1 O TRABALHO EM REDE COMO UMA ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO A FENÔMENOS SOCIAIS COMPLEXOS: UMA ALTERNATIVA DE ATUAÇÃO MEDIANTE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES Jéssica Marina Diniz Borges1 Heloísa Helena Marinho2 Marcelle Regine Silva3 RESUMO A violência doméstica contras as mulheres encontra sua gênese no processo de construção sócio-histórica do ser feminino, marcado por profundas desigualdades entre o ser referido e o ser masculino. Verifica-se que o ápice de tal relação é expresso por meio da violência doméstica contra as mulheres. A violência em âmbito privado é um fenômeno de grande proporção e de escala mundial. Dada essa dimensão, constata-se que tal violência tornou-se um problema de esfera e tratamento público. Assim, neste quadro apontam-se as políticas públicas sociais com uma ferramenta capaz de ofertar possibilidades interventivas ao profissional do Serviço Social. As políticas públicas sociais têm por finalidade a elaboração de ações que visem à redução das manifestações da questão social em detrimento da promoção do desenvolvimento social das parcelas que utilizam desta. Sobre as políticas públicas sociais convém destacar, que estas são oriundas das demandas que insurgem na sociedade - que são pautadas em um cenário que em sua essência é contraditório e conflituoso, pois, representa interesses antagônicos das parcelas populacionais. Em vista destes pontos torna-se mister observar dois pontos: a necessidade de utilização de metodologia, composta por métodos e técnicas para uma prática profissional assertiva e de novas formas criativas, propositivas e interventivas como o trabalho em rede para o tratamento de questões complexas tal qual o fenômeno da violência doméstica contra as mulheres. Palavras-chave: Gênero; Violência; Serviço Social; Rede. 1 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil. Assistente Social pelo CRESS IV Região, número de registro: 17.366 .Técnica Social do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PRESP). Email: [email protected]. 2 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil. Email: [email protected]. 3 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil. Assistente Social pelo CRESS IV Região, número de registro: 18.092. Técnica de Nível Superior no Serviço de Proteção Social a Pessoa com Deficiência. Email: [email protected]. 2 1 INTRODUÇÃO O presente artigo é um constructo baseado do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado: “A rede como ferramenta de gestão da COMDIM no enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres: possibilidades e desafios”, do curso de Serviço Social, do Centro Universitário Com base nas referências bibliográficas do referido trabalho foi possível elencar elementos que subsidiaram a construção deste trabalho. A discussão em voga tem por objetivo difundir a questão do trabalho em rede como uma ferramenta de trabalho importante para o desenvolvimento da instrumentalidade do Serviço Social, diante de problemas sociais complexos como a violência doméstica contra as mulheres. As significações delegadas às mulheres ao longo dos séculos determinaram a posições sociais a serem exercidas por estas. Ao longo do processo de formação histórica do ser feminino, sempre coube a este acatar as determinações impostas pelo ser masculino, uma vez que este era considerado superior e detentor de saberes. Todo este contexto pode ser explicado pela categoria gênero que, torna público as determinações impostas ao ser homem e mulher, biologicamente e socialmente. Em vistas destes pontos, observa-se que o ápice das disparidades baseadas no gênero culmina na violação dos direitos constitucionais e humanos das mulheres, ou seja, na violência doméstica contra as mulheres. A violência doméstica contra as mulheres é um fenômeno que se espalha historicamente por toda a sociedade. Ele abarca pessoas de diversas culturas, independente da raça, gênero, idade ou classe social. Assim, diante da magnitude dessa problemática, faz-se necessária a junção de uma multiplicidade de disciplinas e setores para dar conta da referida violência. Desta maneira, pretende-se neste artigo apresentar formas de minoração a esta refração da questão social. As políticas públicas sociais são a representação das demandas emergentes na sociedade. É por meio delas, que o ordenamento público traça propostas de minoração dos quadros sociais e faz a mediação de interesses entre as classes sociais, uma vez que, as referidas políticas são pautadas em um terreno conflituoso e contraditório. Destarte que é neste terreno duo, na qual a complexidade da realidade 3 social que se insere o profissional do Serviço Social. Na medida em que se busca projetar a transformação social tendo como base o Projeto Ético Político da profissão, tal profissional precisa por meio do uso da instrumentalidade, traçar formas interventivas que consigam garantia e a efetivação dos direitos conquistados. Assim, pretende-se apresentar a perspectiva do trabalho em rede, como uma proposta de ação que proporciona ganhos e efetiva contribuição para o desenvolvimento das políticas públicas sociais. 2 Violência doméstica contra as mulheres: uma questão de gênero A questão do gênero não se localiza somente na esfera biológica, esta se projeta também no plano social. De acordo com os estudos de Saffioti (1992), há diversas acepções sobre o conceito de gênero, mas neste artigo a fim de esclarecer traremos duas, que na concepção das pesquisadoras não são contraditórias, mas sim apresentam aspectos complementares, que ampliam a visão sobre o assunto abordado. Conforme Saffioti (1992) e Scott, Louro e Meyer apud Meyer (2003) o corpo sexuado é também constructo social. Nesse sentido, as acepções propostas por estas autoras buscam romper com explicações que associem, como algo natural, um dado gênero a um determinado sexo, o que tem como consequência o estabelecimento da essência – isto é, “o que constitui a natureza de algo” (FERREIRA, 2008) – do homem e da mulher. Diante disso, as desigualdades entre homens e mulheres vistas na realidade social seriam justificadas a partir das diferenças biológicas “naturais”. Assim, com base nas autoras supracitadas, concebe-se o gênero como as representações sociais do masculino e do feminino, construídas, reproduzidas e impostas contínua e socialmente. Estas uniformizam o que é ser homem e ser mulher, restringindo as possibilidades de se vivenciar as masculinidades e feminilidades. As representações sociais do masculino e do feminino assumem dimensões distintas em uma sociedade patriarcal, impactando nas relações tanto a nível micro quanto macro (privado e público). Saffioti (1992, p.184) pontua que nessas relações percebe-se uma divisão desigual de poder e o estabelecimento de uma figura subalterna. Para a autora, não há hierarquia e sim contraditoriedade, constituindo 4 uma situação semelhante à dialética entre escravo e seu senhor, homem e mulher, jogam cada um com os seus poderes, o primeiro para preservar a sua supremacia, e a segunda para tornar menos completa sua cidadania. No entanto, a luta para tornar menos incompleta à cidadania encontra grandes entraves sociais, econômicos, históricos e culturais. Vivemos em uma sociedade extremamente machista, no qual homens e mulheres compartilham do pensamento androcêntrico4, em que se constata a naturalização de um processo fundamentado na sociabilidade humana que desencadeia o que é ser homem/masculino e que é ser mulher/feminino. Atribuem-se à mulher a emotividade, fragilidade e passividade, aspectos que a conduzem para o cuidado familiar e para a vida privada. Já os homens são características como: racionalidades, mantenedores, fortes, atuando na vida pública. Nesse sentido, importa destacar que: [...] nossa forma de pensar está fortemente condicionada pela sociedade, na qual pertencemos, por sua cultura e por sua história. Daí também decorre que as ideias mais absurdas, sem nenhum correlato com a realidade podem perpetuar-se durante séculos e mais séculos (MORENO, 1999, p. 14) Em vista destes pontos, pode-se afirmar que não lobrigamos o mundo de maneira original, “herdamos” a maneira de concebê-lo. Tendo como base os estudos de Chauí (2001), pode-se afirmar que somos doutrinados por um discurso competente, que é lacunar e que garante a falsa veracidade daquilo que está posto socialmente. Por seu turno, Bourdieu (1999) aponta que a divisão e a oposição entre os sexos aparentam ser imperativa na ordem social, sendo esta dotada de normalidade e naturalidade, produzindo, nos termos do autor, “esquemas de pensamentos, de aplicação universal” (BOURDIEU, 1999, p. 16), que corroboram expressivamente a Dominação Masculina5. Inscreve-se neste quadro: [...] um sistema de diferenças todas igualmente naturais em aparência, de modo que as previsões que elas engendram são incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, sobretudo pelos cursos biológicos e cósmicos. Assim não vemos como poderia emergir na consciência a relação 4 “O androcentrismo consiste em considerar o ser humano do sexo masculino como o centro do universo, como a medida de todas as coisas, como o único observador válido de tudo o que ocorre em nosso mundo, como o único capaz de ditar as leis, de impor a justiça, de governar o mundo. É precisamente essa metade da humanidade que possui a força (os exércitos, a polícia), domina os meios de comunicação de massa, detém o poder legislativo, governa a sociedade, tem em suas mãos os principais meios de produção e é dona e senhora da técnica e da ciência” (MORENO, 1999, p. 23). 5 Título da obra de Bourdieu (1999). 5 social de dominação que está em sua base e que, por uma inversão completa de causas e efeitos, surge como uma aplicação entre outras, de um sistema de relações de sentido totalmente independente das relações de força. O sistema mítico-ritual desempenha aqui um papel equivalente ao que incumbe ao campo jurídico nas sociedades diferenciadas: na medida em que os princípios de visão e divisão que ele propõe estão objetivamente ajustados às divisões pré-existentes, ele consagra a ordem estabelecida, trazendo-a à existência conhecida e reconhecida, oficial (BORDIEU, 1999, p. 16-17). Em meio às questões abordadas anteriormente, Safiotti (1992) ratifica a existência desigual de poder na relação social estabelecida entre homens e mulheres, nesse sentido indagamos: o que está implícito na construção de estereótipos acerca dos papéis da mulher e do homem na sociedade? Neste aspecto, Bourdieu (1999) aponta que está velado nessa construção a relação de forças existentes, que se utiliza de estruturas pré-existentes, como as diferenças biológicas, para impor uma visão de mundo pautada na desigualdade, subalternização, bem como na naturalização desta. Destarte, consideramos relevante desnaturalizar tais processos, retirando da invisibilidade as questões que corroboram para a posição ocupada pelas mulheres. Dentro desse contexto, observa-se ainda que, mesmo galgando novas conquista e ocupando gradativamente novos espaços, as mulheres ainda se encontram sistematicamente em desvantagem social, política, simbólica e econômica em comparação aos homens. Analisar a situação delas em nosso país é entender que a questão de gênero causa efeitos tanto em nível macro quanto em nível micro, como no ambiente familiar. Diante de tais situações, nos deparamos com um quadro de legitimação da submissão feminina e da perpetuação das desigualdades baseadas no gênero. Destaca-se que o ápice da desigualdade se manifesta por meio da violência e de suas diversas formas de manifestação. A violência é um fenômeno complexo e polissêmico, que atinge milhares de pessoas mundialmente, independente da raça, gênero, idade ou classe social. Dada a multidimensionalidade de tal fenômeno, e, por ser ele uma das manifestações da questão social, diversos autores apontam que não há como estabelecer uma definição unívoca que abarque toda a magnitude do problema. Além disso, essa questão não é objeto de um setor específico e, por esse motivo, não há uma ciência exclusiva que consiga publicizar toda sua problemática, em todos os aspectos. 6 Empregamos a definição de violência, estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com desígnio de auxiliar a compreensão do fenômeno supracitado. Tal se apresenta como: Uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações (OMS, 2002, s/p). Sobre tal definição, acrescenta-se a compreensão de Chauí (1985), segundo a qual a violência pressupõe uma: [...] relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e opressão e como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência (CHAUÍ, 1985, p.16). Ao longo da história, observa-se que as mulheres sempre ocuparam lugares inferiores se comparadas aos homens. A esse respeito, Bourdieu (1999, p.16) discorre que os primeiros estudos sobre os sexos apontam a gênese da subalternidade das mulheres. De acordo com o autor, a mulher era considerada “[...] como ser inferior onde sua maneira de viver e ser era um mal para a sociedade masculina, a reconhecendo como um produto do homem, ou seja, parte de seu corpo”. Concepções como essas perpetuam em diversas culturas (incluindo-se a cultura brasileira). Elas contribuem para o fortalecimento da anulação do ser feminino – para a desconstrução deste enquanto sujeito autônomo e portador de identidade. Todo esse enredo faz parte do constructo social da categoria gênero. Em consequência disso, o acirramento dessas disparidades sociais tem seu ápice por meio da violência. Para Saffioti, “a violência contra a mulher inscreve-se no âmbito da violência de gênero. Na violência de gênero, a mediação é o abuso do poder assegurado, no espaço privado, pela ideologia do patriarcado” (2004, p. 83). Ainda de acordo com a autora, a violência de gênero se dá por meio da manifestação de relações desiguais de poder entre homens e mulheres, demonstrada na dominação, exploração e opressão masculina sobre a mulher. A violência de gênero e/ou violência contra as mulheres, conforme Saffioti (2001), mantêm relação intrínseca com a violência doméstica contra as mulheres. A violência doméstica contra as mulheres pode ser definida como 7 “[...] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas [...]”. (BRASIL, 2006, s/p). Para Vieira, a violência doméstica contra as mulheres “é aquela que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre membros da unidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural, civil, afetivo ou por afinidade.” (2010, s/p). Tendo em vista essa premissa, é relevante aludir que esse tipo de violência é aquele que incide em razão do convívio familiar ou afetivo. Com relação a essa incidência, convém precisar que por diversas vezes a violência perpetrada ao sexo feminino é cometida pelos respectivos parceiros íntimos. Trata-se, portanto, de problema que ocorre em âmbito privado, mas que diante de sua dimensão, ultrapassa este e torna-se público. Ressalte-se nesse sentido, a intervenção do profissional do Serviço Social se dá por meio da elaboração de propostas que visem à minoração deste fenômeno social. 3 O trabalho do Assistente Social no enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres Segundo Sousa (2008) o Assistente Social em seu exercício profissional ocupa lugar privilegiado, uma vez que atua diretamente no cotidiano das classes subalternas – por meio das políticas públicas. É por meio destas conforme Cunha e Cunha (2002), que têm sido elaboradas respostas do Estado às demandas que emergem da sociedade, representando um compromisso público de um determinado campo, em um dado lapso temporal. Para estes autores a política social é um tipo de política pública. Ela tem com o propósito, atuar na redução das desigualdades e na promoção do desenvolvimento social no país, buscando efetivar direitos garantidos por lei. Contudo, importa destacar que as políticas sociais constituem-se em respostas as demandas que emergem da sociedade capitalista, que é em sua essência conflituosa e antagônica. As respostas ofertadas pelo Estado refletem, e ao mesmo tempo, reforçam e reproduzem a contradição inerente à organização social classista. O Estado por meio das políticas sociais interfere de forma sistemática nas refrações da questão social, “[...] institucionalmente transformada em questões sociais” (NETTO, 1992 apud 8 GUERRA, 2000, p.6). Destarte, as políticas sociais exprimem um dos dilemas básicos da sociabilidade capitalista, isto é o conflito entre a acumulação e legitimidade ao mesmo que tempo que contribuem (dependendo da forma que são executadas), para fragmentar a realidade em problemas sociais autônomos. O Assistente Social se depara em seu cotidiano profissional (nos diversos espaços sociocupacionais) com as diversas situações de violências vivenciadas pelas mulheres, trata-se de violações expressivas dos direitos humanos destas. Tal segmento social, conforme já trabalhado encontra-se muitas vezes a margem da sociedade em que vivemos. Respaldados em princípios fundamentais a categoria profissional, almeja construir uma sociedade livre de qualquer forma de exploração - seja de classe, raça/etnia ou gênero -, em que as diferenças não se torne justificativas para as desigualdades. Há de se ressaltar situações presentes na realidade social, como a violência doméstica contra as mulheres são dotadas de singularidade, mas também portam caráter universal. A esse respeito Amaro (2005) contribui com este debate evidenciando a complexidade presente na realidade social. Para Morin (apud INOJOSA, 2001) complexo é aquilo que é tecido em conjunto. Conforme Amaro (2005) a realidade social é um todo, produzido por um conjunto de interações que tecem o fenômeno, constituindo-se e revelando sua complexidade por meio das relações entre as partes. Destarte, é possível visualizar o todo nas partes e vice-versa conhecer a realidade de forma adequada, para além da sua aparência não é uma tarefa fácil. Segundo Inojosa (2001, p. 103) a teoria da complexidade “trabalha com a compreensão da diversidade”, mas nem sempre se está preparado para perceber aquilo que é diverso, aprende-se a enxergar o mundo por saberes enclausurados (pelas disciplinas) e a trabalhar de forma setorizada (INOJOSA, 2001). Acrescenta-se que muitas vezes, como pondera Amaro (2005), ainda imprime-se no fazer profissional juízo de valores e preconceitos que só obscurecem o trabalho investigativo (que imperativo ao fazer profissional do Assistente Social). Diante de questões sumariamente apresentadas acerca da realidade social, fazse mister superar posturas fragmentadas e isolacionistas, e ainda despressupor pressupostos, para que de fato consiga-se construir um conhecimento sobre a essência da realidade social. Cabe aduzir, que para tanto é imprescindível à utilização 9 de uma metodologia adequada “[...] para reconstruir teoricamente os processos, as relações, os símbolos e os significados da realidade social” (MINAYO, 2008, p.14). Compõe a metodologia, métodos e técnicas, cabe destacar que o método, refere-se a parâmetros de abordagem. O método carece de ser coerente com a finalidade que se almeja alcançar (MINAYO, 2008). Nesse sentido, cabe evidenciar o método imperativo a categoria profissional dos Assistentes Social é o materialismo dialético. Este se propõe a captar a vida social em sua totalidade a partir de seu movimento contraditório de transformações (SOUSA, 2008). Tendo em vista o objetivo maior da profissão que constituem na materialização do Projeto Ético Político, é necessário conceber a instrumentalidade como uma mediação, que é capaz de perceber em uma demanda singular a totalidade social (um todo complexo com determinantes históricos, econômicos, sociais e políticos), isto é aquilo que é universal, possibilitando desta forma a apreender a particularidade existente uma dada situação (GUERRA, 2000; SOUSA, 2008). Assim neste quadro é imprescindível articular as três dimensões ou competências, apontadas por Iamamoto (apud SOUSA, 2008), a saber: ética-política, teórico-metodológica e técnica-operativa. A competência ética-política refere-se ao posicionamento político em face as manifestação da questão social que emergem na realidade social, possibilitando notar de forma límpida a direção social da prática profissional. Tal posicionamento implica assumir os valores éticos morais, expresso no Código Ética Profissional dos Assistentes Sociais (1993). A competência teóricometodológica trata-se do saber teórico e metodológico, que fornece condições para que o profissional conheça os fenômenos sociais para além da aparência, com vistas a apreensão da essência e a construção de novas possibilidades de atuação. A competência técnica-operativa refere-se ao conjunto de instrumentos e técnicas que permitem o desenvolvimento das ações profissionais (IAMAMOTO apud SOUSA, 2008). A articulação destas três dimensões constitui-se como um desafio (que é um tema de grande debate entre a categoria), que é a não dicotomização entre a teoria e prática, pressupondo a articulação entre “investigação e intervenção, pesquisa e ação, ciência e técnica [...]” (SOUSA, 2008, p.122). Garantindo desta forma a inserção qualificada do Assistente Social no mercado de trabalho e a produção real de conhecimentos sobre a realidade social, visto que este profissional atua em espaços 10 privilegiados – atua diretamente no cotidiano das classes subalternas -, o que possibilita a ocorrência de intervenções significativas na vida da população usuária (SOUSA, 2008). Ressalta-se que é por meio das intervenções realizadas e o produto concreto produzido por estas na realidade empírica encontra-se a utilidade social da profissão (GUERRA apud SOUSA, 2008). Tendo em vista que o Assistente Social trabalha, em sua grande parte, nas políticas sociais, e que estas por muitas vezes estas setorizam a realidade social. Indaga-se: como os profissionais do Serviço Social podem a partir de uma leitura marxiana dos fenômenos sociais, desenvolverem um trabalho que reflita tal leitura? Certamente não há resposta unívoca para tal dilema, no entanto, aponta-se neste artigo a possibilidade de se trabalhar em rede mediante aos problemas sociais complexos, ou se preferirem, diante das refrações da questão social. 4 O Serviço Social e o trabalho em rede como uma estratégia para o enfrentamento de problemas sociais complexos Na tentativa de superar a fragmentação dos saberes e das políticas e para atender os cidadãos de forma integrada em suas necessidades, as redes são uma alternativa de articular os atores envolvidos na busca de um objetivo comum. Por se tratar de um assunto de grande importância no contexto das políticas públicas e governamentais e também para este trabalho, trazemos a rede como uma maneira de potencializar as ações dos atores envolvidos para o alcance de determinado objetivo. A emergência de mecanismos inovadores e propositivos faz-se necessário para o trato da realidade mencionada. A concepção de rede, nesse sentido, apresenta-se como uma nova categoria de articulação. Esta é compreendida como a forma a partir da qual se consegue, de acordo com Gonçalves e Guará (2010), estabelecer contato, em que, cada ator mantém sua essência, mas se abre a novos conhecimentos; há circulação das ideias e propostas, que possibilitam forjar uma ação coletiva concreta com vistas ao alcance da direção do bem comum. Ainda sobre essa categoria os autores supracitados completam que: [...] longe do caminho fácil das vias únicas, a articulação permite variados atalhos e favorece contatos em muitas direções. O movimento em direção ao outro pode trazer boas surpresas quando se descobrem recursos e apoios possíveis tão próximos e tão ignorados quando atuamos individualmente. Não há exclusividade de caminhos, pois organizações e 11 grupos podem compor-se de vários grupos diferentes entre si sem comprometer sua atuação em cada um deles (GONÇALVEZ e GUARÁ2010, p.12). De tal modo, as várias vertentes de direção forjadas no processo de articulação podem contribuir para o estabelecimento de outras formas de consolidação de propostas. Estas podem ser discutidas por grupos que convergem em interesses e finalidades comuns. Dessa forma a noção de rede refere-se: [...] aquela que articula intencionalmente pessoas e grupos humanos, sobretudo como uma estratégia organizativa que ajuda os atores e agentes sociais a potencializarem suas iniciativas para promover o desenvolvimento pessoal e social (GONÇALVES & GUARÁ, 2010, p.14). Nesse sentido, Castells apud Gonçalves & Guará (1998) acrescenta que uma rede é “um conjunto de nós conectados, e cada nó, um ponto onde a curva se intercepta. Por definição, uma rede não tem centro, e ainda que alguns nós possam ser mais importantes que outros todos dependem dos demais na medida em que estão na rede”. (1998, p. 10). Assim, neste quadro apresenta-se uma das características desta estrutura organizacional que se refere à difusão de poder. Explica-se que a estrutura em rede concebida no presente artigo é aquela que trabalha na perspectiva de rompimento de paradigmas, que se posta em contraposição às estruturas verticais e que busca a proposição da horizontalidade entre as ações almejadas e, consequentemente, das relações entre os membros que compõem a rede. O produto final consiste em uma espécie de diversos fios que podem interligar-se entre si indefinidamente por diversas direções, sem que haja a predominância de “um fio” sobre os demais. A motivação maior neste caso é a vontade conjunta em concretizar o objetivo almejado, ou seja, enfrentar um problema comum previamente estabelecido. Dentro deste contexto, Carvalho apud Gonçalves & Guará enfatiza que: A rede é um meio, um modo de representação das interrelações e conexões de como se expressa a complexidade. Não vivemos mais em uma sociedade simples. Não enfrentamos mais variáveis simples. Os fatos são multicausais e multidependentes entre si. A própria sociedade civil se comporta como uma “sociedade-rede.” (CARVALHO apud GONÇALVEZ & GUARÁ, 2010, p.09). A esse respeito, Ude (2008) discorre que a sociedade civil sempre funcionou em rede. Todavia, ele esclarece que os ardis e a lógica do sistema capitalista produziram e 12 desenvolveram mecanismos e formas, fortemente fragmentados e setorizados de lidar com a realidade. Assim, neste quadro, Nogueira sublinha que “a fruição da ação em rede provoca uma retomada da totalidade. Isto é, exige apreender a realidade social e nela agir como um complexo, um todo que é tecido junto. Impõe uma perspectiva que integre, organize e totalize.” (2001, p.35). Ressalte-se que para a apreensão da totalidade – com vistas ao desenvolvimento do trabalho em rede – faz-se necessário pensar na relação existente entre os diversos atores que a compõem. Gonçalves & Guará enfatizam que os elementos que fazem parte da rede “são diversos em sua natureza, estrutura e capacidade de ação, sendo necessário assim trabalhar na perspectiva de compatibilizar tempos heterogêneos e buscar consensos parciais para cada momento do processo” (2010, p.16). Trata-se, portanto, de construir consensos sobre uma dada manifestação da questão social e também sobre respostas para estas, envolvendo diferentes olhares e possibilidades de atuação. A somatória das ações em conjunto fortalece e legitima as pretensões dos que se dispõem a trabalhar em uma perspectiva de rede social. Ademais, por se tratar de uma nova cultura para a gestão pública, muitos são os desafios para a sua implementação efetiva. Sobre esse ponto, Gonçalves; Guará (2010, p. 16) compactuam que sendo uma inovação para a gestão pública, “a rede sugere, sobretudo, uma arquitetura de complementaridade na ação. Os desafios para sua implementação ainda são muitos, pois a atuação em rede supõe a socialização do poder, o respeito às autonomias e a negociação”. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da pesquisa bibliográfica, contatamos que a questão de gênero é responsável por gerar uma série de violações dos direitos sociais e humanos das mulheres e, aqui, se pretendeu destacar a violência sofrida por ela em âmbito doméstico. Esta é considerada neste trabalho como o ápice das desigualdades entre homens e mulheres e como uma expressiva violação dos direitos humanos, que, assim como outra manifestação da questão social, carece de ser respondida, tal qual o nível de sua magnitude: publicamente, por meio das políticas sociais. 13 O Assistente Social atua em tais políticas, seja na elaboração, execução, monitoramento e na avaliação destas. Buscou-se neste artigo apontar o trabalho em rede como uma alternativa no enfrentamento aos fenômenos sociais, como a violência doméstica contra as mulheres. Sabe-se que tal fenômeno é multidimensional e complexo, portanto, ações isoladas, fragmentadas e sem coordenação e integração, não conseguem responder a totalidade presente neste. Assim, considera-se que a utilização do trabalho em rede torna-se uma estratégia para o Assistente Social, que contribui para a leitura da realidade social, bem como para a construção e execução de políticas públicas sociais efetivas, eficazes e eficientes. Ressalta-se que nesta nova perspectiva de atuação há diversos desafios a serem superados, no qual destacamos aqui socialização do poder, que tem incidência direta na forma de elaborar e propor estas ações, podendo ser vertical ou horizontal e assim promovendo (ou não) a participação da população em todas as etapas (planejamento, elaboração, execução, monitoramento e avaliação) das políticas propostas. Consideramos a socialização do poder um desafio e ao mesmo tempo algo imprescindível para romper com caráter conservador dessas e também como um meio real de enfrentar às manifestações questão social. 14 REFERÊNCIAS AMARO, Sarita T. A. Visita domiciliar: orientações para uma abordagem complexa. In: DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos (org.). Fenômeno: uma teia complexa de relações. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. BRASIL. Código de Ética Profissional do Assistente Social. Brasília, 1993. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/pdf/legislacao_etica_cfess.pdf> Acesso em: 10/02/2013 _______, Presidência da República Casa Civil. Subchefia de assuntos jurídicos. Lei Nº 11.340, de 7 de Agosto 2006 – Lei Maria da Penha. Brasília, 2006. BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.p 16-17. CHAUÍ, Marilena. Participando do debate sobre mulher e violência. Revista Perspectivas Antropológicas da Mulher. Rio de Janeiro: Zahar Editores, n. 4, p. 35, 1985. 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