1 ALAS 2015 ̶ COSTA RICA, 29 DE NOVEMBRO A 04 DE DEZEMBRO GT 29: Teoria Social Contemporânea Autora: Maria Thereza Rosa Ribeiro Professora Associada da Universidade Federal de Pelotas, DESP/IFISP, PPGS - Sociologia – UFPel. RS Brasil Doutora em Sociologia (USP) E-mail: [email protected] Título: Desvelando o lugar do ator no mundo da vida schutziano e do agente no campo social bourdieusiano: leituras sociológicas sobre comunidade e sociedade. Resumo Esta apresentação trata das condições de possibilidade do conhecimento da vida urbana abarcar o reconhecimento de que o espaço social é marcado por diferenças de posição e confronto de tomada de posição dos sujeitos atuantes. Para seguir esse intento, se traz o debate de dois procedimentos explícitos na abordagem da teoria sociológica, porém em tensão dentro do campo observacional das práticas dos indivíduos, pelos quais se concebe a dupla hermenêutica do conhecimento do mundo social. Trata-se da visão fenomenológica shutziana e da praxiológica bourdieusiana. A partir dessas, se observa a aproximação e o distanciamento epistemológico e teórico no que tange a relação objetiva e subjetiva na construção do mundo das relações sociais. Palavras chave: mundo da vida, campo social, fenomenologia, praxiologia. Esta apresentação faz parte da construção teórico-metodológica da pesquisa que venho desenvolvendo com moradores de baixa renda, os citadinos, do programa social – Programa Minha Casa Minha Vida , implantado pelo governo federal brasileiro em 2009. O foco da pesquisa é a análise das representações desses moradores sobre sua condição de vida e suas práticas estruturantes e estruturadas expressas em repertórios e comportamentos dos indivíduos nos condomínios destinados à população de baixa renda (de zero a três salários mínimos nacionais) na cidade de Pelotas, microrregião Sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Antes de discorrer sobre as abordagens da teoria sociológica as quais recorro para compreender os esquemas de percepção dos moradores que 2 oferecem a matéria da significação da vida cotidiana por eles concebida, tratarei de situar analiticamente o fenômeno urbano no âmbito do conjunto de relações sociais que projetam a incompletude da sociedade urbana no mundo contemporâneo. Para desenvolver tal tarefa sociológica lança-se mão do argumento de Henri Lefebvre (1999; 2001) que condiz com a observação da coexistência de duas estratégias dominantes que proporcionam o desenvolvimento da sociedade capitalista. Tais estratégias da política do espaço são identificadas pelo “dirigismo” estatal ou planificação no domínio urbanístico, favorecendo a ação dos experts (planejadores, urbanistas etc.) e dos tecnocratas, pelo “neoliberalismo”, a iniciativa de empresas privadas, em específico “no que concerne ao “urbanismo”, aos promotores imobiliários e bancos” (LEFEBVRE, 1999, p. 76). Nesses termos, a política do espaço aglutina essas diferentes tendências de ação pelas quais se reproduz em múltiplas práticas econômicas e sociais que constituem o espaço urbano: o “dirigismo”, a socialização na agricultura, o liberalismo no mercado imobiliário, a planificação da indústria e da cidade, o controle prudente do mercado de capitais, em relações sociais marcadas por antagonismos de lógicas e estratégias e por consensos políticos, ainda afirma Lefebvre. A relação entre os níveis global e misto configuram o mundo “práticosensível e imediato”, o concreto personificado em algumas áreas edificadas: cidades novas, projetos urbanístico espetaculares, monumentos, edifícios, bem como em áreas de circulação: estradas, ordenamento do trânsito e dos transportes, preservação da “natureza”. O nível misto compreende o estado intermediário do urbano, o dos planos urbanísticos pensado pelos planejadores, arquitetos, empreendedores, e realizado como espaço público “edificado e não edificado: ruas, praças, avenidas, edifícios públicos, tais como: os das prefeituras, as igrejas paroquiais, as escolas etc.” (LEFEBVRE, 1999, p. 77). No nível misto, conforme Lefebvre, a forma urbana se relaciona “(…) com o sítio (o meio imediato) e com a situação (o meio distante, condições globais)” (LEFEBVRE, 1999, p. 78). O fenômeno urbano é esse universo particular da unidade “forma – função – estrutura” do “real social”, cuja função e estrutura possuem cada uma duplo caráter. Por conseguinte, continua 3 Lefebvre: “pode-se falar de duplas funções (na cidade e da cidade: funções urbanas relacionadas ao território circulante e funções internas), assim como estruturas duplas (por exemplo, as dos ‘serviços’, do comércio, dos transportes; uns a ‘serviço’ da vizinhança: aldeias, burgos, cidades menores e outros a serviço da vida urbana propriamente dita.). Por último, Henri Lefebvre faz menção ao nível privado do “habitar” tornado habitat, o qual suporta o domínio do edificado, dos imóveis/habitações: casa conjuntos habitacionais, favelas, acampamentos. Na sociedade urbana incompleta, o significado do habitat reduz o “habitar” “a alguns atos elementares: comer, dormir, reproduzir-se” (LEFEBVRE, 1999, p. 78). O habitar vem de uma “prática milenar” cuja linguagem e conceito eram fracamente significados pelas relações humanas que se enraizavam num determinado lugar. No entanto, a prática do habitar permanecia concreta, isto é, simultaneamente “funcional, multifuncional, transfuncional” (LEFEBVRE, 1999, p. 78). Nesse sentido, a morada (casa e linguagem) é o percebido, concebido e vivido na relação do “‘ser humano’ com o mundo, com a ‘natureza’ e sua própria natureza (com o desejo, com seu próprio corpo)” (LEFEBVRE, 1999, p.80). A casa se projeta tanto em “(…) signos e símbolos não-verbais disseminados dentro ou fora da morada”, quanto em palavras. Porém, a significação do “habitar” foi deslocada para a concepção de “habitat”, de ideal concatenado a discursos e significações dos especialistas em planejamento urbano que inverteram a contradição do sentimento e razão própria do “ser humano”, em lógica da racionalidade instrumental urbanística própria dos níveis global e misto. Essa racionalidade objetiva o “real” em condições socioeconômicas que atravessam o sistema de hierarquização dos grupos sociais posicionados em espaços diferenciais e desiguais na cidade. Portanto, a segmentação desses espaços tem por centralidade a política de concentração de renda ─ combinada ao planejamento e promoção urbanística ─, que reproduz, no espaço urbano, a desigualdade de acesso a bens coletivos e infraestrutura. O processo de reificação de práticas econômicas, que valorizam o sistema de troca para viabilizar o lucro em detrimento do valor de uso dos bens individuais e coletivos, pode ser observado a partir do impacto da urbanização aliada a estratégias econômicas atinentes ao nível global da política do espaço, 4 nas relações sociais. Tais estratégias estatais (planejamento, programas habitacionais) e do setor imobiliário geram “inovação” de consumo, por exemplo, do modelo de habitat, que se desdobra em distinção de estilos de vida intra e intergrupos sociais. Para se compreender o processo de reificação de práticas econômicas dominantes na vida cotidiana dos moradores, ou seja, a condição pela qual os efeitos da política do espaço são percebidos pelos moradores pobres que quase sempre vivem a iminência de se deslocar de uma moradia para outra, busca-se analisar as representações sociais construídas pelos citadinos no seu lugar de residência. As representações são tomadas como manifestações de práticas, portanto repertórios, que ressignificam as formas de vida social. Concebe-se os moradores, os agentes sociais, citadinos, tais como: famílias, trabalhadores, grupo de vizinhos e de amizades que se deslocam de uma habitação precária para o conjunto habitacional e se distribuem no espaço urbano, ao mesmo tempo em que desfazem, refazem laços sociais que se projetam no espaço e são redimensionados por este (cf. LEFEBVRE, 1999; 2001). Nesse estudo sobre a representação social, o fenômeno urbano é concebido na ambivalência de duas visões do “habitat” e do “habitar” que se aproximam e se distanciam, no movimento das práticas cotidianas que potenciam ou não a “reinversão” (cf. LEFEBVRE, 1999) das prioridades das estratégias das políticas globais em benefício dos grupos mais vulneráveis, que experienciam os efeitos da “gentrificação” (deslocamento involuntário de um lugar a outro na cidade) (cf. FRÚGOLI, 2006). A linguagem das diferentes práticas do habitat e do habitar, quando elevada à consciência dos indivíduos, como percebido, concebido e vivido, traduz o conhecimento da vida urbana como totalidade do espaço das diferenças e de confronto com o que é estranho. Posto isso, algumas questões epistemológicas e teóricas são consideradas a propósito de análise do esquema de percepção dos indivíduos, que gera e sustenta o que é concebido ou representado pelos moradores, citadinos, e leva a reproduzir a vida social. Também a análise da percepção abre a possibilidade de observar o desenho de práticas que podem levar a “reinversão” de políticas globais em favor dos citadinos. Para seguir esse intento, se traz o debate de dois procedimentos explícitos na teoria sociológica, 5 porém em tensão dentro do campo observacional das práticas dos indivíduos, pelo qual se concebe a dupla hermenêutica do conhecimento sociológico. Trata-se das abordagens fenomenológica shutziana e a praxiológica bourdieusiana. Na fenomenológica, segundo o aporte de Alfred Schütz, o mundo da vida possui um sentido e uma estrutura de pertença específica para os seres humanos que nele vivem, agem, e pensam. Por meio de uma série de representações construídas do senso comum, os indivíduos antecipam a interpretação do vivido com a pré-seleção de significados, ancorados em experiências e “estoques de conhecimento” ou conhecimento compartilhado que apreendem como realidade do mundo cotidiano (THORNE, 1991, p. 217; BOURDIEU, 1990; GIDDENS, 2003; COHEN, 1999). São as construções do senso comum na qualidade de objetos do pensamento ─ discursos, repertórios, conceitos que delimitam o comportamento do indivíduo, motivando-o a resolução de problemas. Essa é a matéria de primeira mão que serve à interpretação dos experts, dado que os objetos de pensamento construídos pelo sociólogo ressignificam com generalizações e tipificações o mundo social daqueles indivíduos que vivem o cotidiano reificado pelo pensamento do senso comum. O cientista social toma as representações do senso comum como matéria prima, a fim de captar o sentido das práticas intersubjetivas e do indivíduo em si mesmo. No raciocínio de Alfred Schutz (WAGNER, 2012, p. 17), as construções dos sociólogos devem reinverter a lógica cartesiana, à medida que elas atribuem à ação racional e a experiência do indivíduo o objeto altamente significativo para uma compreensão da conduta social. A atitude científica consiste em interpretação de segunda ordem sobre o contexto pelo qual o observador interpreta objetivamente a ação do outro, do homem comum na esfera da vida. O modo de pensamento singular do expert está enraizado em interesses intelectuais sujeitos a controles, pode-se dizer da “vigilância epistemológica” construída a partir de referências teórica e metodológicas que orientam a interpretação mais objetiva da realidade. Já a atitude do homem comum na conjectura de sua realização espontânea e habitual dos afazeres diários, prepondera o estado de conhecimento prévio oferecido pela prática e experiência, o “estoque de conhecimento” que é o que a pessoa conhece, consistindo em recurso 6 (“receita”) para todos os tipos de comportamentos e de atividades. Segundo Shutz (2012, p. 27), o conhecimento do senso comum enquanto totalidade pode matizar desde alguma coisa especializada até alguma coisa incerta, inconsistente, incoerente. Tal conhecimento, parcialmente vago, presta à intencionalidade da pessoa tomá-lo como recurso adequado que visa a obter resultados satisfatórios e a justificar os intentos perseguidos na mesma ação. Dessa forma, o indivíduo se “apercebe” da experiência no mundo da vida, ou seja, ele realiza “a interpretação espontânea da percepção sensível (imediata) em termos de experiências passadas e do conhecimento previamente adquirido em relação ao objeto percebido” (SCHUTZ, 2012, p. 341). O significado subjetivo das próprias experiências e ações é captado ou apreendido pela interpretação em um contexto significativamente subjetivo, onde a pessoa relaciona, por meio da autointerpretação (SCHUTZ, 2012, p. 93), experiências particulares a outras experiências passadas a lume dos próprios interesses (propósitos) e causas (“motivos”) envolvidas. Essa significação subjetiva pressupõe a consciência do objeto cuja existência deriva da intencionalidade e do motivo significados pelo indivíduo que experiencia e percebe um objeto (“noema”) no mundo. Esse mundo é o da intersubjetividade (do “eu” em si e depois com o “tu”, “o outro”), também classificado de mundo da vida, e o mundo social que previamente já dado aos indivíduos, transcendendo ao mundo da vida cotidiana (THORNE, 1991, 216217). Para Schutz, de acordo com Wagner (2012, p.28-29), a relação do “Nós” se realiza no mundo da vida caracterizado pela comunidade cultural edificada sob signos conhecidos e aceitos pelos participantes em virtude de experiências passadas e presentes compartilhadas, bem como os signos padronizam a conduta das pessoas pelo uso de linguagem comum na ação comunicativa. Por conseguinte, a noção de comunidade cultural schutziana é isenta conteúdo político, sendo concebida como uma ordem comum, neutra e natural de relações sociais determinada pelo “sistema de tipificações e relevâncias compartilhado com os outros membros do grupo define os papeis sociais, as posições e o status de cada um.” (SCHUTZ, 2012, p. 95). Nesses termos o significado subjetivo do “Nós” consiste em, ainda para Schutz, a “aceitação de 7 um sistema comum de relevâncias (que) leva a uma autotipificação homogênea por parte de todos os membros do grupo.”. Contudo, na abordagem fenomenológica, a compreensão das experiências e ações potencia as práticas interpretativas dos indivíduos sobre objetos, coisa, pessoas, etc., que são produzidas pelos atores no cenário imediato, creditando à construção sociológica da realidade a continuidade explicativa das significações previamente construídas pelos atores. Isso deixa a tarefa do observador, do expert, refém do senso comum, ou seja, da predominância interpretativa do contexto significativo subjetivo, e em segundo plano o contexto objetivo de conceitos generalizados que tipificam a ação. A fim de escapar das armadilhas do reducionismo subjetivista próprio da leitura fenomenológica da vida cotidiana, embora sem condenar a importância da subjetividade, Pierre Bourdieu (1990) coloca a perspectiva praxiológica para dar relevância à relação dialética entre estruturas e representações. Bourdieu concebe a possibilidade de compreensão da prática social por meio da construção do quadro das “disposições duráveis e transponíveis” (Habitus) pertinentes à trajetória do indivíduo. Essas disposições geram as ações dos indivíduos dentro de um campo estruturado de posições e tomada de posição que se reproduz na luta de classificação do mundo social, pelo confronto de sujeitos portadores de diferenças de espécies de capitais incorporados, adquiridos e institucionalizados. De modo que a hierarquização social reforça as distinções eletivas de estilos de vida e de preferências (gosto, objetos, símbolos) entre grupos e frações do mesmo grupo social no espaço relacional (BOURDIEU, 2007, p.163). As diferentes posições estruturam, segundo Bourdieu (1990, p. 153), o “espaço das posições de poder” ou campo do poder (de relações de força) simbólico, onde princípios de classificação e de hierarquização constituem “princípios de visão e divisão” dos agentes os quais permitem situar no universo das práticas sociais o lugar de diferentes pontos de vista. O “esquema de percepção” no mundo do indivíduo socializado, captado pelo sociólogo que lança mão de procedimento de desconstrução e construção da realidade, possibilita transformar a “atitude natural” schutziana de realização espontânea e rotineira de tarefas do dia a dia, de primeira evidência do mundo social, em disposição estruturada e estruturante dos agentes que se 8 manifestam em discursos, pontos de vista, repertórios, valores, símbolos. Bourdieu define a conversão da atitude dóxica, ou seja, da crença tácita e prática encarnada no corpo como natural, evidente, óbvia pela qual a ordem estabelecida logra obter a adesão dos participantes em diferentes campos de posição dos agentes, pela atitude objetiva e politizada de desvelamento da doxa. Portanto, a noção de mundo da vida da comunidade cultural schutziana é descamada pela teoria praxiológica de Bourdieu, com o propósito de desnaturalizar os significados subjetivados, compartilhados pelos membros da comunidade, lançando mão da objetivação participante do campo social (BOURDIEU, 1989, p. 51). Pierre Bourdieu completa sua crítica, evocando a relevância da sociologia reflexiva (BOURDIEU; WACQUANT, 2008 p. 171), que permite desconstruir a doxa através da inclusão de questionamentos ao arbitrário cultural ou ao ato político da crença que delimita a relação de subordinação à ordem social. Para tanto, desnudar da doxa requer similar epoché da atitude natural, “pré-reflexiva”, neutra, antecipadora do “real”, fenomenológica, que consiste em interromper “la suspensión de la duda sobre la posibilidad de que el mundo social sea diferente que está implicada en la experiencia del mundo como “algo que cae por su proprio peso” (BOURDIEU, 1999, p.228). A releitura bourdieusiana da análise fenomenológica tem a vantagem de trazer à tona o que mais especificamente se ignora ou se inibe, em particular universos onde o homem comum se concebe livre de conformismos e crenças, mesmo quando ele resiste à ordem estabelecida, isto é, a “relación de sumisión, a menudo insuperable, que uns a todos los agentes sociales, les guste o no, al mundo social del que son fruto para lo mejor y lo peor” (BOURDIEU, 1999, p.228-229). Para desenvolver essa concepção relacional de construção do mundo social, Bourdieu trata (...) de um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no momento objetivista [objetivação participante], descartando as representações subjetivistas dos agentes, são o fundamento das representações subjetivistas e constituem as coações estruturais que pesam nas interações, de outro lado, essas representações também devem ser retidas, sobretudo se quisermos explicar as 9 lutas cotidianas individuais ou coletivas, que visam transformar ou conservar essas estruturas. (BOURDIEU, 1990, p. 152) Portanto, para Bourdieu (1990), há uma oposição artificial entre as estruturas e as representações, posto que o subjetivismo dispusesse de antemão a reduzir as estruturas às interações e o objetivismo tendesse a deduzir as ações e interações das estruturas. Para superar esse dilema do pensamento sociológico, Bourdieu (1990, p.151-152) elege a perspectiva relacional projetada pela ação e estrutura, ou seja, o movimento tencionado das significações subjetivas e objetivas como possibilidade de compreender as significações que estão encobertas no “real” social. As disposições e os esquemas de percepção são a universalização do sentido que se encarna nos sujeitos posicionados no mesmo campo e em diferentes campos de práticas. Simultaneamente esses sujeitos se tornam agentes à medida que o esquema de percepção idêntico a uns e a outros produz suas práticas, posto que o que é percebido pelos sujeitos é impacto do mundo sobre eles e influência de seus gestos sobre o mundo (cf. BOURDIEU, 1989). Dessa forma, o espaço social é construído como campo de poder, cuja estrutura hierárquica é suportada pelas posições de grupos que detêm mais propriedade em comum no interior de uma determinada região em oposição a de outros grupos. Consequentemente, a aproximação e o distanciamento dos grupos no espaço físico visivelmente coincidem ao perto e longe no espaço social. No entanto, as interações dos grupos, o que é dado de imediato e visível, dissimulam ou “esconde(m) o invisível que o determina” (BOURDIEU, 1990, p. 153-154), pois podem-se usar as distâncias objetivas de maneira a obter as vantagens da proximidade (“estratégias de condescendência”) e as vantagens da distância, isto é, a distância e o reconhecimento da distância assegurados pela denegação simbólica da distância. Para Bourdieu, apreender as relações objetivas que configuram o espaço social abrange sondar os princípios de percepção e de juízo, implícitos e explícitos, que se impõe a ordem (estrutura do espaço) na ação dos agentes sociais, gerada pelo habitus estruturado. Por fim, a teoria praxiológica bourdieusiana problematiza a construção da realidade cotidiana que resulta, na visão fenomenológica de Schutz com sua 10 própria sociedade, em crença original e absoluta no mundo previamente dado. Bourdieu rejeita a tese essencialista da descrição da modalidade de crenças que estabelece a ordem do mundo social, pois ela se centra na compreensão da tomada de posição subjetivista e escapa a aspectos constitutivos do esquema das práticas, vinculados a história individual e a coletiva (respectivamente ontogenéticos e filogenéticos) das pessoas ou instituições. Para superar a objetivação da realidade constituída por relações intersubjetiva do mundo da vida cultural, Bourdieu argumenta sobre a precedência das estruturas objetivas do mundo social presentes no esquema de percepção dos agentes. Nessa esteira, Bourdieu converte o lugar de tomar como verdade o significado subjetivo apercebido pela experiência, em interrogação acerca das condições de possibilidade da experiência primária fundar relações sociais em determinado universo. Ou seja, questiona em que condições a experiência corpórea do mundo do hábito (costume, cultura), ou da disposição adquirida pela prática recorrente de um ato, constitui o mundo social. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro-RJ: Bertrand, 1989. BOURDIEU, Pierre. Meditaciones Anagrama, S.A., 1999. pascalianas. Barcelona: Editorial BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loïc. Uma invitación a la sociologia reflexiva. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2008. COHEN, Ira J. Teoria da estruturação e práxis social. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan. Teoria social hoje. São Paulo: UNESP, 1999. FRÚGOLI, Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: EDUSP, 2006. GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 11 LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. SCHUTZ, Alfred. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis: Vozes, 2012. THORNE, Beatriz Cipriani. Acción social y mundo de la vida: estúdio de S chütz y Weber. Pamplona (Espanha): Ediciones Universidad de Navarra, S.A. (EUNSA), 1991. WAGNER, Helmut T. R. Introdução a abordagem fenomenológica da Sociologia. In: SCHUTZ, Alfred. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis: Vozes, 2012. P.11-61. 12