CENTRO UNIVERSITÁRIO POSITIVO – UNICENP NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO CONCEPÇÃO SISTÊMICA PRECEDENTES E PRETENDENTES DE UMA TENTATIVA DE SUICÍDIO CURITIBA, 2007. 1 LETÍCIA CONSTANTINO ASSUMPÇÃO MEISTER PRECEDENTES E PRETENDENTES DE UMA TENTATIVA DE SUICÍDIO Trabalho de monografia elaborado pela psicóloga Letícia C. A. Meister como conclusão do curso de especialização em Psicologia - Abordagem Sistêmica, sob orientação da professora psicóloga Vera Regina Miranda. CURITIBA, NOVEMBRO DE 2007. 2 Agradeço sempre à possibilidade que minha profissão me proporciona de estar junto às pessoas, conhecer mais de suas histórias e principalmente ajudá-las na dor que não se vê, mas a que mais se sente. Aos meus colegas de profissão, à minha orientadora Vera e a todos com quem aprendi algo nesta jornada. Dedico em especial às pessoas que me compreenderam e reconheceram com este trabalho. Letícia Constantino Assumpção Meister 3 SUMÁRIO Resumo e Abstract.................................................................................................01 1. Introdução...........................................................................................................02 2. Considerações Teóricas Sobre Psicologia e Abordagem Sistêmica..................06 3. Considerações Teóricas Sobre Suicídio e Tentativa de Suicídio.......................13 4. Algumas Considerações Teóricas Sobre a Morte..............................................25 5. Suicídio, uma questão de Saúde Pública...........................................................29 6. A Pesquisa..........................................................................................................32 7. Resultado da Pesquisa e Análise dos Dados.....................................................46 8.Considerações Finais..........................................................................................71 9.Bibliografia...........................................................................................................77 Anexos....................................................................................................................81 4 RESUMO O número de ocorrências de suicídio e tentativas de suicídio vem crescendo em todo o mundo, e há fortes evidências de que as tentativas de suicídio ocorrem vinte vezes mais do que os suicídios consumados. O presente estudo aborda a tentativa de suicídio como uma mensagem desesperada, como um sintoma. A partir do estudo de quatro mulheres que cometeram tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa, investiga-se a complexidade dessa situação por meio de uma metodologia qualitativa. Foi aplicada uma série de quatro entrevistas semiestruturadas, complementadas por testes psicológicos. Analisados por uma perspectiva da psicologia sistêmica, os dados revelaram que a tentativa de suicídio não é uma ocorrência isolada, mas está interligada com toda a história de vida do indivíduo, desde a infância e as conseqüências na vida adulta, permitindo delinear um perfil das mulheres que apresentam risco para a tentativa de suicídio, possibilitando a prevenção deste ato. Palavras-chaves: tentativa de suicídio; rejeição na infância; relação de dependência. ABSTRACT The number of suicide occurrence keep growing in the world, and there are strong evidences about suicide attempt occurrences is twenty times more than consummates suicides. The present study considers a suicide attempt like a desperate message, like a symptom. Through the study of four women who committed a suicide attempt by medical intoxication, resource the complexity of this situation through a qualitative methodology. It was carried four semiconstructed interviews, complemented by a psychology test. The data was analyzed by a systemic psychology perspective and revealed that the suicide attempt is not a isolate occurrence, but is interligated with whole life history, since the childhood and the consequences on the adult life time, allowing write a profile of the women that appears suicide attempt risk, understanding prevention factors. Key-words: suicide attempt; childhood rejection; dependence relationship. 5 1. INTRODUÇÃO O suicídio é um fenômeno complexo que tem atraído a atenção de filósofos, teólogos, médicos, sociólogos, psicólogos e artistas através dos séculos. Porém, escrever sobre suicídio ainda não é uma tarefa fácil e infelizmente é motivo de constrangimento e dificuldade para equipes de saúde e para a sociedade em geral. Diante da humanidade que se move em direção da manutenção da vida e perpetuação da espécie, alguém que deseja tirar a própria vida causa mal-estar e repúdio. No entanto, os números de casos de pessoas com ideação suicida, que cometem tentativas ou suicidam-se vêm crescendo em algumas regiões do Brasil e do mundo. Aos poucos este tema vem despertando o interesse da comunidade científica e alguns estudos vêm sendo realizados acerca do assunto. Atualmente, suicídio é uma questão de Saúde Pública e diversos programas de prevenção e controle vêm sendo desenvolvidos em todo o mundo. O presente estudo surgiu a partir da experiência da pesquisadora com indivíduos que cometem tentativas de suicídio sem sucesso. Em diversas instituições públicas de saúde, seja em pronto-atendimentos ou em Unidades Básicas de Saúde, uma grande quantidade de pacientes com estes sintomas são atendidos. Neste trabalho serão focados estudos de quatro casos de tentativas de suicídio por intoxicação medicamentosa em mulheres. O objetivo é desenvolver o conhecimento acerca desses indivíduos que cometem um ato com um significado drástico, mas que não culmina em morte, mas sim, com o retorno ao ambiente em que vivia e à convivência com as pessoas. Em termos gerais, apesar dos indicadores de mortalidade revelarem a importância do suicídio propriamente dito, estima-se que as tentativas de suicídio sejam vinte vezes mais freqüentes do que os suicídios consumados. Ao avaliar os dados de ocorrências toxicológicas notificadas entre 1996 e 2005, observa-se que mais de 50% dos casos foram relativos a tentativas de suicídio, havendo uma 6 tendência crescente no número de casos. (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE CURITIBA, 2006). Especificamente as tentativas de suicídio por intoxicação medicamentosa são de interesse nesta pesquisa, pois esta modalidade parece ser a mais branda e que atinge menor índice de sucesso, ou seja, quando a tentativa se faz por ingestão de medicação, tem menor índice de morte. A intoxicação medicamentosa sugere um tempo relativamente lento até que as medicações produzam efeitos no organismo, diferentemente dos suicídios por arma de fogo, enforcamento ou precipitação de queda de alto nível. É durante o tempo entre a ingestão da medicação e seu efeito no organismo que ocorre a grande possibilidade de salvamento. Além disso, em muitos casos o tipo da medicação ou a quantidade ingerida não são fatores suficientes para levar o indivíduo a óbito. Segundo o estudo realizado pela Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba (2006), o índice de suicídio por auto-intoxicação é o mais significativo entre as mulheres, sendo que 70% dos casos, na faixa etária de 20 a 29 anos, com a utilização de medicamentos. O estudo coloca que, diferente dos suicídios por arma de fogo, enforcamento e precipitação de lugar elevado, em que a maioria das tentativas leva à morte, as auto-intoxicações são, de um modo geral, menos letais. A diferença entre o número de suicídios consumados por auto-intoxicação e as tentativas de suicídio por este método aponta um grupo prioritário para a atenção numa proposta de ação preventiva de enfrentamento do problema. Em média, no período de 1996 e 2004, para cada óbito por suicídio por meio da autointoxicação, houve cerca de 55 tentativas de suicídio na mesma modalidade. As observações anteriores a esta pesquisa levaram a pesquisadora a questionar, com orientação da psicologia sistêmica, qual o significado deste ato na vida do indivíduo que o comete, bem como quais são os fatores precedentes a este fato, trazendo a tona, como possíveis conseqüências, formas de detectar e prevenir. O presente estudo traz, então, informações sobre a história de vida de pessoas que cometeram uma tentativa de suicídio por intoxicação 7 medicamentosa, apontando para questões desde a infância que puderam ocasionar relativa desestrutura emocional e ocorrências na vida adulta que precederam tal ato. Isso significa que a tentativa de suicídio é uma decorrência de sentimentos vivenciados, que vão guiando o indivíduo por um caminho de desespero e desesperança. Uma tentativa de suicídio não é uma ocorrência pontual e isolada, mas sim algo que envolve diversos aspectos. Segundo Werlang e Botega (2004), o ato suicida se constitui no evento final de uma complexa rede de fatores que foram interagindo durante a vida do indivíduo, de formas variadas, peculiares e complexas. Dessa complexidade fazem parte fatores genéticos, biológicos, psicológicos, sociais, históricos e culturais. Assim, no presente estudo, considera-se a tentativa de suicídio como uma mensagem desesperada do indivíduo para seu ambiente, e revela-se o que esta mensagem pretende comunicar. Primeiramente o leitor encontra algumas considerações acerca de suicídio como questão de Saúde Pública, seguidas de considerações teóricas sobre a morte, sobre o suicídio e tentativa de suicídio e sobre a psicologia e a abordagem sistêmica, que nortearam a pesquisa. Então é relatado como foi realizada a pesquisa, a metodologia utilizada e a síntese dos casos estudados. Estes dados são seguidos de uma breve análise quantitativa e um aprofundado estudo qualitativo dos casos e das correlações possíveis entre eles. Finalizando, encontram-se as considerações finais sobre o tema aqui abordado. Em anexo estão a fotocópia do Parecer Consubstanciado de Projeto de Pesquisa Analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Unicenp, cópia do modelo da Carta e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi assinado pelas participantes, fotocópia das Escalas de Beck utilizadas neste trabalho, sendo a Escala de Desesperança de Beck e a Escala de Ideação Suicida e cópia do modelo da entrevista semi-estruturada. Não é possível anexar as entrevistas preenchidas e nem tampouco as Cartas e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, pois estes materiais 8 contêm informações que devem ser mantidas em sigilo para preservar a identidade das participantes. 9 2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE PSICOLOGIA E A ABORDAGEM SISTÊMICA A psicologia passou a desenvolver uma abordagem sistêmica a partir do ano de 1950. Até então o meio psicoterapêutico era psicanalítico. Os terapeutas atuavam com enquadre, técnica, referencial teórico e postura de acordo com as propostas da psicanálise. Freud, em 1909, com o caso Hans e o caso Dora, voltou a atenção para os pais dos pacientes, e deu espaço para que estes falassem de seus filhos. Em 1923, Moreno, atuante do psicodrama, passou a intervir na estrutura de relação de um casa, com o caso Bárbara. Ambos os autores não trabalhavam com a terapia familiar, mas abriram um espaço para pensar o tratamento do indivíduo através da importância do envolvimento da família. Em 1950, Bateson apresentou suas conclusões acerca da pesquisa realizada nos Estados Unidos da América, com pacientes esquizofrênicos. Neste estudo, identificou que quando as mães visitavam os pacientes, eles pioravam. O que existia na relação era o duplo vínculo, ou seja, uma dupla mensagem na comunicação, uma ambigüidade entre o falar, o sentir e o agir. Percebe-se que os pais eram omissos, e no relacionamento entre pais, os problemas conjugais coincidiam com episódios psicóticos, pois ocorriam ciclos, ou seja, assim que havia surtos o casal estabelecia uma trégua para cuidar do filho. Outros estudos identificaram dificuldades não do sujeito, mas do modo como os sujeitos interagiam dentro de um contexto familiar, em que a família foi considerada como uma totalidade, uma estrutura, um sistema. O sujeito que se mostrava como ponto frágil no sistema foi considerado o paciente identificado, o “bode expiatório”, que significa que não era ele o portador do problema, mas ele estava denunciando que naquele contexto havia um problema. Em 1951, desenvolve-se a teoria da comunicação, que também teve grande influência na prática sistêmica da psicologia. Por volta dos anos setenta, a ótica sistêmica baseia-se na Teoria Geral dos Sistemas e mais tarde nas idéias de Frijot Capra. 10 Os conceitos básicos da Teoria Geral dos Sistemas, segundo Bertalanffy (1975), são o sistema como um conjunto de elementos que interagem entre si e com o meio de modo organizado e o subsistema, que são partes que compõe o sistema. Todo o sistema compõe-se de subsistemas que podem ser vistos como sistema e todo sistema é subsistema de um sistema maior (supra sistema) que é elemento de um supra (sistema maior). O mesmo autor desenvolve conhecimento sobre os sistemas inanimados, que são fechados e não realizam trocas com o meio ambiente e os sistemas vivos, que são abertos, realizam trocas com o ambiente, como por exemplo o ser humano. (BERTALANFFY, 1975) Bertalanffy (1975) afirma que os sistemas também possuem fronteiras que delimitam cada sistema permitindo ou não trocas com o ambiente. As funções das fronteiras são delimitar o sistema, contendo partes em seu interior, proteger o interior do sistema da ação desordenada do ambiente e estabelecer trocas entre o sistema e o meio. Para tal, é imprescindível que a fronteira tenha certo grau de permeabilidade para permitir entradas e saídas ou impedi-las. O autor coloca alguns enunciados sobre os sistemas, que afirma que não há como alterar uma parte do sistema sem alterar o todo; as regras do todo são as regras das partes e o inverso também é verdadeiro e o funcionamento do todo é muito mais do que a soma das partes. (BERTALANFFY, 1975) Enfim, pensar sistemicamente é uma forma diferente de compreender a realidade e lidar com um sistema implica em sair do reino das verdades absolutas. Assim já afirmou Capra (1982), diferenciando o pensamento linear do pensamento sistêmico. O pensamento linear deriva da visão mecanicista e dentro deste enfoque pergunta-se o “por que”, valoriza-se o passado, entende que toda causa tem um efeito considerando as partes. Também se valoriza o conteúdo verbal, o que o indivíduo vai contar da sua história. Tende a enquadrar o sujeito dentro de um contexto psicopatológico. Diferencia acirradamente a saúde da doença, sendo a saúde a ausência da doença. (CAPRA, 1982) 11 O modelo biomédico, descrito por Capra (1982) coloca o organismo vivo como uma máquina composta de peças que devem funcionar bem e a doença é o mau funcionamento desta máquina. Assim, o indivíduo não é visto como um todo, como um ser humano em que há interação entre os aspectos físicos, psíquicos, sociais e ambientais. Toda esta concepção mecanicista é muito reducionista, afirma o autor. Mas a concepção sistêmica inverte a situação, e embasa-se na concepção do todo. Focando-se nas mudanças, interações, relações, valoriza o momento presente e questiona-se, principalmente, sobre o que está acontecendo com as formas de relação do indivíduo. Os comportamentos patológicos são vistos como crises evolutivas funcionais ou disfuncionais. O individuo é responsável por contribuinte de sua história, ações e episódios que lhe acontecem. (CAPRA, 1982) Assim a psicologia foi evoluindo com essa nova concepção e uma nova forma de abordagem. Os terapeutas familiares sistêmicos tradicionalmente evitaram teorias da personalidade e construírem modelos de funcionamento humano baseados nas relações das interações familiares Então a família passou a ser vista como um sistema. Em acordo com Minuchin (1990), a família é um grupo natural que através dos tempos tem desenvolvido padrões de interação. Estes padrões constituem a estrutura familiar, que por sua vez, governa o funcionamento dos membros da família, delineando sua gama de comportamento e facilitando sua interação. Uma forma viável de estrutura familiar é necessária para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio para a individuação ao mesmo tempo que provê um sentido de pertinência. Assim, a principal função da família é fazer o indivíduo pertencer e ao mesmo tempo ter capacidade de ser um ser em separado. Minuchin (1990) ainda descreve a família de acordo com os diversos subsistemas. O subsistema conjugal é formado pelos papéis de marido e esposa. Suas funções são de refúgio para o estresse ocasionado pelo meio externo, são uma matriz para contatos com outros sistemas sociais, favorece aprendizagem, criatividade e crescimento, além da troca sexual. Neste subsistema deve haver habilidade de complementariedade, de apoio mútuo e também de ser 12 individualmente para sempre retornar ao casal (novamente autonomia e pertencimento). (MINUCHIN, 1990) O subsistema parental é formado pelos papéis de pai e mãe e tem como funções a nutrição, cuidados físicos, proteção e controle dos filhos. Os pais ensinam aos filhos os limites, ensinam atividades produtivas e recreativas, além de como se dão as relações familiares, tudo isso através da própria relação, suas ações mostram como se faz. É importante que este subsistema tenha a habilidade de diferenciar-se do subsistema conjugal, de desempenhar tarefas socializadoras das crianças, adapte as exigências à idade dos filhos, permita acesso aos pais e não ao casal e use de autoridade diante dos filhos. (MINUCHIN, 1990) Os irmãos, em uma família, formam o subsistema fraternal, que tem as funções da aprendizagem da competição, da negociação, cooperação, fazer amigos e aliados, compartilhar, vivenciar a exclusão, ser reconhecido em suas habilidades, lidar com críticas, entre outras. (MINUCHIN, 1990) Carter e McGoldrick (1995) trazem a idéia de que os relacionamentos com pais, irmãos e outros membros da família passam por estágios, na medida em que a pessoa se move ao longo do ciclo de vida. Como um sistema movendo-se através do tempo, a família possui propriedades diferentes de todos os outros sistemas. Diferentemente de todas as outras organizações, as famílias incorporam novos membros apenas pelo nascimento, adoção ou casamento, e os membros podem ir embora somente pela morte, se é que então. Duvall (1977, in CARTER e MCGOLDRICK, 1995) separou o ciclo de vida familiar em oito estágios, todos referentes aos eventos nodais relacionados às idas e vindas dos membros da família: casamento, o nascimento e a educação dos filhos, a saída dos filhos do lar, aposentadoria e morte. Para Carter e McGoldric (1995), existem muitas evidências de que os estresses familiares, que costumam ocorrer nos pontos de transição do ciclo de vida, freqüentemente criam rompimentos neste ciclo e produzem sintomas ou disfunções. E também existem crescentes evidências de que os eventos de ciclo de vida possuem um efeito continuado sobre o desenvolvimento familiar durante 13 longo período de tempo. Portanto é necessário rever o passado da família para compreender o momento presente. Aprofundando mais este conhecimento, consideramos o fluxo de ansiedade em uma família como sendo tanto vertical quanto horizontal. O fluxo vertical em um sistema inclui padrões de relacionamento e funcionamento que são transmitidos para as gerações seguintes de uma família principalmente através do mecanismo de triangulação emocional. Ele inclui todas as atitudes, tabus, expectativas, rótulos e questões opressivas familiares com as quais nós crescemos. Poderíamos dizer que esses aspectos de nossa vida são como a mão que nos maneja: eles são dados. O que fazemos com eles é problema nosso. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p. 11) O fluxo horizontal no sistema inclui a ansiedade produzida pelos estresses na família conforme ela avança no tempo, lidando com as mudanças e transições do ciclo de vida familiar. Isso inclui tanto os estresses desenvolvimentais predizíveis quanto os eventos impredizíveis, “os golpes de um destino ultrajante” que podem romper o processo de ciclo de vida. Dado um estresse suficiente no eixo horizontal, qualquer família parecerá extremamente disfuncional. Mesmo um pequeno estresse horizontal em uma família em que o eixo vertical apresenta um estresse intenso irá criar um grande rompimento no sistema. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p.12) As mesmas autoras supracitadas colocam que o estresse familiar é geralmente maior nos pontos de transição de um estágio para o outro no processo desenvolvimental familiar, e os sintomas tendem a aparecer mais quando há uma interrupção ou deslocamento no ciclo de vida familiar em desdobramento. Muitas vezes, é necessário dirigir os esforços terapêuticos para ajudar os membros da família a se reorganizarem. A compreensão do sintoma, para a psicologia sistêmica é principalmente de um sintoma como algo útil e revelador. É a expressão das relações e serve a algum propósito. Ele mantém a coesão do grupo às custas da perda da individuação. Ele pode ser compreendido como um sinal de que algo não está 14 bem, e surge como um paradoxo, uma dupla função, pretendendo que nada mude, mas para que algo seja feito para mudar. Assim, Minuchin (1990) coloca a família como um sistema complexo, diferenciado em subsistemas hierarquicamente organizados. Uma disfunção em um subsistema pode ser expressada analogicamente em outro; em particular, a organização dos membros da família em torno do sintoma é tomada para ser um enunciado análogo de estruturas disfuncionais. O paciente identificado é visto como o portador do sintoma para proteger a família. Ao mesmo tempo, o sintoma é mantido por uma organização familiar na qual seus membros ocupam hierarquias incongruentes. (MINUCHIN, 1990, p. 73) O problema não é o paciente identificado, porém, certos padrões de interação da família. As soluções que estas tem tentado são repetições estereotipadas de transações ineficazes, que podem gerar somente afetos extremados sem produzir mudança. O sintoma vem como uma solução protetora, sendo que o portador do sintoma se sacrifica para defender a homeostase familiar. O sintoma é uma reação de um organismo sob tensão. (MINUCHIN, 1990, p. 75) A perspectiva do ciclo de vida familiar vê os sintomas e as disfunções em relação ao funcionamento normal ao longo do tempo, e vê a terapia como ajudando a restabelecer o momento desenvolvimental da família. Ela formula problemas acerca do curso que a família seguiu em seu passado, sobre as tarefas que está tentando dominar e do futuro para o qual está se dirigindo. A família é mais do que a soma de suas partes. O ciclo de vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário de desenvolvimento humano. Consideramos crucial esta perspectiva para o entendimento dos problemas emocionais que as pessoas desenvolvem na medida em que se movimentam juntas através da vida. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p.08) Segundo Carter e McGoldrick (1995), as famílias, caracteristicamente, não possuem uma perspectiva temporal quando estão tendo problemas. Elas geralmente tendem a magnificar o momento presente, esmagadas e imobilizadas por seus sentimentos imediatos; ou elas passam a fixar-se num momento futuro que temem ou pelo qual anseiam. Elas perdem a consciência de que a vida 15 significa um contínuo movimento desde o passado e para o futuro, com uma continua transformação dos relacionamentos familiares. Além de enfatizar a questão relacional da família, a abordagem sistêmica, de acordo com as colocações de BREULIN, SCHWARTZ e KUNE-KARRER (2000), considera também o individual, com o metaconceito dos Sistemas Familiares Internos. Esse metaconceito tem destaque pois permite compreender claramente os aspectos de cada membro da família envolvido nas interações familiares problemáticas. Tal modelo baseia-se na visão da mente como uma coleção de submentes ou subpersonalidades, cada uma delas operando com relativa autonomia e cujas características, intenções e sentimentos são diferentes das outras. A abordagem sistêmica tem muito a contribuir com a psicologia, havendo outros fatores bastante importantes para considerar. Mas o fundamental é considerar, como Capra (1982), que o pensamento sistêmico é pensamento de processo e, por conseguinte, a visão sistêmica encara a saúde em termos de um processo contínuo. A concepção sistêmica de saúde baseia-se no pressuposto que os organismos vivos são sistemas auto-organizadores que exibem alto grau de estabilidade. Essa estabilidade é profundamente dinâmica e caracteriza-se por flutuações contínuas, múltiplas e interdependentes. Para ser saudável, tal organismo precisa ser flexível, dispor de um grande número de opções para interação em seu meio ambiente. 16 3. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O SUICÍDIO E TENTATIVAS DE SUICÍDIO Procurando compreender essa maneira de morrer e, mais especificamente, as causas que levam um sujeito a terminar com sua vida, o suicídio tem sido estudado e interpretado sob vários ângulos e múltiplos enfoques, tendo possibilitado muitas discussões teóricas e gerado um número significativo de publicações. (CUNHA, 2002, p. 196) Segundo Werlang e Botega (2004), são consideradas suicídios apenas as mortes em que o indivíduo, voluntária ou conscientemente, executou um ato ou adotou um comportamento que ele acreditava que determinaria sua morte. Porém, a voluntariedade do ato, do ponto de vista consciente e estrito não é tão claro. Na verdade o suicida se defronta com um dilema: ele quer morrer e viver ao mesmo tempo, e o resultado - morte ou sobrevivência - será determinado pela força desses desejos e por circunstâncias como a intencionalidade do ato, o método utilizado, a possibilidade de socorro, a resistência física e as condições de saúde prévias. Desta forma, a melhor definição para suicídio é “dano feito a si mesmo, intencional e conscientemente, mesmo que de modo ambíguo e vago” (STEGEL, 1970 citado por WERLANG e BOTEGA, 2004, p.22). Em Baptista (2004) está a definição de suicídio de acordo com a Organização Mundial de Saúde: “ato deliberado, iniciado e levado a cabo por uma pessoa com pleno conhecimento ou expectativa de um resultado fatal”. Já a tentativa de suicídio pode ser considerada como um ato com um resultado não fatal, no qual o indivíduo inicia um comportamento não habitual que, sem a interação de outros, poderá causar prejuízo para si próprio. A tentativa de suicídio também pode ocorrer quando o indivíduo ingere uma substância em excesso (quando comparado com a prescrição) em tem consciência da conseqüência desta ingestão. Deve-se afirmar, antes de tudo, que o gesto suicida é, sobretudo, próprio do ser humano, visto ser o único animal que em vida revela comportamentos 17 especiais em relação à sua própria morte e aos mortos. Não há nada mais específico do ser humano que o suicídio, visto que apenas o ser humano é capaz de refletir sobre sua própria existência e de tomar a decisão de prolongá-la ou de dar-lhe fim. (MELEIRO, TENG, WANG, 2004) Suicídio é um fenômeno multidimensional que ocorre no ser humano como um evento individual e próprio da sua existência. Elementos biológicos, psicológicos, lógicos, conscientes e inconscientes, interpessoais, sociológicos, culturais, filosófico-existenciais coexistem neste evento. A conceituação do suicídio é muito mais complicada do que um simples ato intencional de autodestruição. Douglas (1967, in MELEIRO, TENG, WANG, 2004), sustenta que as pesquisas devem focalizar os seguintes aspectos de suicídio: a iniciação do ato que deflagrou a morte, o ato em si que levou à morte, o desejo ou a intenção de autodestruição, a perda da vontade de viver, a motivação para estar morto, a compreensão de que ato produzirá um fim. Assim, formular uma teoria psicológica geral do suicídio é especialmente difícil, haja vista a complexidade deste ato extremamente pessoal. (MELEIRO, TENG, WANG, 2004) Tem sido muito difícil compreender as características pessoais dos sujeitos que realmente cometem suicídio, por não serem passíveis nem de avaliação direta, nem de tratamento de qualquer espécie. (CUNHA, 2002, p. 196). Porém, a autora continua afirmando que, segundo a literatura, há uma possibilidade de chegar à compreensão do suicídio através de exames retrospectivos. Esta análise retrospectiva tem possibilitado identificar comunicações prévias da intenção de se matar do falecido. Sabe-se assim, que 75% ou 90% dos casos comunicam previamente a intenção suicida a familiares e amigos, o que demonstra que, num significativo número de casos, o suicídio não é resultado de um ato repentino e impulsivo, e sim, de um plano premeditado, desenvolvido gradativamente. Tal método de pesquisa retrospectiva chama-se autópsia psicológica, e permite compreender os aspectos psicológicos de uma morte específica, esclarecendo o modo da morte, refletindo a intenção letal ou não do falecido. (CUNHA, 2002, p. 197) 18 Assim, entendendo o suicídio como o ato de se matar intencionalmente e a autópsia psicológica como uma forma de avaliar, após a morte, o que estava na mente da pessoa antes da morte, pode-se conceitualizar a autópsia psicológica como um tipo de estratégia de avaliação retrospectiva, que tem como finalidade reconstruir a biografia da pessoa falecida por meio de entrevistas com terceiros e da análise de documentos. (CUNHA, 2002, p. 197) De acordo com esses estudos, a motivação poderá ser compreendida pela identificação das razões psicológicas para morrer, enraizadas na conduta, no pensamento, no estilo de vida e na personalidade como um todo. A avaliação do grau de lucidez, ou seja, do papel consciente do próprio indivíduo, no planejamento, na preparação e na objetivação da ação autodestrutiva, estabelecerá a intenção do sujeito. (CUNHA, 2002, p. 198) O grau de letalidade será medido através da identificação da escolha do método. Os precipitadores e/ou estressores são os fatos ou circunstâncias que acionariam o último empurrão para o suicídio. Outros estudos vem sendo desenvolvidos na área, sendo que um dos principais é o estudo de sobreviventes de suicídios (atos não fatais), que tem sido uma grande proposta para aprofundar conhecimentos acerca do tema. (MELEIRO, TENG, WANG, 2004) O que é importante considerar é que na verdade, a mente do suicida não é diferente da mente de qualquer pessoa: apenas alguns mecanismos se tornaram mais intensos, ou interagem entre si de forma tal que causa um sofrimento que pode ser sentido como insuportável. (CASSORLA, 2005, p. 9-10) Todas as pessoas, durante a vida, têm períodos que julgam difíceis e algumas pessoas passam por períodos relatados como insuportáveis. É importante citar que os problemas de cada um são diferentes e específicos, e a maneira como cada um avalia e interpreta tais eventos é fundamental para explicar o que se chama de crise. (BAPTISTA, 2004, p. 4). Segundo Reinecke (1995, in BAPTISTA, 2004), o suicídio é, por si só, caracterizado e conseqüência de uma situação de crise. 19 Muitas pessoas têm um potencial para tornar-se suicida quando confrontadas com uma situação que produz dor emocional e acredita ser incapaz, interminável e intolerável. Quando a pessoa acredita que não é forte suficiente para resolver o problema, torna-se incapaz. Quando não há expectativa de que a situação mudará se ele próprio de maneira nenhuma resolver, o problema tornarse-á interminável. Quando o indivíduo não pode tolerar a dor emocional que a situação está produzindo, o problema é intolerável. (MELEIRO, TENG, WANG, 2004, p. 31). Aguilera (1993, in BAPTISTA, 2004), define crise psicológica como a inabilidade individual de resolver os problemas, associada a um estado de desequilíbrio emocional, geralmente proporcionado por grandes mudanças, que podem ser inclusive positivas. O indivíduo encara os problemas como impossíveis de serem resolvidos, mesmo utilizando as estratégias de resolução de problemas do passado, que foram eficazes em resolver outros confrontos em situações anteriores, mas não são eficazes com a situação atual. O resultado deste impasse é, geralmente, o aumento de ansiedade e o aumento da percepção de insolubilidade do problema. Quando a situação estressante e a interpretação anterior permanecem, o indivíduo tende a experimentar desamparo e tristeza, que o impedem de pensar de formas alternativas ou de tomar atitudes que modifiquem o curso da situação. Seguindo Meleiro Teng e Wang (2004), há dois protótipos desta situação. A primeira é por circunstância externa, a qual a presença é muito natural às pessoas que passam por mudanças pessoais: perder o trabalho, bancarrota da empresa, a morte da esposa ou filhos, etc; a pessoa se vê diante de problemas negativos. A segunda é mais pervasiva e ocorre quando a pessoa necessita de habilidades específicas para endereçar a demanda da situação que não é irresistível, mas quando combinada com as habilidades pessoais deficientes, torna-se um desafio maior. Esse tipo de situação pode estar impedindo uma separação conjugal, ação disciplinar sobre o trabalho, subemprego crônico ou conflito familiar. Por uma razão ou outra, a pessoa não está resolvendo bem esses problemas particulares. Há uma propensão de ação para solução através do 20 suicídio. Segundo Meleiro, Teng e Wang (2004), a pessoa quase sempre olha para o suicídio como uma opção no vácuo da solução. Em outras palavras, a pessoa suicida acredita verdadeiramente que todas as outras razões para resolver o problema têm sido tentadas e falhadas. Como estas opções são removidas da lista de probabilidades, novas opções tornam-se mais e mais extremas, particularmente se há uma idéia de grande dor emocional associada com o problema. Importante ressaltar que estes indivíduos gostariam de ver outras opções, mas suas condições emocionais não permitem. Diversos fatores internos (características psicológicas e de saúde) e externos (características do problema) acabam por afetar o processo de resolução dos problemas, como por exemplo, a experiência passada relacionada ao problema atual, o quanto o indivíduo teve sucesso em resolver problemas em sua vida, o tipo de informação disponível no momento, o quanto que o problema afetará a vida do indivíduo e de pessoas a sua volta, a capacidade em avaliar o problema de diversos ângulos, a capacidade em separar pontos relevantes e irrelevantes do problema, como o problema é proposto, a motivação em resolver a situação, as características culturais e do rol social a que pertence o individuo, as regras religiosas e morais, o tipo de suporte familiar e social, dentre outros. (AGUILERA, 1993 e WEITEN, 2002 in BAPTISTA, 2004, p.4) Segundo a Organização Mundial da Saúde (2000), as pessoas que pensam em suicídio em geral falam sobre isso. Entretanto, existem alguns sinais que se pode procurar na história de vida e no comportamento das pessoas. Esses sinais indicam que determinada pessoa tem risco para o comportamento suicida. Observa-se que os principais sinais são o comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos, pouca rede social. Outros sinais observáveis são doença psiquiátrica, alcoolismo, ansiedade ou pânico, mudança na personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia, mudança no hábito alimentar ou de sono, tentativa de suicídio anterior, odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha, uma perda recente importante (morte, divórcio, separação, etc.), história familiar de suicídio, desejo súbito de concluir os fazeres, organizar documentos, escrever um testamento, sentimentos 21 de solidão, impotência, desesperança, cartas de despedida, doença física crônica, limitante ou dolorosa, menção repetida de morte ou suicídio. Em 2006, a OMS revelou alguns fatores de risco para o suicídio. Os principais são transtornos mentais, fatores sociodemográficos, fatores psicológicos e condições clínicas incapacitantes. As questões sociodemográficas apontam para fatores de risco como: ser do sexo masculino, faixas etárias entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos, estratos econômicos extremos, residentes em áreas urbanas, desempregados (principalmente perda recente do emprego), aposentados, isolamento social, solteiros ou separados e migrantes. Já a respeito das condições clínicas incapacitantes, observa-se maior risco de suicídio em pacientes com doenças graves orgânicas, com dor crônica, lesões desfigurantes perenes, epilepsia, trauma medular, neoplasias malignas e aids. Estudos em diferentes regiões do mundo têm mostrado que, na quase totalidade dos suicídios, os indivíduos estavam padecendo de um transtorno mental. (OMS, 2006) Segundo a OMS, aproximadamente 10% dos indivíduos que possuem esquizofrenia falecem por suicídio. Os momentos de maior risco para estes pacientes são no momento intercrise, quando percebe e não elabora todas as limitações e os prejuízos que a doença acarretou à sua vida; durante a crise, quando segue vozes de comando que mandam se matar e no período logo após a alta de uma internação psiquiátrica. Outro transtorno mental muito associado ao suicídio é a depressão. Entre os gravemente deprimidos, 15% se suicidam. É muito comum que a pessoa que inicia o tratamento medicamentoso da depressão sinta uma pequena melhora e sua volição seja direcionada ao ato suicida, normalmente com a própria medicação. Há ainda o transtorno afetivo bipolar associado ao risco de suicídio especialmente nas fases de depressão e nos casos de ciclagem rápida. 22 Por fim, a dependência ou uso nocivo de álcool e outras drogas também é bastante associada ao comportamento suicida. O álcool e outras drogas aumentam a impulsividade, e esse é o grande risco para o suicídio. Os transtornos de personalidade têm, segundo Kurt Schneider citado pela OMS (2006), o elemento central que é: o individuo sofre e faz sofrer a sociedade e não aprende com as experiências. Embora, de modo geral, produzam conseqüências muito penosas para a própria pessoa, familiares e pessoas próximas, não é facilmente modificável por meio de experiências da vida. Para estes pacientes, a adaptação ao estresse ou aos problemas mais sérios torna-se crítica. As defesas psicológicas usadas são consideradas mais primitivas, geradoras de problemas. Geralmente há maior risco de comportamento suicida pessoas com transtorno de personalidade borderline, narcisista e antisocial. De acordo com Dalgalarrondo (2000), a personalidade borderline caracteriza-se por relações pessoais muito instáveis, atos autolesivos repetitivos, humor muito instável, impulso explosivo, sentimentos intensos de vazio, transtornos de identidade. A personalidade narcisista é aquela que quer reconhecimento como especial ou único, considera-se superior, fantasia grande sucesso pessoal, requer admiração exclusiva e é freqüentemente arrogante. Já a personalidade anti-social tem características de frieza, insensibilidade e sem compaixão, é irresponsável e inconseqüente, não sente culpa ou remorso, é agressivo e cruel, mente de forma recorrente e aproveita-se dos outros. Em se tratando de aspectos psicológicos do comportamento suicida, a OMS coloca que fatores de risco são perdas recentes, perdas de figuras parentais na infância, dinâmica familiar conturbada, datas importantes, reações de aniversário, personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade, humor lábil. Existem estágios no desenvolvimento da intenção suicida, iniciando-se geralmente com a imaginação ou a contemplação da idéia suicida. Posteriormente, um plano de como se matar, que pode ser implementado por meio de ensaios realísticos ou imaginários até, finalmente culminar em uma ação 23 destrutiva concreta. Contudo, não se pode esquecer que o resultado de um ato suicida depende de uma multiplicidade de variáveis que nem sempre envolve um planejamento. (OMS, 2006, p. 53) Continuando com as proposições da Organização Mundial da Saúde, existem três características próprias do estado em que se encontra a maioria das pessoas sob risco de suicídio. A primeira delas é a ambivalência, que é uma atitude interna característica das pessoas que pensam ou que tentam suicídio. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte, mas também viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a prevenção do suicídio. Muitas pessoas em risco de suicídio estão com problemas em suas vidas e ficam nesta luta interna entre os desejos de viver e de acabar com a dor psíquica. Outra característica bastante típica é a impulsividade, sendo que o suicídio pode ser também um ato impulsivo. Como qualquer outro impulso, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durar alguns minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por eventos negativos do cotidiano. Por fim pessoas com risco de suicídio apresentam certa rigidez ou constrição, que é um estado cognitivo em que a consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do problema. A OMS e seus pesquisadores afirmam que a maioria das pessoas com idéias de morte comunica seus pensamentos e intenções suicidas. Elas, freqüentemente, dão sinais e fazem comentário sobre querer morrer, de sentimento de não valer de nada e assim por diante. Esses pedidos de ajuda não podem ser ignorados. De acordo com Cassorla (1991), o ato suicida tem várias funções, que vão depender de cada indivíduo e situação. De uma forma geral, o suicida está tentando fugir de uma situação de sofrimento que chega às raias do insuportável. 24 Este sofrimento é, geralmente, indescritível, sendo uma angústia imensa somada à desesperança. Baptista (2004) coloca subtipos de motivações para o suicídio, sendo separados em: suicídio desesperado, psicótico, racional e histriônico ou compulsivo. O suicídio desesperado se caracteriza pela intolerabilidade e falta de esperança que a situação oferece ao indivíduo, sendo a fuga da situação a maneira avaliada como mais adequada para resolver problemas. Geralmente, nesses casos, a decisão é ambivalente, porém, a percepção de desesperança, impotência, a crença de que nada podem fazer diante da situação, além da percepção de um futuro sem esperança e pior do que o presente, acabam favorecendo o desfecho. (BAPTISTA, 2004, p 7) Os suicidas psicóticos seriam pacientes que experimentam alucinações, como por exemplo, esquizofrênicos, e a recorrência dos episódios, a desmoralização a que são submetidos socialmente e a própria cronicidade da doença, gerando pessimismo e baixa percepção de auto-eficácia, seriam os principais fatores na execução do ato. (BAPTISTA, 2004, p 7) Os suicidas racionais geralmente sofrem de doença terminal ou progressiva, e a necessidade de alívio de sintomas físicos e incapacitação seriam os principais motivadores deste grupo de indivíduos, também associados a sintomas depressivos, conseqüência do estado de saúde. (BAPTISTA, 2004, p 7) Por fim, o tipo histriônico, compulsivo ou manipulador que teria como motivador o desejo de atenção ou vingança, ao contrário do alívio da situação, desespero ou pessimismo, presente nos grupos anteriores. Neste sentido, por se constituir um ato compulsivo, os profissionais de saúde, familiares e amigos não devem deixar de dar atenção, pois há a possibilidade do desfecho. As pessoas que pedem atenção constantemente, consideradas histriônicas, podem realmente chegar a se suicidar. (BAPTISTA, 2004, p 7) É importante considerar uma proposta: o suicida não quer morrer. Na verdade, seu objetivo é fugir do sofrimento e substituí-lo por uma “vida” após a morte, prazerosa, e isto independe de crença religiosa. (WERLANG e BOTEGA, 25 2004). Cassorla (1991) vai ao encontro desta idéia colocando que a tortura que vive o suicida é principalmente interna, vem de dentro da mente do indivíduo e tem a ver com a imensidão de fatores que compõe a subjetividade humana. O autor afirma que o suicida não quer morrer, na verdade ele nem sabe o que é a morte. O que ele deseja é fugir do sofrimento. As fantasias inconscientes são o desejo do encontro de uma vida cheia de paz, sem sofrimento e vingança dos que ficam e vão sofrer com sua morte. Meleiro, Teng e Wang (2004) citam Kreitman e cols. (1970) que recomendaram o emprego do termo parassuicídio para referir a qualquer ato deliberado que resulta em autolesão e com desfecho não fatal, banindo a noção de intenção de morte de suas definições. Thompson e Bhugra (2000), citados pelos mesmos autores supracitados, colocam o parassuicídio como equivalente à tentativa de suicídio, englobando comportamentos que variam desde autolesão sem intenção suicida até sérias tentativas de se matar. Segundo a Classificação Internacional das Doenças, versão número 10 (CID 10), citada por Thompson e Bhugra (2000), o parassuicídio é definido como um ato de evolução não fatal no qual o indivíduo inicia deliberadamente um comportamento não habitual, que sem intervenções causaria uma autolesão ou ingesta deliberada e excessiva de substâncias. Esse ato tem como objetivo promover mudanças que o sujeito deseja. (MELEIRO, TENG, WANG, 2004, p. 21). Continuando com os mesmos autores acima, Ayd (1995), definiu a tentativa de suicídio como qualquer ato com ameaça à vida que requer atenção médica e foi cometido com a intenção consciente de terminar com a própria vida. Representa uma ação potencialmente letal, mas não bem-sucedida. É fator de risco para suicídio completo e indicador de problemas de saúde bio-psico-social. Englobam atitudes e comportamentos variados, desde os atos mais simples de auto-agressão e que não necessitam de atenção médica até atitudes mais graves que requerem hospitalização. Avaliar o grau de gravidade de uma tentativa de suicídio é uma tarefa difícil, pois são atos intencionais de auto-agressão que não resultam em morte, desde 26 atos discretos e velados de ameaça à própria vida, alguns deles talvez com o objetivo de ganhar atenção, até situações graves que necessitam de atendimento médico-hospitalar. Muitas vezes o componente manipulativo é predominante e a intenção suicida é quase nula. (MELEIRO, TENG, WANG, 2004, p. 22) Cassorla (2005) esclarece sobre o componente agressivo contra o ambiente que aparece intensamente em tentativas de suicídio ou em suicídios efetivos. Trata-se de uma necessidade de vingança, de causar sofrimento nos outros, em revide por algo real ou suposto. É comum ao ser humano, fantasiar a reação dos vivos à sua morte e essa fantasia implica mais vida do que morte: na verdade, a fantasia é que a pessoa morta pode “ver” a reação dos vivos, pode “perceber” os sentimentos de tristeza, remorso, culpa dos sobreviventes, como se ela ainda estivesse viva. Em verdade, esta “visualização” predomina e submerge, domina quase que totalmente a noção de realidade da morte, de finitude. O suicida elimina sua vida e paga com o prazer de tornar “real” sua fantasia de vingança, de causar sofrimento aos outros (ainda que não tenha consciência disso), mas, nessa fantasia, ele como que permanece vivo. (CASSORLA, 2005, p. 34-35). Esse prazer de imaginar como será a reação dos outros à própria morte se acentua em momentos de frustração, impotência e raiva. Como já foi citado, o suicida não deseja a morte, mas sim uma nova vida, em que a pessoa se sinta querida e importante. Quase todas as pessoas são transformadas em maravilhosas após sua morte, como se os sobreviventes receassem uma vingança dos mortos. Muitas vezes os elogios são proporcionais à culpa sentida por sentimentos negativos em relação ao morto e pelo alívio proporcionado pela sua morte. O autor coloca que o final fantasiado, se fosse possível, é que aquelas pessoas de quem se imagina que vieram os maus-tratos se sintam culpadas e com remorso; então, o suicida como que ressucitaria, todos se desculpariam e a vida continuaria, num final feliz. (CASSORLA, 2005, p. 36 ). Cassorla (2005) coloca que é evidente que isso não ocorre, mas poderia ser possível, quando se trata de ameaças ou tentativas de suicídio em que o indivíduo sobrevive. No entanto, a reação do ambiente é bem mais complexa. Na 27 experiência relatada pelo autor, raramente a tentativa de suicídio tem, em si, capacidade de modificar muita coisa. O ambiente e a relação indivíduo-ambiente estão comumente estruturados de forma tal que as reações serão apenas imediatas, em pouco tempo voltando ao esquema anterior. Em algumas ocasiões, portanto, o sentimento de culpa é mobilizado intensamente, e o suicida em potencial pode manipular e controlar os outros, ameaçando nova tentativa de suicídio. Neste caso, ocorre apenas uma mudança de forças, uma troca de poder, com a estrutura ambiental continuando perturbada, atingindo todos os membros da família. Cada suicídio é um evento único, idiossincrático e particular. É impossível afirmar algo universal, absoluto sobre o suicídio, tampouco o funcionamento dos indivíduos que o cometem. O melhor que se pode alcançar é discutir quais são as características mais freqüentes e comuns destes indivíduos. Segundo Shneidman (1986, in MELEIRO, TENG, WANG, 2004), os dez lugares comuns de suicídio são: 1) o propósito comum do suicídio é encontrar uma solução. 2) o objetivo comum do suicídio é cessar a consciência. 3) o estímulo comum do suicídio é dor psicológica intolerável. 4) as necessidades psicológicas frustradas são o estressor comum do suicídio. 5) a emoção comum do suicídio é desesperança e desamparo. 6) a atitude interna comum do suicídio é a ambivalência. 7) o estado cognitivo comum do suicídio é a constrição. 8) a ação comum do suicídio é o escape. 9) o ato interpessoal comum do suicídio é a comunicação de sua intenção. 10) a consistência comum do suicídio é com o padrão de enfrentamento da vida. 28 4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A MORTE Talvez por envolver diretamente a morte, o suicídio ainda seja tão repudiado na sociedade. Aparentemente nenhum ser humano está preparado para aceitar a morte, muito menos quando se trata da própria morte deliberada por alguém. Suicídio, traduzindo a palavra é morte de si mesmo. Cassorla (2005) coloca que é a morte que alguém provoca a si mesmo, de uma forma deliberada, intencional, isto é, os suicídios conscientes. Se o suicida consciente está realmente procurando a morte, o que é a morte para o suicida? Se indagarmos a um grupo de pessoas o que elas acreditam que ocorra após a morte, teremos respostas contaminadas por mecanismos emocionais, e comumente intelectualizadas. O que o indivíduo responderá pode ser o que ele deseja ou uma teoria racional. (CASSORLA, 2005, p.28) Não se tem uma resposta clara para tal questionamento. “Não podemos representar imaginativamente a nossa morte, como também não temos experiência da morte real e do que se passa após a morte, quer se trate da nossa morte ou da de outros.” (MARANHÃO, 1990, p.66) Na verdade, as idéias ou sentimentos do nada após a morte, um nada que não se contrapõe à coisa alguma, pois não existe conhecimento (nem de algo e nem do nada), mal podem ser imaginados, menos ainda descritos. Podemos apenas supor algo, como uma não vida, também indescritível. A investigação da fantasia inconsciente mostra, em quase todos, o desejo de uma vida pós-morte. (CASSORLA, 2005, p. 29) Para todos, a morte é um fenômeno desconhecido e segundo Cassorla (2005), a angústia diante do desconhecido, do incontrolável, é tão intensa que, se não utilizarmos mecanismos que nos consolem ou que nos proporcionem a fantasia de controle, poderemos até enlouquecer. A maioria dos seres humanos vive como se fosse imortal. Para Kübler-Ross (2000), quando retrocedemos no tempo e estudamos culturas e povos antigos, temos a impressão de que o homem sempre abominou a morte e, provavelmente, sempre a repelirá. Do ponto de vista psiquiátrico, isto é 29 bastante compreensível e talvez explique melhor pela noção básica de que em nosso inconsciente, a morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos. É inconcebível para nosso inconsciente imaginar um fim real para nossa vida na terra e, se a vida tiver um fim, este será sempre atribuído a uma intervenção maligna fora do nosso alcance. Kovácz (1992), traz uma visão histórica da morte na sociedade desde a época medieval. Explica que idade média, o homem passou a se preocupar com o que vem depois de sua morte, temendo pelo seu destino. Surgiram, assim, ritos e absolvições como busca de garantias para o além. Dessa forma, pode-se dizer que a sociedade se organiza na morte, pois, para a espécie humana, a morte está presente durante toda vida e se faz acompanhar de ritos. A religião, por exemplo, tem o papel de socializar e dirigir os ritos da morte, como forma de lidar com o “terror”. A mesma autora coloca que os corpos dos mortos passam a ser escondidos em túmulos e caixões, pois é insuportável vê-los em apodrecimento, além de funcionar como forma de conservar viva a imagem do morto, constituindo uma forma de negação da morte. Rituais e cerimônias, como os velórios, surgiram para atrasar o enterro, por causa do medo da catalepsia. Além disso, o uso da cor preta no luto é uma manifestação da tristeza e ocorrência de uma perda, e teve início no temor pelos mortos, por medo que o fantasma do morto viesse levar os vivos para a morte, usavam o preto como disfarce, sentindo-se protegidos. A morte, no século XIX, é a morte romântica. A morte passa a ser desejada. É uma morte bela, de sublime repouso, que representa a possibilidade de reencontro no além de todos os que se amavam. O século XIX marca, também, o surgimento do espiritismo. O medo predominante, neste período, relaciona-se com as almas do outro mundo, que vêm molestar os vivos e com isso são criados vários rituais para afastar esses seres. (KOVÁCZ, 1992) O século XX traz a morte que se esconde, a morte vergonhosa. Neste século há uma supressão do luto, escondendo-se a manifestação ou até mesmo a vivência da dor. Numa sociedade de classes não se permite que se estabeleça uma consciência igualitária da morte. Também não há igualdade ao se considerar 30 que a morte se adianta ou se atrasa segundo relógios que se chamam sociais, econômicas e políticas. A sociedade ocidental está cada vez mais tornando o homem inconsciente e privado de sua própria morte. A arte de morrer é pouco conhecida e raramente praticada. Já no oriente, há orientações seguras para o momento da morte e o pós-morte. A morte é uma iniciação numa outra forma de vida, um estado de transmissão e evolução. Sendo assim, é correto afirmar que todas as representações de morte estão imersas num contexto cultural. Maranhão (1990) retoma algumas considerações filosóficas sobre a morte. As considerações de Martin Heidegger sobre a morte são de uma morte humana como um caminho para a descoberta do ser. A morte pertence à própria estrutura essencial da existência. Ela não é um acidente, não vem de fora. A existência humana é um ser-para-a-morte. Assim que um homem começa a viver, tem idade suficiente para morrer. Não caímos de repente na morte, porém caminhamos para ela passo a passo: morremos a cada dia. A única maneira de o homem se realizar autenticamente, assumindo a responsabilidade da própria vida, é enfrentar fria e corajosamente a sua finitude e contingência, isto é, a sua inevitável morte. Conhecer e assumir esta radical caducidade constitui a suprema libertação. Segundo Heidegger, cada homem tem que morrer a sua própria morte. É a única coisa que ninguém pode fazer no lugar do outro. Para Jean-Paul Sartre, a morte revela o caráter absurdo da existência humana, já que interrompe radical e violentamente todo o projeto existencial, toda a liberdade pessoal, todo o significado da vida. Kübler-Ross (2000), coloca que há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste demais sob vários aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano. Para Kovácz (1992), a consciência da própria morte é uma importante conquista constitutiva. O homem é o único ser consciente de sua finitude, e por isso, está sempre buscando a imortalidade. A pressão que a morte faz sobre a vida causa mecanismos de defesa, que muitas vezes impedem que o indivíduo 31 viva, o que pode equivaler a morrer. Maranhão (1990) complementa, afirmando que ao tomar consciência da possibilidade imediata de sua própria morte, o homem é levado a rever as prioridades e os valores de sua existência, relativizando o que até então era considerado absoluto. Em acordo com Cunha (2002), o mundo em que vivemos está voltado para o progresso e para a produtividade. Neste contexto, a morte por suicídio estabelece um contra-senso, um paradoxo. É algo que choca e impressiona mais, porque coloca em evidência uma situação psicológica mais difícil de se aceitar – que é o fato de o indivíduo optar livremente pela sua própria morte. Constitui-se assim um dos fenômenos mais intrigantes, para psicólogos e psiquiatras, demonstrando certamente, que ainda “um dos maiores enigmas continua sendo a relação do homem com sua vida e, conseqüentemente, com sua morte, já que começamos a nos convencer de que a morte é parte da vida, e a maneira de morrer é parte integral da maneira de viver de um indivíduo.” Farberow e Shneidman (1969 in CUNHA, 2002, p. 196) 32 5. COMPORTAMENTO SUICIDA, UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA Segundo a Organização Mundial de Saúde (2006), o comportamento suicida vem ganhando impulso em termos numéricos e, principalmente, de impacto. O número de mortes por suicídio, em termos globais, para o ano de 2003 girou em torno de 900 mil pessoas. Em 2000, este número ficou próximo de um milhão. A OMS também contabilizou que 1,4% do ônus global ocasionado por doenças no ano 2002 foi devido a tentativas de suicídio, e estima-se que chegará a 2,4% em 2020. O Brasil, apesar de se enquadrar no grupo de países com taxas baixas de suicídio, tem números variantes entre 3,9 a 4,5 para cada 100 mil habitantes ao ano, entre 1994 e 2004. No entanto, como se trata de um país populoso, está entre os dez países com maiores números absolutos de suicídio, que chegou a 7987 casos em 2004. (OMS, 2006). Alguns estados brasileiros apresentam taxas de suicídio comparáveis aos países apontados com de freqüência média a elevada. A região sul apresenta a maior taxa de suicídio no ano 2004, e o estado do Paraná está em segundo colocado, com 6,75 suicídios por 100 mil habitantes, sendo superado apenas pelo Rio Grande do Sul, com taxa de 9,88, a maior de todo o país. (OMS, 2006) Segundo um estudo realizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba em 2006, a cidade apresenta uma aparente tendência de aumento nos últimos dois anos de mortes por suicídio, enquanto outras capitais nacionais mostram tendência à redução deste índice ou pouca variação. Desta forma, toma a atenção de profissionais envolvidos estudos sobre este tema, englobando fatores como o que leva uma pessoa ao suicídio e que sinais ela apresenta antes de cometer o ato, o que poderiam sugerir uma intervenção no sentido de vir a evitá-lo, e ações que poderiam ser tomadas como preventivas. Todos estes dados tornam o suicídio uma grande questão de Saúde Pública em todos os países. No Brasil, o Ministério da Saúde, através das Coordenações de Saúde Mental vem construindo a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Esta proposta visa reduzir as taxas de suicídios e 33 tentativas e os danos associados com os comportamentos suicidas, assim como o impacto traumático do suicídio na família, entre companheiros e nas instituições. A proposta da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio tem como princípio geral a compreensão de que o suicídio é uma questão de saúde pública, afeta sociedade e pode ser prevenido. Os principais eixos desta proposta são informar e sensibilizar a sociedade de que o suicídio é um problema que pode ser prevenido, dar maior visibilidade ao problema, implementar treinamento para o reconhecimento de comportamento de alto-risco e promover tratamentos efetivos, apoiar tecnicamente a implantação de Programas ou Planos regionais com ênfase na organização dos serviços de atenção, promover e apoiar estudos e pesquisas em suicídio e sua prevenção, promover esforços para reduzir o acesso aos meios letais e métodos auto-destrutivos e apoiar as iniciativas de regulação dos meios, apoiar as organizações da sociedade que vem trabalhando na área de prevenção do suicídio e melhorar os sistemas de informações de suicídios e tentativas. Em geral, é preciso sensibilizar equipes de saúde e familiares quanto às questões do suicídio para ser possível uma prevenção. É necessário o envolvimento de toda a sociedade. Para tal, é preciso destruir alguns mitos a respeito do suicídio e das tentativas de suicídio, como por exemplo “pessoas que ficam ameaçando suicídio não se matam”, “quem quer se matar, se mata mesmo”, “suicídios ocorrem sem avisos”, “melhora após a crise significa que o risco de suicídio acabou”, “nem todos os suicídios podem ser prevenidos”, “uma vez suicida, sempre suicida”. De acordo com a OMS (2000), a maioria das pessoas que se matam deu avisos de sua intenção, e a grande parte dá ampla indicação de sua intenção. Também a maioria dos que pensam em se matar tem sentimentos ambivalentes, e mesmo após a crise, pensamentos suicidas podem retornar, mesmo não sendo permanentes. Em termos bastante gerais, a OMS preconiza alguns sinais de alerta para identificar na história de vida e no comportamento das pessoas, como por exemplo, comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos, pouca rede social. Outros sinais observáveis são doença psiquiátrica, alcoolismo, ansiedade ou pânico, mudança na personalidade, irritabilidade, 34 pessimismo, depressão ou apatia, mudança no hábito alimentar ou de sono, tentativa de suicídio anterior, odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha, uma perda recente importante (morte, divórcio, separação, etc.), história familiar de suicídio, desejo súbito de concluir os fazeres, organizar documentos, escrever um testamento, sentimentos de solidão, impotência, desesperança, cartas de despedida, doença física crônica, limitante ou dolorosa, menção repetida de morte ou suicídio. Quando se afirma que um tema refere-se à Saúde Pública sugere-se o evidente crescimento em número de casos, tornando-se um risco de epidemia. É assim que casos de comportamento suicida vêm sendo abordados e estudados atualmente. Porém, não se pode esquecer que se tratam de casos que envolvem profundamente a subjetividade do indivíduo e portanto é fundamental que cada caso seja sempre considerado em particular. 35 6. A PESQUISA A pesquisa realizada para a elaboração do presente trabalho teve como objetivo geral levantar o significado que a tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa obtém na vida do indivíduo que a cometeu. Os objetivos específicos da pesquisa consistem em verificar a ocorrência de mudanças na vida do indivíduo após a tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa, identificar comportamentos que precedem uma tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa, relacionar os comportamentos precedentes à tentativa de suicídio como a sinalização da necessidade de mudanças. Para que tais objetivos fossem alcançados, a pesquisa adotou o método descritivo, utilizando-se do estudo de caso. A princípio, conforme Projeto de Pesquisa, cinco mulheres entre 20 e 30 anos seriam as participantes, mas isto não foi possível devido à indisponibilidade de algumas participantes que atenderiam a este critério e também ao curto tempo designado para a coleta de dados. Foram então, selecionadas quatro mulheres, entre 25 e 45 anos, que cometeram uma tentativa de suicídio há no máximo dois anos. Estas mulheres foram selecionadas através de uma notificação de intoxicações medicamentosas realizada pela Secretaria Municipal da Saúde, onde trabalha a pesquisadora. A pesquisa foi realizada no município de Curitiba, sendo que a aplicação dos instrumentos foi feita individualmente na própria residência das participantes, através de visitas domiciliares, prática comum no trabalho da pesquisadora. Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados necessários à pesquisa foram a Carta de Consentimento Esclarecido, o Inventário de Ideação Suicida de Beck (BSI), o Inventário de Desesperança de Beck (BHS) e entrevista clínica semi-estruturada. Todos constam em anexo a este documento. O acesso à população participante da pesquisa foi através das Unidades Municipais de Saúde onde trabalha a pesquisadora, que recebem uma notificação da Secretaria Municipal da Saúde sobre atendimentos prestados a pacientes que sofreram intoxicação medicamentosa. A pesquisadora, como funcionária de tal Secretaria, teve livre acesso a estas notificações e aos pacientes notificados, 36 inclusive fazendo parte de sua função realizar avaliação psicológica e encaminhamentos a estes pacientes. Desta forma, após recebimento de tal notificação, foi realizada uma triagem, verificando a intenção suicida da intoxicação medicamentosa. Entre os casos de confirmação de ideação suicida ligada à ocasião da intoxicação medicamentosa, foram escolhidas aleatoriamente as participantes, respeitando apenas os critérios da pesquisa em relação ao sexo, idade e tempo da última tentativa de suicídio. As participantes foram convidadas a participar da pesquisa e assinaram um termo de consentimento esclarecido, autorizando sua realização. De início, foram aplicadas as Escalas de Beck, sendo primeiramente a Escala de Ideação Suicida (BSI). Caso a participante revelasse um resultado positivo neste instrumento, a pesquisadora interromperia imediatamente a coleta de dados de modo que recebesse imediato encaminhamento para tratamento psicológico ou psiquiátrico. Ressalta-se que esta interrupção se faz necessária à pesquisa devido ao objetivo desta, que consiste em confirmar se houve mudança após a tentativa de suicídio, sendo que se a ideação suicida permanece, constatase que os sentimentos negativos e necessidade de mudança permanecem, e o risco de morte é intenso. Em nenhum dos casos foi necessária a interrupção da pesquisa, mesmo naqueles em que o escore foi relativamente alto, pois o próprio manual do instrumento utilizado indica uma investigação clínica mais profunda para confirmar estes dados. Nesta investigação mais aprofundada foi possível avaliar que a pesquisa poderia continuar. O manual das escalas de Beck também afirma que “a identificação da mera presença de ideação suicida não revela o grau de intencionalidade, mas envolve a suspeita de risco de suicídio, mesmo porque o sujeito pode ocultar sua intenção real.” (Beck, Steer e Trexler, 1989, in CUNHA, 2001). Deste modo, segue o manual recomendando que a administração do BSI seja feita juntamente com a aplicação do BHS (escala de desesperança para investigar a existência ou não de pessimismo). É sugerido também que seja feita uma investigação clínica para complementar os instrumentos. (CUNHA, 2001, p. 20). 37 A escala de ideação suicida de Beck é uma escala de auto-avaliação usada para detectar e avaliar a intensidade da ideação suicida nos pacientes. Esse questionário apresenta 19 itens, cuja pontuação por item é de 0 a 2, que avaliam três dimensões da ideação suicida: ativa, passiva e tentativa prévia de suicídio. Caso a pontuação seja equivalente a 6 ou mais, a ideação suicida é considerada clinicamente significante. (CUNHA, 2001). Seguindo a aplicação de instrumentos de pesquisa, foram aplicadas as Escalas de Desesperança de Beck (BHS) para medir o nível de esperança ou pessimismo da participante. Caso este resultado também se revelasse com escore relativo à gravidade de desesperança e pessimismo, a pesquisa também seria interrompida, pois não seria possível atingir seu objetivo. Apenas uma pesquisada apresentou nível grave nesta escala, mas a investigação clínica revelou que ela poderia continuar participando da pesquisa. A Escala de Desesperança de Beck foi conferida no momento de sua aplicação, mas melhor analisada posteriormente através de crivo específico e trouxe noções de como estão os sentimentos da pessoa em relação a novas expectativas de vida e disponibilidade de mudança. De acordo com o manual deste instrumento, o escore total é a soma dos itens marcados na direção crítica de pessimismo: são nove afirmações assinaladas como erradas e 11 como certas. Existe um crivo para correção, onde todas as respostas passíveis de serem assinaladas na direção crítica, isto é, indicando desesperança, aparecerão nos círculos. As respostas assinaladas têm pontuação 1, e as demais 0. Deste modo, o escore total de desesperança varia de 0 a 20, sendo o mínimo de 0 a 4, o leve de 5 a 8, o moderado de 9 a 13 e o grave de 14 a 20. Em seguida, iniciou-se a entrevista clínica semi-estruturada, instrumento que coletou os principais dados da pesquisa. Esta entrevista foi registrada de forma manuscrita pela pesquisadora durante sua realização, com permissão das entrevistadas. O material colhido através das entrevistas foi analisado individualmente e também de forma comparativa entre os casos, para maior riqueza de informações. 38 É importante colocar que todas as participantes foram encaminhadas para tratamento psicológico e psiquiátrico após a realização da pesquisa e serão acompanhadas pela pesquisadora, como atribuição de seu trabalho na Secretaria Municipal da Saúde. Qualquer registro referente a esta entrevista e a testagem psicológica foi destruído após sua utilização para a análise dos dados, para manter o sigilo indispensável. SÍNTESE DOS CASOS Caso 1: V. A. S., 32 anos, casada, 1 filho de 13 anos, doméstica, 1° grau completo. Resultados das Escalas de Beck: BSI – escore total: 11 Considerado paciente com ideação suicida leve, sem planos de fazer nova tentativa. BHS – escore total: 15 Considerado grave, ou seja, indicando grandes sentimentos de desesperança e pessimismo. Porém a análise clínica mostra que a participante teve condições de continuar a pesquisa. Dados de história de vida: V. é uma mulher casada há 17 anos e tem um filho de 13 anos. Relata que durante sua infância sua mãe era muito doente e por isso não tem boas lembranças daquela época. Logo cedo teve que trabalhar e assumir algumas responsabilidades. Quando adolescente não podia contrariar a mãe devido à sua doença, era necessário seguir todas as regras e ordens. O pai é falecido há muitos anos. Sentia-se muito cobrada e tinha a impressão de que as pessoas a julgavam por não ter pais presentes e predominava um sentimento de indefesa, como se não tivesse ninguém para defendê-la. Tios e outros parentes e vizinhos 39 falavam que ela e os irmãos tinham tudo para dar errado na vida. Quando conheceu seu marido não se apaixonou por ele, mas decidiram ficar juntos pois havia a suspeita de que estava grávida. Para V., o marido também representava uma forma de se estabelecer na vida. A família dela foi contra o casamento pois tinham muita dificuldade financeira. A família dele também não aceita o relacionamento. Porém, entre os dois foi sempre tudo muito bem. Não estava grávida como suspeitava quando se casou, e a primeira gravidez, em que teve seu filho, foi muito desejada. Há alguns anos faz uso de fluoxetina devido às dores ocasionadas pela artrite reumática. Sempre confiou muito no esposo, mas há cerca de um ano teve uma grande decepção, quando descobriu que ele a estava traindo. Sobre a tentativa de suicídio: Relata que o motivo que a levou a cometer a tentativa de suicídio foi a traição do marido. Lembra que tiveram um final de semana agradável, bom. À noite ela viu que o marido recebeu uma mensagem de texto no celular e ficou desconfiada. Começou a procurar provas nas coisas do marido e entrou em desespero. Nesse momento lembrava muito de episódios de sua infância, principalmente quando os parentes diziam que sua vida ia dar errada. Para V. foi uma grande surpresa desagradável, pois confiava muito no esposo. Quando confirmou o relacionamento do esposo com outra mulher sentiu-se profundamente decepcionada. Tentou conversar com ele, falava que estava desconfiada, mas ele ria e chegou ameaçar sair de casa. Ela arrumou as malas dele para que ele fosse e não queria mais vê-lo. Ele não saiu de casa e dizia que ela estava louca. Foi quando ele admitiu que estava tendo um relacionamento extraconjugal. A partir deste episódio a relação dos dois mudou muito, passou a ser constituída de muitas discussões e cobranças. Ele deixou de ser carinhoso e atencioso com ela e ela sentiu como se tivesse perdido as esperanças, pois ele sempre foi sua única esperança de vida. Quando chegou o dia dos namorados achou-o frio e como se estivesse fazendo as coisas por obrigação. Ela encontrou um comprovante de compra de flores no cartão de crédito, porém passou o dia e não recebeu as 40 flores. Teve certeza de que eram para outra mulher. Nesta hora não pensou em mais nada e fez a tentativa de suicídio. Tomou uma dose alta de fluoxetina juntamente com a ritalina do filho e com várias outras medicações (paracetamol, sedilax). Sempre leu bula de medicação e sabia que estas causariam efeitos fortes e a fariam apagar. Chegou a ficar ansiosa para que os efeitos da medicação ocorressem rápido. V. relata que no momento em que estava preparando os remédios para consumir veio toda a sua história de vida em mente, todo o sofrimento que tinha na infância e o fato de o marido ter sido eleito como sua expectativa de melhora de condições de vida e de repente tudo isso desabou. Veio um sentimento extremo de desesperança, sentiu que não poderia mais confiar em ninguém. Achou que não poderia mais ser feliz e de repente não pensou em mais nada. Queria apagar, se desligar de tudo e fugir dos pensamentos que passavam em sua cabeça. Não pensava em conseqüências e não sentia medo de nada, como se tivesse uma força maior que ela. Ela nunca havia falado sobre a possibilidade de cometer um ato suicida e na ocasião não deixou nenhum bilhete ou aviso. Foi acudida pelo filho que estava em casa e ligou para o pai, mesmo ela pedindo para que não o fizesse. Foi levada ao pronto-atendimento, foi feita a desintoxicação e lembra que os profissionais de saúde trataram-na muito mal. Viu que estava mesmo sozinha e que ninguém estava para lhe ajudar. Quando voltou para casa sentia-se muito carente emocionalmente. Não teve vontade de voltar para a casa, pensava em sair sem destino, fugir. Foi encaminhada para tratamento psicológico e o médico receitou fluoxetina novamente. Avaliando as mudanças ocorridas após este episódio, considera que as coisas ficaram piores. As pessoas cobram mais e julgam mais ainda. O que ela fala não é mais levado a sério ou considerado. Tem a impressão de que as pessoas não acreditam mais no que ela fala. Sente-se menos que os outros. Às vezes sente ainda vontade de sair pela rua sem rumo, de fugir de tudo, mas procura trabalhar e ocupar a cabeça, mesmo quando o corpo está cansado. Não se comenta sobre a tentativa de suicídio na família, com exceção do irmão que mora junto, que às vezes faz comentários em tom de brincadeira, 41 friamente. A família do marido não ficou sabendo. Seus colegas se mostram bastante preocupados e querem sempre que ela desabafe, mas ela não sente confiança em ninguém. Um ano após a tentativa de suicídio, está com a cabeça mais tranqüila, acha que não valeu a pena, não quer fazer novamente e gostaria de ter forças para garantir que não ocorra. Em alguns momentos de ansiedade pensa em fazer mas já não pelos mesmos motivos, mas sim pelas dores ocasionadas pela artrite reumática. Pede ajuda às pessoas por estas dores, mas elas não acreditam, acham que é manha. Chega a pensar que quando morrer de dor é que as pessoas irão acreditar. Caso 2: S. F., 25 anos, solteira, 1 filha de 2 anos, manicure e cabeleireira, estudou até a 5ª série. Resultados das Escalas de Beck: BSI – escore total: 03 Considerado sem ideação suicida. BHS – escore total: 01 Considerado leve mínimo, ou seja, sentimentos de esperança e otimismo predominam na vida da participante. Dados da história de vida: S. é uma mulher solteira que tem uma filha de 2 anos e atualmente mora com a irmã de 28 anos. Quando fala de sua infância lembra que nunca teve muita oportunidade para brincar, relaxar e até mesmo estudar. Sempre foi muito cobrada no sentido de trabalhar e ter o próprio sustento. Seus pais sempre tiveram uma condição financeira razoável, mas exigiam muito das filhas. Sempre agiram muito pela razão e nunca pela emoção. A mãe xingava muito as filhas e era bastante grosseira. Na adolescência, S. trabalhava de doméstica e panfleteira e assim que 42 pôde foi morar sozinha. Casou-se aos 18 anos com o pai de sua filha, mas aos quatro anos de relacionamento separou-se pois ele era alcoólatra. Fez um curso de manicure e cabeleireira nesta época e gostou muito, passando a ter motivação para o trabalho. Conheceu um namorado alguns anos mais jovem com quem passou oito meses e morou junto por dois meses. Separou-se dele mas foi muito difícil para ela ficar distante e pediu para retomar o relacionamento. Foi quando ele não aceitou voltar e ela cometeu a tentativa de suicídio. Quando ele soube disso decidiu resgatar o relacionamento. Ela aceitou e ficou mais quatro meses com ele, quando então ela mesma decidiu terminar a relação, considerando-o muito imaturo e alguém que não proporciona nada para ela e que só queria se divertir e se aproveitar dela e das condições sociais e financeiras que o relacionamento propiciava. Em todo o tempo de relacionamento, seja antes ou depois do episódio da tentativa de suicídio, ela só saia de casa para ir ao trabalho, enquanto ele saía, para festas, encontrava amigos e até mesmo mantinha outros relacionamentos amorosos. Isso sempre foi muito doloroso para S. Sobre a tentativa de suicídio: Havia três meses que o namoro tinha acabado e S. ainda não havia superado a dor da perda. Sentia muita falta dele e chorava muito, apesar de durante todo o relacionamento ter tido diversas decepções com o namorado. No dia da tentativa de suicídio estava muito mal, chorava desesperadamente e não sabia ao certo o que lhe fazia chorar tanto. Saiu do trabalho no meio do expediente e foi procurá-lo, tentando uma reconciliação. Ele não aceitou. Então, S. sentiu-se muito fraca e incapaz e não merecedora de estar viva. Pensava que tinha que acabar com aquela pessoa tão fracassada que era ela mesma. Foi para casa e escreveu uma carta suicida, explicando suas razões de estar cometendo tal ato e se despedindo. Estava sozinha. Pegou uma caixa de medicação para dor de estômago e tomou todos os comprimidos. Não pensou muito quando decidiu tomar a medicação e não avisou ninguém. Queria sumir, desaparecer e acabar com aquela dor. Nada mais importava, não pensava em ninguém, nem mesmo na filha, só mesmo na dor. Já estava quase na hora de uma irmã chegar em casa, 43 mas mesmo antes disso chegou a ligar para uma amiga enquanto passava mal. Foi quando se arrependeu do que fez, tentou vomitar a medicação mas começou a ficar transtornada e desmaiou. A família chamou uma ambulância e ela foi levada ao pronto-atendimento, onde fez lavagem estomacal e passou muito mal. A mãe, que nunca foi muito presente em sua vida, foi até o hospital visitá-la e conversaram muito, chegando a se aproximar. Sua mãe sempre foi muito grosseira e distante e sempre teve muita mágoa dela. Eram muitos sentimentos envolvidos e a mãe deu muita força. Quando voltou para casa estava muito feliz por estar bem, viva e sem seqüelas. Ficou muito tempo com a filha, com a mãe e as irmãs, tendo a impressão de que a família se reaproximou. Em um período de tempo após esse episódio, passou a ter ideações suicidas novamente. Conversou com a irmã sobre tais idéias e a irmã decidiu alugar uma casa para que as duas morassem juntas. Hoje pensa que não resolveu os problemas através da tentativa de suicídio, mas tudo isso teve um lado muito positivo, pois aprendeu a lidar melhor com as situações difíceis e evolui como pessoa. Considera que mudou muito, que antes só vivia para o namorado, sua vida girava em torno dele e agora ela sabe dar atenção à filha e à família. Vê as coisas mais claras, cortou totalmente o relacionamento com ele e se voltou mais à família. Está mais controlada, mais reflexiva e deixou de ser radical e impulsiva, evitando conflitos e medindo melhor os sentimentos. A tentativa de suicídio foi um marco não só na vida de S., mas de toda sua família. Todos ficaram mais próximos, mais calmos. Ela nunca imaginou que isto aconteceria um dia e sente-se muito feliz. Caso 3: R. A. F. P., 25 anos, casada, 1 filho de 4 anos, caixa de supermercado, estudou até a 6ª série. Resultados das Escalas de Beck: 44 BSI – escore total: 04 Considerado sem ideação suicida. BHS – escore total: 10 Considerado moderado, ou seja, com sentimentos de desesperança e pessimismo, mas que ainda passageiros e possíveis de lidar. Dados da história de vida: R. é uma mulher casada há 5 anos e mora com o marido e o filho de 3 anos e 10 meses. Seus pais são seus vizinhos e a irmã mora na casa nos fundos de seu terreno. É a filha mais nova da prole e por isso foi a que mais brincou e aproveitou a infância. Sempre que lembra de tal época da vida recorda de um vizinho que morreu ainda criança e que ela chorou muito por conta deste fato. Lembra também que vendia ou dava suas próprias roupas para as amigas e chegava a roubar coisas da mãe para tal. Parou de estudar quando estava na 6ª série devido a uma briga com colegas de classe, na qual apanhou muito e ficou com medo de voltar às aulas. Aos 13 anos fugiu de casa pois considerava o pai muito rígido; ficou um dia fora. Quando relata esta fase, R. considera que nunca foi muito sensata, por isto sempre esteve em tratamento psicológico e psiquiátrico, tendo inclusive histórico de internamento psiquiátrico. Sempre teve a sensação de que as pessoas não gostavam muito dela, nunca durou muito em nenhum emprego e o momento em que se sentia melhor era quando estava dormindo, pois não precisava ter contato com ninguém. Conheceu seu marido no mercado onde os dois trabalhavam. Um ano depois decidiram se casar. R. não gosta muito do seu casamento, pois há muitas brigas e discussões, sendo o principal motivo o alcoolismo do marido. Há pouco mais de um ano descobriu que o marido a traía, mantendo outro relacionamento amoroso. Quando soube disso sentiu-se extremamente transtornada e andava com uma faca na mão para matá-lo. Ele negava a traição, mas ela perdeu completamente a confiança. R. insistia muito no assunto e todos os vizinhos e parentes confirmavam para ela, até que um dia o próprio marido confirmou. 45 Sobre a tentativa de suicídio: Quando soube que o marido tinha outras mulheres, ficou durante um mês tentando saber quem eram. Via mensagens que ele recebia no telefone celular e ligava para as mulheres para xingá-las. Sentia-se extremamente ansiosa e o pensamento era “onde foi que eu errei!” (sic), com o sentimento predominante de culpa. Chegou a ir ao terminal de ônibus, onde suspeitou que ele estaria a espera de outra mulher. Quando ele a viu lá ameaçou ir embora de casa, mas ela queria que ele ficasse, mesmo com toda a situação ocorrida. A partir deste episódio não tinha mais sentimento por nada, perdeu o amor por tudo e queria morrer, pois a vida não tinha mais graça. Não tinha mais ânimo para nada e não saía da cama. Chorava muito e queria acabar com tudo. Tentou por várias vezes conversar com o marido, mas ele não a ouvia e saía de casa, o que a fazia sentir pior. Em uma destas ocasiões, estava sozinha em casa e decidiu tomar uma grande quantidade de medicação. A medicação utilizada foi imipramina, na quantidade de três cartelas e frontal. Já havia feito outras tentativas de suicídio da mesma forma, e esta parecia apenas mais uma. Falou para a mãe que queria morrer e que se acontecesse alguma coisa pediu para a mãe cuidar de seu filho. Tinha uma idéia boa da morte, como a resolução de tudo. Após tomar a medicação deixou as cartelas de remédio jogadas no chão para que o marido visse quando chegasse em casa. Foi à casa da vizinha que entrou em contato com a Unidade de Saúde, que encaminhou R. para o prontoatendimento. Fez lavagem estomacal e fugiu do centro médico. Nos dias seguintes foi internada no hospital psiquiátrico. Após 40 dias de internamento, voltou para a casa. Ficou hospedada na casa dos pais por dois meses. Continuou o tratamento psicológico e psiquiátrico em Caps II, onde faz terapia de grupo. Não se arrepende de ter feito a tentativa de suicídio, pois naquele momento não queria mais viver, não tinha forças. Voltou a morar com o marido, mas não sente amor por ele e sente-se tão irritada com o filho que chega a duvidar de seu amor por este. 46 Atualmente tem dias que se sente bem, mas em outros fica muito mal. Tem vontade de sumir, desaparecer. Anda muito irritada e tem necessidade de falar do que sente. Antes costumava guardar seus sentimentos, mas com o tratamento aprendeu a falar mais. Tem medo do que ainda pode fazer se souber que o marido está traindo novamente, acha que pode perder o controle novamente e agredir alguém. Sente que quando quer fazer faz, não pensa nem mede as conseqüências. Pensa que não conseguiu nada com a tentativa de suicídio e que seria melhor se tivesse morrido mesmo. A única mudança ocorrida foi em relação ao seu pai, que antes era distante e achava que todos os problemas dela eram “frescura” e agora está mais compreensivo e próximo. O marido não compreende nada. Caso 4: T. M. P. M., 45 anos, divorciada, 2 filhos de 19 e 21 anos, vendedora, 2° grau completo. Resultados das Escalas de Beck: BSI – escore total: 10 Considerado com ideação suicida leve, sem planos de fazer nova tentativa. BHS – escore total: 13 Considerado moderado, ou seja, com sentimentos de desesperança e pessimismo, mas que ainda passageiros e possíveis de lidar. Dados da história de vida: T. é uma mulher de 45 anos, divorciada há 2 anos de um casamento que durou 20. É a primeira filha de uma prole de três mulheres. Não comenta muito sua infância mas lembra que sempre foi muito apegada ao pai. Por ser a irmã mais velha, sempre foi vista pela família como uma pessoa forte, batalhadora, independente e que vai atrás das coisas. 47 Considera que sempre foi muito carente afetivamente e esta é sua principal característica, sendo que às vezes é um defeito e às vezes uma qualidade. Por isso tem o “coração mole”, não nega ajuda a ninguém, não agüenta ver os outros sofrendo e por isso se envolve muito fácil. Chega a dar o seu salário todo a alguém que lhe peça ajuda. Há pouco mais de um ano seu pai faleceu de câncer. Nos últimos meses de vida deste, quem cuidou em tempo integral dele foi T. Ela estava extremamente envolvida com a doença do pai um pouco antes de sua morte, chegando a pedir dispensa do emprego para cuidar dele. Também não dava muita atenção aos filhos e ao marido. Foi neste período que o marido começou a traí-la, mantendo outros relacionamentos amorosos. Todos os vizinhos, amigos e a família a alertavam para este fato, mas a doença do pai a fazia não se importar com nada. Logo que o pai faleceu, decidiu se divorciar. Foi uma separação tranqüila, sem brigas nem sofrimento. Os dois mantêm contato até hoje e estão bem em relação a isso. Pouco depois de ter e separado, conheceu um rapaz de 28 anos, amigo de seus filhos. Estava se sentido carente desde a morte do pai e do divórcio e se apaixonou por tal rapaz. O relacionamento durou onze meses e durante este período T. considera que se envolveu demasiadamente com ele e com sua família. O jovem namorado não era muito presente na vida de T. e sempre pedia a ela dinheiro emprestado e carro, que usava para sair com outras mulheres. Por estar envolvida em um relacionamento como este, os filhos de T. saíram de casa e foram morar em um apartamento no mesmo edifício, pois não admitiram que a mãe fosse tão ingênua e se deixasse enganar tanto. Em uma determinada altura do relacionamento, o namorado não apareceu mais em sua casa e não atendeu mais aos telefonemas, tendo ficado com seu carro e seu dinheiro. Sobre a tentativa de suicídio: Como sempre trabalhou muito, não sentia tanta falta do namorado. Mas em um sábado, após ter arrumado a casa, sentiu-se profundamente sozinha, 48 abandonada e magoada. Não tinha nem o namorado e nem os filhos. Tomou 30 comprimidos de lexotan. Dormiu por quatro dias seguidos e ninguém estranhou, pois ninguém viu e nem sentiu sua falta. T. lembra que o namorado ligou muitas vezes no seu telefone celular nesse período, mas ela não tinha condições de atender. Supõe que ele estava preocupado, apesar de o namoro já ter terminado. Após este episódio voltou a encontrar o rapaz, mas já não como namorados. Ele aparecia em seu condomínio para visitar amigos e às vezes levava moças que aparentavam serem suas namoradas. No dia em que T. fez outra tentativa de suicídio, o rapaz estava na frente da janela de sua sala, conversando com amigos e ela o ouviu falando sobre outras mulheres. Estava sozinha, mas o filho já estava para chegar. Decidiu tomar diversas medicações, além de lexotan, remédios da época em que o pai estava doente, analgésicos bastante fortes. Ela desmaiou. Logo que o filho chegou, encontrou-a caída no chão e a levou ao pronto-atendimento, onde fez lavagem estomacal. Desde então, algumas coisas mudaram. Os filhos decidiram voltar a morar com ela, estão se reaproximando e têm conversado muito com a mãe. Levaramna ao shopping recentemente e lhe deram muitos presentes. Ela tem se sentido feliz com tudo isso, mas às vezes tem a impressão de que não se importa muito. Tem se sentido como se nada importasse e acha que pode perder o controle a qualquer momento. Pensa muito ainda no ex-namorado e mantém contato com a família dele diariamente, com a desculpa de ser madrinha da sobrinha dele, mas o que quer é obter notícias a seu respeito. Ele sempre a procura e às vezes se encontram. Hoje percebe o quanto ele é interesseiro, manipulador e aproveitador e o quanto ele precisa de alguém para se realizar, não buscando as conquistas sozinho. Mesmo assim, ela ainda tem vontade de estar com ele e de reatar o relacionamento. Todos dizem a ela que ela tem tudo, é jovem e bonita, mas ela ainda sente falta de algo que não sabe bem o que é, e acha que é ele. Hoje é vista pela família como uma irresponsável inclusive cortando laços com uma das irmãs. 49 7. RESULTADOS DA PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS Inicialmente é possível traçar o perfil das entrevistadas, utilizando seus dados de identificação e de critérios para a participação na pesquisa, conforme tabela 01. Tabela 01: Perfil das participantes Idade Filhos 25 anos 25 anos 32 anos Um menino de 4 anos Uma menina de 2 anos Um menino de 13 anos Estado Civil Escolaridade Casada 6ª série Separada 5ª série 1° grau Casada completo Profissão Caixa de supermercado Cabeleireira e manicure Doméstica Dois rapazes, 45 anos um de 19 e outro de 21 Divorciada 2º grau incompleto Vendedora anos Na tabela acima mostrada é possível verificar que as participantes da pesquisa têm idades entre 25 e 45 anos, sendo que duas delas têm 25 anos. Todas elas têm filhos de idades variáveis. Além disso, um dos aspectos importantes para a pesquisa é que todas estão em um relacionamento estável ou estiveram. A escolaridade destas mulheres varia entre a 5ª série e o 2º grau incompleto e todas exercem profissões fora de casa. Também é possível ter uma perspectiva das participantes em relação às tentativas de suicídio, conforme tabela 02. Esses dados condizem ao número de tentativas de suicídio de cada participante e há quanto tempo foi a última tentativa em relação à data da entrevista. 50 Tabela 02: Tentativas de suicídio Número de tentativas Há quanto tempo foi a última tentativa 01 1 ano e 3 meses 01 7 meses “perdeu as contas” (sic) 8 meses 02 1 mês A tabela 02 revela que duas participantes fizeram apenas uma tentativa de suicídio durante a vida, outra participante cometeu o ato duas vezes e a outra relata que já perdeu as contas de quantas vezes o fez. O tempo passado do ocorrido da tentativa de suicídio varia entre as participantes, sendo entre 1 ano e 3 meses até a apenas 1 mês da entrevista para a pesquisa. A tabela número 03 mostra os dados obtidos através das Escalas de Beck sobre quantas participantes ainda permanecem com ideação suicida e qual a gravidade desta ideação e também qual o grau de desesperança revelado em cada uma. Tabela 03: Resultados das Escalas de Beck Escala de desesperança Participante Escala de Ideação Suicida (BSI) V. A. S 11 Ideação suicida leve 15 S. F. 03 Não há ideação suicida 01 R. A. F. P. 04 Não há ideação suicida 10 T. M. P. 10 Ideação suicida leve 13 (BHS) Grave desesperança Mínima desesperança Moderada desesperança Moderada desesperança Visualizando-se a tabela 03 percebe-se que duas das participantes apresentam ideação suicida leve, segundo a aplicação da Escala de Ideação 51 Suicida de Beck (BSI), com um índice de 13 e 15 no escore total. Já as outras duas não apresentam ideação suicida, segundo a mesma escala, com escores 03 e 04. Em relação à aplicação da Escala de Desesperança de Beck, duas participantes apresentam moderada desesperança, com pontuação referente a 10 e 13. Uma participante apresenta mínima desesperança, com pontuação 01. A outra participante apresenta grave desesperança, com escore 15. Dando início à análise mais aprofundada dos dados colhidos na entrevista clínica semi-estruturada, foram encontradas dezessete categorias de comportamentos, sentimentos ou pensamentos descritos pelas participantes. A análise categórica é uma forma de analisar dados subjetivos de diversas pessoas, através de comparação das respostas. São encontradas e definidas categorias, de acordo com os próprios dados analisados, e pode-se ter a perspectiva de sentimentos, comportamentos ou pensamentos coincidentes ou não. A tabela número 04 evidencia as dezessete categorias definidas e a quantidade de participantes que se enquadra em tal dado. As categorias são definidas aqui por uma frase, que sintetiza a expressão utilizada pela participante. Tabela 04: Categorias de análise Categoria Número de Quais participantes participantes V. S. R. 3 * * * Pais rígidos 2 * * Excesso de cobrança e responsabilidades 3 * * * Desejo de mostrar aos outros que é capaz 3 * * * Casamento precoce 4 * * * 3 * * * 3 * * Sentimento de abandono e não pertença na infância Casamento como tentativa de sair da família de origem Apego demasiado a alguém, como se fosse a única perspectiva de vida Relacionamento amoroso não recíproco – 3 * T. * * * * 52 só ela se dedicava à relação Casos de alcoolismo nos parceiros 2 Traída no relacionamento amoroso 4 Desejo de perdoar a traição e deixar tudo como está Pedidos de ajuda ou avisos de que o suicídio poderia ocorrer Estava sozinha no momento da tentativa de suicídio Não pensou muito no momento da tentativa, queria sumir, acabar com a dor Teve maior atenção e proximidade das pessoas após a tentativa de suicídio * * * * * * 4 * * * * 3 * * * 4 * * * * 4 * * * * * * * 3 Nada mudou após a tentativa de suicídio 2 * * Ainda tem vontade de sumir, desaparecer 3 * * * A tabela 04 mostra as categorias de dados obtidas no estudo através da aplicação da entrevista semi-estruturada, organizados em ordem cronológica no decorrer da vida das participantes. Evidencia-se que três participantes apresentam sentimentos de abandono e não pertença durante a infância, duas relatam ter pais extremamente rígidos na mesma época e três relatam excesso de cobranças e responsabilidades quando crianças. Três participantes revelam um desejo de provar aos outros suas capacidades de vencer. Todas as participantes tiveram casamentos precoces e três delas revelam este casamento como estratégia para sair da família de origem. Três participantes apegaram-se demasiadamente ao parceiro, como uma única perspectiva de vida e três delas apresentam um relacionamento não recíproco, com apenas a dedicação da parte delas. Duas delas revelam problemas de alcoolismo no parceiro. Todas as participantes foram traídas pelo companheiro, que mantinha relacionamento extra-conjugais, e todas revelaram desejo de perdoar este fato e permanecer na relação como sempre foi. 53 Três participantes revelam terem pedido ajuda ou tentado resolver o problema antes de cometer a tentativa de suicídio, mas sentiram que foi em vão. Todas elas estavam sozinhas no momento da tentativa de suicídio e todas revelam que o único desejo era acabar com a dor emocional que estavam sentindo. Após o episódio da tentativa de suicídio, três consideram que tiveram mais proximidade das pessoas, e duas consideram que nada mudou. Três participantes revelam que ainda têm vontade de desaparecer do mundo. De acordo com as categorias de dados descritas acima, pode-se iniciar um estudo sobre tais fatores. É possível, através de tais categorias, descrever por que as mulheres participantes da pesquisa se tornaram pretendentes de uma tentativa de suicídio, bem como analisar quais foram seus precedentes. O significado da tentativa de suicídio na vida de cada uma delas também pode ser descrito. Em relação às questões precedentes da tentativa, é necessário avaliar a história de vida de cada uma delas. Não é possível colocar que a tentativa de suicídio ocorreu devido a uma situação pontual, apesar de ser assim que todas as participantes descreveram o fato. A participante T. nem ao menos quis relatar sua infância detalhadamente, pois considerou que não haveria nada naquele tempo relacionado ao momento presente. Porém, nas respostas das outras três participantes aparece um fator extremamente importante, que é o sentimento de abandono ou de não pertença na família de origem. Isso apareceu fortemente em frases como “sentia que não havia ninguém para me defender” (sic), “minha mãe xingava muito a mim e minhas irmãs e era muito grosseira” (sic), “sempre tive a sensação de que as pessoas não gostavam muito de mim” (sic). A questão do desenvolvimento infantil é extremamente importante na formação do indivíduo. Os estudos psicodinâmicos revelam que são as primeiras relações infantis que colocam a criança em contato com o mundo externo e que, portanto, irão definir sua forma de relação futura com o ambiente. Tais relações devem proporcionar segurança e conforto, caso contrário ocasionarão um indivíduo que formará sempre vínculos angustiados. Kanner (1972) enfatiza que deve-se prestar atenção principalmente aos estados afetivos que formam o 54 essencial da personalidade. A segurança é um dos estados emocionais mais significativos e a articulação afetiva na infância une a pessoa total com sua situação de vida, total e acumulativa. Viscott (1982) afirma que as crianças tendem a se sentir inseguras e vulneráveis por serem pequenas e relativamente indefesas e dependentes da força de outrem. Elas têm de estar em paz com o seu benfeitor, o que implica em não fazer nada que as afaste de seu relacionamento de proteção. Os jovens não se sentem donos de si mesmos. Não sentem que podem ser eles mesmos sem algum risco de perderem sua proteção. De acordo com as afirmações dos autores supracitados, pode-se pensar que, nos casos aqui em questão, as mulheres não tiveram alguém na infância que lhes proporcionasse segurança e proteção, na fase em que eram extremamente dependentes de outras pessoas para tal. Desta forma, desenvolveram-se em busca desses sentimentos não obtidos em tempos anteriores, desenvolvendo relações angustiosas. Elas passam a vida em busca da aceitação de outras pessoas, consideram-se carentes emocionalmente e fazem muito para agradar aos outros. Segundo Marcelli (1998), a carência afetiva é múltipla, tanto em sua natureza quanto em sua forma. É impossível defini-la de maneira unívoca, pois é necessário levar em conta três dimensões na interação mãe-filho: a insuficiência de interação que remete à ausência da mãe ou substituto materno, a descontinuidade dos laços que coloca em cena as separações, quaisquer que sejam seus motivos e a distorção que presta contas da qualidade do aporte materno (mãe caótica ou imprevisível). Segundo Bowlby (1998), as pessoas predispostas a estabelecer apegos angustiosos e ambivalentes apresentam muito maior probabilidade de que as pessoas que crescem com segurança de terem tido pais que, por motivos relacionados às suas próprias infâncias e/ou dificuldades no casamento, consideraram um peso o desejo de amor e de cuidados de seus filhos, e reagiram a isso com irritação – ignorando-os, censurado-os, ou pregando moral. Além disso, as pessoas angustiadas apresentam maior probabilidade do que outras de 55 terem sofrido também experiências desequilibrantes. Por exemplo, algumas terão recebido cuidados cotidianos de uma sucessão de pessoas diferentes; outras terão passado períodos limitados em creches residenciais, onde receberam pouca ou nenhuma assistência substitutiva dos cuidados maternos; e outras ainda terão pais separados ou divorciados. Outras, finalmente, terão sofrido alguma perda na infância. Observando os casos estudados, tem-se a experiência de uma criança que teve de ser cuidada por pessoas substitutivas aos pais, pois o pai morreu precocemente e a mãe era muito doente e veio a falecer mais tarde. Esta mulher relata que os cuidados recebidos pelos tios não eram, de forma alguma, algo que lhe proporcionava tranqüilidade e bem estar. Outra participante teve pais irritados e indispostos a proporcionar o afeto exigido pelos filhos. Tem-se também a experiência de uma mulher que teve perdas na infância, de um colega da mesma idade, fato este que a marcou muito. Todas sentiam-se extremamente cobradas desde crianças. Continuando com o mesmo autor, afirma-se que nos estudos mais antigos das experiências infantis que levaram a uma ansiedade muito intensa, dá-se a ênfase especial às ameaças dos pais de abandonarem o filho ou de se suicidarem. Diante dessas ameaças, feitas muitas vezes deliberadamente por uma mãe exasperada numa tentativa de controlar o filho, a criança fica muito ansiosa com a possibilidade de perdê-la para sempre. Há também a possibilidade de que a criança sinta raiva dela, embora até a adolescência não expresse essa raiva aberta e diretamente. (BOWLBY, 1998, p. 227) Esse sentimento de ansiedade intensa em relação à possibilidade constante de perder o dos pais aparece no relato das participantes desde suas infâncias. Nessa ameaça de se não agradar não será amada é que se desenvolve a ansiedade e angústia, e principalmente é nessa forma de funcionamento entre pais e filhos que se desenvolve a insegurança, o sentimento de incapacidade e de menos valia. Quando adultas, elas estabelecem relação amorosas repetindo este mesmo funcionamento. O medo constante de perder o amor do outro é bastante evidente nas participantes deste estudo e será tratado mais adiante. 56 Em acordo com Marcelli (1998), a repetição de separações na infância também parece muito nociva, pois a criança rapidamente desenvolve uma extrema sensibilidade e uma angústia permanente que se traduz por uma expressiva dependência ao seu meio. Há razões para pensar que o sujeito permanece vulnerável às ameaças de separação que podem intervir posteriormente. São efeitos muito danosos à personalidade. Nos casos aqui estudados, percebe-se que as relações infantis não proporcionaram segurança ou confiança. A família de origem não foi contingente, não propiciou sentimento de pertença, nem de autonomia de formas equilibradas. Percebe-se que a saída dos filhos de casa precocemente e o desejo de não ter mais responsabilidade sobre eles predominava nos pais destas mulheres. Segundo Minuchin e Fishman (1990), a estrutura familiar governa o funcionamento dos membros da família, delineando sua gama de comportamentos e facilitando sua interação. Uma forma viável de estrutura familiar é necessária para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio para a individuação ao mesmo tempo em que provê um sentido de pertença. As participantes deste estudo, ao lembrarem de seu passado referem-se a pais rígidos, que impuseram excesso de cobranças e responsabilidades, carecendo de uma relação afetiva de aceitação e pertencimento, conforme afirmativas: “eu não podia contrariar a minha mãe, tinha sempre que seguir as regras e a ordem” (sic), “nunca tive muita oportunidade de brincar, relaxar ou estudar... tive que trabalhar muito cedo” (sic), “eles (os pais) tinham condições financeiras razoáveis, mas exigiam que a gente trabalhasse” (sic), “quando eu tinha 13 anos fugi de casa pois meu pai era muito rígido e não aceitava minhas coisas” (sic), “por ser a mais velha, sempre tive de ser batalhadora, independente e correr atrás das minhas coisas” (sic). Kanner (1972) enfatiza que as crianças não se preocupam com a segurança econômica nem profissional e que as principais fontes de segurança são o afeto e a aceitação. Diante da exigência que essas mulheres vivenciaram muito cedo, não lhe restou outro caminho que não buscar sua independência. Segundo Minuchin e Fishman (1990), todo o ser humano se vê como uma unidade, um todo e pouco se 57 conhece como parte de uma estrutura familiar, porém, sabe que influencia sobre o comportamento de outros indivíduos e que eles influenciam o seu. Quando interage dentro da família, experiencia o mapeamento do mundo da família, conhecendo regras, sinais, territórios e marcas. Quando se atravessa estes limites, o membro da família encontrará algum mecanismo regulador, com os quais concordará ou os desafiará. Porém, existem áreas proibidas na família, e quando ocorre a transgressão destas, as conseqüências são sentimentos de culpa e ansiedade e ainda o medo de ser banido. Assim, dentro de um funcionamento familiar, dificilmente o indivíduo, como parte desta estrutura, conseguirá desobedecer tal padrão. O que as mulheres deste estudo buscaram fazer foi procurar precocemente sua independência da família de origem. Nestas decisões percebe-se que a princípio há o desejo de buscar em alguém um afeto, que na família não se encontrou, e também o funcionamento da família que empurra forçosamente tal membro para a busca da autonomia. A saída dos filhos de casa é uma etapa esperada dentro do ciclo de vida familiar descrito por Carter e McGoldrick (1995). Duvall (1977, in CARTER e MCGOLDRICK, 1995) separou o ciclo de vida familiar em oito estágios, todos referentes aos eventos nodais relacionados às idas e vindas dos membros da família: casamento, o nascimento e a educação dos filhos, a saída dos filhos do lar, aposentadoria e morte. Porém, quando estas etapas não ocorrem de maneira natural ou funcional, ocorrem forçosamente, como nos casos aqui vistos, os objetivos parecem um pouco turvos ou equivocados. Casar-se para sair de casa e livrar-se de uma condição que se aproxima do insuportável não fará alguém se livrar de tal condição. As relações estabelecidas na infância não desaparecerão pelo afastamento físico dos pais, elas deixam marcas na formação do indivíduo que serão levadas eternamente. Os relacionamentos com os pais, irmãos e outros membros da família passam por estágios, na medida em que a pessoa se move ao longo do ciclo de vida, exatamente como acontece com os relacionamentos progenitor-filho e 58 conjugal. Entretanto, é extremamente difícil pensar na família como um todo, em virtude da complexidade envolvida. Como um sistema movendo-se através do tempo, a família possui propriedades basicamente diferentes de todos os outros sistemas. Diferentemente de todas as outras organizações, as famílias incorporam novos membros apenas pelo nascimento, adoção ou casamento, e os membros podem ir embora somente pela morte, se é que então. Embora as famílias também tenham papéis e funções, o seu principal valor são os relacionamentos, que são insubstituíveis. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p. 09) Todas as quatro mulheres aqui estudadas tiverem casamentos precoces, independente de ser a relação atual ou anterior. Elas relatam casamentos aos 15, 18, 20 e 25 anos. A idade em que ocorreu o casamento não ganha tanta importância diante do significado dessas uniões em sua vida e da forma como ocorreram. Fica bastante evidente na maioria dos relatos o casamento como estratégia para sair da casa dos pais. Duas participantes relatam que não se apaixonaram pelo marido, mas que acharam interessante se casar: “não me apaixonei, mas casamos porque eu achava que estava grávida!” (sic), “conheci ele no mercado onde trabalhávamos e um ano depois nos casamos. Não gosto muito do meu casamento, pois temos muitas brigas e discussões. Ele bebe.” (sic). São justamente as participantes que ainda permanecem com o primeiro companheiro. As outras duas mulheres pesquisadas casaram-se mas separaram-se. Porém, logo após esta separação encontraram outra pessoa pela qual tiveram um grande sentimento amoroso. Todas elas, seja no primeiro relacionamento ou em relacionamento após a separação, buscam uma espécie de salvação em outra pessoa. Parecem estar buscando ainda aquele apego que não puderam ter quando crianças. Segundo Viscott (1982), a condição infantil de ser vulnerável também implica em estar aberto. Mas a maioria das pessoas não pode suportar por muito tempo esta condição sem logo se tornarem defensivas. Para aceitar a vulnerabilidade sem se tornar defensivo, precisa-se de uma crença básica na própria bondade e força interior, a crença de que se tem o controle da situação. O grande momento 59 decisivo para a grande maioria das pessoas é aceitar sua insegurança e parar de tentar ocultá-la. Aqui não se observa uma aceitação da vulnerabilidade, mas sim uma tentativa de ocultação da insegurança, com a escolha de um outro individuo, que deverá suprir todas as necessidades emocionais de quem a escolheu. É como uma sentença, uma condenação: “você e eu deveremos permanecer juntos para toda a vida, eu dependendo de você e você suprindo minhas necessidades”. O depósito de todas as expectativas de felicidade em um outro ser humano é um comportamento típico de pessoas que não tiveram experiência de afeto e segurança em tempos anteriores. Repetem então, na vida adulta, a posição de vulnerável e a necessidade de alguém que as proteja e supra. Viscott (1982, p. 32) afirma sobre o desenvolvimento saudável que o indivíduo, “ao crescer, aprende que, por mais poderosa que fosse a pessoa que o protegia, nem sempre podia-se contar com ela para o proteger e, mesmo que ela pudesse, nem sempre essa pessoa sabia o que é que o ameaçava, do que é que o deveria proteger.” Estas mulheres não tiveram tal experiência, permanecem a procura de alguém poderoso que as proporcione afeto, segurança e proteção. O pensamento apresenta-se na fantasia e não na realidade. Segundo Minuchin (1990), quando acontece a formação de um novo casal, este deve definir novos padrões de se relacionar. O holon conjugal deve aprender a lidar com conflito, que ocorre inevitavelmente, quando duas pessoas estão formando uma nova unidade. O desenvolvimento de padrões viáveis de expressar e resolver o conflito é parte crucial desse período inicial. Bowlby (1998) afirma que desde Freud, os psicanalistas têm ressaltado a tendência das pessoas, que tiveram uma falta real de afeto, a estabelecer, desde a infância, relações angustiosas e ambivalentes com as pessoas de que gostam. Freud as descreve como personalidades que combinam “uma forte fixação ao objeto de amor” com reduzida capacidade de resistência à frustração e ao desapontamento. Pois é frustração e desapontamento que todas as mulheres desta pesquisa descrevem sobre seus relacionamentos amorosos. A sensação de não ser 60 correspondida e de ser a única que se dedica à construção da relação é bastante evidente em suas falas. Alguns exemplos são “ele era muito imaturo e só queria se aproveitar de mim” (sic), “ele sai do trabalho e vai para o bar, encontrar os amigos, demora para vir para a casa” (sic), “ele não era muito presente na minha vida, só me pedia dinheiro e o carro” (sic). Mesmo com esta situação conjugal, estas mulheres não desenvolveram nenhum comportamento em destino à mudança. Não era confortável estar nesta relação, mas mesmo assim, deveriam continuar, queriam permanecer com aquele homem. Segundo Rosset (2005, p. 95), “ser independente numa relação amorosa de parceria significa também ter o direito e a responsabilidade de tomar decisões pessoais sem consultar o parceiro ou até sem a aceitação dele. Independência pressupõe responsabilidade, escolhas, preços e riscos.” Não foi a conquista destas mulheres, que são dependentes desta relação, justamente por sofrerem uma falta de afeto tão essencial na infância, como já foi descrito anteriormente. Em acordo com a abordagem sistêmica, o princípio de complementariedade coloca que existem relações baseadas na igualdade, com uma relação simétrica, onde os parceiros tendem a refletir sobre o comportamento um do outro. E há também a relação complementar, baseada na desigualdade, em que o comportamento de um parceiro complementa o do outro. Em todas as relações estão contidas as permutas comunicacionais simétricas ou complementares, segundo se baseiam na igualdade ou na diferença. (WATZLAWICK, BEAVIN e JACKSON, 2000). Nos casos estudados no presente trabalho, houve uma disfuncionalidade na relação, ou seja, uma única forma de relação e comunicação foi cristalizada. Assim, quando um membro da relação é extremamente apegado e dependente, o outro tende a afastar-se, tornar-se independente e até mesmo desinteressado. Segundo Rosset (2005), a relação amorosa é a relação que mais traz à tona as dificuldades e as aprendizagens necessárias ligadas às questões de independência e dependência. Uma relação amorosa não consegue se estabelecer se não houver um movimento de dependência emocional dos 61 envolvidos, pois se cada um se interessa só pela sua vida e suas questões, não haverá uma construção conjunta de relação. A mesma autora afirma que o grande desafio, então, é reorganizar as questões de dependência conforme a relação vai acontecendo, estruturando-se e modificando-se. A dependência é necessária, pois a vida em comum força os parceiros a assumirem decisões quanto ao que farão juntos ou a que irão partilhar, ao mesmo tempo, eles precisam ser independentes e assumirem o que não farão juntos ou o que não irão partilhar. (ROSSET, 2005, p. 94) A independência garante riqueza e diversificação do casal. Mantendo aspectos individuais, cada um dos cônjuges terá experiências e aprendizagens únicas, ao voltar para o casal, ambos trarão novos itens para a relação. (ROSSET, 2005, p. 94) Nas mulheres estudadas, a independência do cônjuge é extrema, bem como a dependência que elas apresentam em relação a eles, colocando-se em uma posição que chega a ser próxima do masoquismo. Aceitam tudo que eles fazem, fecham os olhos para aspectos negativos, e mesmo diante de tanto sofrimento, permanecem na relação. “A masoquista coloca a dor na posição central. É a própria masoquista quem perpetua a norma de sofrimento em sua vida, sobretudo mediante processos de comunicação que alertam outras pessoas para sua inclinação à submissão e seu medo do poder que exercem sobre ela.” (SHAINESS, 1991, p. 10) A dependência do parceiro por elas desenvolvida em suas relações também é temperada com o forte medo de perdê-lo. Voltando na questão do desenvolvimento infantil e da tese afirmada neste estudo de que as relações, na vida adulta, estabelecidas por estas mulheres são uma tentativa de resgate de uma relação afetiva na infância que não ocorreu, Bowlby (1998) tem a contribuir quando coloca que não obstante, embora as pessoas que estabelecem apegos angustiosos e ambivalentes tenham, provavelmente, sofrido interrupções da assistência paterna ou materna e/ou muitas vezes tenham sido rejeitadas pelos pais, é mais provável que essa rejeição tenha sido intermitente e parcial do que total. Conseqüentemente as crianças, ainda na esperança de obter amor e 62 cuidado e ao mesmo tempo profundamente angustiadas com a possibilidade de serem esquecidas ou abandonadas, aumentam suas exigências de atenção e afeto, recusando-se a ficar sozinhas e protestando com raiva quando isso acontece. Estas mulheres apresentam uma maior exigência afetiva e de atenção e dependem disso, temendo fortemente perder a pessoa escolhida para lhes proporcionar tais fatores. Quando na infância, de acordo com o mesmo autor supracitado, a falta de atenção e afeto traz um comportamento resultante de conformismo angustiado ou rebeldia com raiva, com um verniz de indiferença, isso depende, em parte, da existência de uma afeição maternal autêntica, além das ameaças, e, em parte, do sexo, da idade e temperamento da criança. De qualquer modo a pessoa é levada a acreditar, de maneira inquestionável, que, se a mãe desaparecer, a culpa será totalmente sua. Não é de se espantar, portanto, que quando a mãe morre, ou mais tarde a esposa ou o esposo, a pessoa se culpe por isso. (BOWLBY, 1998, p. 230) Assim, além da dependência de outrem, do medo de perder, elas ainda apresentam sentimento de culpa, caso essa perda ocorra. Por isso, mantém-se comportadas passivamente diante dos acontecimentos, e sempre em acordo com o desejo do parceiro, para não perdê-lo e principalmente, para não sofrerem a culpa de ter perdido. Elas se encontram, novamente, na mesma situação que estavam enquanto crianças. Com a descrição realizada sobre os relacionamentos estabelecidos pelas mulheres estudadas, um cônjuge afastado demasiadamente de sua parceira apresenta a possibilidade de sentir-se disposto a iniciar outros relacionamentos, e ocorre a traição, a comprovação da traição e em seguida, o fim do relacionamento ou a ameaça de que este se acabe, fatores descritos por absolutamente todas as participantes como causa da tentativa de suicídio. A infidelidade é a quebra de confiança, a traição de um relacionamento, o rompimento de um acordo. A infidelidade traz conseqüências para o cônjuge, para o que traiu, para a relação e para os filhos. Tais conseqüências envolvem dores, inseguranças, mágoas, vinganças e culpas. (ROSSET, 2005, p. 101 e 104) 63 Para as participantes, a traição tomou uma dimensão ainda maior. Descrevem sentimentos como se seu mundo tivesse acabado, como se nada mais restasse se não tentar resgatar aquela relação ou deixar de viver. As frases marcantes são: “me senti sem nenhuma esperança, ele sempre foi minha única esperança de vida” (sic), “eu tinha que acabar com aquela pessoa fracassada, incapaz e não merecedora que era eu mesma” (sic), “eu não tinha mais sentimento por nada, perdi o amor por tudo e minha vida não tinha mais graça” (sic). Esses sentimentos decorrem do tipo de relação estabelecida por elas, de acreditar que aquela pessoa supriria todas as suas necessidades. Marcelli (1998) afirma que episódios posteriores à infância de insuficiência, de distanciamento ou de descontinuidade das relações interpessoais podem fazer com que reapareçam alterações que, de outra forma, teriam sido mais ou menos totalmente reversíveis. Mesmo com toda essa gama de sentimentos, a ambivalência apresentada pelas participantes faz com que apresentem também um desejo de permanecer na relação e perdoar a traição. Retomar a pseudo-segurança que viviam, deixar as coisas como estavam. Este tema será abordado mais detalhadamente em seguida. Como o objetivo do comportamento de apego é manter um laço afetivo, qualquer situação que parece colocar em risco esse laço provoca ação destinada a preservá-lo. E quanto maior parecer o risco de perda, mais intensas e variadas serão as reações para evitá-la. Nessas circunstâncias, todas as formas mais poderosas de comportamento de apego são ativadas – agarramento, choro e talvez coação raivosa. Essa é a fase de protesto e de tensão fisiológica aguda e de aflição emocional. Quando essas ações são bem-sucedidas, o laço é restabelecido, as atividades cessam e os estados de tensão e aflição são aliviados. Quando, porém, o esforço para restabelecer o laço é mal-sucedido, mais cedo ou mais tarde o esforço esmorece. (BOWLBY, 1998, p. 41 - 42) Marcelli (1998) que relata as três fases de reação à separação, descrito também por Bowlby (1998), como o protesto, o desespero e o desapego. 64 Psicodinamicamente interpreta-se como a expressão da dor e do sofrimento, a manifestação da depressão e do luto e o trabalho psíquico e de reconstrução A forma de tentativa de resgate do relacionamento descrito pelas participantes constituiu-se de conversas com os parceiros, conversas com outras pessoas, mas sempre havendo predomínio do sentimento de desespero. Elas enfatizam que tanto para as pessoas que acompanhavam a situação, como para o cônjuge, o desespero que apresentavam era muito extremado e chegavam a serem incompreendidas. De acordo com Viscott (1982, p. 32) “todo mundo já passou por uma mágoa na vida. Muitas vezes as perdas mais óbvias, mesmo para um observador casual, são difíceis de se reconhecer, porque ficamos mais magoados especialmente onde nossas defesas operam.” E estas mulheres, pela sua própria história de vida, apresentam uma falta afetiva primordial, da qual sempre precisam defender-se. Mesmo diante da sensação que relatam estas mulheres, de não terem sido ouvidas e compreendidas, de acordo com Watzlawick, Beavin e Jackson (2000), todo o comportamento, numa situação interacional, tem valor de mensagem, é comunicação, por mais que o indivíduo se esforce, é-lhe impossível não comunicar. Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui um valor de mensagem; influenciam outros e estes outros, por sua vez, não podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão comunicando. Isso explica que estas mulheres comunicaram seus sentimentos, e mesmo a falta de reação dos cônjuges foi uma forma de comunicação deles em resposta ao que elas estavam mostrando. E, possivelmente, diversas outras formas de comunicação dos sentimentos em relação à traição e ao que seria feito com o ocorrido aconteceram, mas de forma subliminar, que dificilmente seriam captadas conscientemente por estas mulheres a ponto de relatarem verbalmente suas emoções. Qualquer comunicação implica um cometimento, um compromisso; e, por conseqüência, define a relação. Isto é outra maneira de dizer que uma comunicação não só transmite informação mas, ao mesmo tempo impõe um comportamento. (WATZLAWICK, BEAVIN e JACKSON, 2000, p. 47) 65 O que ocorre é que diante de uma crise, de um conflito, cada pessoa reage de acordo com seu funcionamento e seus mecanismos psíquicos. Deve ser outra vez frisado que o conflito, quer intrapsíquico, quer entre o organismo e o meio ambiente, é um fenômeno ubíquo na vida humana. A natureza e a intensidade desses conflitos variam de pessoa para pessoa, assim como de ocasião para ocasião, dentro do espaço vital do indivíduo. Já foi posto em relevo que durante o desenvolvimento psicológico, desde a infância até a maturidade, o conflito é inevitável. De fato, em quantidades ideais e na idade apropriada, o conflito serve para estimular o desenvolvimento do ego em termos de domínio ou de capacidade de adaptação e tolerância à frustração. (DEWALD, 1981, p. 70-71) Os mecanismos de adaptação a uma nova situação e de enfrentamento de conflitos e crises estão bem descritos por Dewald (1981). A presença de reações emocionais não é patognomônica de psicopatologia ou de formação de sintomas neuróticos. A resolução e a adaptação não-neurótica de um conflito implicará, pelo menos parcialmente, o conhecimento consciente da existência de tal conflito, seja intrapsíquico, seja de relacionamento com o meio ambiente. Além disso, deverá haver na resolução a utilização de lógica e do pensamento do processo secundário, o que será empreendido dentro da estrutura do princípio de realidade. Deverá haver um uso mínimo de mecanismos de defesa do ego, uma ocorrência mínima de regressão fixada, assim como de restrição e inibição de outras funções do ego. De acordo com esta afirmação de Dewald (1981), quando diante de um conflito ou crise, o ser humano regride a pontos anteriormente vivenciados na busca de uma resolução. A dimensão de tal conflito para as mulheres desta pesquisa as leva a lembranças, ainda que inconscientes, da rejeição que sofreram enquanto crianças. Sem dúvida estas lembranças trazem sentimentos de desespero, desamparo e desesperança, justamente os sentimentos apontados como tipicamente antecedentes de um episódio de tentativa de suicídio. Dewald (1981), coloca que, em outras palavras, num nível descritivo, isso implicará a intenção, orientada para a realidade, de resolver e modificar a situação, de maneira que o conflito seja eliminado; ou de usar um controle e 66 repúdio consciente dos impulsos internos inaceitáveis ou seus derivados; ou de tolerar a frustração desses impulsos até que se apresentem oportunidades de satisfação orientadas para a realidade. Um conflito pode ser temporário ou permanentemente insolúvel. Neste último caso, o indivíduo normal aceitará seu conflito e aprenderá a lidar com ele sem elaboração secundária nem regressão que dirija para a formação de um sintoma neurótico, ainda que possa sentir-se infeliz no estado presente. Mas, para as participantes do presente estudo, houve formação de sintoma, que pode ser analisado de formas diferentes e complementares, com auxílio da psicanálise e da psicologia sistêmica. Segundo a teoria psicanalítica, sintomas são resultados de um conflito entre desejo e censura, que entram em acordo através deste sintoma, que se torna uma nova forma de satisfação da libido, sustentada por ambas as partes. Porém, são entendidos como atos prejudiciais, ou pelo menos inúteis à vida da pessoa que deles se queixa como sendo indesejados e causadores de desprazer. (FREUD, 1916) Aprofundando mais a questão do sintoma para a psicanálise, por muitas situações na vida de um sujeito a libido torna-se insatisfeita, ao entrar em contato com a realidade intransigente. Os sintomas criam um substituto para a satisfação frustrada, permitindo a regressão da libido a épocas anteriores, um retorno a estádios anteriores de escolha objetal ou de organização, onde há tempos encontrou satisfação, mas que já havia abandonado. Porém, o ego não permite que esta realização ocorra, não concorda com esta regressão, e causa mais um conflito, em que a libido encontra-se duplamente frustrada. Mas a libido procura escapar do ego, para encontrar descarga, e em direção do princípio do prazer, retira-se, torna-se inconsciente e assim encontra as fixações já reprimidas pelo ego. Agora está sujeita aos processos de deslocamento e condensação e pode repetir este tipo de satisfação infantil, de uma forma totalmente deformada e distorcida e muitas vezes transformada em sensação de sofrimento. (FREUD, 1916) 67 Importante ressaltar o que Freud sempre descreveu como fantasia no sintoma. As experiências infantis de satisfação nem sempre são verdadeiras e por vezes são fantasias que o sujeito cria para preencher lacunas no seu inconsciente para fatos para os quais não tem uma explicação. Tomando o pensamento psicodinâmico em acordo com o descrito acima por Freud (1916), o sintoma das mulheres desta pesquisa seria seu comportamento de formar vínculos angustiosos com homens que não se dedicam à relação, pelo contrário, não lhes fornece o afeto, atenção e segurança de que necessitam. Neste sentido, o sintoma é uma repetição, um retorno ao ponto de fixação. Aquele ponto infantil em que queriam afeto, atenção e proteção e não o tinham, e sobre o qual provavelmente desenvolveram uma fantasia defensiva que as faz crer que aquilo era satisfatório. Esta fantasia é um mecanismo necessário no sentido de proteger o sujeito de uma situação intolerável que é a rejeição infantil. Sendo assim, na busca deste ponto de fixação que fantasiosamente é um ponto de satisfação, estas mulheres buscam relações que as proporcione a falta de afeto, de segurança e proteção, bem como tinham nas primeiras experiências. Tudo de forma bastante inconsciente, como descrito anteriormente. Tomando um olhar mais sistêmico sobre o sintoma, teremos outras considerações. Para a teoria sistêmica, o sintoma é útil e revela algo que está acontecendo e quais as aprendizagens necessárias. Minuchin e Fishman (1990), descrevem o sintoma sempre em relação à família do indivíduo. Para a escola estratégica, o sintoma é uma solução protetora e o portador do sintoma se sacrifica para defender a homeostase familiar. Já para a escola estruturalista, que olha para a família como um organismo, esta proteção não é uma resposta intencional “auxiliadora”, mas sim a reação de um organismo sob tensão. A perspectiva do ciclo de vida familiar vê os sintomas e as disfunções em relação ao funcionamento normal ao longo do tempo, e vê a terapia como ajudando a restabelecer o momento desenvolvimental da família. Ela formula problemas acerca do curso que a família seguiu em seu passado, sobre as tarefas que está tentando dominar e do futuro para o qual está se dirigindo. A família é 68 mais do que a soma de suas partes. O ciclo de vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário de desenvolvimento humano. Consideramos crucial esta perspectiva para o entendimento dos problemas emocionais que as pessoas desenvolvem na medida em que se movimentam juntas através da vida. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p.08) O sintoma, segundo o pensamento sistêmico, é a expressão das relações e serve a algum propósito. Ele mantém a coesão do grupo às custas da perda da individuação. Ele pode ser compreendido como um sinal de que algo não está bem, e surge como um paradoxo, uma dupla função, pretendendo que nada mude, mas para que algo seja feito para mudar. Pensando por este viés, o sintoma das mulheres aqui estudadas seria o episódio da tentativa de suicídio. Compreende-se que estavam atravessando a mais forte crise de suas vidas, enfrentando um conflito demasiadamente significativo em acordo com suas histórias de vida. Devido a toda sua estruturação familiar na família de origem, que se repetiu na formação da nova família ou do casal elas não têm possibilidades de solucionar o problema de maneira funcional, somente através de um sintoma. A teoria da comunicação concebe um sintoma como uma mensagem nãoverbal: não sou eu quem não quer (ou quer) fazer isto, é algo fora do meu controle; por exemplo, os meus nervos, a minha ansiedade, a minha doença, a minha vista deficiente, o álcool, o modo como fui criado, os comunistas ou a minha mulher. (WATZLAWICK, BEAVIN e JACKSON, 2000, p. 73). No caso do presente estudo, costumam acusar o marido, como quem que lhe fez despertar a vontade de morrer. Continuando com as idéias de Watzlawick, Beavin e Jackson (2000), o truque torna-se perfeito uma vez que a pessoa se convenceu de que está à mercê das forças acima do seu controle e, por conseguinte, se libertou tanto da censura dos outros significantes como dos seus próprios rebates de consciência. Isto é um sintoma. Assim, elas pretendem manter tudo como está com o sintoma. A possibilidade de o cônjuge sentir-se extremamente culpado pela sua quase morte 69 seria uma forma de fazê-lo voltar, arrependido. Assim, a relação permaneceria a mesma. Elas também pretendem provocar mudança com este comportamento sintomático, talvez arrependido, ele volte a ser carinhoso, atencioso e proporcione a segurança de que tanto necessitam. Portanto, o interessante é observar que a reação das pessoas ao comportamento suicida nem sempre é a esperada. Analisando os casos, observase que em dois casos não houve mudança significativa, mas sim a manutenção da situação. Nos outros casos, houve grandes mudanças após a tentativa de suicídio. A primeira entrevistada revela que absolutamente nada mudou em sua vida após a tentativa de suicídio, a não ser o fato de se sentir menos valorizada pelas pessoas próximas. O marido ameaçou sair de casa, mas não foi. Ela ameaçou se matar, mas não conseguiu, e absolutamente nada ocorreu. Assim como para a terceira participante da pesquisa, a tentativa de suicídio também não provocou mudanças, mas manteve a situação. A ameaça do marido de sair de casa pareceu uma situação insustentável, e foi preferível mantê-lo próximo. Chegou a ter uma reaproximação dos pais após a tentativa de suicídio, mas esta mudança não durou por muito tempo. Logo voltou ao lar com o marido e filho, e tudo permaneceu como estava. Esta mulher já cometeu diversas tentativas de suicídio, sendo que se pode afirmar que este sintoma já está operando como uma constante, e possivelmente neste caso somente um tratamento psicoterápico possa ajudar esta família. Segundo Carter e McGoldrick (1995), as famílias, caracteristicamente, não possuem uma perspectiva temporal quando estão tendo problemas. Elas geralmente tendem a magnificar o momento presente, esmagadas e imobilizadas por seus sentimentos imediatos; ou elas passam a fixar-se num momento futuro que temem ou pelo qual anseiam. Elas perdem a consciência de que a vida significa um contínuo movimento desde o passado e para o futuro, com uma continua transformação dos relacionamentos familiares. As mesmas autoras supracitadas trazem algumas explicações sobre os ciclos de vida familiar coerentes com esta pesquisa. Colocam que o estresse familiar é geralmente maior nos pontos de transição de um estágio para o outro no 70 processo desenvolvimental familiar, e os sintomas tendem a aparecer mais quando há uma interrupção ou deslocamento no ciclo de vida familiar em desdobramento. Muitas vezes, é necessário dirigir os esforços terapêuticos para ajudar os membros da família a se reorganizarem. Já para a segunda participante, ocorreram diversas mudanças após sua tentativa de suicídio. A princípio seu pensamento era de que nada mais na vida importava se o namorado não estivesse com ela. A ameaça de morte até o trouxe de volta, reataram o relacionamento e mantiveram as coisas como estavam. Mas as mudanças provocadas foram mais fortes, sendo que houve uma reaproximação da família de origem. Os relacionamentos primordiais foram revistos, houve momentos de afeto, de retificação subjetiva. Isto proporcionou um resgate de um lado saudável do funcionamento emocional desta mulher, pois a partir destes acontecimentos, foi sentindo-se cada vez mais segura de si, independente e protegida. Ela sente que tem a quem recorrer em momentos mais difíceis e portanto foi capaz de desmanchar o relacionamento e perceber que aquele rapaz não a correspondia no que necessitava. Uma nova força interior foi desenvolvida, novas aprendizagens foram realizadas. Finalmente a quarta participante revelou que houve mudanças significativas após sua segunda tentativa de suicídio. Lembrando que no primeiro episódio, ninguém a viu nem foi comunicado. Já na segunda vez, os filhos posicionaram-se extremamente preocupados, e reaproximaram-se, dando-lhe atenção e carinho na intenção de que ela não repetisse o ato. Interessante observar que para as duas, a mudança só veio com a resolução de um conflito anterior ao fato que as levaram à tentativa de suicídio. Um conflito que se estabeleceu muito anteriormente do término do relacionamento ou da traição do cônjuge. Para a segunda entrevistada, foi o resgate dos laços com os pais e irmãs, e para a quarta participante foi o resgate dos laços com os filhos rapazes, que a haviam julgado e abandonado. Para as duas entrevistadas em que a mudança não ocorreu, o desejo de morrer, sumir e acabar com sua dor permanece. O sintoma permanece, o problema permanece. 71 Para Carter e McGoldric (1995), existem muitas evidências de que os estresses familiares, que costumam ocorrer nos pontos de transição do ciclo de vida, freqüentemente criam rompimentos neste ciclo e produzem sintomas ou disfunções. E também existem crescentes evidências de que os eventos de ciclo de vida possuem um efeito continuado sobre o desenvolvimento familiar durante longo período de tempo. Portanto é necessário rever o passado da família para compreender o momento presente. Aprofundando mais este conhecimento, consideramos o fluxo de ansiedade em uma família como sendo tanto vertical quanto horizontal. O fluxo vertical em um sistema inclui padrões de relacionamento e funcionamento que são transmitidos para as gerações seguintes de uma família principalmente através do mecanismo de triangulação emocional. Ele inclui todas as atitudes, tabus, expectativas, rótulos e questões opressivas familiares com as quais nós crescemos. Poderíamos dizer que esses aspectos de nossa vida são como a mão que nos maneja: eles são dados. O que fazemos com eles é problema nosso. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p. 11) O fluxo horizontal no sistema inclui a ansiedade produzida pelos estresses na família conforme ela avança no tempo, lidando com as mudanças e transições do ciclo de vida familiar. Isso inclui tanto os estresses desenvolvimentais predizíveis quanto os eventos impredizíveis, “os golpes de um destino ultrajante” que podem romper o processo de ciclo de vida. Dado um estresse suficiente no eixo horizontal, qualquer família parecerá extremamente disfuncional. Mesmo um pequeno estresse horizontal em uma família em que o eixo vertical apresenta um estresse intenso irá criar um grande rompimento no sistema. (CARTER e MCGOLDRICK, 1995, p.12) Para melhor visualização dos casos, tem-se abaixo a Figura 01, que mostra o ocorrido e as conseqüências vividas pelas mulheres aqui pesquisadas. Diante de todas as considerações acima descritas sobre os casos estudados no presente trabalho, serão tomadas algumas conclusões, descritas a seguir. 72 Figura 01: Representação esquemática dos casos e suas conseqüências. INFÂNCIA Não proporcionou experiência afetiva, segurança ou proteção VIDA ADULTA Repetição da busca de segurança infantil ainda em uma posição de vulnerável e extremamente dependente TENTATIVA DE SUICÍDIO Percepção de que não havia conquistado a segurança e proteção que buscava. Sentimento de desespero, desesperança e desamparo. “Tudo de novo não! Se não tenho a segurança e aceitação de que preciso prefiro morrer.” Sobrevivência à tentativa de suicídio. Quais as conseqüências disso? Nada ocorre. A família de origem nem sequer fica sabendo do fato. O desejo de morrer permanece, aparecem outros sintomas, desta vez somáticos. O cônjuge permanece com a esposa. A família de origem apresenta mudança, reaproxima-se da vítima e há experiências de retificação subjetiva. A separação do cônjuge torna-se possível. O cônjuge sentese responsável pelo fato e decide ficar com a esposa. As coisas permanecem como sempre foram. A família de origem se reaproxima em um primeiro momento, mas esta mudança não dura mais de dois meses. Os filhos se reaproximam e proporcionam mais segurança e proteção à vítima. A experiência a princípio não lhe parece suficiente e o desejo de morrer permanece. Tempos depois esquece tal idéia. 73 A figura número 01 resume todos os casos aqui estudados de uma forma esquemática, possibilitando clareza na percepção de que todas as participantes apresentam fatores em comum em relação às suas histórias de vida, principalmente relativos ao tempo da infância e às conseqüências desta época, como os casamentos até chegarem no episódio da tentativa de suicídio. Porém, as conseqüências destas tentativas de suicídio foram diferentes para cada uma delas, o que evidencia que a questão do suicídio é bastante particular. É plenamente possível realizar-se estudos em que se evidenciam fatores comuns entre pessoas que cometem o suicídio ou a tentativa, mas nunca se pode esquecer que estas ocorrências abrangem histórias de vidas e subjetividades únicas e conseqüências únicas também, havendo sempre a necessidade de não generalizar e de manter a individualidade de cada caso. 74 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para melhor compreensão, e aproximação de uma conclusão, em termos gerais, pode-se evidenciar sobre cada uma das pesquisadas no presente estudo que sua infância, que não lhe proporcionou segurança ou afeto, lhe fez repetir a busca por tais fatores na vida adulta, ainda em uma posição infantil, vulnerável e dependente. Quando ocorre a compreensão de que a conquista de segurança e proteção não foi possível, é gerada uma frustração intolerável referente não só àquele momento, mas a toda a vida da pessoa, que perde o sentido e a leva a uma tentativa de suicídio. Novamente a percepção de que não havia ninguém por ela, que a pudesse defender e em quem pudesse confiar não foi sustentada. Mas o interessante é que não ocorre um suicídio, e sim uma tentativa de suicídio, ou seja, a vida continuou, não houve morte nem seqüelas físicas. Uma grande questão que surgiu, a princípio, com este estudo, é se estas mulheres cometeram uma tentativa de suicídio para definitivamente acabar com sua vida, que já não fazia mais sentido, ou se foi uma forma manipulativa de provocar mudança na relação com o parceiro. Sabe-se, pela literatura que um ato suicida tem várias funções que vão depender de cada indivíduo e situação. De acordo com Cassorla (1991), de uma forma geral, o suicida está tentando fugir de uma situação de sofrimento que chega às raias do insuportável. Frankl (1989) coloca o termo suicídio-balanço, explicando que uma pessoa só poderia decidir por uma morte voluntária baseando-se em um balanço que fez de sua vida inteira. Esse balanço é baseado no prazer, que em geral é o sentido da vida, mas tem de ser forçosamente negativo, tão negativo que o continuar vivendo chegue necessariamente a afigurar-se sem valor. O autor coloca como duvidoso que a pessoa esteja em condições de fazer tal balanço com objetividade suficiente a ponto de afirmar que não existe outra saída que não o suicídio. Muitas pessoas, ao tomarem conhecimento do episódio de tentativa de suicídio relatado por estas mulheres podem pensar em um caráter manipulativo bastante óbvio. Mas aqui, tem-se que ir mais a fundo. Ouvindo simplesmente o 75 relato das entrevistadas nota-se que tentaram o suicídio porque o marido ou companheiro não estava mais com elas ou ameaçava ir embora. Após o episódio, houve ganhos secundários, que variam desde a volta do companheiro até a reaproximação da família e dos amigos. A própria literatura a respeito das tentativas de suicídio mostra-se bastante ambivalente, com opiniões bastante variadas. Meleiro, Teng e Wang (2004) citam Kreitman e cols. (1970) que recomendaram o emprego do termo parassuicídio para referir a qualquer ato deliberado que resulta em autolesão e com desfecho não fatal, banindo a noção de intenção de morte de suas definições. Este ato seria o equivalente às tentativas de suicídio e, segundo Thompson e Bhugra (2000), citados pelos mesmos autores supracitados, esse ato tem como objetivo promover mudanças que o sujeito deseja. Continuando com os mesmos autores acima, Ayd (1995), definiu a tentativa de suicídio como qualquer ato com ameaça à vida que requer atenção médica e foi cometido com a intenção consciente de terminar com a própria vida. Representa uma ação potencialmente letal, mas não bem-sucedida. Já Cassorla (1991) afirma que até mesmo em casos de suicídio consumado o suicida não quer morrer, na verdade ele nem sabe o que é a morte. O que ele deseja é fugir do sofrimento. As fantasias inconscientes são o desejo do encontro de uma vida cheia de paz, sem sofrimento e vingança dos que ficam e vão sofrer com sua morte. Ou seja, a intencionalidade fatal é ainda uma dúvida para os estudiosos do suicídio, e principalmente para os casos de tentativas de suicídio e, possivelmente, deve ser sempre investigada particularmente em cada caso. Analisando as entrelinhas dos discursos das mulheres pesquisadas, percebendo mais profundamente os detalhes de todo o episódio, considerando-o não como um fato isolado, mas como algo dentro do contexto de toda a história de vida da pessoa, há outras considerações a serem feitas. O caráter manipulativo passa a fazer parte dos bastidores do episódio. De fato, o que ocorre é a revivência das frustrações infantis, que tanto marcaram a vida e constituíram estas mulheres. Fica bastante compreensível que a vida perca 76 o sentido, que a dor seja tão imensa e insuportável a ponto de nada mais importar e nada mais ser capaz de fazê-las parar e pensar. A dor emocional toma conta e as leva a apenas um objetivo, que é acabar com tudo. Ressalta-se que a dor emocional não é decorrente dos desentendimentos com o companheiro, mas do significado que estes desentendimentos ganham no contexto de vida das mulheres. É como se elas tivessem novamente sendo rejeitadas pela única pessoa que poderia lhes proporcionar segurança e aceitação, como se fosse uma reedição da cena infantil. Porém, não se pode negar que houve ganhos secundários em todos os casos. O interessante é que as duas participantes que tiveram como ganho a manutenção de tudo como estava, ou seja, a permanência do marido e a manutenção da relação, continuam apresentando sintomas no momento. Uma delas possui uma artrite reumática que lhe causa dores tão fortes, que chega a ter vontade de morrer. Este sintoma mostra que, se a dor emocional não foi considerada importante, tem-se dores físicas que a fazem pensar em matar-se. A outra participante continua com ideação suicida (apesar de isto não aparecer nas escalas aplicadas), com diagnóstico de depressão, realizando tratamento psicológico e psiquiátrico em CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). As outras duas participantes, que não tiveram a permanência ou volta do companheiro para a casa, tiveram ganhos de reaproximação da família de origem e resgate de auto-confiança e segurança, em um dos casos. No outro, a reaproximação dos filhos, que a proporcionou mais atenção e findou o sentimento de solidão. Em acordo com a literatura o principal tipo de motivação para os suicídios presentes neste estudo seria o suicídio desesperado, que se caracteriza pela intolerabilidade e falta de esperança que a situação oferece ao indivíduo, sendo a fuga da situação a maneira avaliada como mais adequada para resolver problemas. Geralmente, nesses casos, a decisão é ambivalente, porém, a percepção de desesperança, impotência, a crença de que nada podem fazer diante da situação, além da percepção de um futuro sem esperança e pior do que o presente, acabam favorecendo o desfecho. (BAPTISTA, 2004) 77 Assim, respondendo à pergunta proposta para tal estudo sobre qual o significado que uma tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa obtém na vida da pessoa que a comete, têm-se as seguintes reflexões ainda a tecer. A tentativa de suicídio destas mulheres foi um ato decorrente do extremo desespero vivido pela possibilidade de perda de algo considerado como único fator de aceitação que possuíam. A ingestão da grande quantidade de medicação foi uma tentativa de acabar com a dor emocional que viviam, independente se pensaram claramente em morrer, ou se esta idéia era vaga. Elas utilizaram o método suicida mais brando e principalmente mais lento, em que poderiam plenamente ter tempo de serem salvas. O que não aparece no relato destas mulheres, mas que fica claro quando se analisa mais profundamente os casos, é que este desespero não era apenas referente à perda do companheiro, mas sim, referente à confirmação de que nunca tiveram um espaço, nunca foram aceitas pelas pessoas e por isto não pertenciam ao mundo. Este sentimento, decorre, como já foi explanado neste estudo, da forma de relação que foi estabelecida na infância. Então, o significado que a tentativa de suicídio obteve na vida das pesquisadas é de uma forma desesperada de solucionar o problema vivido. O que elas parecem não ter clareza é que o problema não é a perda do companheiro, mas sim uma rejeição, e justamente a rejeição da pessoa escolhida para suprir suas faltas. Isso explica por que outras pessoas em uma mesma situação, não se comportam da mesma forma. Esse comportamento depende da história de vida da pessoa, e da maneira como ela foi constituída em suas relações. Talvez, para estas mulheres, a tentativa de suicídio possa representar uma aproximação de todo esse conhecimento sobre a sua subjetividade, principalmente para aquelas que decidiram por um tratamento psicológico após o fato. Mas, o que de mais importante esta pesquisa revela é que a reaproximação da família de origem, proporcionando uma retificação subjetiva, uma revisão destas relações infantis pode ser a oportunidade de mudança em seu 78 comportamento sintomático de buscar relações em uma posição de dependência, e pode gerar a busca por relações mais funcionais ou até saudáveis, em que a pessoa não esteja tão vulnerável aos acontecimentos externos ou ao comportamento de com quem ela se relaciona. O presente estudo então trouxe a possibilidade de aprofundar o conhecimento acerca do suicídio e principalmente no que diz respeito às tentativas de suicídio no gênero feminino. Estudando as respostas às perguntas, em alguns casos, pôde-se hipotetizar sobre fatores individuais, relacionais, história de vida e motivações pessoais, tecendo algumas correlações possíveis entre os casos. Nesta pesquisa não foi possível contemplar de forma satisfatória a questão da intencionalidade fatal dos casos, ou apenas do caráter desesperado de findar o sofrimento. Também não se contemplou com profundidade a questão manipulativa da tentativa de suicídio. Recorda-se, porém, que estas não são conclusões nem mesmo atingidas pela ampla literatura revisada para a realização deste estudo, e portanto, seria necessário focalizar pesquisas somente nestes fatores. De modo geral, a pesquisa aqui apresentada atingiu os objetivos propostos, tomando conhecimento dos precedentes de uma tentativa de suicídio, conhecendo quem são algumas das pretendentes e também os conhecimentos em relação às necessidades de mudanças e suas comunicações e principalmente sobre o significado da tentativa de suicídio na vida destas mulheres não como um fato isolado ou um episódio pontual, mas como algo que vem se processando desde os primórdios da infância. Porém, esta forma de pesquisa limita-se na quantidade, sendo de extrema dificuldade, através desta metodologia, chegar a conclusões generalistas a respeito do tema tratado. Assim, fica aqui a sugestão de continuidade do estudo, podendo-se através de equipes e com maior disponibilidade de tempo ampliar a amostra da pesquisa, para investigar de forma mais abrangente as questões subjetivas envolvidas em uma tentativa de suicídio. 79 De qualquer forma, a pesquisa cumpre a intenção preventiva e deixa um alerta às pessoas, principalmente às mulheres, sobre o quanto a insegurança afetiva na infância possa ser um dos fatores contribuintes para a escolha de um companheiro que dificilmente supre as necessidades básicas de afeto e proteção. Um alerta sobre o quanto é arriscado delegar ao outro a responsabilidade sobre a sua segurança emocional e sua proteção e afeto, e até mesmo delegar ao outro o desejo pessoal de viver ou de morrer. Rever as experiências de vida, aceitar a própria história e procurar estabilidade, investindo em si mesmo, compreendendo que aspectos positivos e negativos são contribuintes para a formação de qualquer pessoa é fundamental para o indivíduo que pretende seguir saudável na sua caminhada, já que a vida muitas vezes pode ser algo que insiste em prosseguir. 80 9. BIBLIOGRAFIA ARZENO, Maria Esther Garcia. Psicodiagnóstico clínico: novas contribuições. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. ASSUMPÇÃO, Letícia Constantino. A fantasia no sintoma. in: Terceira Jornada de Cartéis da Escola da Coisa Freudiana. Curitiba: Escola da Coisa Freudiana, 2005. BAPTISTA, Makilim Nunes (e cols.). Suicídio e depressão: atualizações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. BERTALANFFY, Ludwig Von Teoria geral dos sistemas. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1975. BOWLBY, John. Apego: a natureza do vínculo. Vol. 1 da trilogia Apego e Perda. São Paulo: Martins Fontes, 1990. ____________. Perda: tristeza e depressão. 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