PROPOSTA DE INTERLOCUÇÃO EM LÍNGUA DE SINAIS E LEITURA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES SURDOS Sandra Eli Sartoreto de Oliveira MARTINS1 Niuro José Toppan JUNIOR2 Resumo: Este projeto de extensão teve como objetivo promover situações de interlocução em língua de sinais para surdos e seus familiares. Também criou oportunidades significativas de incentivo à leitura para alunos surdos, a partir dos recursos dispostos na Biblioteca Interativa do Centro de Estudos da Educação e Saúde (CEES). Participaram deste trabalho, 15 familiares de 22 crianças e adolescentes surdos de escolas públicas da rede de ensino de Marília, inscritos no programa de estágio de Prática de Ensino, na área da Surdez, da FFC - Unesp. Com recursos da Prograd e Pró-Reitoria de Extensão, o projeto contou com a participação de duas bolsistas, duas professoras de classe especial, uma psicóloga e um instrutor surdo de LIBRAS. As atividades pedagógicas de interlocução em LIBRAS versaram sobre temas variados da literatura infantil e situações do cotidiano dos participantes. Os resultados demonstraram um envolvimento significativo dos surdos na apropriação da língua de sinais, promovendo uma comunicação mais efetiva com os seus familiares e uma maior aproximação com os recursos informacionais da Biblioteca Interativa, através da leitura partilhada. Palavras-chave: surdez; língua de sinais; linguagem; recursos informacionais; leitura. É grande a expectativa de profissionais e familiares a respeito do desenvolvimento lingüístico da criança surda. Sabe-se que no Brasil, por várias décadas a língua de sinais foi proibida na educação dos surdos. Por conseguinte, muitos jovens adolescentes com perda auditiva cresceram sem a oportunidade de estabelecer trocas comunicativas em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) em casa, com os membros de sua família. Recentemente com o avanço dos estudos lingüísticos e com o reconhecimento da língua de sinais, tem-se conhecimentos de novas práticas educacionais de incentivo a aquisição da LIBRAS. É nesta perspectiva que este projeto de extensão se insere. O trabalho apresentado refere-se a continuidade do projeto encaminhado ao Núcleo de Ensino de Marília, no ano de 2003, “Sala de leitura: uma nova possibilidade de aprendizado”. Recentemente denominado de “Biblioteca Interativa: espaço de lazer, entretenimento e aprendizado”, visou oferecer oportunidades de interlocutivas em língua de sinais para surdos e familiares. Também proporcionou as crianças e adolescentes com perda auditiva, um contato com os recursos informacionais dispostos na Biblioteca Interativa do CEES (Centro de Estudos da Educação e Saúde). Sob a coordenação da professora Sandra Eli Sartoreto de Oliveira Martins (Departamento de Educação Especial – FFC/ Unesp/ Marília), em colaboração com dois 1 Professora Assistente Doutor do Departamento de Educação Especial – Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP – Campus de Marília. Trabalha com projetos de extensão pesquisas na área da leitura e surdez, vinculada ao Núcleo de Ensino/PROGRAD, desta mesma Universidade. 2 Instrutor surdo capacitado pela FENEIS/SP, responsável pela mediação didático-pedagógica de interlocução em língua de sinais no projeto de extensão em questão. 338 professores de classe especial da rede estadual de ensino3, o projeto contou com a participação de uma psicológica voluntária do CEES, duas bolsistas e um instrutor surdo4. Procurando contribuir para amenizar às barreiras de comunicação entre surdos e seus familiares, participaram desse trabalho de extensão 37 pessoas, dentre elas, 10 crianças e 12 adolescentes surdos, matriculados em classe especial e regular rede pública de ensino de Marília e região e, 15 ouvintes, que fazem parte da família dos alunos como pais, avós, irmãos, primos, vizinhos e amigos. Sem partilharem uma língua comum, os surdos inscritos no projeto, apresentavam atrasos em seu desenvolvimento global e, conseqüentemente, na aprendizagem da leitura. Por serem oriundos de lares ouvintes e terem acesso restrito à aquisição da língua de sinais de forma natural, demonstravam dificuldades para manter um diálogo efetivo com seus familiares, comunicando-se por meio de gestos caseiros, mímicos e alguns sinais padronizados. Assim, as interações verbais e gestuais entre eles eram restritas, confusas e repletas de deslizamentos de sentidos. A participação dos familiares no programa visou ampliar o universo de interlocutores com quem os surdos poderiam se comunicar dentro e fora do CEES. Também objetivou desmistificar algumas distorções que os mesmos apresentavam sobre a LIBRAS, ou seja, de que se tratava de: uma língua difícil de aprender; uma mímica mais elaborada e, que portanto, inferior a língua oral utilizada pelos ouvintes - pobre na sua estrutura e funcionamento -limitada para expressar sentimentos e pensamentos abstratos, etc. 3 Para o desenvolvimento das atividades neste projeto contamos com a colaboração das alunas estagiárias do curso de pedagogia – Habilitação em Deficiência Auditiva FFC/UNESP, de duas bolsistas (Regina Maria Fiorillo - PROEX e Dâmaris C. Nunes da Silva – PROGRAD/ NE) e, em especial, da psicóloga Daniela R. Verdi e das professoras Margareth Cury P. Alvarez e Lúcia Helena F. Siemann Fason da Escola Estadual Lourenço de Almeida Senne – Marília. 4 O instrutor surdo atuou na proposta como colaborador e estagiário extra-curricular no CEES, por cursar o primeiro ano de pedagogia na FAEF- Garça no CEES, sob a supervisão da coordenadora do projeto em questão. 339 Visando elucidar aos familiares sobre o funcionamento lingüístico da Língua de Sinais no desenvolvimento educacional do surdo, foram promovidos encontros mensais para orientações sobre os seguintes temas: ♣ Os principais mitos sobre a língua de sinais; ♣ Estrutura e funcionamento da LIBRAS quanto aos aspectos: fonológicos, morfológicos, sintáticos e pragmáticos; ♣ A importância da LIBRAS no desenvolvimento cognitivo, afetivo e educacional do surdo; ♣ Abordagem educacional bilíngüe no sistema educacional de ensino. Além das discussões sobre os temas descritos, alguns familiares inscritos no programa, também participaram de momentos de escuta e de orientações sistemáticas e na área psicológica. Para que pudessem dialogar a respeito das expectativas sobre o desenvolvimento lingüístico de seus filhos, os encontros com a psicóloga versaram auxiliar os familiares no enfrentamento doloroso e confuso de “luto pelo filho desejado” – aquele que falaria -, ajudando-os a admitirem a língua de sinais como mais uma opção de comunicação entre eles. De acordo com a avaliação dos profissionais envolvidos sobre os encontros realizados, embora os familiares, ao longo do projeto, demonstrassem preferência pelo desenvolvimento da linguagem oral, não mediram esforços para aprender a língua de sinais e discutir sobre os temas mencionados anteriormente. Sem alimentar a expectativa pela oralidade, as orientações foram conduzidas no projeto, visando esclarecer as limitações dos alunos surdos, no uso da linguagem falada, ressaltando o potencial lingüístico dos mesmos na apropriação da língua de sinais, bem como a importância desta ao seu desenvolvimento educacional. Mesmo sabendo que a compreensão sobre tais aspectos, ainda estavam à margem do interesses e aceitação dos familiares, o fato de freqüentarem sistematicamente o projeto de libras, foi avaliado pelos profissionais, como uma conquista positiva no trabalho realizado. 340 Em paralelo às orientações aos familiares, as atividades de interlocução em língua de sinais para as crianças e adolescentes surdos ocorreram a partir de temas variados explorando o contexto lingüístico das histórias clássicas da literatura infantil e algumas sobre situações cotidianas dos participantes do projeto. Buscando criar um clima de descontração no processo de constituição de linguagem, as histórias infantis e os temas do cotidiano, eram abordadas pelo instrutor em língua de sinais, de maneira lúdica e criativa a partir dos recursos informacionais disponíveis na Biblioteca Interativa do CEES. Por conseguinte e concomitante aos atendimentos dos alunos surdos, os familiares também participavam das mesmas práticas discursivas, porém sob a orientação do professor da classe especial. As atividades pedagógicas para os alunos surdos e seus familiares eram planejadas e organizadas, sob a supervisão da coordenadora do projeto, em colaboração com as professoras de classe especial, as bolsistas e o instrutor surdo. O planejamento em conjunto com profissionais envolvidos no projeto possibilitou uma visão mais global sobre o envolvimento dos participantes nas atividades, favorecendo a decisão sobre qual tema seria abordado. De modo geral, as escolhas dos temas trabalhados, partiram dos interesses e necessidades dos participantes, incluindo desde a curiosidade por uma história nova até assuntos que considerassem difíceis de serem abordados no contexto familiar das crianças e adolescentes surdos. As atividades discursivas no programa não se definiram pela apropriação de uma língua previamente ao sujeito, ou ainda pelo ensino de vocabulários em língua de sinais, mas sim pela ação dos sujeitos sobre esta língua. Baseada na teoria enunciação (BAKHTIN, 1992), a linguagem foi concebida como a capacidade que a mesma tem de converter-se em uma forma de trabalho em conjunto entre os interlocutores, que, conseqüentemente, ao transformar a interação gestual numa ação coletiva, reconhecem que a responsabilidade – ou poder – de atribuição de 341 sentido, está antes na parceria do que em qualquer um dos participantes. Desse modo pode-se afirmar que [...] a linguagem como sistema comunicativo não deve ser compreendida apenas como um dado a priori a ser descoberto ou reconstituído. Mesmo como código ou gramática, é de natureza intersubjetiva, não pertencente ao indivíduo: ao mesmo tempo em que é parcialmente constituído e assumido como dado, precisa ser realizado concretamente em atos de comunicação para que se constitua como “real possível e significativo” para determinados atores, em determinado lugar (SIGNORINI, 1995, p.175). Portanto, nesta concepção de linguagem, toda a tarefa enunciativa proposta neste projeto, priorizou o trabalho em conjunto dos interlocutores na constituição dos sentidos em língua de sinais. Valorizou-se também o planejamento de práticas discursivas lúdicas e concretas com os adolescentes surdos e seus familiares, sobre os seguintes temas: ♣ Drogas; ♣ Sexualidade; ♣ Árvore genealógica (membros da família, grau de parentesco, casamento entre parentes, etc); ♣ Profissões; ♣ Orientação vocacional. As crianças surdas e seus familiares vivenciaram situações de constituição de linguagem a partir de temas clássicos da literatura: ♣ Chapeuzinho Vermelho; ♣ Branca de Neve; ♣ Os três porquinhos; ♣ Casa Sonolenta; ♣ Patinho Feio; ♣ A Bela e a Fera. 342 Em um clima de descontração e aprendizagem, as atividades didático-pedagógicas em LIBRAS incentivaram os participantes à: ♣ Compreender e narrar histórias conhecidas; ♣ Assumir papéis de personagens em diálogos; ♣ Questionar e solucionar problemas do cotidiano; ♣ Dramatizar histórias; ♣ Ler e narrar histórias conhecidas; ♣ Produzir jogos didático-pedagógicos, envolvendo o tema lingüístico enfatizado, explicando as regras do jogo aos colegas; ♣ Executar atividades de pintura, montagem de painéis com caracterização dos personagens e cenários das histórias, para exposição no final do projeto no CEES; ♣ Confeccionar fantoches de sucata e palco para as histórias. Por considerar o processo de ensino-aprendizagem da leitura como um dos grandes obstáculos na escolarização dos surdos, este projeto também promoveu situações de leitura visando uma aproximação deste público com a cultura letrada. Por esse motivo, em paralelo às situações de interlocução em língua de sinais, os adolescentes e as crianças surdas, participaram de atividades pedagógicas de incentivo à leitura, desenvolvidas pelos alunos do curso da Pedagogia, estagiários da disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, na Habilitação em Deficiência Auditiva – FFC/ Unesp/ Marília. 343 As atividades de leitura foram desenvolvidas no espaço da Biblioteca Interativa do CEES, a partir de encontros semanais de duas horas, durante os meses de março a novembro de 2004. Nas estratégias de leitura propostas, os estagiários procuravam encorajar as crianças e adolescentes surdos, a utilizarem seus conhecimentos prévios, fazerem previsões e a construírem novas hipóteses sobre o texto lido. Ao final do projeto, os surdos manifestaram interesse na exploração de vários recursos informacionais textuais, dentre eles destacaram-se os gibis, jornais, livros clássicos de literatura infanto-juvenil, panfletos e textos de entretenimento. No trabalho com os gibis foram desenvolvidas as seguintes estratégias: ♣ Leitura de figuras; ♣ Interpretação do texto a partir do diálogo em Língua de Sinais; ♣ Análise do conteúdo semântico do gibi em LIBRAS e em português escrito, comparando a estrutura e funcionamento dos dois sistemas lingüísticos; ♣ Caracterização dos personagens da história lida e atribuição de novos nomes; ♣ Criação de novas histórias em quadrinhos, tendo como personagens os próprios alunos; ♣ Ler e dramatizar a história inventada; ♣ Atribuição de novos títulos às histórias conhecidas. 344 No que refere aos livros de literatura clássica, o trabalho pedagógico permitiu aos alunos explorarem tais estratégias de leitura: ♣ Leitura compartilhada - estagiário e surdo; ♣ Utilização da LIBRAS como meio de comunicação entre os participantes para penetrar no universo da história lida; ♣ Incentivar os participantes a fazer perguntas sobre o texto, encontrar novos indícios para obter respostas e avançar na compreensão da escrita; ♣ Incentivar a curiosidade e o suspense no ato da leitura; ♣ Dialogar sobre os fatos que marcaram a leitura, de modo a incentivá-los a revelar gostos e preferências; ♣ Atribuir sinais (apelido em LIBRAS) aos personagens da história lida. Por ser uma proposta de ação pedagógica longitudinal, na medida em que envolve o processo de apropriação de uma primeira língua (Língua de Sinais) e a mediação da leitura de uma segunda língua (portuguesa), este trabalho encontra-se em continuidade atualmente no CEES. Uma amostra das atividades de interlocução em língua de sinais e de leitura foi registrada em vídeo em 2005, para subsidiarem novos estudos e pesquisa na área da surdez. Tão logo os dados sejam analisados e discutidos, pretender-se-à publicá-los, para que seus resultados possam contribuir no apontamento de novos direcionamentos na organização de programas de intervenção em língua de sinais e leitura na educação dos surdos. 345 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1992. FOUCAMBERT, J. A Leitura em questão. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. _____. A criança, o professor e a leitura. Trad. 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