Originais / Originals Aceitação de preparação mais saudável por comensais de unidades de alimentação e nutrição Acceptance of healthy preparation for clients of food service units Resumo O comportamento alimentar envolve fatores relacionados à escolha do tipo, quantidade e forma de preparo dos alimentos ingeridos, sendo a sua alteração uma atividade complexa. Como as Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN) podem ser instrumentos para essa mudança, o objetivo deste estudo foi analisar se as características (gênero e tipo de atividade laboral) do público atendido influenciam na aceitação de preparações mais saudáveis numa UAN. Esta foi uma pesquisa quali-quantitativa, de multicasos, aplicada, descritiva e exploratória. Foi realizado em duas UANs de Criciúma (SC), escolhidas intencionalmente por atender a públicos diferenciados. Após a aplicação de questionário para determinar as preparações mais aceitas, elaborou-se uma versão mais saudável de lasanha de carne. Calculou-se a composição centesimal e do custo alimentar das preparações original e modificada, comprovando que se elaborou uma preparação baseada na preferência dos clientes, mais saudável e mantendo o baixo custo. Porém, a hipótese inicial deste trabalho, de que o gênero e a atividade laboral influenciariam na aceitação de preparações mais saudáveis, não foi comprovada, pois a aceitabilidade da preparação foi elevada pelos dois públicos, sem diferenças significativas. Palavras-chave: Comportamento Alimentar; Serviços de Alimentação; Produção de Alimentos; Refeições. Fernanda Salvador Alves Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba/PR – Brasil Sáude em Revista Aceitação de preparação saudável em UANs Abstract The feeding behavior is complex and involves factors related with the type, the amount, the preparation, of food ingested. The Food Service Units (FSU) can be instruments for this change. The aim of this study was to analyze if the characteristics (gender and type of work activity) of the public attended influence acceptance of healthier preparations in FSU. This research was a quali-quantitative, descriptive and exploratory multicase. Two restaurants intentionally chosen and with different audiences participated. After a questionnaire to determine the most accepted preparation, it was elaborated a healthier version of meat lasagna. The nutrition composition and cost of original and modified preparations were calculated, proving that it was developed a preparation based on customer preference, healthier and maintaining its low cost. However, the initial hypothesis of this work, that gender and work activity influence acceptance of healthier preparations, it was not proven because the acceptability of the preparation was raised by both public without significant differences. Key-words: Feeding Behavior; Food Services; Food Production; Meals. 25 Fernanda Salvador Alves Introdução De acordo com Evangelista,1 o papel que o alimento desenvolve no organismo pode ser considerado como “fonte de existência”, pois é imprescindível a todos os seres vivos. Por isso, é importante que a alimentação esteja adequada a cada indivíduo para promover saúde e bem-estar. Segundo Ornellas,2 até o nascimento os homens têm características semelhantes quanto ao paladar. Desse momento em diante, ele se modifica por diferenças do ambiente em que vive. Assim, o gosto pelos alimentos não é inato ao ser humano, mas adquirido com o passar do tempo, pela influência do ambiente no qual está inserido. O comportamento alimentar envolve um conjunto de fatores relacionados à escolha em torno do que vamos comer, em quais quantidades, como são preparados, em que horários e com qual frequência.3 Um fator que afeta diretamente a escolha do que comer é o sabor, que é percebido com base no estímulo das células gustativas. A diferenciação dos gostos ocorre pelo equilíbrio entre cinco sensações (ácido, salgado, doce, amargo e saborosidade), mas fatores como educação, comportamento e práticas sociais podem influenciá-lo, assim como o hábito alimentar.4 A busca do homem por uma alimentação equilibrada vem se estendendo por muitos anos, porém é recente a preocupação por uma alimentação saudável, segura, preparada com técnicas culinárias adequadas e integrada ao meio ambiente sustentável. Philippi5 conceitua a alimentação saudável como aquela projetada com variedade de preparações, de origem conhecida e que preserve o valor nutritivo e os aspectos sen- 26 soriais. As refeições devem ser adequadas, em quantidade e qualidade, aos hábitos alimentares, consumidos em ambientes calmos, objetivando a satisfação das necessidades nutricionais, emocionais e sociais, para a promoção de uma vida saudável. Para que o indivíduo tenha uma alimentação saudável, é necessário ampliar a autonomia e o acesso à informação para a escolha e adoção de práticas alimentares saudáveis.6 Porém, mudar os hábitos alimentares das pessoas não é tarefa fácil e exige tempo. A oferta de preparações nutritivas, com bom aspecto, saborosas e agradáveis ao paladar, pode facilitar a escolha dos comensais por esses alimentos e auxiliar a mudança de hábito alimentar mais facilmente.7 A culinária e a gastronomia podem ser utilizadas para melhorar os alimentos, deixando-os mais atrativos ao paladar.8 Uma das alternativas em garantir uma apresentação atrativa e colorida é pelo aumento do consumo de alimentos saudáveis como legumes, verduras e frutas em geral, alinhando conhecimentos da ciência da Nutrição com técnicas da arte culinária. Deve-se ainda aumentar a variedade de alimentos consumidos, evitando a monotonia, que limita o acesso aos nutrientes necessários.7 A opção seria a criação de receitas e a adaptação das já existentes. Independente da ação escolhida para incentivar a alimentação saudável, é importante que sua produção obedeça às regras básicas de higiene de preparo dos alimentos e atenda às exigências nutricionais de cada indivíduo, satisfazendo as necessidades do organismo, mas também proporcionando prazer ao cliente. Para a elaboração de cardápio, deve-se levar em consideração: o estado nutricional SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 44, p. 25-36, set.-dez. 2016 Fernanda Salvador Alves do cliente, o seu tipo de atividade, os seus hábitos alimentares, a sua religião, a sua região ou origem, a sua idade, o seu gênero, as suas expectativas de consumo,9,10 os padrões nutricionais e o reconhecimento das técnicas dietéticas dos alimentos a fim de atender às leis da alimentação.11 Para a elaboração do cardápio, também devem ser consideradas as cores dos alimentos (cores contrastantes e vivas, despertam o desejo de consumo), destacando sabores e variando texturas. Os ingredientes têm que ser diversificados ao longo de uma preparação, utilizando criatividade para inovar nos detalhes. Já os temperos são fundamentais para dar características diferenciadas às preparações.12 Além de atender às necessidades do cliente, segundo Vasconcellos, Cavalcanti e Barbosa,13 as preparações que formam o cardápio devem ser adequadas a cada tipo de serviço, verificando se os seus custos são compatíveis e se há espaço físico, equipamentos, utensílios ou treinamentos especiais para a sua confecção. Para Vasconcellos, Cavalcanti e Barbosa,13 o desenvolvimento de um cardápio deve ser feito por pessoa especializada, que conheça os requisitos para o preparo e serviço dos pratos, o mercado, as combinações e apresentações dos alimentos, e que leve em conta ainda as limitações operacionais, os custos e a mão de obra. De acordo com Lima, Rodrigues e Fisberg,14 cabe aos profissionais da nutrição estabelecer e atingir todas essas metas quantitativas e qualitativas, adequando o cardápio às necessidades de cada indivíduo, mas também utilizando conhecimentos de gastronomia, para propor preparações saborosas e co- Sáude em Revista Aceitação de preparação saudável em UANs loridas, introduzindo alimentos saudáveis que estejam de acordo com as possibilidades estruturais, funcionais e financeiras do serviço de alimentação. Nesse contexto, percebe-se a importância das Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs), que são empresas que servem alimentação a grupos variados (crianças, estudantes, trabalhadores, idosos, pessoas saudáveis e enfermos) fora de suas residências.15 De acordo com Zanardi, Abreu e Spinelli,16 esses estabelecimentos devem fornecer refeições higiênicas, que atendam às necessidades nutricionais de seus comensais, mas que também estejam ajustadas ao limite financeiro da instituição. Assim, seu objetivo principal é contribuir para manter, melhorar ou recuperar a saúde dos comensais, por meio de uma alimentação equilibrada.17 De acordo com Vaz,15 a oferta de preparações sem sabor, em UANs, é um tabu que tem que ser desmistificado, pois uma alimentação saudável precisa ser saborosa. Por isso, o nutricionista atuante em UAN deve oferecer uma refeição que satisfaça tanto as necessidades nutricionais, quanto sensoriais, simbólicas, higiênicas e de custo. Para tanto, deve introduzir preparações mais saudáveis no dia a dia dos comensais para garantir uma boa saúde e auxiliar no rendimento do trabalhador. Isso porque uma alimentação adequada torna os indivíduos mais dispostos, diminuindo a taxa de absenteísmo e faltas por doenças.18 A UAN também deve desenvolver o papel de promover ações educativas com os comensais, que podem ser implantadas considerando a necessidade de desenvolver atividades com caráter preventivo. É recomendada a discussão coletiva com os 27 Fernanda Salvador Alves comensais promovendo a participação no processo de aprendizagem e a reflexão sobre saúde, alimentação e nutrição.7 Diante do exposto, este estudo teve por objetivo analisar se as características (gênero e tipo de atividade laboral) do público atendido influenciam na aceitação de preparações mais saudáveis em UANs. Seus objetivos específicos foram: elencar as preparações mais aceitas pelos comensais; elaborar uma versão mais saudável da preparação citada pelos comensais como a mais aceita; calcular a composição centesimal e o custo alimentar das preparações original e modificada; verificar a aceitabilidade da preparação modificada nas UANs participantes deste estudo, comparando os seus resultados. Justifica-se a aplicação da pesquisa em duas UANs, com públicos diferenciados, pelo fato de que a pesquisa pretende analisar se as características do público atendido numa UAN influenciam a aceitação de preparações mais saudáveis. A hipótese defendida foi que as preparações modificadas com menor teor de gordura e inclusão de legumes seriam pouco aceitas e ainda menos aceitas pelas mulheres, corroborando o estudo de Santos, Barbosa e Soares,19 no qual as mulheres participantes do estudo apresentaram menor percentual de consumo de gordura total, saturada e de sódio, se comparadas aos homens. Neste estudo19 também foi percebida uma baixa ingestão de vegetais por ambos os gêneros, e nenhum indivíduo da população masculina atendeu às recomendações de cereais. Material e Métodos Esta pesquisa foi um estudo multicaso aplicado, descritivo e exploratório, com ca- 28 racterísticas quali e quantitativas. Para a sua elaboração, foram escolhidas intencionalmente duas UANs, localizadas na região de Criciúma (SC), que atendiam a públicos diferenciados. A UAN servia, em sua maioria, trabalhadoras do gênero feminino que desenvolviam atividade laboral mediana e foi denominada de UAN 1 e aquela que atendia, em grande parte, a trabalhadores braçais do gênero masculino, de UAN 2. Nas etapas que tiveram participação dos clientes atendidos pelas UANs, foi utilizado o levantamento, ou seja, todos os clientes das UANs foram convidados a participarem da pesquisa, mas o fizeram de forma voluntária. Não houve critérios (como idade, gênero, ocupação, renda) que excluíram um cliente da pesquisa. O projeto do estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense, sendo aprovado sob o número 20/2008. Os nutricionistas responsáveis pelas unidades assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), permitindo usar as respostas dos clientes na pesquisa. O TCLE também possibilitava a desistência dos clientes em qualquer momento da pesquisa. Para a determinação das preparações mais aceitas pelos comensais, foi utilizado um questionário aplicado em dia aleatório da semana e distribuído a todos os comensais que aceitaram participar da pesquisa. No questionário, fez-se uma pergunta subjetiva a respeito das preparações que os comensais mais gostavam, classificando-as entre saladas, acompanhamentos, carnes e sobremesas. Nesse momento, os comensais puderam apresentar mais de uma resposta. SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 44, p. 25-36, set.-dez. 2016 Fernanda Salvador Alves As informações obtidas foram tabuladas, pontuando a preparação cada vez que era citada por um cliente da UAN. Ao final, foi obtida uma listagem das preparações mencionadas e seus respectivos números de citações. As preparações mais referidas em cada categoria (saladas, acompanhamentos, pratos à base de carne e sobremesas) foram definidas como as preferidas pelos clientes. Para elaborar versões mais saudáveis das preparações preferidas pelos comensais, foram pesquisadas, em livros de culinária e de técnica dietética, maneiras de modificá-las para que pudessem ser consideradas mais saudáveis (com menor teor de gordura total, saturada, e de sódio). Também foram solicitadas e consideradas informações práticas obtidas com entrevista aos nutricionistas e cozinheiros das UANs, para que as preparações modificadas fossem possíveis de serem desenvolvidas. Para determinar a composição centesimal das preparações original e modificada, seus ingredientes (em peso líquido) foram pesados em balança digital com capacidade de até 200 kg e precisão de 50 gramas. A seguir, foi feito o cálculo das mesmas utilizando TACO,20 listando todos os ingredientes e suas quantidades de peso líquido. Para referências de valores de fator de correção, a fim de obter o peso bruto, utilizou-se Zanella.21 Para determinar os custos alimentares, utilizaram-se os preços das matérias-primas, fornecidos pelas UANs. Foram listados os gêneros alimentícios, seu preço unitário e as quantidades empregadas nas preparações. A seguir, foi calculado o custo de cada ingrediente, e da preparação (somando to- Sáude em Revista Aceitação de preparação saudável em UANs dos os ingredientes) e da porção (dividindo pelo número de refeições servidas). Em um dia preestabelecido entre a pesquisadora e os responsáveis pelas UANs estudadas, as versões mais saudáveis das preparações preferidas foram elaboradas, a fim de testar sua aceitabilidade pelos clientes. Nesse dia, foi aplicado um segundo questionário, respondido voluntariamente por todos os clientes que experimentaram as preparações. Avaliou-se nesse momento alguns aspectos sensoriais como cor, apresentação e sabor. Também se questionou o interesse dos comensais em incluir a preparação nos cardápios dos restaurantes. As respostas obtidas com o segundo questionário também foram tabuladas pela frequência de aparecimento das respostas. Inicialmente, os dados obtidos foram apresentados e analisados individualmente. A seguir, a aceitabilidade das versões mais saudáveis das preparações mais aceitas foi comparada entre as duas UANs pesquisadas, a fim de analisar se as características do público atendido numa UAN influenciaram a aceitação de preparações mais saudáveis. A forma de apresentação dos dados foi por gráficos e/ou tabelas, utilizando frequência relativa (percentagem). A comparação dos resultados entre grupos foi feita aplicando-se o teste t. Entre as limitações do estudo, destaca-se: a impossibilidade de generalização dos resultados. Além disso, o número de preparações que foram modificadas foi pequeno. Também não foi a intenção desta pesquisa comparar qual das versões (original ou modificada) foi a mais aceita, apenas comparar a aceitabilidade da nova preparação entre os diferentes públicos atendidos. 29 Fernanda Salvador Alves Resultados Inicialmente, apresentam-se as características das UANs que participaram desta pesquisa, na Tabela 1: Tabela 1 – Características das duas UANs pesquisadas Unidade 1 Unidade 2 Número de funcionários 2 2 Horário de funcionamento 07:00 às 17:00 horas 07:00 às 17:00 horas Horário de distribuição 12:00 às 13:00 11:00 às 13:00 Público-alvo 97% gênero feminino Composição do cardápio Arroz, feijão, 1 opção de carne (porção controlada), 1 de acompanhamento, 4 de saladas (1 delas cozida) e 1 de suco* Equipamentos para a produção das refeições 1 liquidificador, 2 cortadores manuais de legumes, 1 picador elétrico de legumes, 1 descascador elétrico, 1 fogão industrial com oito queimadores, 2 fornos convencionais, 1 fritadeira. 92% gênero masculino Arroz, feijão, 1 opção de carne (porção controlada), 1 de acompanhamento, 5 de saladas (2 delas cozidas), 2 de suco e 1 de sobremesa (porção controlada) 1 liquidificador, 2 cortadores manuais de legumes, 1 picador elétrico de legumes, 1 descascador elétrico, 1 batedeira, 1 fogão industrial com oito queimadores, 2 fornos convencionais, 1 fritadeira, 2 fornos de micro-ondas. Legenda: *A UAN 1 não oferece sobremesa diariamente, mas uma vez ao mês essa preparação faz parte do cardápio, substituindo um acompanhamento. Fonte: Autora (2016) Como percebido na Tabela 1, as UANs que fizeram parte da pesquisa tinham o mesmo horário de funcionamento e número de funcionários. Seus cardápios, horário de funcionamento e equipamentos disponíveis para a produção eram semelhantes. O item que diferenciava era o gênero dos comensais, pois o interesse da pesquisa foi avaliar essa característica, bem como a atividade laboral do público atendido, que influenciaram na aceitação de preparações mais saudáveis numa UAN. Na Tabela 2, apresentam-se as preparações mais aceitas nas duas UANs estudadas. 30 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 44, p. 25-36, set.-dez. 2016 Fernanda Salvador Alves Tabela 2 – Preparações mais aceitas nas UANs pesquisadas, de acordo com os comensais entrevistados UAN 1 UAN 2 Saladas Beterraba – 19,6% Alface – 18,6% Tomate – 14,8% Opções – 47% Alface – 28,7% Tomate – 20,4% Beterraba – 12,9% Opções – 38% Acompanhamentos Batata – 24,6% Aipim – 19,3% Macarrão – 16,4% Opções – 39,7% Macarrão – 22,6% Couve-flor à milanesa – 13,2% Maionese – 11,3% Opções – 52,9% Pratos Proteicos Frango à milanesa – 24,2% Lasanha – 17,2% Panqueca – 14,3% Opções – 44,3% Lasanha – 15,7% Bife – 15,7% Peixe – 12,9% Opções – 55,7% Sobremesas Fruta – 25% Pudim – 21,2% Salada de frutas – 17,5% Opções – 36,3% Pudim – 29,4% Fruta – 19,5% Gelatina – 11,9% Opções – 39,2% Fonte: Autora (2016) Os resultados obtidos apontaram similaridade nas preferências de saladas (beterraba, alface e tomate), pratos proteicos (lasanha de carne) e sobremesas (frutas e pudim) pelos comensais das UANs pesquisadas. Porém, houve divergência nas preferências alimentares de acompanhamentos (batata foi o acompanhamento preferido na Unidade 1 e macarrão o é na Unidade 2). De acordo com Assis e Nahas,22 os fatores que determinam as escolhas alimentares são as qualidades sensoriais (sabor, cheiro, textura e aparência). Essas propriedades dos alimentos desempenham um papel tanto na determinação do seu consumo, como na determinação da saciedade, ingestão e seleção do alimento numa refeição. Destaca-se que as preparações citadas como mais aceitas pelos comensais não corroboram os resultados do estudo Sáude em Revista Aceitação de preparação saudável em UANs de Santos, Barbosa e Soares,19 uma vez que alimentos fritos (couve-flor à milanesa e frango à milanesa) foram citados por ambos os públicos. Além disso, as frutas e suas variações (saladas de frutas) tiveram maior percentual de preferência entre a população feminina (42,5%) do que a masculina (19,5%), que preferiu doce como sobremesa (41,3%). Os resultados obtidos foram apresentados e discutidos com o responsável técnico das UANs. Considerando critérios como custo, capacidade de preparo, disponibilidade de ingredientes e modificação das preparações para formas mais saudáveis, a preparação escolhida para ser alterada e ofertada aos clientes das UANs pesquisadas foi a lasanha de carne (citada como preferida por 17,2% dos comensais da UAN 1 e 15,7% dos comensais da UAN 2). 31 Fernanda Salvador Alves As alterações feitas na preparação foram: inclusão de ingredientes vegetais disponíveis nas UANs (cenoura, vagem, milho verde em conserva), para aumentar a oferta de fibras, sem impactar o custo final da preparação. No recheio, foi reduzida uma camada de queijo prato, acrescentando creme industrializado de quatro queijos. Também para reduzir a quantidade de gordura da preparação, retirou-se o apresuntado e refogou-se a carne moída sem óleo. Após as modificações na receita, elaboraram-se Fichas Técnicas das preparações (original e modificada) a partir do peso líquido dos ingredientes, para então calcular suas composições centesimais e custos. Essas informações estão apresentadas na Tabela 3. Tabela 3 – Valores de composição centesimal e custo das receitas original e modificada Critérios Calorias (Kcal) Proteínas (g) Lipídios (g) Carboidratos (g) Fibras (g) Sódio (mg) Valor total por porção (R$) Lasanha receita original 711,76 34,16 43,03 91,30 1,59 1023,19 Lasanha receita modificada 365,77 32,15 15,42 96,41 2,99 879,27 1,16 1,05 Fonte: Autora (2016) As alterações propostas na receita da lasanha acarretaram em redução, por porção, de calorias (-345,99 calorias), de proteínas (-2,01 gramas), de lipídios (-27,61 gramas) e de sódio (-143,92 miligramas). Além disso, houve aumento na oferta de carboidratos (5,11 gramas) e fibras (1,4 gramas), por porção. Na avaliação de custo alimentar, houve 32 discreta alteração, sendo a preparação modificada mais barata que a original (redução de R$ 0,11/porção). No dia em que as UANs serviram as lasanhas modificadas, os comensais tiveram apenas essa opção. Nesse momento, também foram feitas algumas perguntas para os comensais que experimentaram as preparações modificadas. Essas respostas separadas entre as UANs pesquisadas, bem como o valor do teste t realizado, são apresentadas na Tabela 4. Avaliando os resultados obtidos e demonstrados na Tabela 4, percebe-se que os clientes das UANs pesquisadas apresentaram valores elevados na aceitabilidade da preparação modificada. Tanto as respostas sobre os aspectos sensoriais (cor, apresentação e sabor), assim como a nota dada pelos comensais à nova preparação, quanto a intenção em incluir a nova preparação no cardápio, mostraram que a nova preparação foi aceita. Porém, é necessário destacar sugestões dadas pelos comensais. Entre elas, pontua-se que 27% dos comensais da UAN 1 indicaram uma necessidade de aumentar a quantidade de massa e de queijo. Os valores obtidos nesta pesquisa, com a oferta de preparação mais saudável para clientes de uma UAN, são congruentes aos valores obtidos em pesquisas semelhantes. Stedefeldt et al.,23 ofertando preparações típicas da região sudeste do país entre escolares daquela região, obtiveram valores elevados de aceitação. As preparações à base de soja, oferecidas no estudo de Dagostim e Alves,24 também foram bem aceitas pelos clientes daquela UAN pesquisada. De acordo com Kajishima e Bernardi,3 o comportamento alimentar é influencia- SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 44, p. 25-36, set.-dez. 2016 Fernanda Salvador Alves Tabela 4 – Valores referentes à aceitabilidade da preparação modificada, nas UANs pesquisadas (e seus respectivos valores de p). UAN 1 71,1% 62,5% 52% 7,7 78% 13% 17% 20% 26% 12% UAN 2 72,5% 73,4% 72,2% 8,1 84% 17% 40% 9% 14% 8% Não, prefiro o original 6% 1% 0,395 Não, não gosto de mudanças 2% 2% 0,000 Aprovação do quesito “cor” Aprovação do quesito “apresentação” Aprovação do quesito “sabor” Média das notas Interesse em incluir essa preparação no cardápio Sim, preparação mais saudável Sim, variar o cardápio Sim, gosto dos ingredientes Sim, gosto do sabor Não, não gosto dos ingredientes p* 0,006 0,051 0,103 0,016 0,024 0,084 0,244 0,231 0,186 0,126 Legenda: *O valor de p é significativo quando p < 0,005 Fonte: Autora (2016) do por fatores fisiológicos e ambientais. Entre esses, destacam-se as condições socioeconômicas, a influência da televisão e a alimentação em grupo. As mudanças no hábito alimentar exigem dedicação e motivação, mas também se necessita de opções saborosas que estimulem a troca de preparações não tão saudáveis por suas variações mais nutritivas. A comparação da aceitabilidade pelos clientes nas UANs pesquisadas foi feita pelo teste t e também demonstrada na Tabela 4. Pelos valores obtidos, pode-se afirmar que a aceitabilidade da preparação pelos dois públicos foi elevada, porém não foi significativamente diferente. Essa constatação torna negativa a hipótese original deste trabalho, que de características como gênero e tipo de atividade laboral do público atendido em uma UAN influenciariam na aceitação preparações mais saudáveis. Diferente dos resultados do estudo de Santos, Barbosa e Soares,19 os públicos atenSáude em Revista Aceitação de preparação saudável em UANs didos nas UANs pesquisadas aceitaram de forma similar a preparação modificada realizada. Enquanto naquele estudo, tanto homens quanto mulheres aceitaram menos alimentos com inclusão de legumes, o público masculino aceitava menos alimentos a base de cereais, preferindo frituras. Já neste estudo, a preparação modificada possuía valores reduzidos de calorias, lipídeos e sódio, bem como aumento no valor de carboidratos totais e fibra, mas foi aceita igualmente por mulheres (maioria dos clientes da UAN 1) e homens (maioria dos clientes da UAN 2). Conclusão Esta pesquisa teve como objetivo avaliar se as características (gênero e tipo de atividade laboral) do público atendido influenciaram na aceitação de preparações mais saudáveis numa Unidade de Alimentação e Nutrição. Para tanto, sua primeira etapa consistiu no reconhecimento das preparações 33 Fernanda Salvador Alves mais aceitas pelos comensais das UANs em que o estudo foi realizado. Como resultado, perceberam-se similaridades nas preferências das preparações classificadas como saladas, sobremesas e pratos proteicos, e divergências nas preferências por acompanhamentos. Considerando critérios como custo, capacidade de preparo, disponibilidade de ingredientes e modificação das preparações para formas mais saudáveis, a preparação escolhida para ser alterada e ofertada aos clientes das UANs pesquisadas foi a lasanha de carne. A elaboração de uma versão mais saudável de uma preparação, que atendesse às necessidades das Unidades estudadas, demonstrou a possibilidade que esses locais têm em oferecer uma alimentação mais saudável aos seus clientes, respeitando suas limitações de custos, funcionários, insumos e tempo. O cálculo das composições centesimais das preparações original e modificada comprovou redução dos valores, por porção, da preparação modificada. Também os valores de carboidratos e de fibras foram significativamente diferentes entre as preparações original e modificada, mostrando que este estudo conseguiu elaborar uma preparação baseada na preferência dos clientes, porém mais saudável. Também o custo das preparações modificada foi menor, indicando que além de ela conter ingredientes mais saudáveis (como os vegetais), ter uma redução no valor de calorias, lipídeos e sódio e um aumento na oferta de fibras, teve um custo mais acessível para a UAN. Obtiveram-se assim benefícios tanto para os clientes quanto para a própria empresa. A aceitabilidade da preparação modificada foi elevada em ambas UANs pesqui- 34 sadas, corroborando-se a afirmação de que os hábitos alimentares são influenciados por fatores fisiológicos e ambientais. O sabor, a cor e a apresentação das preparações consideradas mais saudáveis são fundamentais para que as pessoas as provem e possam aos poucos alterar seus hábitos alimentares. Esta pesquisa teve resultados satisfatórios, já que nas duas UANs a versão mais saudável da lasanha foi aceita e os comensais mostraram interesse em variar o cardápio com alimentos mais saudáveis e que contivessem menos gordura. Porém, a hipótese inicial deste trabalho, de que o gênero e a atividade laboral influenciariam na aceitação preparações mais saudáveis, não foi comprovada. Houve alta aceitabilidade da preparação pelos dois públicos, sem diferenças significativas. Neste estudo, a preparação modificada possuía valores reduzidos de calorias, lipídeos e sódio, bem como aumento no valor de carboidratos totais e fibra, mas foi aceita igualmente por mulheres (maioria dos clientes da UAN 1) e homens (maioria dos clientes da UAN 2). Para uma população que está cada vez mais se alimentando fora de casa,25 a oferta, por UANs, de preparações saudáveis, que sejam bem aceitas, é imprescindível para a manutenção da saúde da população. Além disso, este estudo demonstrou que a elaboração de preparações saudáveis é possível sem o aumento de custos, fazendo uso de ingredientes já existentes no local e que sejam bem aceitos pelos clientes. Como recomendações para novas pesquisas, sugere-se a replicação deste estudo em outras UANs, a modificação de outras preparações para verificação de sua aceitabilidade, o estudo da inclusão de ingredien- SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 44, p. 25-36, set.-dez. 2016 Fernanda Salvador Alves tes alternativos e/ou funcionais no preparo de refeições em UANs e a substituição das formas de preparo das refeições, a fim de torná-las mais saudáveis. Referências 1. Evangelista J. Alimentos e nutrição. In:______. Alimentos: um estudo abrangente, São Paulo: Atheneu, 2005. 2. Ornellas LH. Conclusões e comentários. In:______. A alimentação através dos tempos, 3. ed., Florianópolis: UFSC, 2003. 3. Kajishima S., Bernardi MRV. Técnica e dietética: seleção e preparo de alimentos, 8. ed., São Paulo: Atheneu, 2007. 4. Kinton R., Ceserani V., Foskett D. Enciclopédia de serviços de alimentação, São Paulo: Varela, 1999. 5. Philippi ST. Alimentos naturais, industrializados e preparações. In:______. 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