o genocídio como crime contra a humanidade

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O GENOCÍDIO COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE
O problema do seres humanos supérfluos esta em se coloca acima das nações e
dos Estados. Por essa razão será analisado o genocídio como um crime contra a
humanidade. A qualificação técnico-juridica do genocídio esta tipificada no ato
constitutivo do Tribunal de Nürenberg, de 8 de agosto de 1945. Nürenberg acabou se
convertendo no momento inicial que levou a afirmação, no plano do Direito Positivo,
de um Direito Internacional Penal. A concepção de um Direito Internacional Penal que
Nürenberg ensejou parte do pressuposto de que existem certas exigências fundamentais
de vida na sociedade internacional. Consequentemente, toda ação ou omissão contraria
ao Direito Internacional Público precisaria ser tipificada em norma internacional geral.
Como ilícito penal. Os princípios de Nürenberg foram oficialmente sistematizados pela
Comissão de Direito Internacional da ONU. No que diz respeito ao genocídio,
converteram-se em norma geral, internacional positivada em hard Law, através da
convenção para Prevenção e a Repressão do crime de Genocídio, de 11 de dezembro de
1948, que entro em vigor em 12 de janeiro de 1951. nos termos do Direito
Internacional Público Positivo . O genocídio e a participação no genocídio é crime
internacional por força de Convenção de 1948. A convenção, no entanto, é
incompleta do ponto de vista das exigências técnicas de uma norma criminal, uma
vez que ela obedece à lógica do sistema internacional, que se caracteriza pela
distribuição individual do poder entre os Estados. Ela não fixa à pena, deixando
esta incumbência ou à legislação e aos tribunais competentes em cujo território o
ato foi cometido, É neste contexto jurídico que se insere o Caso Eichmann,
relativo a um alto funcionário nazista, notoriamente conhecido pela sua atuação na
organização do genocídio dos judeus na Europa durante a II Guerra Mundial . No
processo Eichmann julgou-se o genocídio — um crime contra a humanidade — que
encarna, paradigmaticamente, a temática da ruptura com a tradição. O processo
Eichmann suscita importantes questões jurídicas, entre elas cabendo destacar a da
competência judiciária e legislativa de Israel. Nas discussões doutrinárias sobre o
processo Eichmann, as objeções à competência judicial da Corte israelense para
julgá-lo foram de duas ordens: as ligadas às circunstâncias especiais que cercaram a
captura do acusado e que violaram a soberania da Argentina, e as vinculadas ao
princípio de territorialidade. O tema da violação da soberania argentina por ocasião
da captura de Eichmann, enquanto ato ilícito internacional foi solucionado por acordo
com a Argentina antes do início do processo, através de um comunicado conjunto
argentino-israelense de 3 de agosto de 1960. Hannah Arendt discutiu a competência
da corte de Israel examinando os três princípios de Direito Internacional Público,
invocados na sentença: o da personalidade passiva, o da competência universal e o
territorial.
O genocídio representa um ataque à diversidade humana como tal. A exterminação
física de 6 milhões de judeus foi, insiste Hannah Arendt, ao qualificar o genocídio como
crime contra a humanidade, perpetrando no corpo do povo judeu.
O genocídio é um crime da gestão totalitária contra a humanidade porque impede a
condição humana, ao impor a ubiqüidade do medo impeditivo da confiança
recíproca através do campo de concentração, que é, por sua vez, a instituição que
aniquila, sem finalidades utilitárias, a diversidade contemplada no direito à
hospitalidade universal. Com efeito, a aniquilação dos judeus na Europa, pelos
nazistas, não teve finalidade utilitária e tradicional. Representou a tentativa de mostrar
como os seres humanos são efetivamente supérfluos e sem lugar no mundo. É um
crime contra a humanidade e a ordem internacional porque visa eliminar a diversidade
e a pluralidade que caracterizam o gênero humano. É esta monstruosidade do genocídio que se vê atenuada, aponta Hannah Arendt, quando um processo como o de
Eichmann fica na alçada de um tribunal nacional que julga de acordo com a lei de
um só país. Eichmann e os seus superiores os governantes da dominação totalitária se
arvoraram o direito de determinar quem deveria e quem não deveria habitar o
mundo. A diversidade, inclusive da nacionalidade, é, portanto um ingrediente
constitutivo da condição humana a ser respeitado e tutelado. Neste sentido,
entendo que o juízo de Hannah sobre o caso Eichmann e a sua qualificação do
genocídio como crime contra a humanidade, por ser uma recusa da diversidade e
por procurar aniquilar a esperança que provém da natalidade.
Neste relato sobre a diversidade do espírito dos povos e de suas reações ao
"estado totalitário de natureza" merece realce o caso da Dinamarca. De fato, a
Dinamarca confirmou o princípio da esperança que, através da natalidade, instaura a
liberdade e o inesperado do poder da ação conjunta, pois lá povo e governo não apenas
sabotaram como na Itália e na Bulgária as ordens alemãs, como também recusaram
frontalmente a política nazista, e desta maneira impediram o genocídio.
A RESISTÊNCIA À OPRESSÃO E A
DESOBEDIÊNCIA CIVIL
Ângulo dos governantes a obrigação política traduz-se num dever dos súditos de
obediência às leis emanadas do soberano. Já do ângulo dos governados, acentua-se não
o dever de obediência, mas sim o direito de resistência à opressão não se trata de
descrever como a norma obriga, na medida em que existe a força dos governantes
que a tutela através da ameaça ou da possibilidade de sanção. O dever político se cria
através do castigo. Para uma análise apropriada do tema da resistência, por que e
quando os governados se sentem na obrigação moral de acatar a norma jurídica
posta pelo Estado. Se o legislador pode reivindicar o direito a ser obedecido, o
cidadão pode igualmente reivindicar o direito a ser governado sabiamente e po r leis
justas.
É neste contexto de uma reciprocidade que, no âmbito do paradigma do
Direito Natural, santo Tomás contempla o direito de revolução que pode ser
afirmado contra um regime tirânico que não se ordena ao bem comum, mas ao bem
particular de quem governa. No jusnaturalismo moderno a resistência desloca-se
dos
deveres impostos pelo Direito Natural como um direito objetivo e
dado a garantir a eticidade da Política, para os direitos subjetivos
inatos dos indivíduos. O contrato social está o de resistência à opressão, para
Locke o mal extremo é o despotismo que resulta da conduta desordenada do
soberano, pois ele encara o Estado na perspectiva ex parte populi, considerando as
"partes" anteriores ao "todo”, O Estado, para Locke, não deve, no entanto, anular a
condição natural do homem, mas sim conservá-la e preservá-la, pois a concessão de
poderes à sociedade, na passagem do estado de natureza para o da instauração do
governo. É a partir desta perspectiva, que é uma perspectiva ex parte populi,
baseada na liberdade dos indivíduos, que Locke fundamenta o direito de resistência.
O direito de resistência é, portanto, a conseqüência de uma crise no estado da
sociedade civil, que fere a liberdade tornando possível a reversão provisória ao
estado de natureza, vale dizer, àquela situação em que não existindo autoridade. A
regeneração do Estado e da sociedade civil, nestas hipóteses, transita pela resistência
e pela desobediência, ou seja, pelo direito natural dos homens de não se deixarem
oprimir pelos governantes. É isto que faz Locke defender eloqüentemente o
oprimido contra o opressor e afirmar a liberdade e a soberania popular, opondose, no seu Tratado, à ordem injusta imposta por governantes inescrupulosos. Os
norte-americanos de 1776 e os franceses de 1789, que promoveram revoluções
inspiradas pela legitimidade da resistência à opressão prevista no paradigma do
Direito Natural. A Declaração de Independência dos EUA de 4 de julho de
1776 afirma que é um direito e um dever do povo alterar, abolir ou instituir um
novo governo se ocorrerem abusos ou usurpações despóticas. A Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793 contempla, igualmente, no seu art.
l.°, a resistência à opressão como um dos direitos do homem em sociedade, juntamente
com a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade e a garantia social.
Estas conhecidas e históricas consagrações legislativas do direito à resistência
desapareceram posteriormente do Direito Positivo, ao contrário de outros direitos
humanos que foram sendo afirmados e positivados em novas declarações e em
outros instrumentos jurídicos. Este desaparecimento está relacionado com a pouca
importância atribuída ao direito de resistência pelo pensamento jurídico-filosófico
no século XIX. Para o processo de legitimação do Estado de Direito e da obrigação
política encarada como um dever de obediência à lei por parte dos cidadãos, sem
dúvida contribuíram razões institucionais e expectativas ideológicas, que convém
sumariar para um adequado entendimento da problemática. A resistência européia a
ocupação alemão, direta ou indireta, através de diversas formas de oposição, tanto
ativas quanto passivas, tem a ver com as hipóteses em relação as quais, no paradigma
do Direito Natural, se configura o direito de resistência. O término da n Guerra
Mundial, que acarretou a derrocada do nazismo, não amainou a importância do
tema da resistência.
É importante observar que, no contexto contemporâneo, a erosão do paradigma do
Direito Natural, que data do século XIX, e a sua substituição pelo paradigma da
Filosofia do Direito, deslocou a discussão da resistência do plano jurídico e do
campo da Filosofia do Direito para o plano político. No exame das técnicas da
violência cabe realçar a importância da guerra de guerrilha empregada nas lutas de
libertação nacional no processo de descolonização e nas lutas revolucionárias de
inspiração comunista. A legalidade da resistência armada à dominação colonial coloca,
em virtude da técnica da guerrilha, problemas complexos para a vigência e a eficácia
das normas do jus in bello, pois estas foram concebidas para a guerra convencional.
O terrorismo político, como tal entendida a prática de gru pos e indivíduos que se
valem da violência contra bens e pessoas para, ao provocarem o terror, contestar
as autoridades estabelecidas, vistas como opressoras, coloca-se numa perspectiva
ex parte populi. A resistência à opressão, baseada no terrorismo político, tem sido
considerada ilícita pelo Direito Internacional Público, o que se explica não só em
função dos direitos humanos dos inocentes, violados pelas suas técnicas, mas também
porque o terrorismo político contesta a lógica do sistema interestatal, que confere aos
Estados o monopólio dos meios da violência. A resistência à opressão baseada nas
técnicas da violência contrapõe-se à resistência apoiada na não-violência, merecendo
destaque todo especial a desobediência civil.
A desobediência civil tal como formulada por Thoreau pode ser encarada como direito
humano de primeira geração. Ela é individual quanto ao modo de exercício, quanto
ao sujeito passivo do direito e quanto à titularidade.
A reflexão de Thoreau influenciou Gandhi, que nela encontrou um argumento
ocidental para também fundamentar a Satyagraha — a sustentação da verdade frente
ã injustiça. A postura de Gandhi, no entanto, diferencia-se da de Thoreau, pois para
ele e para a prática da não-violência que liderou com sucesso, no processo de
independência da índia, a desobediência civil tende a ser uma ação coletiva, que
assume as características de um direito individual que só pode ter sucesso se grande
número de pessoas o exercerem em conjunto e de maneira convergente.
Em síntese, creio que se pode dizer que a desobediência civil, no século XX,
conserva de Thoreau o caráter predominantemente não-violento da resistência
individual à opressão e à injustiça, e de Gandhi a dimensão de uma ação de grupo, que
se exprime a t r a v é s de uma resistência coletiva, afirmada eticamente através da
convergência entre meios e fins.
A desobediência civil pode consistir tanto num fazer ilícito, quanto numa
omissão ilícita.
Guerra Mundial tem-se discutido prioritariamente, como foi apontada, a oportunidade
e a eficácia dos distintos meios de resistência à opressão. Hannah Arendt inicia a sua
reflexão registrando que o século XX, é um século de guerras e revoluções e tem, por
isso mesmo, a violência como denominador comum. Em contraste, origem intelectual
do apelo à violência salienta que esta tem suas raízes no anarquismo, na atitude mental
da Direita e na ação de militares que se dedicaram à levantes armados organizados.
Não era uma prerrogativa do marxismo, Marx a violência era apenas a dor do parto, e
não a causa do nascimento de uma nova ordem, que tinha as suas origens nas contradições da sociedade. Aponta Hannah Arendt que, para Hegel, o homem se "produz"
através do pensamento, e que para Marx, que virou o idealismo de cabeça para baixo,
é o metabolismo do homem com a natureza — o labor — que cumpre esta função.
A idéia da criatividade da violência está associada à influência do "vitalismo",
seja através do "élan vital" de Bergson, que marcou Sorel, seja através de Nietzsche,
observando Hannah Arendt que a combinação de violência, vida e criatividade está
presente no estado de espírito da rebeldia existencial que assinala a geração dos anos
60. Aponta ela, igualmente, que este estado de espírito, que caracteriza a Nova
Esquerda, tem a ver com a ruptura totalitária, pois foi à geração do segundo pósguerra que se deu conta da maciça inserção da violência na política, quando tomou
conhecimento da realidade dos campos de concentração, do genocídio, da tortura e
do extermínio, inclusive de populações civis, derivado das novas tecnologias
empregadas na guerra. Hannah Arendt o poder é sempre Potencial. O poder pode ser
atualizado ex parte populi através da geração de mais poder, mas não pode ser estocado
ex parte principls para ser empregado ou mantido. Uma revolução, observa, deixa isto
claro, pois evidencia a situação limite de desintegração do poder. Com efeito, quando os
comandos não são obedecidos, os meios da violência deixam de ser úteis, pois a
questão da obediência, em última instância, não se resolve como afirma a tradição
jurídica e política, pela violência, mas sim pela opinião e pelo número daqueles que
compartilham o curso comum de ação expresso no comando. O líder político gera poder
através da iniciativa que obtém o apoio de muitos, que levam adiante esta iniciativa.
O poder surge quando os homens se reúnem num especo, sendo a convivência
humana o único fator material para a sua geração. Todo aquele que se isola, renuncia AP
poder por maior que seja a sua força e por mais validas que sejam as suas razões.
A violência destrói o poder, mas não o Cia ou substitui, pois o poder, para ser
gerado, exige a convivência, e a violência se baseia na exclusão da interação/cooperação
com os outros. A violência brota da ira, mas a ira não é uma reação automática ao
sofrimento e a miséria. É só quando existem razões para se acreditar que determinadas
situações e condições podem ser mudadas, e não o são. É que surge a ira.
A ira geradora da violência é frequentemente induzida pela hipocrisia, que corrói
a atualização do poder, pois esta atualização requer a convergência da palavra e Ada
ação, que revela e cria novas realidades e novas relações baseadas no agir conjunto. A
ira instigadora da violência é particularmente inadequada, politicamente , quando se
generaliza como estratégia erga omnes e se volta contra substitutos , que passam a ser
inimigos objetivos independentemente de sua conduta e de sua ação. Quando todos são
culpados, ninguém é apropriadamente responsabilizado. o frio realismo erga omnes
deita suas raízes na multiplicação das possibilidades de opressão não individualizáveis
num tirano , mas atribuíveis a um sistema.
A análise de Hannah Arendt sobre a desobediência civil tem como origem sua
participação numa conferência realizada na Universidade de Nova York, em maio de
1970.
Na sua reflexão Hannah Arendt observa que a desobediência generalizada à lei
civil e penal é uma tendência universal, que se verifica nos EUA e em outras partes
do mundo, refletindo a diminuição da autoridade governamental e, conseqüentemente,
as dúvidas dos cidadãos a respeito da legitimidade dos governos.
O tema do fundamento da desobediência civil observa Hannah Arendt, é
freqüentemente analisado em termos da relação moral do cidadão com a lei, dandose ênfase à consciência do indivíduo que se sente impedido de cumprir uma lei que
ele considera moralmente inaceitável. O peso político atribuído a decisões morais
encontrou um ponto de apoio no paradigma do Direito Natural, tanto na sua
vertente religiosa, inspirada pela Filosofia Cristã, quanto na sua vertente
secularizada, pois o pressuposto era o de que a voz da consciência seria a voz de
Deus ou da razão, a iluminar os homens sobre a existência de uma lei superior à
lei positiva. Daí a tendência de vincular-se a desobediência civil à objeção de
consciência.
"A desobediência civil aparece", diz Hannah Arendt, "quando um número
significativo de cidadãos se convence de que os canais normais de mudança já não
funcionam e que as queixas não estão sendo ouvidas nem terão qualquer efeito. A
desobediência civil enquanto resistência ex parte populi à opressão é não-violenta.
Por isso, não é rebelde, pois não se coloca arendtianamente, à revelia do processo de
geração de poder, e pode vir a ser revolucionária, como foi o caso do movimento de
Gandhi. a desobediência civil geralmente exprime um poder novo, que está surgindo
e que se volta para a mudança do status quo.
Hannah Arendt entende que a desobediência civil enquanto forma extremada de
dissentimento, que se exprime por meio da associação voluntária e que fala a
linguagem da persuasão, é compatível com o "espírito das leis" nos EUA, e chega a
sugerir a conveniência de uma emenda constitucional que positive este direito
de resistência à opressão.
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