Recebido em: 14/04/2012 Aceito em: 02/07/2012 Publicado em: 08/09/2012 Resumo. Este artigo aborda a complexa questão da diversidade no campo da Educação, considerando que tal abordagem não prescinde do tema da desigualdade de gênero em suas diversas manifestações. A metodologia utilizada apoia-se em análises de fontes bibliográficas, documentais e em resultados de pesquisas de campo com diferentes dimensões teórico-metodológicas. Partiu-se do pressuposto fundamental de que as relações sociais de gênero são construídas no âmbito da vida em sociedade. A questão própria da educação relaciona-se com a produção das identidades socialmente construídas pelos indivíduos a fim de se reconhecerem uns aos outros nos diferentes campos de atuação. Em outras palavras, os agentes sociais interagem, produzem e reproduzem formas de socialização/formação segundo algumas disposições – ou seja, ações recorrentes que são incorporadas e/ou subvertidas na prática social – e nos permitem refletir sobre como a identidade se constituiu. Romper com a reprodução de modelos e crenças estruturados sobre as relações de gênero, por exemplo, permite à escola tornar-se espaço problematizador das diferenças e desigualdades, uma vez que pode lançar mão de temas transversais, possíveis de serem articulados ao currículo, vinculando-os ao cotidiano dos alunos, do qual as relações de gênero fazem parte de maneira intrínseca. Palavras-chave: Diversidade. Gênero. Identidade. Educação. # Professora associada da Universidade Federal de Sergipe (UFS), do Programa de Pós-Graduação em Educação (NPGED) e Sociologa (NPPCS). Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia. pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFG). Coordena o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher e Relações de Gênero (NEPIMG/UFS). 14 REFLECTIONS ON THE DIVERSITY OF GENDER IN EDUCATION Abstract. This paper addresses the complex issue of diversity in education, considering that this approach shall not dismiss the issue of gender inequality in its various manifestations. The methodology used is based on analysis of literature sources, documentation and results of field researches with different theoreticalmethodological dimensions. This started from the fundamental assumption that the social relations of gender are constructed in the social life. The issue of education itself relates to the production of socially constructed identities by individuals in order to recognize each other in different areas of life. In other words, social agents interact, create and recreate forms of socialization/formation according to some provisions - ie, recurring actions that are incorporated and/or subverted in social practice - which allow us to reflect on how identity is formed. Breaking up with the reproduction of patterns and beliefs structured on gender relations, for example, allows the school to become a problematizing space for differences and inequalities, since it can make use of transversal themes, likely to be articulated to the curriculum by linking to the daily lives of students, of which gender relations are part in an intrinsic way. Keywords: Diversity. Gender. Identity. Education. A Introdução partir da década de 90 do século XX, a questão da diversidade humana ganhou mais espaço nos debates da mídia, da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia, do Direito e da Educação. Diante dessa repercussão, houve interesse por parte de diversas organizações em trabalhar essa temática, fato percebido em campanhas publicitárias e condutas de relacionamento. Este artigo aborda a complexa questão da diversidade de gênero na educação, entendendo-se que tal abordagem não prescinde do tema da desigualdade em suas diversas manifestações. A metodologia adotada neste trabalho inclui dados de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, com ênfase teórico-metodológica na diversidade. Partiu-se do pressuposto fundamental de que as relações sociais são construídas no âmbito da vida em sociedade. Em outras palavras, os agentes sociais interagem, produzem e reproduzem formas de socialização/formação segundo algumas disposições – ou seja, ações recorrentes que são incorporadas e/ou subvertidas na prática social – e nos permitem refletir sobre como a identidade se constituiu. Compreende-se que a diversidade consiste nas diferenças visíveis e invisíveis entre as pessoas, que incluem gênero, habilidades mentais e físicas, raça, etnia, identidade sexual, religião, nível educacional, idade, status conjugal, 15 poder aquisitivo, que têm sido objeto de um número crescente de publicações e projetos de pesquisas, possibilitando o avanço das reflexões teórico-críticas que culminam em propostas sócio educativas. A abordagem da diversidade cultural destaca a importância de respeitar todas as diferenças culturais, de desconstruir a forma como se organizam suas concepções. Isto porque surgem problemas na convivência humana, que são difundidos e assimilados por todos na sociedade, condicionados por “ideais” sociais, que determinam os modelos de acordo com os quais o sujeito deve agir. Para viver em sociedade, os seres humanos precisam reconhecer e aceitar os aspectos que constituem a diversidade humana: cultura, religião, situação econômica, aparência física, idade e geração, raça, etnia etc., pois os indivíduos são constituídos pela associação de seus hábitos, conceitos, crenças e tradição. Temos consciência de que a sociedade possui uma visão de homem padronizada que classifica as pessoas de acordo com essa visão. Elegemos um padrão de normalidade e nos esquecemos de que a sociedade se compõe de homens diversos, que ela se constitui na diversidade, assumindo, de outro modo, as diferenças. Historicamente falando, a escola tem dificuldade de lidar com a diversidade. Ressalte-se que, na verdade, a diferença, a singularidade e as exceções é que vêm sendo excluídas da sociedade. O que se espera de todos é a semelhança, a padronização. Por exemplo, na escola, as diferenças tornam-se problemas ao invés de oportunidades para produzir saberes. Acima de tudo, a escola tem a tarefa de ensinar os alunos a compartilhar os saberes, os sentidos diferentes das coisas, as emoções, a discutir, a trocar pontos de vista. Em tese, a escola é o lugar em que todos os alunos devem ter as mesmas oportunidades, mas com estratégias de aprendizagens diferentes; é um local formado por população composta por diversos grupos étnicos cada um com seus costumes e suas crenças. Na sociedade atual, a educação escolar crescentemente se faz indispensável para a cidadania autônoma e competente. Embora não seja a escola o único lugar onde acontece a educação, constitui-se em um espaço especialmente organizado para que se dê a construção de valores, conhecimentos e habilidades necessários ao pleno, consciente e responsável exercício da democracia. A escola viabliza o desenvolvimento do espírito crítico, a observação e o reconhecimento do outro em todas as suas dimensões, e é a instituição responsável pela passagem da vida particular e familiar para o domínio públi- 16 co. A escola tem, assim, função social reguladora e formativa para os alunos. É a instituição por intermédio da qual a criança se introduz no mundo público, e daí a importância do papel do Estado em relação a todas elas. Como afirma Mantoan, À família cabe também o dever de garantir à criança o que é típico do domínio privado do lar, e ao Estado cabe garantir o direito indispensável da criança à educação escolar, pois é ela que faz a transição entre essas duas vidas (MANTOAN, 1991, p. 86). Nesse contexto, estrutura-se a cultura escolar, que é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se transmitem de geração em geração, se reproduzem em cada indivíduo, controlam a existência da sociedade e mantêm a complexidade psicológica e social. “Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas” (MORIN, 2001, p. 56). Nesta linha de reflexão, a educação inclusiva é um meio privilegiado para alcançar a inclusão social, vez que implica a implementação de políticas públicas e a compreensão da inclusão como processo que não se restringe à relação professor-aluno, mas que seja concebido como um princípio de educação para todos, além de valorização das diferenças, daí envolver toda a comunidade escolar. A inclusão não se refere somente ao terreno educativo, mas ao verdadeiro significado de ser incluído. Está implícita na inclusão social, a participação no mercado de trabalho competitivo, sendo este o fim último da inclusão. Assim, a educação inclusiva não é tarefa somente da escola, ela deve caminhar junto com a construção de uma sociedade inclusiva, pois a instituição escolar precisa estar relacionada ao sistema social, político e econômico vigente na sociedade. A , elaborada em 1994 na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, na Espanha, enfatiza a importância de que a educação seja assumida como a mais alta prioridade política e financeira, incluindo mudanças nas leis educacionais, incorporação de mecanismos democráticos na gestão das escolas, implementação dessa temática em programas de formação inicial e em serviço, e existência de mecanismos favorecedores do processo de inclusão. Sem dúvida, a razão mais importante para o ensino inclusivo é o valor social da igualdade. Ensinamos os alunos através do exemplo de que, apesar das diferenças, todos nós temos direitos iguais. Em contraste com as experiências passadas de segregação, a 17 inclusão reforça a prática da ideia de que as diferenças são aceitas e respeitadas. Conforme Stainback e Stainback: Devido ao fato de as nossas sociedades estarem em uma fase crítica de evolução, do âmbito industrial para o informacional e do âmbito nacional para o internacional, é importante evitarmos os erros do passado. Precisamos de Escolas que promovam aceitação social ampla, paz e cooperação. (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 26-27) É sabido que o fenômeno da exclusão não é específico da mulher, mas atinge os diferentes segmentos da sociedade. Por exemplo, a exclusão social da mulher é secular e diferenciada. A compreensão sobre a condição bipolarizada do sexo possibilita indicações do norte da exclusão social fundamentada na diferença. É também notório que a exclusão não é provocada, forjada unicamente pelas condições ou determinações do modelo econômico-social, como imposições da produção e do consumo, que operam, modelam e orientam a vida social de toda uma sociedade, embora se admita que este seja um dos principais pilares de sustentação desse fenômeno. É assim, na multiplicidade e diversidade do contexto das relações sociais – diretas e indiretas, que se constituem e se constroem novas formas de se instituir o outro, de engendrar processos de exclusão/inclusão. Em essência, a exclusão é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge as sociedades de formas diferentes, as regiões e os países pobres que são afetados com maior profundidade. Neste contexto, os sujeitos pertencentes aos diferentes grupos sociais, são também afetados diferentemente a depender de sua localização espacial e temporal. Tal processo tem desdobramentos específicos nos campos da cultura, da educação, do trabalho, das políticas sociais, da etnia, da identidade e de vários outros setores. Como ferramenta analítica, a exclusão social tem sido aplicada a um amplo conjunto de transformações sociais, econômicas e políticas e as suas implicações sociais. É necessário aplicar "uma perspectiva sistêmica para analisar o processo de exclusão social e destacar de que forma o comportamento político, econômico, social e as instituições reforçam e reproduzem essas desigualdades e barreiras." (RODGERS, 1995, p. 44). Ao longo do século XX, o acesso à escola foi se ampliando para os distintos grupos antes excluídos no processo do ensino formal do país. Com isto, foram oferecidas oportunidades para as mulheres estudarem, o que hoje se reflete em uma vantagem para elas, na maior parte dos indicadores educacionais. Contudo, tal vantagem não se reflete de forma consistente no mercado de trabalho, na qualidade da integração da população feminina nesse 18 espaço potencialmente produtor de autonomia econômica e social. Um longo caminho ainda é preciso percorrer para que se assegurarem condições igualitárias de ingresso, permanência, ascensão e remuneração profissional feminina no mercado. Durante todo o século XX e início do século XXI as lutas pela igualdade de gênero, étnico-racial e também pelo respeito à diversidade têm sido constantes. Todavia, o predomínio de atitudes e convenções sociais discriminatórias, em todas as sociedades, ainda é uma realidade tão persistente quanto naturalizada. O Brasil tem conquistado importantes resultados na ampliação do acesso e no exercício dos direitos, por parte de seus cidadãos. No entanto, há ainda imensos desafios a serem enfrentados e vencidos, quer do ponto de vista objetivo, como a ampliação do acesso à educação básica e de nível médio, quer do ponto de vista subjetivo, como o respeito e a valorização da diversidade. As discriminações de gênero, étnico-racial e por orientação sexual, como também a violência homofóbica, são produzidas e reproduzidas em todos os espaços da vida social brasileira. A escola, infelizmente, é um deles. Não bastarão leis, se não houver (ocorrer) a transformação de mentalidades e práticas, daí o papel estruturante que adquirem as ações que promovam a discussão desses temas, motivem a reflexão individual e coletiva e contribuam para a superação e eliminação de qualquer tratamento preconceituoso. Gênero: conceito importante para o conhecimento do mundo social Para compreender melhor a distinção das diferenças entre homens e mulheres e as relações de desigualdade social que comportam estas diferenças, tanto na vida pública como na vida privada, é útil distinguir conceitualmente entre o termo sexo e o termo gênero: a palavra sexo faz referência às características biológicas que nos fazem machos ou fêmeas, indivíduos diferenciados por nossos atributos sexuais. Esta diferenciação sexual na espécie humana é absolutamente necessária para a reprodução biológica da espécie. A palavra gênero, por sua vez, faz referência à mudança, à construção psicológica, social e cultural das características consideradas femininas ou masculinas, habitualmente adquiridas por homens e mulheres, respectivamente. Utilizamos ‘gênero’ para designar aquela construção cultural e histórica cujas características podem variar de uma sociedade a outra, de uma cultura a outra. 19 Joan Scott (1988) partindo dos pressupostos de Buttler (2003), argumenta que o gênero é uma categoria de análise útil porque possibilita a apreensão das complexas conexões entre as várias formas de interação humana. Mais do que apontar para uma diferença construída entre os sexos (entre masculino/feminino, homem/mulher), o gênero é entendido como um conjunto de normas, valores, conceitos e práticas através das quais as diferenças biológicas entre homens e mulheres são cultural e simbolicamente significadas, surgindo como forma de distinguir as diferenças biológicas socioculturais construídas. O conceito questiona a construção das desigualdades entre sexos, a sexualidade, e excede a questão da relação masculino/feminino, homens e mulheres, servindo para visibilizar processos culturais complexos e relações de poder, entendendo-se que as mulheres e os homens já são tratados de forma diferente a partir de seu nascimento, em função do sexo biológico e do meio cultural e social em que são gerados. Scott (1988, p. 27) também argumenta a favor de uma definição de gênero "como o elemento mediador da interseção entre o texto e o contexto, entre o simbólico e o material." Fora desse entendimento, a categoria se esvazia. O conceito deve ser percebido como um processo ativo estruturado dos múltiplos campos da vida social e demarcador das interrelações entre diferentes vetores de opressão (raça, classe, etnia, geração nacionalidade, orientação sexual etc.). Neste aspecto, a autora reclama das leituras/apropriações redutivas, simplistas e históricas que delas foram feitas. Pegando a trilha do pós-estruturalismo, como afirma Louro É necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade em um dado momento histórico. Para que se compreenda o lugar e as relações entre homens e mulheres numa sociedade, importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos. O debate vai se constituir então, através de uma nova linguagem, na qual gênero será um conceito fundamental. (LOURO, 1997, p. 21). Todas(os) estamos de acordo de que nascemos meninos/homens e meninas/mulheres, e que o sexo se determina como uma condição, biológica, genética e fisiológica e que, por outra parte, ser mulher ou homem é decidir o gênero como um construto social e culturalmente determinado e, portanto, suscetível de ser “aprendido” em um contexto determinado. A distinção 20 radical entre sexo e gênero permite situar as desigualdades entre homens e mulheres porque remete à relações sociais, à elaborações culturais, à práticas discursivas. A questão da socialização e da identidade Usam-se as expressões Rol de Gênero (“rol sexual” na tradição sociológica) e Identidade de Gênero. Por Rol de Gênero entende-se a “ação socialmente objetivada” (BERGER; LUCKMAN, 1985, p. 96) e institucionalizada pela qual cada indivíduo se comporta segundo um modelo pré-estabelecido com respeito a ser homem ou ser mulher. Ainda sob a perspectiva de Berger e Luckman (1985, p. 96), as criaturas aprendem o rol de gênero quando estão interatuando com os outros e consigo mesmas, segundo o que se espera de seu sexo; se é menino atua “como um homem” e aprende a ocupar os espaços sociais, materiais e simbólicos, reservados ou “próprios de um homem”; se é menina atua “como uma mulher” e aprende a ocupar os espaços sociais, materiais e simbólicos reservados ou “próprios de uma mulher”. A expressão rol sexual não incorpora a construção subjetiva de gênero. Por isto, justifica-se a opção pela expressão “rol de gênero” ao invés de “rol sexual”, dado que na tradição sociológica se vem utilizando “rol sexual” com significado parecido com “rol de gênero.” O modelo dominante nos processos de construção de identidade de gênero é que um macho se construa como identidade masculina, internalizando e incorporando à sua personalidade os valores e normas de comportamento “próprios de um homem”, e que uma fêmea se construa com identidade feminina internalizando e incorporando à sua personalidade aos valores e normas de comportamento “próprios de uma mulher”. Porém é possível que em alguns indivíduos, seu sexo não coincida com o gênero socialmente adscrito. Por exemplo, o caso de um macho que se percebe como feminino e, portanto, se sente mais identificado com as mulheres do que com os homens, ou o caso de uma mulher, cuja identidade de gênero seja masculina, e suas formas de pensar, sentir e atuar correspondente às formas tradicionalmente adscritas ao gênero masculino. Estas pessoas podem identificar-se internamente com o gênero que se adscreve ao sexo oposto, porém, com frequência, não se identificam como tal diante dos demais. A sociedade recompensa a incorporação do modelo de simetria entre sexo e gênero como normal e adequado, penaliza de maneira diversa a transgressão da norma dominante. Sem dúvida, o fator mais importante para se manter a norma social é o próprio controle interno dos indivíduos. 21 A teoria cultural e pós-estruturalista tem percorrido os diversos territórios da identidade para tentar descrever tanto os processos que tentam fixá-la quanto aqueles que impedem sua fixação. Têm sido analisadas, assim, as identidades nacionais, as identidades de gênero, as identidades sexuais, as identidades raciais e étnicas. Embora estejam em funcionamento nessas diversas dimensões da identidade cultural e social ambos os tipos de processos, eles obedecem a dinâmicas diferentes. Assim, por exemplo, enquanto os recursos à biologia são evidentes na dinâmica da identidade de gênero (quando justifica a dominação masculina por meio de argumentos biológicos, por exemplo), ele é menos utilizado nas tentativas de estabelecimento das identidades nacionais, onde são mais comuns essencialismos culturais. Neste contexto, segundo Hall: A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu “trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da tradição enquanto “o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que esse “desvio através de seus passados” faz é nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós fazemos das nossas tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar. (HALL, 2003, p. 43). Nesta linha de reflexão, Dubar (2005, p. 98) entende a identidade como "resultado de um processo de socialização pelo qual um ser humano desenvolve suas maneiras de estar no mundo e de relacionar-se com as pessoas e com o meio que a cerca, tornando-se um ser social." Todavia, a socialização não tem um caráter rígido de estrutura que não se transforma. Pelo contrário, é entendida como processo dinâmico, permitindo a construção, desconstrução e reconstrução de identidades. O conceito de identidade depende da trajetória de vida do indivíduo e da configuração social de cada momento de sua vida, permitindo a existência de socializações posteriores àquela primeira socialização familiar. Para Dubar, O conceito traz contribuições teóricas que expandem as explicações “macrossocial” (focada no grupo, classe, categoria) e “microssocial” (focada no papel, status) da formação das identidades: introduz uma dimensão subjetiva – psíquica na análise sociológica. (DUBAR, 2005, p. 107) 22 Conforme Dubar, desse ponto de vista, A identidade nada mais é que o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições. (DUBAR, 2006, p. 185). Para se compreender a realidade social e poder transformá-la, se é o que desejamos, existe a vontade de compreender e transformar o caráter hierárquico das relações de gênero – especialmente por seus efeitos discriminatórios notadamente voltados para as mulheres, é necessário conhecer como opera em nível micro social o processo de socialização diferencial, segundo o sexo, e como seus conteúdos vêm determinados e modelados pela estrutura sexuada de nossa sociedade. Através do processo de socialização, os indivíduos participam passiva e ativamente da reprodução social e cultural da sociedade em que vivem. Porém, a reprodução social dos modelos culturais jamais é perfeita, nem mecânica. Lindsey assinala dois fatores que favorecem a mudança: o primeiro é A diversificação de frentes e agentes de socialização, pois na família intervêm pais, mães, irmãos e irmãs, primos, padrastos, madrastas em famílias reconstruídas; na escola, mestres, mestras e grupos de amizade; a TV, o cinema, os meios de comunicação em geral etc. (LINDSEY, 1990, p. 83). Esta diversidade de agentes pode interferir na reprodução mecânica de modelos e valores de uma geração a outra, que podem chegar a difundir mensagens críticas, distintas, novas e contraditórias a respeito dos estereótipos imperantes de gênero. O segundo fator é que vivemos em uma sociedade multicultural, desigual e heterogênea, composta de numerosas subculturas, que podem mostrar variantes nos modelos de gênero propostos pela cultura dominante androcêntrica. (LINDSEY, 1990, p. 83). Que os perfis de gênero sejam mais ou menos flexíveis ou rígidos é possível, porque a masculinidade e a feminilidade são construções complexas que não têm uma só dimensão, senão múltiplas que variam na medida em que homens e mulheres participam da sociedade, na qual ocorre uma maior ou menor rigidez na segregação dos sexos e na diferenciação das condutas esperadas de homens e mulheres. Por exemplo, o desenvolvimento subjetivo da identidade individual poderá estruturar, em determinados momentos da 23 vida de uma menina/jovem/mulher, mecanismos de autoexclusão ou, pelo contrário, de imitação ou reprodução de esquemas masculinos. Nos últimos tempos, tem-se observado uma grande inquietação em torno das desigualdades sociais. É importante destacar que as múltiplas desigualdades e diferenças entre homens e mulheres nas sociedades capitalistas periféricas convergem e se expressam, em suas diferenças, frente ao trabalho. É notório que a inserção das mulheres na esfera produtiva constitui um dos fatores de significativa importância para verificar os níveis de desigualdades sociais presentes numa dada sociedade. Mulheres e homens têm em nossa sociedade posições e condições diferenciadas de vida; portanto, as mesmas são afetadas de maneira diferente pelas crises e fenômenos de qualquer natureza. Desde que perceberam os primeiros efeitos da crise em nosso país, os fóruns de discussão e diálogo dos movimentos feministas, e em especial de mulheres, começaram a questionar a existência de seus (possíveis) impactos na vida das mulheres e de uma diferenciação desses impactos segundo o sexo. É necessário considerar que o campo de atuação profissional é de suma importância para a autonomia dos indivíduos, para a construção das identidades, para o reconhecimento social e para o acesso a bens de consumo, entre outras dimensões, tanto materiais como simbólicas, cada vez mais importantes em sociedades do século XXI (PINHEIRO ET AL., 2008). Nos espaços de trabalho, os processos de discriminação e desigualdade são nítidos, produzindo consequências claramente perceptíveis através das análises dos indicadores produzidos pelo IBGE/Pnad (2008). Uma informação importante a ser levada em conta se refere à maior ou menor participação de mulheres no campo da educação. Conforme o IBGE/Pnad (2008), o perfil da escolarização por gênero indica que em todas as faixas de idade, as mulheres puxam para cima as taxas de escolarização. A porcentagem de mulheres matriculadas em ensino superior subiu de 53,3%, em 2001, para 56,5%, em 2002. A quantidade de alunas subiu de 833.949 para 1.964.649; no mesmo período, o total de alunos cresceu de 1.565.056 para 3.476.194. (INEP, 2006). Estudo de gênero em campos de desigualdades educacionais A abordagem de gênero calcada no método etnográfico permite descrever, analisar e compreender as interações sociais que se constituem no cotidiano das instituições escolares. A estruturação das representações de 24 gênero apresenta-se como um fator estruturante importante a ser considerado no processo de formação no cotidiano das escolas. Existe o consenso de que os componentes socioculturais são críticos para a conceituação da sexualidade humana. Existe também uma clara tendência, em abordagens teóricas, de que a sexualidade se refere não somente às capacidades reprodutivas do ser humano, como também ao prazer. A sexualidade é uma das dimensões do ser humano que envolve gênero, identidade sexual, orientação sexual, erotismo, envolvimento emocional, amor e reprodução. Assim, envolve, além do nosso corpo, nossa história, nossos costumes, nossas relações afetivas, nossa cultura. É experimentada/expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, atividades, práticas, papéis e relacionamentos. Segundo Heilborn et al, Uma das primeiras formas de classificação no mundo social diz respeito ao sexo das pessoas. A palavra sexo, contudo, pode ter vários sentidos superpostos: ela pode designar o formato físico dos corpos – macho ou fêmea da espécie –, mas também a atividade sexual. (HEILBORN ET AL., 2003, p. 2). A preparação de crianças e jovens para a transição para a idade adulta, tendo em seu centro as relações e a sexualidade humana, sempre foi um dos grandes desafios da humanidade. Na instituição escolar, estão presentes as concepções de gênero e sexuais que, histórica e socialmente, constituem uma determinada sociedade. Sobre as possíveis relações entre educação e gênero nas pesquisas brasileiras, Fúlvia Rosemberg denuncia o escasso número de estudos sobre o tema e a pouca divulgação desses trabalhos. Para a autora, predominantemente, As pesquisas que abordam a questão de gênero estão circunscritas à área da educação infantil; à análise dos livros didáticos e conteúdos escolares; a pesquisas sobre os significados masculinos e femininos das identidades, da formação e do trabalho docentes; sobre a reprodução de estereótipos sobre as crianças, jovens e adultos nas relações e nas políticas escolares, entre outros. (ROSEMBERG, 2001, p. 56). A abordagem das práticas sociais em instituições escolares nos permite apreender as formas de relações sociais que nelas se produzem/estabelecem, contribuindo para que novas realidades e situações sejam debatidas, indicando possibilidades de melhoria no sistema educacional. 25 Nesta linha de reflexão, considerou-se importante tornar visível a problematização das diferenças e desigualdades, presentes na reprodução de modelos e crenças construídos sobre as relações de gênero em diferentes contextos. A este respeito, Santos (2011), em seu estudo: : Revelações da Inserção do SPE – Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas em Aracaju-Sergipe, informa que os objetivos propostos pelo SPE estão sendo parcialmente alcançados, devido a alguns aspectos como: redução da carga horária dos professores na formação continuada para a implementação do SPE; rejeição dos(as) demais professores(as) das Unidades Públicas de Ensino que implementaram o SPE; falta de participação dos profissionais da saúde; descaso da gestão escolar em colaborar na implementação do SPE; e ausência de ações direcionadas para os (as) alunos (as) com necessidades educacionais especiais. Ao analisar o discurso de profissionais que trabalham nessas instituições, o autor identifica uma forma particular de tratar a sexualidade de crianças e jovens, argumentando que, em contraste com o discurso genérico dessas instituições – centrado na atenção às especificidades e nos direitos de cidadania –, a percepção sobre a sexualidade é homogeneizadora e obscurecida pela noção do desvio sexual. O estigma associado à vida de muitos adolescentes de camadas de baixa renda, acaba também por reduzir suas experiências afetivo-sexuais às ideias de anormalidade, de violência e de constrangimento. O predomínio de atitudes e convenções sociais discriminatórias, existente em todas as sociedades, ainda é uma realidade tão persistente quanto naturalizada nas escolas estudadas. Emergem aspectos da fragilidade na formação dos professores e falta de participação dos demais segmentos das comunidades escolares nas discussões que envolvem as temáticas do SPE. Louro (1997, p. 57) observa que "é indispensável admitir que a escola, como qualquer outra instância social, é, queiramos ou não, um espaço sexualizado, generificado”, ou seja, o ambiente escolar e o processo que dele resulta são atravessados pelas representações de gênero e, por consequência, são constituintes dos gêneros. Para a autora, A escola entende muito bem do tema diferenças, pois ela a reproduz o tempo todo; ela se incumbiu de separar os sujeitos que tinham acesso a ela dos que não tinham; dentro dela, dividiu os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. (LOURO, 1997, p. 57). 26 Adverte Louro Que a escola separou adultos de crianças, católicos de protestantes, meninos de meninas, e se fez diferente para os ricos e para os pobres. Delimita espaços, informa o lugar do grande e do pequeno, até seus prédios informam a todos a sua razão de existir. (LOURO, 1998, p. 48). Dessa maneira, interesses e formas de comportamento para cada sexo são estimulados no ambiente escolar. Por isso, é necessário perceber como são formados e legitimados, fazendo com que alunos (as) se identifiquem ou diferenciem-se de acordo com as características socialmente valorizadas e/ou determinadas, não esquecendo que o processo educativo precisa ser desenvolvido visando à desmistificação das diferenças a respeito do gênero. Estudo desenvolvido por Milhomem (2010) sobre teve como objetivo analisar as representações sociais de gênero, as expressões de violência simbólica no cotidiano do trabalho docente na comunidade indígena Xerente no Município de Tocantínia (TO), para desvendar processos que sustentam as diferenças, a hierarquização e a discriminação entre as integrantes desse grupo socialmente discriminado. Os resultados informam que as docentes indígenas Xerente constroem uma identidade em conflito, enfrentam práticas de vida construídas a partir da coabitação/permanências (convivem com a reprodução de posições de gênero bastante tradicionais) e mudanças (maior nível de escolarização, com novos papéis políticos, no trabalho, na economia familiar que abrem possibilidades para a condição feminina). Ora se orientam por valores da cultura tradicional, ora se orientam por valores da cultura ocidental capitalista. De um lado, fatores como a maior escolarização das mulheres, a assunção de novas atribuições políticas, no trabalho, na economia familiar, abrem possibilidades para ampliar os direitos e a cidadania. Por outro lado, os papéis masculinos mais tradicionais são reafirmados e enaltecidos nos discursos de homens e mulheres, na mesma proporção em que a crescente importância das mulheres na organização social e política tende a ser minorada. Os processos de escolarização/formação nos quais estão inseridos homens e mulheres contribuem para ressignificação/mudança de visão, conceitos e valores e, contraditoriamente, ora possibilitam e ora dificultam o engajamento e a mobilização da mulher Xerente na comunidade local e na sociedade nacional. 27 Os movimentos de conservação e mudanças culturais ganharam novas nuances a partir das fricções interétnicas com a cultura branca, das quais derivam processos de aproximação do modo de vida dos índios ao dos brancos (como o fenômeno da urbanização crescente nos arredores da aldeia) e também tensões em diferentes níveis. Neste contexto, a construção da identidade de homens e mulheres docentes traz à tona a abordagem de gênero que “é uma maneira contemporânea de organizar normas culturais passadas e futuras, um modo de a pessoa situar-se em e através destas normas, um estilo ativo de viver o corpo no mundo.” (CRUZ, 2005, p. 23). Pesquisa desenvolvida por Gomes (2008) com o título: , objetivou desvendar as representações sociais de gênero estruturadoras de identidades diferenciadas, das(os) professoras(es) da escola fundamental da Rede Pública Municipal de Aracaju, avaliando se a prática pedagógica vem contribuindo para a construção de relações sociais democráticas, para a ampliação da cidadania e dos direitos de alunas/os. A autora antecipou a hipótese norteadora de que, a despeito da UNESCO recomendar a capacitação em gênero como um pré-requisito para a qualificação dos professores do ensino fundamental objetivando suprir a lacuna no que diz respeito à inserção da perspectiva de gênero na formação profissional, as/os professoras/es continuam a reproduzir os estereótipos de masculinidade e feminilidade, influenciando, assim, a estruturação da identidade das/os alunas/os. Assim, os resultados confirmam a hipótese (nunca se confirma hipóteses, ou se rejeita ou não se rejeita) de que as representações de gênero das/os docentes são carregadas de preconceitos e estereótipos sexistas expressos não só em sua prática pedagógica cotidiana, como no cotidiano extraclasse, reproduzindo relações de desigualdade entre homens e mulheres. O desconhecimento sobre a abordagem de gênero dos(as) professores(as) questiona a necessidade de requalificação/capacitação, conforme conteúdos dos PCNs, com o objetivo de guiar seu trabalho. Ao participarem de cursos de formação nas temáticas de gênero, sexualidade e orientação sexual e relações étnico-raciais, os/as docentes das escolas e profissionais em geral, certamente obtêm instrumentos para refletir a respeito desses temas e para lidar com eles. Com base em múltiplas abordagens teóricas, contribuições e possibilidades de compreensão do acirramento do fenômeno da violência na sociedade contemporânea, a partir da perspectiva da estrutura do modelo de 28 globalização mundial, Couto (2008), em sua pesquisa com o título: : estudo de caso em uma escola da rede pública estadual sergipana, objetivou desvendar expressões de violência no cotidiano escolar, atribuindo especial destaque às representações sociais dos docentes, às implicações e barreiras na construção da identidade de gênero e da cidadania plena de alunos/as de uma escola do município de Nossa Senhora do Socorro, em Sergipe. Os resultados informam que as violências ocorridas na escola apresentam-se com as seguintes dimensões: violência da escola (para com o corpo discente, por meio de pedagogias, práticas sociais autoritárias, precárias estruturas de funcionamento); violência à escola, (praticada por grupos externos à escola); violência na/dentro da escola, que atinge as/os docentes e outros adultos, e espraia-se no cotidiano escolar, com ascensão entre meninas que utilizam a violência verbal e simbólica, enquanto os meninos frequentemente utilizam da violência física e simbólica. As/os docentes sentem-se despreparados para intervir de modo sistematizado diante dos episódios de violência; tendem a adotar posturas individualizadas que negam o confronto com os desafios que a escola contemporânea moderna deve enfrentar, sob pena de negar o desenvolvimento equânime das identidades de gênero e da cidadania plena dos/as alunos/as para lidar com os problemas e imprevistos que surgem do cotidiano da escola. É fato que a violência encontra-se presente na sociedade. Portanto, a problematização do tema da “violência escolar” exige pensá-la a partir de suas causas multifatoriais, envolvida por variáveis macroestruturais que têm no micro universo da escola um dos locais de manifestação. Neste ambiente, emergem representações sobre a mulher, desenvolvidas na sociedade e sedimentadas através das praticas pedagógicas e das interações que ocorrem nos seu cotidiano, tornando “naturais” tratamentos diferenciados para meninos e meninas. A leitura dos trabalhos aqui referidos nos instiga e convida a abrir o pensamento educacional para outros pensamentos. Este é o grande legado das pesquisas em realidades tão distintas. Acreditamos que, para construir um futuro melhor, é indispensável incorporar aqueles que herdarão esse mesmo futuro. Nesse sentido, as políticas de combate as desigualdades sociais precisam superar a concepção implícita de ausência e ações descontínuas que orientaram diversos projetos e caminhar na via da construção de políticas para jovens e adultos. 29 Para concluir Vive-se um momento histórico em que as questões de reconhecimento, justiça social, igualdade, diversidade e inclusão são colocadas na agenda social, política e, também, na política educacional. Embora tais questões sempre fizessem parte do desenvolvimento da própria educação brasileira, nem sempre elas foram reconhecidas pelo poder público como merecedoras de políticas, compreendidas como direito, ao qual se devem respostas públicas e democráticas. A educação, imersa nas contradições e conflitos que perpassam o cenário político e cultural da sociedade contemporânea, necessita ser pensada e discutida a partir de olhares que visem a problematizar os espaços de construção dos discursos educacionais que vêm se tornando legítimos e ocupando relevância na sociedade. A concepção de gênero como categoria de análise é, por sua vez, um marco conceitual, um modo de interpretar e um instrumento para ampliar as análises dos acontecimentos históricos, sociais e/ou educativos. Portanto, permite questionar se a escola, como tal, reproduz as desigualdades sociais, a hierarquização, as relações de poder, e se existem mensagens e aprendizagens ocultas que predispõem a um desenvolvimento pessoal acadêmico e profissional diferente para mulheres que para homens. Compreende-se que o objetivo para uma igualdade real não estaria na introdução da mulher nas atuais estruturas masculinas do poder – perpetuando, assim, as diferenças – senão que se objetiva questionar esta realidade que se coloca como modelo único. Caberia pensar no sentido da educação e refletir sobre a ideologia que se transmite nos espaços educativos a partir de comportamentos, atitudes, saberes e competências acerca da identidade de homens e mulheres. Nesse sentido, a reflexão relativa às questões de diversidade e gênero na sociedade em geral, e na escola em particular, abrange o compromisso de promover uma educação democrática e inclusiva, sem preconceitos nem discriminações. Historicamente, sabe-se que tanto a formação acadêmica como a formação de educadores/as em exercício não têm respeitado a diversidade, tampouco contemplado o debate dos temas. Os atores sociais, por integrarem a sociedade, refletem seus valores culturais, suas crenças e normas morais, seus preconceitos. No caso especifico dos profissionais da educação, esse fato assume maior importância, visto que, pela própria definição, seu papel inclui a transmissão de valores. Assim, no interior das escolas, sejam elas públicas ou particulares, se as/os professoras/es não 30 tiverem sido preparados e feito uma reflexão a respeito da abordagem da diversidade em suas diferentes dimensões, podem tornar-se disseminadores da discriminação para outros espaços sociais. Não se deve esquecer que o papel dos educadores como agentes formadores de habitus de gênero abrange a educação informal e formal, o trabalho pedagógico psicossomático de nominação, inculcação e incorporação que se inicia no processo de socialização infantil e continua através de variadas e constantes estratégias educativas de diferenciação, no mais das vezes implícitas nas práticas de vários agentes e instituições como a família, a Igreja a escola e os meios de comunicação. Romper com a reprodução de modelos e crenças construídos sobre as relações de gênero desiguais permite à escola tornar-se espaço problematizador das diferenças e desigualdades, uma vez que pode lançar mão de temas transversais possíveis de serem articulados ao currículo vinculandoos ao cotidiano dos alunos, do qual as relações de gênero fazem parte de maneira intrínseca. Muito foi conquistado, mas muito ainda há para ser modificado em nossa moldura de sociabilidade. Há suficiente evidência de que nestas últimas quatro décadas, nos países industrializados do Ocidente, os perfis de gênero estão mudando, mesmo que lentamente, especialmente os estereótipos de gênero tradicionalmente atribuídos a mulheres. Se existem estereótipos de gênero que facilitam a transmissão de ideias e atitudes rígidas sobre os sexos, também é certo que outros fatores explicam a persistência, nas sociedades ocidentais de hoje, de modelos de gênero mais flexíveis do que no passado e mais acordes com as mudanças nos últimos decênios. Estas mudanças são o que suscitam hoje o maior interesse nos estudos da construção dos gêneros. Os estudos de gênero objetivam apontar o desenvolvimento e a difusão da temática de gênero na sociedade, nos campos da Educação e das Ciências Sociais para revelar os novos temas que abrem esta perspectiva, assim como recolocar criticamente os problemas tradicionais (em Sociologia, Educação, Saúde, Serviço Social) enfocando a sociedade brasileira, nordestina e a região latino-americana. Melhor dizendo, a perspectiva de gênero tem demonstrado, ao largo de sua tradição acadêmica, que são fundamentais tais estudos para aprofundar as análises das estruturas sociais que reproduzem as dominações e desigualdades sociais. 31 Referências BERGER, P. L.; LUCKMAN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento, Petrópolis: Vozes, 1985. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização. Brasileira, 2003. CRUZ, Maria Helena Santana. Trabalho, gênero, cidadania: tradição e modernidade. São Cristóvão: Editora UFS, Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2005. COUTO, Maria Aparecida Souza. Violências e gênero no cotidiano escolar: estudo de caso em uma escola da rede pública estadual sergipana. São Cristóvão, SE, 2008. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Sergipe. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA E LINHA DE AÇÃO SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS. Brasília: Corde, 1994. DUBAR, Claude. 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