Guerra cambial: nominal ou real?

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Guerra cambial:
nominal ou real?
Carlos Thadeu de Freitas Gomes e João Felipe Santoro Araújo
O Brasil entra em 2013 com
vários debates abertos em
relação à competitividade de
seus produtos, e com eles
algumas questões sobre níveis
de taxa de câmbio. Tendo
em vista a política monetária
expansionista do Federal
Reserve, há uma preocupação
absoluta em evitar a queda
da taxa de câmbio nominal,
com o argumento de manter
a atratividade dos produtos
de origem nacional. Nesse
contexto, torna-se relevante
revisitarmos a noção de taxa de
câmbio real e o que ela de fato
representa. Além disso, cabe
também uma discussão sobre
os fatores determinantes da
taxa de câmbio nominal e como
estes poderão se comportar
ao longo do ano.
TAXA DE CÂMBIO
REAL ESTÁ FADADA
À APRECIAÇÃO
A economia mundial vive um
período no qual as principais
antigas potências econômicas
passam por um ciclo de
desalavancagem, em que o
crescimento do crédito está
dando lugar à redução do
endividamento dos setores
público e privado, via calote,
e também por uma notável
redução do consumo. Muito
embora parte desse processo
já tenha decorrido, os países
Carlos Thadeu de Freitas Gomes e João Felipe Santoro Araújo são,
respectivamente, economista-chefe e economista da divisão econômica da
CNC ― Confederação Nacional do Comércio.
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desenvolvidos ainda estão a
alguns anos do final do processo
de desalavancagem, vide as
razões ― (dívida pública +
privada)/PIB ― ainda vigentes.
A principal implicação desse
diagnóstico é que os níveis de
preços nos países desenvolvidos
deverão cair. Na prática, todo
o processo de redução do
endividamento global resultará
na queda de preços. Se por
um lado Estados Unidos e
Europa apresentam taxas de
inflação baixas, ou talvez em
determinado momento até
deflação, a economia brasileira
vem apresentando taxas de
inflação razoavelmente elevadas.
O resultado dessa mecânica
é que os bens produzidos no
Brasil, tudo mais constante,
tenderão a ficar ainda mais
caros que os bens produzidos
no exterior.
Dessa forma, se existe a intenção
de impedir que a taxa de câmbio
nominal volte a cair abaixo do
nível de R$ 2,00/dólar americano,
há, de alguma forma, um piso
para a mesma. Somando esse
fato ao caráter das dinâmicas
inflacionárias no Brasil e
desinflacionária na Europa e
EUA, a taxa de câmbio real está
fadada à apreciação. Da mesma
forma, poderíamos concluir que
a depreciação da taxa de câmbio
real só seria possível através da
depreciação da taxa de câmbio
nominal. Logo, é válido examinar
o comportamento de alguns
fatores que exercem influência
sobre o comportamento da taxa
de câmbio nominal.
DETERMINANTES DA TAXA
DE CÂMBIO NOMINAL NO
BRASIL (R$/DÓLAR)
Embora a taxa de câmbio
nominal não tenha caráter
determinístico, alguns
modelos ajudam a obter
melhor visualização do que
pode acontecer com o nível
da mesma. Esses modelos
consideram alterações em
alguns fatores como o nível
de preços das commodities,
o apetite por risco dos
investidores, o próprio nível
do dólar em relação a outras
moedas, assim como o
diferencial de juros nominais.
Em relação aos preços das
commodities (medidos pelo
índice CRB ― Commodity
Research Bureau), sabemos que
estão bastante aquém do nível
pré-crise, além de não terem
obtido desempenho positivo
nos últimos dois anos. Uma vez
que o Brasil é um exportador
desse tipo de bem, uma maior
receita com a venda de produtos
básicos no exterior tende a
apreciar o Real. Ou seja, esse
fator não tem contribuído para a
apreciação do Real. Entretanto,
olhando para frente, podemos
ver a venda de alguns produtos
básicos subindo, considerando
que ainda há forte crescimento
econômico em algumas regiões
do mundo, principalmente na
Ásia emergente.
Observando o apetite por
risco dos investidores (medido
pelo índice VIX ― Volatility
Index1), podemos ver que a
queda no índice foi bastante
grande, principalmente após
as sequenciais expansões
quantitativas realizadas pelo
Federal Reserve. O ano de 2012
foi marcado pela venda massiva
de volatilidade, capitaneada pelo
banco central americano.
Mesmo com endividamento
elevado das famílias e do
governo, foi possível observar
um aumento no otimismo dos
investidores, traduzido pelo
desempenho favorável do
mercado de ações americano,
assim como níveis historicamente
baixos de volatilidade. Esse
menor nível de volatilidade tende
a favorecer a apreciação do Real
frente ao dólar, pois significa que
os investidores estão dispostos
a enfrentar maiores riscos,
investindo em outros países
que não os Estados Unidos.
A taxa de câmbio nominal
depende também da força do
dólar em relação às demais
principais moedas. Nesse
ponto, é possível observar um
fortalecimento do dólar a partir
de 2011, embora esse índice
tenha mostrado estabilidade
em 2012. O comportamento
do dólar em relação às outras
moedas dependerá não somente
da solução da crise fiscal
americana, mas também da
europeia. Uma vez que os líderes
europeus vêm demonstrando
maior entendimento em relação
ao problema fiscal europeu, o
fortalecimento do Euro impede
uma maior apreciação do Dólar.
Não obstante, a trajetória da
moeda americana dependerá
O VIX é o ticker do Chicago Board Options Exchange Market Volatility Index, a medida oficial da volatilidade implícita das opções sobre o índice S&P
500. Um valor elevado corresponde a um mercado mais volátil.
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Embora o PIB tenha
crescido apenas
1% em 2012, a taxa
de desemprego
atingiu patamares
historicamente baixos.
Ou seja, mesmo com
a atividade mais fraca,
a inflação de salários
não deixou de ser uma
preocupação
também dos ajustes fiscais que
forem realizados de acordo com
a trajetória dos gastos públicos
do país. Um comprometimento
maior com austeridade no longo
prazo acabará por dar força à
moeda americana. Entretanto,
é difícil vislumbrar esse cenário
dadas as dificuldades nas quais
a economia americana encontrase hoje, a menos que haja fuga
maciça de recursos aplicados
em ativos de risco.
Quanto ao diferencial de taxa
de juros, este dificilmente irá
se reduzir. O Brasil está no seu
lower bound no que diz respeito
à taxa de juros definida pelo
Banco Central. Além disso,
também será difícil vermos uma
reversão na política de juros zero
e expansões quantitativas do
Federal Reserve. Assim sendo, o
mais provável é que o diferencial
de taxa de juros contribua para a
apreciação da moeda brasileira.
RISCOS INFLACIONÁRIOS
E A TAXA DE CÂMBIO REAL
Muito embora a taxa de
crescimento da economia
brasileira tenha decepcionado
em 2012, e muito se tenha falado
do endividamento excessivo
das famílias e do suposto
esgotamento do “modelo” de
crescimento brasileiro, o país
se encontra em uma posição
relativamente favorável em
relação ao mundo afogado
em uma crise fiscal.
Apesar da relação crédito/PIB
ter crescido muito no Brasil
nos últimos anos, ainda há
espaço para aumentar mais.
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Há uma dinâmica favorável no
país, principalmente no que
diz respeito ao consumo das
famílias. Se isso é bom por um
lado, por outro pode implicar na
taxa de inflação mais elevada à
frente. Adicionalmente, é preciso
lembrar que alguns reajustes de
preços estão sendo postergados
para o próximo ano. No curto
prazo esses adiamentos
seguram a inflação, mas no
médio prazo têm efeito contrário.
Quanto maior a inflação,
maior é a apreciação da
taxa de câmbio real.
Embora o PIB tenha crescido
apenas 1% em 2012, a taxa de
desemprego atingiu patamares
historicamente baixos. Ou seja,
mesmo com a atividade mais
fraca, a inflação de salários não
deixou de ser uma preocupação.
O aumento no custo de produzir
um bem devido à elevação dos
salários acaba sendo, ao menos
em parte, repassado para os
preços, constituindo, assim, mais
uma força na apreciação real
do câmbio.
É relevante notar, ainda, que
o desejo de ter uma taxa de
câmbio nominal depreciada não
pode levar ao esquecimento o
efeito do repasse da depreciação
cambial para os preços dos bens
vendidos internamente. Nesse
ponto, a depreciação nominal
estaria sendo anulada pela
apreciação real.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, foi possível
perceber que há uma diferença
de estado entre a economia
brasileira e as economias dos
países com problemas fiscais.
A primeira encontra-se em uma
dinâmica inflacionária, enquanto
as demais enfrentam um cenário
de queda de preços. Mantendo
a taxa de câmbio nominal
constante, a taxa de câmbio
real tende a apreciar dentro
dessa conjuntura.
Em relação à taxa de câmbio
nominal, vimos que sua
trajetória estará interligada ao
desempenho dos termos de
troca, do apetite por risco, da
força do Dólar em relação às
demais moedas e do diferencial
de juros. Quanto à trajetória
futura dessas variáveis,
poderemos ter preços de
commodities mais elevados,
pois ainda existem países com
grande potencial de crescimento
(Índia, Cingapura, Coreia do Sul,
China e etc).
A manutenção do elevado apetite
por risco dependerá de uma
solução para o problema fiscal
americano, e o desempenho
global do dólar está relacionado
basicamente ao desfecho da
política econômica adotada na
Zona do Euro. Os últimos sinais
mostram que o Euro ainda deve
permanecer forte, apontando
para um desempenho mais
fraco do Dólar.
Por último, é improvável que o
diferencial entre taxas de juros
contribua para a depreciação
da taxa de câmbio nominal,
visto que o Brasil já se encontra
no seu lower bound em
termos de taxa de juros.
Ou seja, há muita incerteza
em relação ao câmbio nominal,
mas alguns fatores estão
apontando para a apreciação
do Real frente ao Dólar.
Assim sendo, o Brasil deve se
concentrar em vencer a guerra
cambial real. Isto é, aquela que
diz respeito aos preços relativos.
É necessário reconhecer que
existem riscos inflacionários
na economia brasileira e que
a competitividade dos nossos
produtos está ameaçada por
esses riscos. ■
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