assim como
sua operacionalização, pois requer mudanças e aprimoramentos técnicos e
procedimentais, o saber-fazer descrito por Zabala (1998). E necessita de
apropriação dos processos de trabalho, por gestores, profissionais e usuários,
com a convergência de saberes e intenções para a melhoria das relações
humanas por meio da colaboração de todos os implicados no processo.
Além disso, a PNH também se propõe a contribuir no equacionamento e no
enfrentamento de problemas como a “[...], a pouca participação na gestão dos
serviços e o frágil vínculo com os usuários" (BRASIL, 2008, p. 8), e não somente
visa a humanizar as relações com o usuário, como está presente em todos os
discursos dos pesquisados.
Em relação às questões como “a desvalorização dos trabalhadores da saúde e a
precarização das relações de trabalho”, não foram pautadas no roteiro de
entrevista, constituindo-se em um ponto sobre o qual os entrevistados não
quiseram comentar. Ou por falta de esclarecimento sobre o tema que permeia as
discussões da PNH ou por receio de ter alguma implicação na sua avaliação
institucional, embora tenha sido esclarecido anteriormente à entrevista que suas
opiniões nada tinham de cunho avaliativo e, menos ainda, institucional.
Uma reflexão acerca do processo de trabalho e em relação ao papel de cada
profissional inserido no serviço é de extrema importância para que os
70
atendimentos se tornem mais efetivos e para que suas atribuições não se
restrinjam somente à execução de tarefas assistenciais e prescritas. Mas que
alcancem âmbito mais amplo, como instigar os usuários a participarem do
processo de construção de um novo modelo de atenção. Ao mesmo tempo, pode
incitar e fomentar o desenvolvimento de atividades de educação continuada aos
profissionais, capacitando-os para ocuparem de fato o seu espaço nessa
construção de um serviço realmente humanizado.
A humanização, na perspectiva da assistência e na gestão do SUS como um
todo, requer um foco mais amplo, não voltado exclusivamente para o profissional
na prestação de um serviço assistencial ou assistencialista. Mas também em
fortalecimento da capacidade dos usuários para que desenvolvam autonomia e
senso crítico e compreendam a importância de sua participação, como
instrumento de gestão social , que Demo (1993) enfatiza ser um processo a ser
conquistado e Tenório (1990, p.163) ressalta que participar é colocar seus
saberes em confronto com outros saberes , estabelecendo uma prática social ,
um aprendizado.
A todo esse processo a PNH denomina de “empoderamento”, que é proporcionar
ao usuário a condição de exercer sua cidadania, participando das decisões com
a finalidade de realizar ações, individuais e coletivas, voltadas para o bem de
todos e que França Filho (2003) denomina como processo gerencial dialógico em
que as decisões são compartilhadas para beneficiar a todos.
Nogueira-Martins e Bogus (2004 , p. 46), afirmam que:
Ações que pretendam alcançar o “empoderamento” dos grupos sociais sujeitos das ações dos serviços de saúde - implicam a negação do
assistencialismo como prática centrada em si mesma. Seu oposto são
ações que valorizam a participação e a inclusão como estratégias.
Empoderar também é criar possibilidades de aumentar e resgatar a autoestima,
motivação, consciência e compromisso social, que no ambiente prisional torna-se
inexistente ou limitado nas relações dos profissionais com as usuárias do serviço.
Talvez, em função disso, os entrevistados explicitem uma prática mais voltada
71
para a resolução de demandas momentâneas, sem a possibilidade de fomentar a
cidadania , em função das limitações do sistema prisional (BRASIL, 2008).
4.2 Percepções da aplicabilidade da PNH no cotidiano de trabalho
Para esta categoria foi utilizada a seguinte pergunta: No seu cotidiano de
trabalho, qual a aplicabilidade da PNH?
Nesta categoria pretendeu-se perceber o que os profissionais entendiam como
princípios norteadores da PNH e o que aplicam no seu dia-a-dia de atendimento.
Os critérios norteadores para estabelecer a aplicabilidade da PNH no cotidiano
dos profissionais do ambulatório foram os descritos no documento HumanizaSUS
(BRASIL, 2008, p. 21-22):
• Valorização da dimensão subjetiva e coletiva em todas as práticas de
atenção e gestão no SUS, [...];
• fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a
transversalidade e a grupalidade;
• apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas
com a produção de saúde e com a produção de sujeitos;
• construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
implicados na rede do SUS;
• corresponsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e
atenção;
• fortalecimento do controle social, com caráter participativo, em todas
as instâncias gestoras do SUS;
• compromisso com a democratização das relações de trabalho e
valorização dos trabalhadores da saúde, estimulando processos de
educação permanente em saúde;
• valorização da ambiência, com organização de espaços de trabalho
saudáveis e acolhedores.
Esta categoria foi elaborada a partir dos relatos dos profissionais, referentes à sua
percepção acerca da aplicabilidade cotidiana das premissas da PNH e podem-se
verificar algumas convergências de pensamentos entre os entrevistados:
72
[...] a LEP, que é a Lei de Execução Penal, ela, ela própria é se nós
levarmos, né, a texto, né, é ela traz essas políticas todas para dentro do
sistema prisional, e dentro disso a gente tem certeza, né, é fato a única
coisa que o preso perdeu foi o direto de ir e vir, né. Então, as outras
políticas ele tem que ter acesso a ela, né. Então, é... no meu cotidiano eu
faço, eu faço, é... (ele não...) E pra mim isso é primordial. O único direito
que ele perdeu é o de ir e vir. Então, as outras políticas eu tenho que
fazer valer (E.1).
[...] dentro do consultório paciente é paciente independente de onde ele
esteja. Igual... ela tá aqui, ela cometeu um delito, independente, quem
julga é o juiz, Deus, eu não! Eu sou uma profissional da área de saúde
que tô lá pra resolver o problema dela. Aquele problema ou o que for
possível fazer naquele momento (E.2).
É no caso aqui na unidade prisional a gente trata todas as internas, né!
Iguais e a gente tenta resolver o problema de todas as internas, a gente
interna todas as internas quando passam mal, a gente tenta fazer um
atendimento assim... Imediato a qualquer interna a gente tenta resolver o
problema, né? De saúde de qualquer interna e além de... de... Quando a
interna passa mal assim.. Não só na questão disso, mas é antes mesmo!
Trabalho preventivo mesmo para que essas... Não ocorra doenças pra
que elas se cuide antes mesmo de adoecer acho que é isso... [...] (E.3).
[...] Os projetos que eu faço parte aqui na unidade, eu faço parte além de
ter agenda, todas nós temos, que a gente tem uma agenda de
atendimento que tem uma, uma meta a ser atingida, nós ganhamos nota
10, esse ano, a nossa unidade, a gente atingiu todas as metas né... [...]
Além dessa agenda, a gente pode colocar uma urgência, uma
emergência e/ou também acrescentar algum trabalho, por exemplo, eu
faço parte do grupo de dependentes químicos que atende dependente
químicos, é uma parceria com uma ONG, [...] é uma parceria com a
Capelania da Igreja Batista, é um trabalho que estende há mais tempo...
(E.4).
[...] Sou humana e me pego imbuída nos preconceitos, próprio da
sociedade que faço parte... Ofereço respeito e recebo respeito... Em
algumas situações sinto repúdio e depois me transporto para aquela
pessoa e situação, penso no que pode ter ocasionado aquela atitude,
qual a história de vida dela... Utilizo a escuta para ajudar e faço isso bem,
sei ouvir e quando elas saem da minha sala dizem que estão mais
leves... (E.5).
Percebe-se que fazem menção à necessidade de um tratamento igualitário: “[...] O
único direito que ele perdeu é o de ir e vir. Então, as outras políticas eu tenho que
fazer valer [...]”. Resolução de problemas,”[...] Eu sou uma profissional da área de
saúde que tô lá pra resolver o problema dela [...]”. No entanto, é necessário o
resgate da integralidade da pessoa ou usuário, percebido como sujeito
participante nas suas ações de saúde, bem como o reconhecimento de sua
subjetividade e o seu acolhimento (BRASIL, 2008).
Prosseguindo a análise, as falas demonstraram que os entrevistados, de maneira
geral, reconhecem a importância do trabalho multidisciplinar e da transversalidade
73
como ferramenta para humanização do atendimento, assim expresso por uma das
respondentes:
[...] e justamente é até essa questão, igual você tá falando de focar o
trabalho em grupo, um trabalho de todos, de ter essa união, de
compartilhar conhecimentos, de compartilhar vivências, porque muitas
vezes também uma conversa informal a gente aprende até muito mais
do que em uma sala de aula. A vivência clínica te passa um
conhecimento que às vezes você não tem, então você cresce muito
também é... com o seu trabalho do dia-a-dia, com a interação com as
pessoas que trabalham com você. A experiência de um é muito
enriquecedor no aprendizado do outro. Acho que essa troca, e sempre
fazendo cursos, sempre atualizando, independente de ser na área de
humanização, mas em qualquer área que for, acho que a gente tem que
tá sempre buscando esse crescimento profissional (E.2).
Tal percepção é descrita como princípios da PNH como “uma força à ação ou que
dispara determinado movimento no plano das políticas públicas impactando na
mudança dos modelos de atenção e gestão” (BRASIL, 2008, p. 23) e que tem
como um dos princípios a transversalidade, descrita como:
• Aumento do grau de comunicação intra e intergrupos;
• transformação dos modos de relação e de comunicação entre os
sujeitos implicados nos processos de produção de saúde, produzindo
como efeito a desestabilização das fronteiras dos saberes, dos
territórios de poder e dos modos instituídos na constituição das
relações de trabalho (BRASIL, 2008, p. 23).
Também em HumanizaSUS (BRASIL, 2006b) ressalta-se que a humanização
deve ser vista como política que transversaliza todo o sistema, e que Guattari
(1977) entende como a comunicação máxima entre os diferentes níveis
hierárquicos.
Embora tenham citado a importância do trabalho em equipe, de se respeitar o
direito das usuárias, independentemente de sua condição de aprisionamento e
perda de alguns direitos, há predominância em pautar seus atendimentos na
resolução de problemas. E não se referem à questão de construção de autonomia
e protagonismo dos usuários, assim como sua corresponsabilidade nos processos
de gestão e atenção ou mesmo no fortalecimento do controle social, com caráter
participativo, como descreve a PNH.
74
É evidente que a condição da reclusão das usuárias do ambulatório limita o
fomento de possibilidades de participação, mobilização social, visto que a rotina
disciplinar imposta e necessária, em si, já é um fator limitador.
Assim sendo, faz-se necessário estabelecer novas práticas, potencialmente
capazes de promover trocas solidárias, tanto em redes multiprofissionais e
interdisciplinares entre gestores e profissionais, como também seus usuários.
Processos construtivos ditos humanizados requerem, segundo Merhy e Franco
(2003), muito esforço e talvez a criação de novas formas de enfrentamento, com
um novo modelo mais propício às limitações de um ambulatório prisional, que
embora seja delineado como sendo atenção primária, acaba por extrapolar o que
se encontra prescrito.
4.3 Entraves do ambiente ambulatorial prisional
Para esta categoria foi utilizada a seguinte pergunta: O fato de ser um
ambulatório prisional se torna um fator dificultador para a implementação de
práticas prescritas pela PNH? Quais?
Nesta categoria abordam-se os entraves do ambulatório, por estar este dentro de
uma unidade prisional. Nas respostas dos entrevistados, evidenciam-se questões
de cunho institucional e intersetorial, mas em momento algum se referem às
limitações em relação à questão de atenderem a presidiárias, pessoas que, de
alguma forma, teoricamente, inspirem medo ou repúdio por terem cometido algum
delito.
Acentuam-se questões de cunho institucional, como a quantidade inadequada
de funcionários no ambulatório em relação à demanda de atendimentos, a
questão de transporte para atendimento externo, visto que, para que as detentas
sejam atendidas fora do presídio, é preciso a disponibilidade de uma escolta e
de um carro próprio de transporte. Isso fica claro nos seguintes recortes:
75
[...] a gente é equipe de saúde, né, em todo setor eu acredito piamente
que existem os entraves, as dificuldades para a gente fazer valer essa
Política Nacional de Humanização, né. É... a questão de vagas,
escoltas, é... e outras dificuldades, né. A questão (do) da própria
medicação, a questão do que você indica é... (E.1).
[...] porque a gente tem atenção básica, a secundária a gente não tava
tendo essa condição de tá encaminhando, a gente por exemplo coisa
que a gente encaminhou há um ano, dois anos, a gente nunca obteve
resposta.”(E.2).
[...] o que mais dificulta a gente em primeiro lugar é a falta de
funcionários... (E.3).
[...] num tem carro pra levar, não tem funcionário suficiente pra poder tá
levando essa paciente, a gente acaba perdendo uma consulta que
demorou meses para ser marcada pelo posto de saúde... (E.3).
Também há questões de cunho intersetorial, complexas e que obedecem a
lógicas singulares e que, para dar continuidade à assistência iniciada no
ambulatório, o profissional que o encaminha para a rede de atendimento
extramuros do presídio deve estabelecer uma possibilidade de resgate do diálogo
intersubjetivo, da interlocução com o outro, numa perspectiva de rede e
continuidade , que para Tenório (2004) traduz-se em gestão social por
estabelecer a ação comunicativa , o diálogo para se chegar a um fim que
beneficie aos implicados.
Isso nem sempre é possível, percebido em:
[..] a gente não tem todos os serviços aqui... né... a gente é uma
unidade básica, e a gente sabe das limitações de uma unidade básica,
tem muita coisa que cê precisa encaminhar, e na hora que cê vai
encaminhar, você não depende só do posto de saúde, não é só agendar
no posto de saúde, a gente tem que ver se tem a escolta pra levar
aquele paciente naquela hora e quando é naquela hora geralmente não
tem, porque a nossa escolta, principalmente por a gente ser uma
unidade de grávidas... [...] se tiver uma grávida precisando de escolta a
preferência é dela... (E-4).
Não é somente a dificuldade em conseguir a escolta quando solicitada, em função
do grande aparato de segurança que tem que ser montado, disponibilidade de
viatura, de policiais. No quesito intersetorialidade, faz-se necessário que os
profissionais do ambulatório tenham habilidades relacionais para estabelecer
prévia amarração com o serviço que vai promover o atendimento, que pode ser
em um hospital, uma UPA, uma clínica para a realização de exames, um CS ou
um consultório médico, o que nem sempre é algo fácil (E.2).
76
Para as questões vinculadas à continuidade do atendimento fora da unidade
prisional , Pasche (2005) estabelece como estratégia a reinvenção da gestão e
dos modos de organizar a rede de atenção deflagrando um processo cultural,
que por sua vez requer a produção de novas relações entre sujeitos e de novos
processos institucionais.
“[...] não tava tendo essa condição de tá encaminhando, a gente por exemplo
coisa que a gente encaminhou há um ano, dois anos, a gente nunca obteve
resposta.” Enfatiza o despreparo e a desarticulação dos serviços contatados que
pertencem à rede SUS e deveriam também se embasar no princípio de que todo
usuário é um cidadão, como fica explícito na Constituição Federal e enfatizado na
PNH.
Independentemente de estar privado de liberdade, deveria ter resguardado o seu
direito à igualdade e à participação, sendo atendido e respeitado nas suas
diferentes características, nível de instrução e no acesso à informação, recebendo
a possibilidade da participação, da troca e da busca pelo entendimento e a
decisão consensual.
Fica bastante nítido nos discursos dos entrevistados que, ao acionarem a rede de
atendimento externa ao ambulatório e explicitarem que trabalham em um
ambulatório prisional, percebem a conduta desmotivada e talvez preconceituosa
de alguns profissionais dos referidos serviços.
Nas relações interpessoais entre os profissionais do ambulatório, em frases como:
“[...] a gente é equipe de saúde [...]” . Percebe-se certo grau de satisfação, o que
tende a possibilitar melhor qualidade na prestação do serviço ao usuário. E
Mailhiot (1976, p. 66) constata que: “a produtividade de um grupo e sua eficiência
estão estreitamente relacionadas não somente à humanização, relacionamento
interpessoal e ética, mas, sobretudo, à solidariedade de suas relações
interpessoais”.
77
4.4 O conhecimento como instrumento de melhoria do atendimento
Para esta categoria foi utilizada a seguinte pergunta: Qual a importância que você
atribui à capacitação dos profissionais sobre o tema em questão?
A PNH prevê o desenvolvimento de alguns dispositivos que são pensados para
funcionar nas práticas de produção de saúde, descritas em Brasil (2008, p.26),
com o intuito de promover mudanças nos modelos tanto da assistência quanto da
gestão dos serviços assim descritos:
•
Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) e Câmara Técnica de
Humanização (CTH);
•
colegiado gestor;
•
contrato de gestão;
•
sistemas de escuta qualificada para usuários e trabalhadores da saúde:
gerência de “porta aberta”; ouvidorias; grupos focais e pesquisas de
satisfação, etc.;
•
visita aberta e direito a acompanhante;
•
Programa de Formação em Saúde do Trabalhador (PFST) e Comunidade
Ampliada de Pesquisa (CAP);
•
Equipe transdisciplinar de referência e de apoio matricial;
•
Projetos cogeridos de ambiência;
•
Acolhimento com classificação de riscos;
•
Projeto Terapêutico Singular e Projeto de Saúde Coletiva;
•
Projeto Memória do SUS que dá certo (BRASIL, 2008, p. 26,27).
Sendo assim, tanto o GTH quanto a formação do trabalhador, além de serem
descritos como dispositivos da PNH, são evidenciados como metas necessárias
para a efetivação dessa política pública (BRASIL, 2008, p. 36).
No eixo da educação permanente em saúde recomenda-se que a PNH seja
incluída como conteúdo e/ou componentes curriculares de cursos de graduação,
pós-graduação e extensão em saúde, vinculando-se às instituições de formação, e
78
também oriente processos de educação permanente em saúde de trabalhadores
nos próprios serviços de saúde.
Nesta categoria, os entrevistados foram unânimes em entender a capacitação
como algo positivo, benéfico, enriquecedor e necessário e que deve, sobretudo,
ser pautada nas trocas coletivas em que todos os saberes são aproveitados e
generosamente trocados. Com isso, edifica-se um saber mais vasto, mais amplo e
dinâmico, como realçam os trechos que se seguem:
[...] acho que o conhecimento vem para agregar e ajudar [...] (E.1).
[...] essa parte de humanização mesmo vem sendo trabalhada mais
recente, assim mais recentemente, os preceitos do SUS são antigos,
agora essa parte de humanização é mais recente, então às vezes muita
gente que ainda não teve nenhum tipo de capacitação, às vezes até
não é nem por não... assim... não querer, mas às vezes pode deixar
faltar alguma coisa por falta até de conhecimento e essa capacitação
poderia, assim, mostrar pra gente uma maneira melhor de tratar, de
acolher, de receber, pra melhorar o funcionamento da equipe como um
todo, e acho que seria assim muito bom ter a capacitação pra todos e
não é só pra uma área não [...] (E.2).
Acredito que sim, seria importante aprendermos mais [,..] a nossa
unidade prisional a gente tem um ponto positivo que... que é a questão
da humanização, o pessoal da direção dá muito embasamento nisso em
questão de humanização... Essas coisas, mas eu acho que é muito
focado só nessa unidade [...] (E.3).
[...] Eu acho que todos nós precisamos reciclar, de estarmos reciclando
conhecimento, ver coisas novas, ter uma outra visão, eu, por exemplo,
eu tenho uma visão, não vou falar grande, um pouco mais ampla por
conta de eu ter tido essa experiência na área de saúde, eu participei de
reuniões na Secretaria de Saúde, mundo global, fiz várias viagens,
congressos, é... muitos voltados pra mulheres, né... hoje tem um foco
muito grande na mulher, né... então, assim, ampliei muito a minha forma
de ver as coisas (E.4).
[...]não sei as regras da política que o governo está desenvolvendo, mas
é superbem-vinda [...] (E.5).
Nos discursos: “[...] Acredito que sim, seria importante aprendermos mais [...]” ,
“[...] Eu acho que todos nós precisamos reciclar...” Evidencia-se o anseio por
aprender e as poucas oportunidades oferecidas pelo serviço em prol de capacitálos, principalmente em relação à PNH. Essa política enfatiza a importância de
instrumentalizar os profissionais envolvidos no processo, já que o ambulatório
prisional também faz parte da rede de saúde pública, desempenhando a função
de um núcleo de atenção primária, como um posto de saúde que atende a uma
área específica, no caso em questão delimitada pelos muros do presídio.
79
Essas ações de educação permanente em saúde tanto para os profissionais
quanto para os usuários envolvem a articulação entre educação e trabalho,
visando à produção de mudanças nas práticas de formação e de saúde. Por meio
da educação permanente em saúde articulam-se o ensino, gestão, atenção e
participação popular na produção de conhecimento para o desenvolvimento da
capacidade pedagógica de problematizar e identificar pontos sensíveis e
estratégicos para a produção da integralidade e humanização (BRASIL, 2008).
A educação permanente também é explicitada na Lei 8.080 (BRASIL, 1990), no
capítulo III – “Da Organização, da Direção e da Gestão”:
“Art. 14. Deverão ser criadas comissões permanentes de integração
entre os serviços de saúde e as instituições de ensino profissional e
superior.
Parágrafo único - Cada uma dessas comissões terá por finalidade
propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e educação
continuada dos recursos humanos do Sistema Único de Saúde-SUS, na
esfera correspondente, assim como em relação à pesquisa e à
cooperação técnica entre essas instituições.”
Embora E.3 aborde algum tipo de atenção pela direção da instituição em relação
ao tema humanização, ainda assim, quanto aos demais entrevistados, o tema
educação permanente recebe respostas lacunares associado ao fato de que, ao
término da entrevista, foi mencionado pela pesquisadora a possibilidade de ser
oferecida capacitação aos funcionários do serviço. Essa sugestão foi recebida
com satisfação e agradecimento antecipado, pois os entrevistados relataram, em
seus discursos, que sentem necessidade de aprender mais sobre PNH, entre
outros temas.
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do presente estudo foi possível adentrar e compreender qual a
efetividade da PNH num universo pouco explorado que é o ambulatório prisional.
Há conflito entre a proposta teórica da PNH - idealizada e implementada pelo
governo federal e replicada nas instâncias estaduais e municipais, que preconiza
a educação permanente como mais um instrumento de ajuda para o êxito da
política de humanização e o fortalecimento do SUS - e o que de fato acontece
com poucas propostas de capacitação ofertadas pelo serviço, que compõem a
rede SUS, embora em uma unidade prisional.
Como política pública, a PNH pressupõe, para sua implementação, vários eixos de
ação, como o financiamento por intermédio do Ministério da Saúde, a adequação
das instituições do ponto de vista da ambiência, do potencial humano e
organizacional, da educação permanente aos profissionais envolvidos, da
informação , comunicação e, finalmente, da gestão da própria PNH, com o
acompanhamento e avaliação sistemáticos das ações realizadas, mas que na
prática não se efetiva.
A PNH se apresenta como uma estratégia metodológica, oferecendo um caminho
a percorrer para, assim, estabelecer mudanças positivas e necessárias ao sistema
de saúde. O objetivo principal é a inclusão e, para tal, cada serviço necessita
conhecê-la mais profundamente para aplicá-la na sua realidade.
E para que isso aconteça, enfatiza-se a importância de mudanças no processo de
produção de saúde e a devida ocupação dos espaços e papéis por cada ator
envolvido no cotidiano das práticas dos serviços públicos. Destaca-se, sobretudo,
a necessidade de se repensar a organização dos serviços, as relações humanas
envolvidas, não desprezando a singularidade do usuário, tecendo uma rede
solidária e oferecendo, como produto final, assistência realmente de qualidade.
81
As mudanças que deveriam ocorrer no ambulatório poderiam começar por oficinas
de capacitação e discussão sobre a PNH, mas com um diferencial, alicerçadas
nas vivências do cotidiano de cada profissional , já que Freire (2001), evidencia
que a troca de saberes constrói uma consciência crítica que desencadeia
crescimento pessoal e do grupo.
Outra ferramenta importante seria a criação de grupos de estudo e suporte para a
implantação de alguma forma de fomento à participação das usuárias na gestão
do ambulatório. Com isso, pode-se garantir o acesso das usuárias ao colegiado
gestor, possibilitando a melhor compreensão das suas reais demandas,
prioridades e necessidades, além de incitar a participação positiva e construtiva
com a finalidade de contribuir para a otimização do processo, com ganhos
institucionais e humanos.
Um pressuposto irrevogável é que não é cabível retrocesso nesse processo de
humanização da assistência. A saúde humanizada e estruturada, cujos
profissionais ocupem o seu espaço de forma adequada e responsável, tem como
recompensa reconhecimento e valorização, tanto pelo serviço quanto pelos
usuários. O usuário que utilize os serviços de forma consciente e respeitosa,
como também estudantes, docentes e demais trabalhadores de saúde, agregando
saberes e ideias, pode contribuir para o fortalecimento do SUS e o aprimoramento
de uma política que surge para dar qualidade e efetividade no atendimento a
todos os cidadãos brasileiros.
82
6 PROPOSTA DE CAPACITAÇÃO
“HumanizAÇÃO”
6.1 Introdução
O Ministério da Saúde, em 2003 definiu sete áreas prioritárias de atuação para
melhoria do SUS, sendo uma delas a humanização, não como um programa, mas
como política pública ampla e abrangente, subordinada à Secretaria Executiva do
Ministério, denominada Política Nacional de Humanização (PNH) (BRASIL, 2003).
Ampliado o seu foco, a PNH deixou de ser uma política restrita ao sistema
hospitalar, passando a ser aplicável em todo o sistema de saúde público,
incluindo a atenção primária, que é o caso específico do ambulatório prisional.
Tendo como meta fundamental possibilitar ao cidadão brasileiro serviço de saúde
igualitário, universal e de qualidade, a finalidade da PNH é contribuir para
minimizar as profundas desigualdades socioeconômicas, além de elevar a
autoestima dos profissionais envolvidos no serviço, enfatizando sua importância
no processo e repensando políticas de valorização profissional. Assim, são
valorizados os diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde:
os usuários, os trabalhadores e os gestores (BRASIL, 2004).
Para sua implementação, a PNH pressupõe vários eixos de ação: o das
instituições, o da gestão do trabalho, o do financiamento, o da atenção, o da
educação permanente, o da informação/comunicação e, finalmente, o da sua
autogestão, sugerindo o acompanhamento e avaliação sistemáticos das ações
realizadas, estimulando a pesquisa relacionada às necessidades do SUS na
perspectiva da humanização (MENDES, 1999; SANTOS; WESTPHAL, 1999).
Uma fragilidade percebida nos diversos serviços públicos de saúde e que
contribui como entrave para a implementação das premissas da PNH é o
chamado eixo da educação permanente. Em função disso, como produto a ser
devolvido para a instituição pesquisada, escolheu-se uma proposta de
83
capacitação com a finalidade de contribuir para a melhoria da práxis dos
profissionais do serviço.
No momento o país valoriza e estabelece políticas públicas voltadas para a
melhoria das condições de vida da população, para a produção de saúde por
intermédio de seus atores sociais, tanto os profissionais envolvidos nos
atendimentos quanto os seus usuários. É uma construção conjunta de um modelo
de cogestão e participação coletiva para fortalecer os princípios éticos no trato
com a vida humana. Nesse contexto acentua-se a necessidade de se ampliar a
discussão e instrumentalizar melhor os profissionais e gestores dos serviços.
Este trabalho tem por objetivo instigar os profissionais do ambulatório da PIEP a
conhecerem melhor a PNH e a partir daí elaborar novas perspectivas para sua
aplicabilidade no seu cotidiano de trabalho. É mister a organização de um
programa de formação em serviço utilizando como instrumento oficinas de
discussão. Tal proposta passa por quatro aspectos norteadores:
• Conhecer a PNH;
• correlacionar o que é aplicável ou não ao serviço;
• multiplicar o conhecimento;
•
buscar motivação profissional.
Espera-se, com a implementação desta proposta, que os profissionais do
ambulatório percebam a qualidade do atendimento que estão disponibilizando,
suas potencialidades e fragilidades. Os entraves institucionais para execução das
suas atividades profissionais e as possibilidades que podem ser elaboradas a
partir do incremento das relações intersetoriais são muito importantes para a
garantia da continuidade do atendimento oferecido às detentas no ambulatório
prisional.
O intuito principal das oficinas é contribuir para a melhoria da assistência prestada
às detentas da PIEP, tornando os profissionais mais reflexivos e conscientes
sobre a importância do seu papel na solidificação dos princípios do SUS a partir
de práticas pautadas nas premissas da PNH. Essas práticas contribuirão para a
84
instauração de ambiência dialógica e adequada embasada nas ações do grupo,
com suas usuárias e suas especificidades.
6.2 Entendendo a PNH
A Política Nacional de Humanização (PNH, 2008) foi elaborada e divulgada pelo
Ministério da Saúde em 2003 e levada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) em
2004, com a finalidade de desencadear mudanças nos modelos de gestão e de
atenção no cotidiano dos serviços de saúde (BRASIL, 2006a).
O primeiro momento exige a elaboração e divulgação do conceito de
humanização. Segundo Benevides e Passos (2005), tal palavra até então
redundava para os diversos atores envolvidos no atendimento de saúde, em
práticas de saúde ligadas estritamente à caridade, ao voluntariado, ao
assistencialismo e ao paternalismo, com base na figura ideal do "bom humano",
que não reflete a amplitude da proposta conceitual da PNH.
Para os formuladores da PNH, humanização não se restringe a ações de cunho
humanitário e não é realizada somente por seres humanos diferenciados,
imbuídos de bondade ímpar para a concretização impecável e generosa de
serviços ideais. Assumem o desafio de dar novo significado à palavra
humanização e, ao considerar os usos anteriores, identifica o que excluir e o que
manter como eixo norteador. Assim:
Todo pensamento comprometido com algum tipo de prática (política,
clínica, sanitária, profissional) está obrigado a reconstruir depois de
desconstruir. Criticar, desconstruir, sim; mas, que sejam explicitadas as
sínteses. Sempre há alguma síntese nova, senão seria a repetição do
mesmo (CAMPOS, 2005, p.11).
Ao se iniciar uma discussão de conceitos, o objetivo principal dos formuladores da
PNH era proporcionar a todos os envolvidos no processo um repensar em novas
práticas de produção de saúde, propiciando nova concepção acerca do
significado do termo humanização, levando-se em conta que, segundo Benevides
e Passos (2005, p. 390):
85
Sujeitos engajados em práticas locais, quando mobilizados, são
capazes de, coletivamente, transformar realidades transformando-se a
si próprios nesse mesmo processo. Trata-se, então, de investir, a partir
desta concepção de humano, na produção de outras formas de
interação entre os sujeitos que constituem os sistemas de saúde, deles
usufruem e neles se transformam (BENEVIDES; PASSOS, 2005, p.
390).
Nas premissas da PNH, humanizar implica também produzir sujeitos no processo
de trabalho e, para tal, ela elabora e propõe quatro eixos estruturantes e
intercessores, que são a atenção, a gestão, a formação e a comunicação
(BRASIL, 2004).
O eixo da gestão, que Campos (2005, p. 92) enfatiza ser “um modo para
radicalizar a construção de cidadania e de sociedades democráticas", preconiza
apoio institucional aos trabalhadores da saúde, seja na atenção primária,
secundária ou terciária, acompanhamento qualificado do trabalho das equipes
com a oferta de estratégias metodológicas em forma de capacitações para
implementação das diretrizes e dispositivos da política.
Amplia também o incentivo ao trabalho cooperativo em equipe de modo
democrático, participativo e cogerido. Estimula a troca de saberes, enfrentamento
das disputas de poder, circulação de afetos, análise dos movimentos institucionais
e criação de processos de trabalho que não distanciem as atividades da gestão e
da atenção (BRASIL, 2006a).
O eixo da atenção propõe:
Ações assistenciais de cunho integral, promocional e intersetorial, de
forma a inovar os processos de trabalho, buscam o compartilhamento
dos cuidados, tanto pela equipe multidisciplinar quanto pelo usuário,
com a finalidade de potencializar e incentivar o aumento de autonomia e
protagonismo dos sujeitos envolvidos (BRASIL, 2006a, p. 22).
Já o eixo da formação propõe que a discussão acerca da PNH passe a compor o
conteúdo programático também em instituições formadoras de profissionais de
nível técnico que irão compor as equipes de saúde, tanto as de nível superior, a
graduação, a pós-graduação e extensão em saúde. Também compõe os
programas de educação permanente ofertados nos serviços de saúde em
86
parcerias com universidades e segmentos fomentadores de pesquisa (BRASIL,
2008).
O eixo da informação e comunicação tem como objetivo a inclusão da PNH na
agenda de debates da saúde em todas as instâncias governamentais, além da
articulação de formas de divulgação e sensibilização para os conceitos e temas
da humanização, tanto para gestores, trabalhadores e usuários (BRASIL, 2004).
Para se fazerem cumprir os eixos determinados pelos elaboradores da PNH, ao
longo dos anos consultores do Ministério, profissionais do campo da gestão e
pesquisadores da saúde utilizaram recursos metodológicos como rodas de
conversas, oficinas, encontros e seminários, nos inúmeros estados do país. Mas
ainda assim não foi possível alcançar todos de forma equânime e homogênea,
ficando muitos segmentos da saúde desprovidos de capacitação sobre a nova
política, o que ainda hoje é factível.
Outra estratégia se deu por meio de parcerias com os polos de educação
permanente, processo articulado pela Secretaria de Gestão do Trabalho e
Educação em Saúde (SGTES) e com os Grupos de Apoio Integrado às regiões,
coordenado pelo Departamento de Apoio à Descentralização (DAD) da Secretaria
Executiva (SE), que ministravam cursos sobre o tema (BRASIL , 2006b).
Cartilhas e materiais de apoio foram elaborados especificamente para o tema da
PNH e distribuídos para os três níveis da atenção em saúde, CS, UPAs e
hospitais. Porém, muitas vezes não chegando de fato às mãos do trabalhador da
assistência, mas sim somente para os gestores dos serviços, o que dificultou e
ainda dificulta os avanços no campo da humanização do atendimento.
Embora já passada quase uma década do início da implantação da PNH, ainda
estamos diante dos muitos desafios para se criarem novos significados para os
processos de trabalho, embasados não somente no âmbito da ciência, mas
também nos saberes tácitos de cada ator envolvido no processo.
87
Para tal, faz-se necessário repensar o gerenciamento dos serviços, a assistência,
o processo do adoecimento e a morte, para, assim, trabalhar de forma realista e
palpável a perspectiva da promoção da saúde, o bem-estar de cada um e do
coletivo.
Para Merhy et al. (2003), “o cenário dos serviços de saúde é espaço de produção,
tanto das relações quanto dos bens e produtos”. As trocas de conhecimento
devem acontecer a todo instante, constituindo-se em ferramenta muito importante
colocada ao alcance de todos os atores envolvidos no atendimento. Essa troca
incentiva e fortalece a existência de atitudes positivas, zelosas e que propiciem
bem-estar ao profissional, por desempenhar bem o seu papel, e despertem no
usuário o anseio pela cidadania plena, embasado na participação solidária, com
trocas positivas, respeitosas e que ampliem as possibilidades de inclusão social.
A justificativa para a proposta de capacitação dos funcionários do ambulatório da
PIEP se dá em função das demandas percebidas e apresentadas pelos
entrevistados ao longo da pesquisa em relação à necessidade de capacitação dos
profissionais do ambulatório acerca das premissas da PNH.
6.2.1 Intervenção como estratégia de articulação
Segundo Varela (2003), o SUS pode ser considerado a maior organização
sanitária da América do Sul e, para sua reafirmação e consolidação, apoia-se na
PNH, que foi elaborada com a intenção de estabelecer reflexões acerca das
práticas instituídas tanto na assistência quanto na gestão, convidando ao
estabelecimento de uma rede de colaboração cuja participação de todos é
igualmente importante.
A PNH compreende que deve haver convergência entre os segmentos que
formam os profissionais, os gestores dos serviços, trabalhadores e usuários. Por
isso, enfatiza a importância da troca de saberes e de experiências reais de cada
ator envolvido no processo para a consolidação de uma nova prática, um novo
88
fazer, preconizando a qualificação como instrumento de transformação (BRASIL,
2006a).
Assim, a qualificação dos trabalhadores inseridos nos diferentes segmentos da
rede de atenção em saúde precisa ser elaborada e construída de forma
participativa e interdisciplinar, pois eles serão multiplicadores de conhecimento e,
em consequência, agentes de possíveis transformações em rede.
Os problemas do cotidiano do trabalho trazidos pelos gestores e pelos
trabalhadores podem ser utilizados como um eixo norteador para a construção de
conhecimento embasado nas premissas da PNH. Pesquisador e profissionais de
saúde, juntos, com objetivos convergentes para propiciar ganhos para os
profissionais de saúde que passam a participar de forma mais efetiva no processo
de produção de conhecimento, a partir de sua rica vivência prática, tornam-se
multiplicadores de conhecimento aos seus usuários e gestores.
6.3 Objetivos
6.3.1 Objetivo geral
Elaborar e implementar uma proposta de capacitação , por meio de
procedimentos de gestão social com a intenção de aprimorar a qualificação dos
profissionais do ambulatório prisional envolvidos no atendimento às detentas da
instituição.
6.3.2 Objetivos específicos
•
Discutir conceitos básicos acerca das premissas da PNH;
•
compartilhar demandas cotidianas do serviço para elaboração de novas
estratégias com base na apropriação da teoria;
•
contribuir para o desenvolvimento de práticas positivas de educação e
aperfeiçoamento profissional;
89
•
fortalecer as relações em equipe.
6.4 Plano de ação
Tem a finalidade de contribuir para o incremento de estratégias que possibilitem a
construção contínua e produtiva de conhecimento, de forma a impactar no
cotidiano do processo de trabalho. Consequentemente, tende a desencadear
melhorias substanciais, tanto das condições de trabalho dos profissionais do
ambulatório da PIEP como também da assistência por eles prestada.
A capacitação será constituída por dinâmicas de grupo, apresentação, discussão
e conceituação dos princípios da PNH, como o método, as diretrizes, dispositivos
e os eixos do trabalho nela pautado, além da elaboração coletiva de uma
proposta de continuidade de educação permanente aos profissionais do
ambulatório.
Num primeiro momento, serão estabelecidos horários para a capacitação, de
acordo com a disponibilidade dos profissionais do serviço e também para não
prejudicar o atendimento às detentas.
As dinâmicas de grupo terão a finalidade de facilitar o fortalecimento dos elos e
afinidades entre os participantes, criando o ambiente propício para o
compartilhamento de vivências do cotidiano, que serão os temas-chave para uma
construção conceitual acerca das premissas da PNH aplicáveis no cotidiano de
trabalho.
Outros três encontros serão utilizados para a construção de saberes acerca da
PNH e sua aplicabilidade descrita pelos profissionais do serviço. Para finalizar,
cada participante dará sugestões para se efetivar a continuidade de atividades de
capacitação.
90
6.4.1 População e local
Todos os profissionais do ambulatório da PIEP estão envolvidos nos
atendimentos de saúde às detentas, nas diversas especialidades de nível
superior, de nível médio e servidores administrativos.
Para a implantação do projeto de capacitação sobre as premissas aplicáveis da
PNH, além da pesquisadora, serão convidados acadêmicos do curso de
Enfermagem do Centro Universitário UNA.
Os encontros provavelmente serão realizados na sala de reuniões do próprio
ambulatório.
Em relação aos funcionários do ambulatório, a participação nesses encontros
será de livre e espontânea vontade, não havendo imposição alguma por parte da
direção da instituição.
6.4.2 Estratégias e metodologia a serem utilizadas
Pretende-se, nesta proposta, trabalhar as vivências e conceitos para a construção
de um trabalho coletivo e com certo grau de resolutividade. Termos como eficácia,
eficiência e resolubilidade, que são muito utilizados nas cartilhas e documentos
que explicam e estruturam as premissas da PNH, também serão discutidos.
No glossário da PNH, “eficácia” fala da produção da saúde como valor da
qualidade da atenção e da gestão da saúde. A “eficiência” refere-se à relação
custo/benefício, ao mais sucinto investimento de recursos financeiros, materiais e
humanos para alcançar resultados amplos e palpáveis. E resolutividade é dada
pelo grau de eficácia e eficiência (BRASIL, 2004).
A partir das experiências vividas pelos profissionais serão apresentadas as
diretrizes da PNH, focadas também nos itens sobre a valorização do trabalho e do
91
trabalhador, no fomento das grupalidades, do coletivo e das redes e sua
implicação positiva no cotidiano de trabalho.
Os conceitos de protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e
dos coletivos estabelecem que as mudanças na gestão e na atenção ganham
mais efetividade quando produzidas pela afirmação da autonomia dos sujeitos
envolvidos, que estabelecem entre si responsabilidades compartilhadas nos
processos de gerir e de cuidar (BRASIL, 2009a).
Por último, havendo interesse dos participantes em dar continuidade ao processo
de educação permanente naquele núcleo, deve existir boa articulação entre o
segmento da educação e o do trabalho, a partir de parcerias com universidades,
que ajudarão a estabelecer núcleos de discussão e capacitação. Tais parcerias
certamente contribuirão para o surgimento de significativas mudanças nas
práticas cotidianas assistenciais, gerenciais e nas relações entre os diversos
atores envolvidos no processo. Dessa forma:
O HumanizaSUS apresenta-se como uma política construída a partir de
possibilidades e experiências concretas que se quer aprimorar e
multiplicar. Daí a importância de nosso investimento no aprimoramento
e na disseminação das diferentes diretrizes e dispositivos com que
operamos (BRASIL, 2009a, p. 5).
A PNH entende o processo de trabalho como “elemento substantivo da criação do
homem, que cria a si e ao mundo” e, para tal, a troca de saberes se faz
necessária sempre.
6.4.3 Planejamento: oficinas de capacitação
1ª Oficina: dinâmica de grupo
-Sequência das atividades:
•
apresentação dos participantes,
•
descrição individual das suas funções no ambulatório,
•
descrição individual de dificuldades encontaradas no cotidiano de trabalho,
92
•
descrição individual de aspirações pessoais e profissionais.
•
eleição do tema a ser discutido no próximo encontro,
•
confraternização.
- Coordenador da atividade: a pesquisadora.
- Espaço para realização da atividade: sala de reuniões da PIEP.
-Tempo previsto para a atividade: 02 horas.
-Conteúdo: Relações interpessoais e trabalho de equipe.
2ª Oficina: construindo conceitos
-Sequência das atividades:
• Abstraindo do tema eleito no primeiro encontro, conceitos e premissas
pertinentes à PNH que serão apresentados aos participantes de forma
interativa para que seja uma construção coletiva,
• Será eleita uma pessoa do grupo para citar os conceitos novos que foram
aprendidos no encontro,
• Confraternização, lanche realizado com a participação de todos.
- Coordenador da atividade: a pesquisadora.
- Espaço para realização da atividade: sala de reuniões da PIEP.
-Tempo previsto para a atividade: 01 hora.
-Conteúdo: Conceitos e premissas da PNH relacionadas ao cotidiano de trabalho.
3ª Oficina: solidificando e ampliando conceitos
-Sequência das atividades:
• Ampliando o tema discutido no segundo encontro, agregando novos
conceitos e premissas pertinentes à PNH que serão apresentados aos
participantes de forma interativa tal como na oficina anterior.
• Confraternização, lanche realizado com a participação de todos.
93
- Coordenador da atividade: a pesquisadora.
- Espaço para realização da atividade: sala de reuniões da PIEP.
-Tempo previsto para a atividade: 01 hora.
-Conteúdo: Conceitos e premissas da PNH relacionadas ao cotidiano de trabalho.
4ª Oficina: entendendo a educação permanente – propostas
-Sequência das atividades:
• Apresentação das estratégias descritas na PNH sobre educação em
serviço,
• Escolha pelo grupo de um líder para compilar as idéias apresentadas e dar
continuidade para a proposta,
• Confraternização, lanche realizado com a participação de todos.
- Coordenador da atividade: a pesquisadora e o líder escolhido.
- Espaço para realização da atividade: sala de reuniões da PIEP.
-Tempo previsto para a atividade: 02 horas.
-Conteúdo: Necessidades e estratégias para estabelecer a educação permanente.
6.5 Resultados esperados
Espera-se contribuir, de alguma forma, para gerar um processo de mudança no
cotidiano de trabalho do ambulatório da PIEP, cuja experiência, sendo produtiva,
possa ser replicada em cenários similares.
Outro propósito é refinar a percepção de cada profissional participante para
assimilar a importância de se compreender as premissas da PNH e, assim, aplicálas na sua prática profissional, dando-lhes a real dimensão da importância do seu
papel para a legitimação de um sistema de saúde eficiente e justo.
94
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99
APÊNDICES E ANEXOS
APÊNDICE A - Instrumento de coleta de dados
Roteiro para entrevista:
Data: ___/___/___
Nome: _________________________________________________________
Idade: _____________
Sexo: _______________
Formação: _________________________________
Tempo de formado: __________________________
Função: ___________________________________
Período na função: __________________________
1) O que vc entende por Política Nacional de Humanização (PNH)?
2) No seu cotidiano de trabalho, qual a aplicabilidade da PNH ?
3) O fato de ser um ambulatório prisional se torna um fator dificultador para a
implementação de práticas prescritas pela PNH? Quais?
4) Qual a importância que você atribui à capacitação dos profissionais sobre o
tema em questão?
100
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: Política Nacional de Humanização: especificidades do
atendimento ambulatorial prisional
Nome da Orientadora: Áurea Regina Guimarães Thomazi
Nome da aluna/Pesquisadora: Janaína Soares Tizzoni
A Sra. está sendo convidada a participar desta pesquisa que tem como
finalidade analisar o funcionamento de um ambulatório dentro de um presídio em
relação às premissas da “Política Nacional de Humanização”, pela ótica do
profissional de saúde de nível superior.
Participarão da pesquisa um enfermeiro, um odontologista e um psicólogo,
todos funcionários do ambulatório da Penitenciária Industrial Feminina Estêvão
Pinto.
Ao participar deste estudo com as pesquisadoras Áurea Regina
Guimarãres Thomazi e Janaína Soares Tizzoni, você tem liberdade de se recusar
a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da
pesquisa, sem qualquer prejuízo para sua pessoa. Sempre que quiser, poderá
pedir mais informações sobre a pesquisa pelo telefone da pesquisadora do
projeto e, se necessário, pelo telefone do Comitê de Ética em Pesquisa a seguir
informado.
Sobre as entrevistas: serão realizadas no próprio ambulatório com hora
marcada previamente pela pesquisadora.
Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz
complicações legais. Os procedimentos adotados obedecem aos Critérios da
Ética em Pesquisa com Seres Humanos, conforme Resolução no 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos
à sua dignidade.
Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são
estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e a orientadora terão
conhecimento dos dados.
Benefícios: ao participar desta pesquisa, você não terá benefício direto.
Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre
101
novas estratégias de humanização, de forma que o conhecimento que será
construído a partir desta pesquisa possa facilitar e otimizar a práxis de cada
profissional e, consequentemente, impactar na satisfação do usuário do serviço,
onde pesquisador se compromete a divulgar os resultados obtidos.
Pagamento: você não terá qualquer tipo de despesa para participar desta
pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma
livre para participar desta pesquisa. Portanto, preencha, por favor, os itens que se
seguem.
Obs: não assine este termo se ainda tiver dúvida a respeito.
Tendo em vista os itens apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi
cópia deste termo de consentimento e autorizo a realização da pesquisa e a
divulgação dos dados obtidos neste estudo.
Nome do Participante da Pesquisa
Assinatura do Pesquisador
Assinatura do Participante da Pesquisa
Assinatura do Orientador
Belo Horizonte, ____ de _______________ de 2011.
Pesquisador principal/orientadora: Aúrea Regina G. Thomazi – Tel.: 8896.7285
Aluna/pesquisadora: Janaína Soares Tizzoni - Tel.: 8808.1391.
Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar – Belo
Horizonte/MG - Tel.: 35089110
102
APÊNDICE C - Termo de autorização para pesquisa
Eu,_______________________________________responsável pelo ambulatório
da Penitenciária Industrial Feminina Estêvão Pinto, localizada à Rua Conselheiro
Rocha, número ____, Bairro Horto, Belo Horizonte-MG, autorizo a realização da
pesquisa intitulada Política Nacional de Humanização: especificidades
do
atendimento ambulatorial prisional, realizada sob orientação da Profa Áurea
Regina Guimarães Thomazi e Janaína Soares Tizzoni para fins de trabalho
acadêmico. Informo que essa cessão de dados ou autorização está condicionada
à realização da pesquisa conforme princípios de ética e responsabilidade.
Belo Horizonte,____de____________de
2011.
103
Anexo A – Aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário
UNA
104
Anexo B – Autorização da coordenadora do ambulatório da Penitenciária
Industrial Estêvão Pinto
105
Anexo C – Autorização da diretora da penitenciária Industrial Estêvão Pinto
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