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Pneumologia Pediátrica
TEMAS EM DESTAQUE
Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC):
Importância, implantação e futuros desafios
Asma nos lactentes e pré-escolares: diagnóstico,
fenótipos e relevância destes para o tratamento
2
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
DIRETORIA - BIÊNIO 2010 | 2011
Diretoria (biênio 2010/2011)
Presidente: Jaquelina Sonoe Ota Arakaki
Vice-Presidente: Mônica Corso Pereira
Secretária Geral: Valéria Cristina Vigar Martins
1º Secretária: Lara Maris Nápolis
2ª Secretária: Nephtali Segal Grinbaum
Diretor de Finanças: Ricardo Milinavicius
Diretor de Assuntos Científicos: Oliver Augusto
Nascimento
Diretor de Divulgação: Carlos Viana Poyares Jardim
Diretor de Informática: Roberta Pulcheri Ramos
Comissões
Assuntos do Interior: Roberto Rodrigues Júnior
Defesa Profissional: Fabiola Gomes Rodrigues
Ensino: Roberto Saad Júnior
Promoções: Paulo Manuel Pêgo Fernandes
Assuntos da Grande São Paulo: Igor Bastos Polonio
SUMÁRIO
4
EDITORIAL
• As perspectivas futuras da Pneumologia
Pediátrica Paulista
• Pneumologia Pediátrica
6
TEMAS EM DESTAQUE
• Registro Brasileiro de Fibrose Cística
(REBRAFC): Importância, implantação e
futuros desafios
• Tosse crônica em pediatria
• Asma nos lactentes e pré-escolares:
Cirurgia Torácica:
Luiz Carlos Filgueiras Leiro
Ricardo Kalaf Mussi
Altair da Silva Costa Júnior
Endoscopia Respiratória:
Luiz Hirotoshi Ota
Ascedio Rodrigues
Viviane Rossi Figueiredo
Pediatria:
Marina Buarque de Almeida
Lucia Harumi Muramatu
Sonia Mayumi Chiba
Fisioterapia Respiratória:
Luciana Dias Chiavegato
Carla Malaguti
Priscila Batista de Souza
Conselho Fiscal
Efetivos:
Alberto Cukier
José Antônio Baddini Martinez
Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano
diagnóstico, fenótipos e relevância destes
para o tratamento
29 ARTIGOS EM DESTAQUE
• Principais artigos na área de sono em
pediatria nos últimos dois anos
• Atualização em asma em pediatria: discussão
das metanálises publicadas nos últimos 2 anos
29 RESUMINDO E RECORDANDO
• Broncoscopia na prática pediátrica
• Triagem neonatal para fibrose cística: o que
fazer diante de um resultado alterado?
• Pneumonias de repetição em pediatria
• Pneumonias adquiridas na comunidade em
lactentes, crianças e adolescentes
Suplentes:
Irma de Godoy
José Eduardo Delfini Cançado
Sonia Maria Faresin
Conselho Deliberativo
Ana Luisa Godoy Fernandes
Carlos Alberto de Castro Pereira
Fernando Augusto Fiuza de Melo
Francisco Vargas Suso
Jorge Nakatani
Manuel Lopes dos Santos
Miguel Bogossian
Nelson Morrone
Ricardo Beyruti
Roberto Stirvulov
Virgílio Alexandre Nunes de Aguiar
48 RELATO DE CASO
• Tratamento de hemangiomas de vias aéreas em
crianças utilizando propranolol
• Pneumatocele gigante com resolução
espontânea
NOSSA CAPA
Ilustração:
Bira Dantas
PNEUMOLOGIA PAULISTA
Órgão Informativo da Sociedade Paulista de
Pneumologia e Tisiologia
Editores Responsáveis:
Mônica Corso Pereira e Carlos Viana Poyares Jardim
Editoração Eletrônica: Miriam Miranda
Impressão: Gráfica Riopedrense • Tiragem: 1200 exemplares
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
3
EDITORIAL
As perspectivas futuras da
Pneumologia Pediátrica Paulista
É
difícil prever o que o futuro nos reserva, entretanto,
algumas esperanças podemos ter quanto aos
progressos da nossa especialidade. Já temos 8
Centros formadores em Pneumologia Pediátrica no
Estado de São Paulo.
Esperamos que os pneumologistas que estão se
formando, tenham, seguramente, maiores facilidades e menos
dificuldades em se afirmar na profissão, ao contrário dos
colegas mais velhos que iniciaram a pneumologia pediátrica
paulista nas décadas de 70 e 80.
Esperamos que o uso da internet permita ainda mais, como
já tem permitido, a pronta e permanente atualização na
especialidade, e que os sites das sociedades de Pediatria e
de Pneumologia, através da educação continuada, possam
suprir as lacunas nos conhecimentos e, a qualquer momento,
permitam que os jovens obtenham relevantes informações
em contraposição aos recursos de antigamente, quando era
necessário se passar horas na biblioteca transcrevendo
manualmente os títulos do Index Medicus.
Esperamos que os pneumologistas do futuro, dada a
abrangência dos conhecimentos adquiridos, tenham mais
discernimento do que nós tivemos, e que acumulem capacidade
de analisar com ponderação e espírito crítico as publicações, os
artigos, os ensaios baseados em evidências ou as metaanálises.
Esperamos que a proposta do futuro da Pneumologia
Pediátrica paulista seja de estabelecer os protocolos de
atuação em nível regional e mesmo nacional, estimular e
apoiar atividades conjuntas da especialidade, manter
contatos e estabelecer intercâmbio entre os grupos de estudo
de São Paulo e outras cidades ou estados.
Os estudos multicêntricos serão bem vindos e constituirão
a base das futuras pesquisas, já que permitirão maior número
de pacientes, maior abrangência de resultados e conclusões
de maior peso, com reconhecimento internacional das
publicações. A qualidade de vida, a aderência aos tratamentos
e os modos de intervenção para melhorá-la poderão ser os
assuntos futuros a serem investigados nos nossos pacientes
com diversas doenças.
Esperamos que exista uma saudável parceria entre a
4
indústria farmacêutica e os futuros jovens pesquisadores,
atendendo aos interesses mútuos de promover as pesquisas
a nível nacional e internacional.
Sabemos que o Departamento de Pneumologia Pediátrica
da Sociedade de Pediatria de São Paulo continuará a agregar
os membros pela excelente e diversificada programação e
pela troca de experiências entre os participantes.
As equipes de Pneumologia Pediátrica dos departamentos
de Pediatria das universidades, estaduais e federal de São
Paulo continuarão a receber residentes e estagiários,
formarão mestres e doutores com capacitação para
assistência, ensino e pesquisa e para formação de novos
núcleos da especialidade.
O que os pneumologistas mais velhos e experientes
poderiam desejar aos mais novos? Que possam exercer a
especialidade com dignidade e remuneração condizente com
os anos de estudo e que possam publicar suas pesquisas e
teses sem maiores percalços. Que não desanimem frente às
dificuldades ou demora para divulgar suas experiências e
ideias e que se mantenham firmes no rumo de contribuir com
o crescimento da Pneumologia Pediátrica paulista.
A presente edição prestigia a Pneumologia Pediátrica
paulista e contribui para a divulgação científica das práticas,
do ensino e das pesquisas sobre diversos temas de interesse
em nossa especialidade. Foi escrita por vários colegas
pneumologistas atuantes, que não pouparão esforços em
transmitir a sua experiência a todos que estiverem lendo a
Revista Pneumologia Paulista.
Tatiana Rozov
Livre Docente do Departamento de Pediatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo.
Orientadora do Curso de Pós-graduação em Reabilitação
da Universidade Federal de São Paulo e médica voluntária do
Centro de Reabilitação Pulmonar da Disciplina de
Pneumologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp/
Lar Escola São Francisco.
Membro do Departamento de Pneumologia Pediátrica da
Sociedade de Pediatria de São Paulo
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
EDITORIAL
Pneumologia Pediátrica
N
as linhas abaixo procurei, dentro dos limites da
memória não registrada, descrever a minha
participação no nascimento, difusão e
aperfeiçoamento desse setor da Pediatria.
Com quatro exceções não citei nomes para evitar o risco
de injustiças imperdoáveis.
Em 1948, foi inaugurado no Rio de Janeiro o Hospital
dos Servidores do Estado (HSE) do antigo Instituto de
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado
(IPASE).
Na época ele foi classificado por Instituição Americana
que avaliava, por critérios rigorosos, como o único de
classe A no Brasil.
Além das exigências básicas, o HSE apresentava
inovações ainda não existentes no Brasil como, por
exemplos, a Unidade de Terapia Intensiva, a Residência
Médica e a divisão das clínicas básicas em setores
especializados
O serviço de Pediatria foi entregue ao Prof. Luiz Torres
Barbosa, que entre muitas qualidades, tinha a de ser
entusiasta das novidades existentes nos Hospitais da
França e dos Estados Unidos, onde fizera residência e
diversos estágios.
Desta forma, pediatras selecionados após rigorosos
concursos públicos foram encarregados de criar inúmeros
setores como, por exemplo, a Puericultura, Metabolismo e
Nutrição, Berçários de normais, prematuros e patológicos...
e a Pneumologia. Este setor foi entregue ao prof. Afrânio
Raul Garcia, futuro Prof. Titular da Faculdade Federal de
Medicina do Rio de Janeiro, e que imediatamente criou o
terceiro ano de Residência para possível dedicação
exclusiva à especialidade.
Entretanto, “cláusula pétrea” determinava que, apesar
dessa dedicação, nenhum pediatra abandonasse o conceito
da criança como unidade, sobre todos os aspectos.
Em 1955, ingressei, também por concurso, como
assistente do grupo. Com este grande mestre e amigo muito
aprendi de Medicina, Ética e amor pelos nossos pequenos
clientes.
Salvo qualquer equívoco, pelo qual me desculpo, ele foi
o pioneiro e grande divulgador da Pneumologia Infantil no
Brasil.
Em 1969, fui convidado e aceitei vir para São Paulo e
assumir o título de Professor Associado na Clínica
Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de Misericórdia. Posteriormente prestei concurso de Livre
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Docente e passei a Professor Pleno.
Aqui chegando, já encontrei o Dr. Joel Rodrigues Bastos
e o Dr. Paulo Alighieri atendendo os pacientes com
broncopneumopatias.
Muitos outros Hospitais Públicos, Universitários,
Estaduais e Municipais, além de Ambulatórios já estavam
começando a atender essas crianças separadamente. A
organização, gerenciamento e qualidade assistenciais, como
era previsível, variavam de acordo com os inúmeros fatores
que todos nós médicos conhecemos. Merecem, entretanto,
citação especial o setor do Instituto da Criança da USP,
onde, além da equipe de alto padrão, assistência e ensino
modelares, ainda pesquisas eram feitas.
As grandes incidência e prevalência das doenças
respiratórias na infância funcionaram como um estímulo,
um atrativo para que os jovens médicos procurassem
residências especializadas e frequentassem os cursos,
jornadas regionais e congressos, criando em suas regiões
de origem unidades de atendimento especializado.
Nos trinta anos seguintes participamos, sós ou com
outros colegas antigos, de um número muito elevado
desses eventos.
Essas minha longa atuação clínica, principalmente na
rede pública, logo me fez perceber que, além da capacidade
profissional, a correta assistência às crianças portadoras
das doenças respiratórias agudas e/ou crônicas deveria
obedecer algumas premissas:
1. Facilitar os tratamentos e diminuir as internações.
2. Criar estrutura assistencial adequada.
3. Basear o primeiro item na classificação das
pneumonias agudas de etiologia não determinada em
características clínico-radiológicas estabelecendo
esquemas de tratamento para cada uma delas.
4. O segundo item deve ser baseado no princípio da
hierarquia e na continuidade assistenciais. Retornos devem
ser marcados pela equipe a partir do segundo dia após o
início do tratamento seguindo-se então diversos caminhos
de acordo com a evolução de cada caso.
Este esquema aqui resumido foi plenamente
desenvolvido e constitui o que denominamos PROGRAMA
DRI que implantamos como modelo na Santa Casa.
Comprovada sua eficiência, vantagens e possibilidade de
execução, em todo ou em partes, passamos a tentar
implantá-lo em todo o sistema de saúde na capital e no
Estado de São Paulo.
Sendo assessor temporário
da Organização
5
Panamericana da Saúde e do Ministério da Saúde, tentei
expandi-lo através de treinamentos e de documentos para
o resto do Brasil. De forma facilitada, principalmente para
áreas carentes de recursos em todo mundo, utilizando
Agentes de Saúde treinados também para o Programa de
Reidratação oral.
Paralelamente, e no sentido de contribuir para o
diagnóstico e tratamento das pneumopatias crônicas e/ou
recidivantes, publicamos em 1987/88, três artigos
denominados Bronquiolopatia Pós Viral. Este foi o nome
que achei adequado para as seqüelas Brocopumonares das
Bronquiolites agudas e da conqueluche.
Em um dos trabalhos apresentamos 25 casos
acompanhados em ambulatório por muitos anos.
Principalmente na capital, mas também em alguns
municípios do interior, a implantação do Programa DRI foi
muito satisfatória. Infelizmente as constantes mudanças
nas chefias, a intervenção da má política em áreas técnicas
e a falta de empenho de alguns, fizeram com que esse
intenso trabalho fosse aos poucos sendo abandonado.
Razões por mim mal conhecidas impediram também que
ele prosperasse nas regiões pobres do mundo, onde
poderiam ter evitado muitas milhares de mortes de crianças.
Do Programa DRI, guardo não só os documentos iniciais,
como também os inúmeros relatórios e estatísticas, que
demonstram que muitos doentes deles se beneficiaram
enquanto funcionou.
Afastado por mais de dez anos da especialidade, não
sei em que situação ela se encontra.
Tenho porém a esperança em que grandes descobertas
darão em futuro próximo a cura como também a melhora da
qualidade de vida dessas crianças. Os transplantes, a
imunologia, a cirurgia especializada, as células tronco e a
descoberta de novos antibióticos para combater as
superbactérias e os vírus, transformarão essas esperanças
em certezas.
Que minhas últimas palavras sejam para os muitos
colegas em toda a rede pública que nos acompanharam e
nos apoiaram durante estes cerca de trinta anos em que
atuamos no estado de São Paulo. Em particular os que
formaram comigo uma equipe sem os quais me faltaria fôlego
para implantar e controlar o projeto. Aqueles que entraram
e saíram do grupo, durante todo esse período,
compartilhando vitórias e derrotas, o meu maior
reconhecimento e a certeza de que ela foi a melhor forma de
consolidar amizades e de ter a certeza do dever cumprido.
Theotonio V. de Miranda Ribeiro
PRÓXIMA EDIÇÃO
Publicação dos traballhos apresentados no
14o. Congresso Paulista de Pmeumologia e Tisiologia
6
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
TEMAS EM DESTAQUE
Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC):
Importância, implantação e futuros desafios
AUTORES:
Luiz Vicente Ribeiro Ferreira da Silva Filho1,3, Neiva Damaceno2,3
SERVIÇOS:
1
Instituto da Criança, Hospital das Clínicas da FMUSP
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
3
Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC)
2
1
Mestre e Doutor em Ciências da Saúde pela FMUSP, Médico Assistente, responsável pelo REBRAFC
Médica Assistente do Grupo de Pneumologia Pediátrica, Presidente do (GBEFC)
2
A fibrose cística (FC) é a doença genética de herança
autossômica recessiva mais letal entre brancos e
recentemente reconhecida também entre não brancos. A
doença tem envolvimento multissistêmico (sistema
respiratório, gastrintestinal, hepático e genitourinário), mas
na maioria dos casos a morbiletalidade está relacionada ao
dano pulmonar.1 Os pulmões são normais ao nascimento,
mas a tosse e o acúmulo de secreção pulmonar podem ocorrer
precocemente, habitualmente desencadeados por uma
infecção viral.1 Em seguida, observa-se colonização do trato
respiratório por patógenos peculiares como o
Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae,
Pseudomonas aeruginosa, complexo Burkholderia cepacia
e Stenotrophomonas maltophilia com desenvolvimento de
alterações inflamatórias na árvore traqueobrônquica dos
pacientes.1;2 O processo infeccioso e inflamatório crônico
acaba por levar à formação de bronquiectasias e destruição
da arquitetura pulmonar, culminando com insuficiência
respiratória crônica, “cor pulmonale” e óbito.1;2
A fibrose cística é uma doença complexa ainda pouco
conhecida em nosso país, apesar da existência de alguns
estudos de prevalência de mutações de FC na população
brasileira.3-5 Para que os avanços no tratamento desta doença
no País continuem, é muito importante o conhecimento da
situação da saúde e do tratamento dos pacientes
acompanhados nos diversos Centros Brasileiros.
A implementação de registros sobre doenças crônicas
vem crescendo em todo o mundo, promovendo a coleta e
armazenamento de dados longitudinais de pacientes
acompanhados nos Centros participantes. 6-8 Existem
evidências ainda de que a implementação de registros pode
trazer, através do melhor conhecimento do tratamento e
evolução das doenças crônicas, a identificação de
marcadores de mau prognóstico, como a hipertensão
pulmonar na esclerose sistêmica progressiva.9
A Fundação Americana de Fibrose Cística (Cystic Fibrosis
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Foundation, CFF) possui um registro norte-americano há
cerca de 40 anos, e atualmente publica relatórios anuais sobre
a situação de cerca de 24.000 pacientes norte-americanos.10
Já a Sociedade Européia de Fibrose Cística (ECFS)
implementou o registro em 1994, inicialmente com recursos
da empresa farmacêutica Roche, e operado por uma empresa
de pesquisa clínica (Quintiles). Em 1999, o registro da ECFS
contava já com dados de 13.700 pacientes de 9 países
europeus.11
Em 1989 quatro Centros de quatro países da América Latina
(Argentina, Brasil, Chile e México) realizaram um estudo
multicêntrico com o objetivo de comparar os dados de seus
Centros e analisar de maneira global seus pacientes com FC.
Foram incluídos 743 pacientes, dos quais 59 brasileiros,
resultando numa publicação na revista Pediatric
Pulmonology em 199112 e que foi o embrião do Registro Latino
Americano de Fibrosis Quística (REGLAFQ). Em 1993, devido
às dificuldades de conhecermos os dados do Brasil,
separados dos dados da América Latina, foi fundado o
Registro Brasileiro de Mucoviscidose (REBRAM). Os
resultados preliminares foram apresentados no Congresso
Latino Americano de FC em Cuba, em 1997. Devido à grande
dificuldade de se obter os dados dos vários Centros
Brasileiros, principalmente quanto ao preenchimento das
planilhas em papel, o REBRAM foi desativado logo em
seguida, em 1998.
Em 2004 foi fundado o Grupo Brasileiro de Estudos de
Fibrose Cística (GBEFC), uma associação civil, de direito
privado e sem fins lucrativos, constituído por médicos
especialistas em fibrose cística de Centros de referência no
diagnóstico e tratamento de vários Estados do Brasil. Esta
entidade organizou o 1o Congresso Brasileiro de Fibrose
Cística na cidade de São Paulo, em 2006. Em 2007, durante
uma reunião do GBEFC em Cuiabá (MT), as bases para a
elaboração de um novo Registro nacional sobre a doença
foram discutidas e decidiu-se que uma plataforma de internet
7
seria a melhor alternativa, permitindo acesso controlado e
seguro e tornando o depósito de informações possível a
partir de qualquer lugar do país.
Os objetivos do Registro Brasileiro de Fibrose Cística
(REBRAFC) ficaram assim definidos:
Objetivos
• Identificar, coletar, classificar, armazenar e analisar
informações sobre incidência e tratamento da fibrose cística
no Brasil.
• Coletar, classificar e armazenar informações sobre
pacientes em seguimento e pacientes com diagnóstico
recente.
• Promover e facilitar o uso das informações coletadas em
projetos de pesquisa aprovados e no planejamento e
administração dos Serviços.
• Publicar um relatório periódico baseado nas atividades
do Registro.
• Oferecer assistência e informação em relação a qualquer
aspecto da fibrose cística para Instituições Públicas de Saúde,
profissionais de saúde e pessoas com fibrose cística.
• Produzir informação sobre o prognóstico de longo prazo
de pacientes com fibrose cística no Brasil, inclusive
desfechos de tratamentos e qualidade do atendimento
prestado, e comparar esta informação a dados de outros
países ou continentes.
• Desenvolver uma plataforma baseada em internet para
inserção dos dados pelos profissionais dos Centros
participantes.
• Registrar dados sobre a identificação, diagnóstico e
genética de pacientes com fibrose cística no Brasil. Assegurar
a veracidade das informações e a segurança dos dados
depositados, e utilizar os dados obtidos efetivamente.
• Divulgar periodicamente relatórios sobre a incidência,
prevalência e regimes de tratamento dos pacientes
registrados, em detalhe suficiente para que seja disponível
para aqueles envolvidos.
Após conversações iniciais para definição de prazos e
custos, uma parceria foi firmada entre o GBEFC e o Laboratório
de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo para desenvolver e gerenciar a
plataforma de internet e o banco de dados contendo as
informações do REBRAFC. A escolha do LSI da POLI-USP
foi baseada na grande experiência acumulada pela Instituição
no desenvolvimento do portal Onconet, de registro e
tratamento de câncer infantil.
O portal de internet foi desenvolvido com recursos de
software livre e aberto e a segurança do sistema definida em
várias camadas, utilizando interceptação baseada no
framework Struts2. O acesso à plataforma é obtido através
de convite e geração de login e senha individuais, mas sempre
monitorizado (rastreável).
Para que os médicos e/ou colaboradores utilizem o sistema,
eles precisam ser convidados pelo responsável da Instituição
ao qual este médico está ligado. Quando o convite é feito, o
8
médico recebe em seu e-mail um convite válido por 60 dias e
que dará acesso ao sistema. Este acesso é restrito ao perfil
de médico, que permite apenas a execução de ações
permitidas aos médicos dentro de seus Centros.
Para os responsáveis dos Centros de tratamento também
existe um perfil específico de acesso. A ferramenta permite
diferentes tipos de acessos que podem ser controlados pelos
perfis de acessos cadastrados. Estes perfis permitem ações
específicas que poderão ser executadas apenas nos
domínios ao qual o usuário estiver “logado”.
Os dados inseridos são confidenciais, e protegidos por
vários mecanismos, que incluem desde o acesso restrito ao
espaço físico onde estão instalados os servidores até acesso
ao sistema por senha criptografada e diferentes perfis de
acesso à plataforma, garantindo que apenas as informações
relevantes ao perfil de acesso sejam apresentadas aos
usuários. Os dados pessoais dos pacientes são visíveis
apenas para o Centro onde o paciente é atendido; o mesmo
só aparecerá como um código alfanumérico para a equipe
responsável pelo REBRAFC. Os dados são armazenados e
disponibilizados para profissionais de saúde de acordo com
o disposto nas normas estabelecidas pelo Conselho Federal
de Medicina para Registros Eletrônicos em Saúde.
O Registro contém dados de três níveis distintos de
informação, como ilustrado na figura 1, e apenas uma delas
necessita atualização anual, com os dados do Seguimento
do ano anterior. Este nível contém o número de atendimentos
a que o paciente se submeteu, dados funcionais e
nutricionais, tratamentos em uso, dados microbiológicos e
escore de Schwachman-Kulczycki.
Implantação
Após teste inicial da plataforma, todos os Centros
Brasileiros e profissionais de saúde ligados ao seguimento/
tratamento de pacientes com fibrose cística foram
convidados a participar do REBRAFC. Um contrato formal
foi elaborado e celebrado entre o GBEFC e cada um dos
Centros que concordaram em participar do REBRAFC; o
objetivo deste contrato foi garantir a confidencialidade dos
dados e ao mesmo tempo assegurar a cada um dos Centros
a salvaguarda das informações contidas e o compromisso
de incluir dois integrantes de cada Centro em publicações
de dados inseridos na plataforma. Além disso, o contrato
expressa de forma explícita a proibição do fornecimento de
dados contidos no REBRAFC à indústria farmacêutica e
mesmo a disponibilização de dados do REBRAFC para
realização de pesquisas, o que só pode ser feito com a
expressa concordância de cada um dos Centros que inseriu
seus dados. Há, entretanto, o compromisso do GBEFC de
promover a divulgação anual dos dados do REBRAFC, na
forma de uma publicação aberta a toda a comunidade
(Relatório Anual).
Foi necessário ainda proceder à tramitação do Projeto do
REBRAFC na Comissão de Pesquisa e Ética de cada um dos
Centros envolvidos. A Comissão de Pesquisa e Ética do
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Aspectos Demográficos
• Nome
• Nome da mãe
• Número do CPF
• Data e local de nascimento
Aspectos do Diagnóstico
• Data do diagnóstico
• Condiçõespara o diagnóstico
• Valores de tripsinogênioimunorreativo,
dosagem de cloro no suor, mutações
identificadas
Dados Clínicos
• Atualizados anualmente
• Número de consultas
• Dados nutricionais e funcionais
• Tratamentosatuais
• Dados microbiológicos
• Escore de Schwachman-Kulczycki
Hospital das Clínicas da FMUSP foi a primeira a apreciar o
projeto e sua aprovação pode ser utilizada pelos Centros
que não dispõem de Comissão de Ética local, entretanto a
obtenção de consentimento informado de cada um dos
pacientes ou seus responsáveis foi definida como
obrigatória. Para facilitar a apresentação da ideia do
REBRAFC para os pacientes e seus responsáveis
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
fornecemos um folheto informativo ilustrado contendo
explicações e dúvidas frequentes (Figura 2).
A plataforma foi aberta à inserção de dados em março de
2010, mas poucos Centros o fizeram de forma sistemática
nos primeiros meses. Durante o Congresso Brasileiro de
Fibrose Cística em setembro de 2010, decidimos montar um
estande do GBEFC voltado para mostrar a plataforma de
9
Internet, celebrar contratos com Centros ainda não incluídos,
fornecer os documentos de apoio à iniciativa e tirar dúvidas
dos diversos profissionais acerca do funcionamento do
REBRAFC. Além disso, um apoio financeiro incondicional
foi prestado pela empresa farmacêutica Roche, que promoveu
um prêmio para os Centros com maior inserção de dados e
disponibilizou uma verba de apoio a digitadores – estas
iniciativas foram o estopim da entrada crescente de dados, e
chegamos ao fim de 2010 com cerca de 1300 pacientes
registrados, o que acreditamos representar cerca de um terço
da casuística nacional.
entretanto, é a produção de artigos científicos com as
informações depositadas no REBRAFC, contemplando na
autoria coletiva todos os colegas participantes da iniciativa;
esta tarefa já está em andamento com os dados de
seguimento ano 2009, depositados durante o ano 2010.
Estamos certos ainda que as informações do REBRAFC
poderão ser de grande valia no planejamento de novos
estudos epidemiológicos ou de intervenção terapêutica, e
somente conhecendo a situação dos pacientes brasileiros
será possível pensar numa atuação nacional uniforme no
diagnóstico e tratamento desta condição.
Futuros desafios
Referências Bibliográficas
Muito trabalho ainda existe pela frente, para que possamos
colocar esta engrenagem a girar de forma contínua e
independente. Os principais desafios referem-se à obtenção
de recursos financeiros, ao gerenciamento da plataforma
(incluindo a adesão dos profissionais ao REBRAFC) e à
geração de conhecimento com os dados armazenados.
Como qualquer iniciativa que depende de pessoas e
recursos de hardware e software, é preciso dinheiro para
manter o REBRAFC funcionando. Atualmente o custo mensal
de manutenção e desenvolvimento do sistema gira ao redor
de R$ 5.000,00, mas este valor nada representa frente às
demandas dos diversos Centros de financiamento para
digitadores e auxiliares e investimento em infra-estrutura de
informática e acesso à internet. O GBEFC tem sido o
responsável por todos os custos e iniciativas do REBRAFC,
e claro que há um forte apoio das indústrias farmacêuticas
para que estes recursos sejam obtidos. Se por um lado há
uma perspectiva de se pagar este custo com recursos do
Estado, por outro lado consideramos que o controle destas
informações deve ser o mais independente possível e distante
de eventuais manipulações com fins políticos.
Neste sentido, a participação de mais profissionais no
gerenciamento e desenvolvimento do REBRAFC é
fundamental para que tenhamos uma atividade
verdadeiramente representativa e plural. Além disso, estamos
certos de que mais cérebros pensando juntos vão contribuir
muito com ideias de melhorias para a plataforma, que poderia
vir a ser o embrião de um prontuário eletrônico para
atendimento a pacientes com FC. Infelizmente tivemos
grandes dificuldades para conseguir a adesão de alguns
Centros, que não participaram ativamente por questões
operacionais locais ou simplesmente por não confiarem na
instituição responsável pelo REBRAFC (GBEFC). Esperamos
uma nova onda de adesões para este ano, com a divulgação
do 1o Relatório Anual do REBRAFC, que pretendemos
distribuir em todo o território nacional.
Por fim, a produção de conhecimento a partir do REBRAFC
é outro desafio que temos pela frente; vários pesquisadores
já demonstraram interesse em realizar estudos com os dados
armazenados, mas o fluxo de autorizações e as regras para
avaliação e encaminhamento destas propostas de estudo
ainda não estão definidos. Uma tarefa que temos pela frente,
1.
10
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22;361(9358):681-9.
2. Govan JR, Deretic V. Microbial pathogenesis in cystic
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3. Raskin S, Phillips JA, III, Krishnamani MR, Vnencak-Jones
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4. Raskin S, Philips JA, III, Krishnamani MR, Vnencak-Jones
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5. Raskin S, Phillips JA, Kaplan G, McClure M, VnencakJones C, Rozov T, et al. Geographic heterogeneity of 4
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6. Proctor SJ, Taylor PR. A practical guide to continuous
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8. Singh G. Arthritis, Rheumatism and Aging Medical
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Luiz Vicente Ribeiro Ferreira da Silva Filho
[email protected]
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Tosse crônica em pediatria
AUTORA:
Lidia Alice G. M. M. Torres1
SERVIÇO:
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
1
Mestre e Doutora em pediatria. Responsável pelo serviço de Pneumologia Pediátrica do Departamento
de Puericultura e Pediatria
Introdução
Etiologia
A tosse é um dos sintomas mais frequentes em pediatria.
Atinge todas as faixas etárias e é manifestação de várias
doenças. De acordo com a definição mais recente, é o quadro
que se arrasta por oito semanas ou mais e os múltiplos fatores
etiológicos podem se somar ou modificar, ocorrendo alguns
episódios de agudização durante a evolução.1,2
Apesar de considerado um quadro de difícil resolução,
os estudos de literatura mostram que com uma investigação
racional e ordenada, chega-se ao esclarecimento diagnóstico
na maioria dos casos.2
Há poucos dados estatísticos sobre as causas da tosse
crônica e esses variam com o local e a faixa etária. A história
clínica é fundamental: as características da tosse, tempo de
início, se houve modificação no padrão de tosse e se há história
familiar de atopia, se houve melhora com algum tratamento e
se existe algum fumante ou tossidor crônico no ambiente.4
Funções da tosse
A tosse é o principal mecanismo de defesa inespecífico
do aparelho respiratório, eliminando bactérias, muco e
material particulado que se depositam ao longo da traquéia
e brônquios; evita que o alimento penetre no aparelho
respiratório e a hiperdistensão das vias aéreas prevenindo
sua ruptura.
Fisiologia
O objetivo é gerar um fluxo de ar em alta velocidade
varrendo toda a árvore traqueobrônquica. Isso é obtido
por meio de uma inspiração profunda, seguida por
fechamento das cordas vocais, glote e epiglote. Em seguida
há o relaxamento do diafragma, com contração dos músculos
intercostais e abdominais, o que gera uma pressão de mais
de 300 mmHg. Ocorre então, abertura súbita da glote, com
expulsão do material presente na traquéia e brônquios. A
velocidade atingida nesse processo é a de ¾ da velocidade
do som e provoca o colabamento da parte não cartilaginosa
da traquéia. Esse efeito desloca a secreção dos sulcos entre
os anéis.3
O estímulo para aparecimento da tosse vem de receptores
que se localizam desde a faringe até os bronquíolos
respiratórios. A via aferente é dada pelo vago e
glossofaríngeo e o centro de integração desse reflexo é o
chamado centro da tosse, localizado na ponte e tronco
superior. A via aferente ocorre por meio do vago, frênico,
nervos motores espinhais para a laringe, diafragma, músculos
torácicos, abdominais e do assoalho pélvico.
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Etiologias mais frequentes
1. Rinite alérgica: O mecanismo principal seria pela
respiração bucal e aporte de ar ressecado às vias aéreas,
com estimulação dos receptores extratorácicos causada tanto
pelo gotejamento pós-nasal quanto pelo processo
inflamatório presente no local.4,5 É um tipo de tosse seca,
irritativa, que ocorre no início do sono da criança. Não
costuma ser um quadro grave, nem evoluir com piora, a não
ser que haja complicações. O tratamento consiste no uso de
antihistamínicos e/ou instituição de medicação profilática
para rinite como antihistamínicos, corticosteróides
inalatórios ou antileucotrienos.
2. Rinossinusite: À obstrução nasal e coriza somam-se
outros sinais como cefaléia, otite média secretora e gotejamento
pós-nasal mais intenso.5 A tosse inicia-se seca, mais intensa no
início do sono e evolui para produtiva ou rouca e pode passar
a incessante. Pode estar associada a quadros de laringite e
bronquite, pela extensão do processo inflamatório e pode
desencadear uma crise de asma. Embora o diagnóstico de
sinusite seja clínico, a infecção é provável quando o Rx mostra
velamento unilateral ou nível líquido e em alguns casos está
indicada a nasofibroscopia e até tomografia para melhor
elucidação. O tratamento, quando comprovada infecção, além
dos citados para a rinite alérgica é antibioticoterapia por 15
a 20 dias, dependendo do tempo de evolução.
3. Asma: A tosse na asma tanto pode fazer parte da
sintomatologia intercrítica quanto pode ser a forma de
apresentação: asma variante tosse.6 No primeiro caso, pode
se apresentar durante ou após a realização do exercício físico
ou durante a noite e no início da manhã, mas a criança também
apresenta as crises clássicas. O segundo caso é um quadro
mais frequentemente encontrado em crianças maiores,
quando somente a tosse persiste. Tem sido descrito que
11
esses pacientes teriam uma resposta de hipersensibilidade
à mesma, com alterações de osmolaridade ou mecanismos
relacionados a receptores neurológicos, superajuntados ao
processo inflamatório alérgico que leva à broncoconstrição.7
É considerado um quadro de risco, já que o tratamento é
retardado e aumenta o risco de distensão das vias aéreas e
remodelamento. Em casos de tosse crônica, em crianças
maiores que seis anos, é obrigatória a realização da
espirometria, que pode documentar a presença de obstrução
brônquica.8 Em lactentes, o diagnóstico definitivo baseiase na presença de história familiar e pessoal de atopia e
asma, confirmado pela resposta positiva ao tratamento de
prova.
4. Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE): O
mecanismo principal de tosse é aspiração do material
gástrico levando a atelectasia e pneumonia, mas se o
aspirado for menor que 01mL provoca inflamação brônquica
e peribrônquica, de evolução silenciosa e que pode culminar
em pneumonite intersticial e bronquiolite obliterante.9 O
segundo mecanismo seria por estímulo de receptores
irritantes localizados na traquéia e brônquios, em que a queda
de pH levaria a um quadro de espasmo laríngeo ou traqueal
para evitar a entrada do alimento nos pulmões. Nesses casos,
a tosse costuma ser súbita, alta, estridente e em algumas
situações pode ocorrer um quadro agudo de asfixia. No
terceiro mecanismo, existe uma ação irritativa à distância,
onde a presença de material ácido no esôfago leva à
broncoconstrição à distância.10 Isso também poderia ocorrer
por estímulo dos receptores térmicos, de estiramento ou de
pH, existentes na mucosa, levando a broncoconstrição reflexa.11
A esofagite também é descrita como causadora de
hiperreatividade brônquica, mas é importante considerar que
os sintomas respiratórios têm maior relação com a falta de
clareamento esofágico do que com o número de episódios.12
Podem ocorrer ainda rinite, sinusite e otite crônica ou recorrente,
por ação direta do material refluído. Todos esses eventos podem
modificar a tosse. Cinquenta a 75% dos casos de refluxo
evoluem sem sintomas gastrintestinais, o que dificulta o
diagnóstico; entretanto tem sido descrita maior gravidade de
lesões por refluxo alcalino e maior chance de infecção.13-15 A
pHmetria é o exame de escolha, mas também deve ser realizada
a seriografia do esôfago, estômago e duodeno (SEED) para
descartar alterações anatômicas. Nos sintomas altos, a
nasofibroscopia pode fornecer informações mais precisas.
5. Outras síndromes aspirativas: A tosse ocorre por ação
irritativa direta do alimento ou por causar pneumonia, rinite,
sinusite e otites de repetição. Os distúrbios de deglutição
são freqüentes em crianças com neuropatias ou com
anormalidades anatômicas como fístulas traqueoesofágicas,
fendas submucosas, micrognatia, macroglossia, atresia de
coanas, mas também podem ocorrer em menor grau e com
menor freqüência em hipertrofia acentuada de amígdalas ou
adenóides, sondas de alimentação enteral ou entubação
orotraqueal prolongada. É preciso lembrar que a correção
da atresia de esôfago deixa como sequela uma incoordenação
12
da motilidade e dificuldade de esvaziamento esofagiano com
RGE, mas nesse caso, a pHmetria não tem se mostrado um
bom instrumento diagnóstico16, sendo a SEED o exame de
escolha. O hábito de alimentar a criança adormecida e/ou
deitada também pode ser causa de tosse, já que a criança
sonolenta perde os mecanismos de proteção contra a
penetração na laringe ou refluxo nasal, ocasionando rinite
ou sinusites de repetição.
6. Infecções crônicas: A Chlamidia trachomatis
(lactentes) e Chlamidia pneumoniae e Mycoplasma
pneumoniae (>5 anos) podem levar à tosse crônica e seca,
irritativa, acompanhada de velamento reticulado bilateral
presente no RX de tórax. A febre pode fazer parte do quadro
e a sorologia com detecção de IgM anti-clamidia está
associada à tosse com mais de 3 meses de duração.17 A
bronquiolite viral pode ter uma evolução arrastada e também
é causa de tosse crônica associada à hiperreatividade.18 A
tuberculose costuma evoluir com tosse de mais de oito
semanas de duração, febre, perda de peso, sudorese noturna
e inapetência e a tosse pode ocorrer por lesão
parenquimatosa ou compressão ganglionar.
7. Bronquiolite obliterante: descrita como complicação
de uma bronquiolite viral, também pode estar associada a
processos de agressão ao parênquima pulmonar tais como
DRGE, inalação de vapores e gases tóxicos, uso de oxigênio
em longo prazo, aspirações, doenças do colágeno e uso de
quimioterápicos. A tosse e a sibilância são perenes, mas
ocorrem exacerbações, às vezes com necessidade de uso de
oxigênio. A patologia mostra de um processo inflamatório
endobrônquico ou peribrônquico que obstrui as vias aéreas e
só é reversível com uso de corticóide em longo prazo ou
pulsoterapia. Geralmente evolui ou vem acompanhada de
bronquectasias.9,18 A persistência de velamento pulmonar ou
de áreas de hiperinsuflação localizada no RX são sugestivas
do quadro e devem ser confirmadas pela tomografia de tórax
de alta resolução (TCAR).
8. Bronquectasias: Podem ser de causas congênitas,
genéticas (fibrose cística, discinesia ciliar) ou associadas
aos processos de agressão pulmonar, mas certamente é uma
doença subestimada. A tosse com expectoração esverdeada
é matinal e sem relação com esforço físico. Geralmente
responde mal aos antitussígenos, antialérgicos e
broncodilatadores, mas apresenta melhora com uso de
antibióticos e fisioterapia, e em alguns casos está indicado
o uso de fluidificantes. As causas pós infecciosas tem
diminuído de incidência após as vacinações em massa, mas
ainda é freqüente nos países em desenvolvimento. 17 O
diagnóstico é obtido pela TCAR, sendo a espirometria útil
apenas para seguimento.
9. Compressão extrínseca: Pode ser causada por tumores
mediastinais que são classificados didaticamente de acordo
com a sua localização. Cistos tímicos ou timomas e linfomas
são anteriores e superiores, ao passo que os tumores de
células germinativas e neuroblastomas localizam-se no
mediastino posterior. As anomalias vasculares mais
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
importantes são o arco aórtico à direita com ligamento
arterioso à esquerda e o duplo arco aórtico, Outra causa de
tosse de difícil diagnóstico e resolução é a presença de corpo
estranho esofágico ou dilatação do órgão, afetando a traquéia
adjacente. Geralmente provocam tosse metálica, estridente,
repetitiva e desencadeada por mudança de posição.
Obviamente, o tratamento medicamentoso é ineficaz e a
evolução pode ocorrer com aparecimento de bronquectasias,
pela dificuldade de drenagem da secreção. A suspeita é feita
na análise da SEED e confirmada pela angioressonância ou
angiotomografia de tórax.
10. Drogas: Os betabloqueadores provocam tosse crônica
por broncoconstrição. Já os inibidores da enzima conversora
de angiotensina, também causam tosse, mas o mecanismo
não é conhecido. A utilização de quimioterápicos
antineoplásicos em doses crescentes tem aumentado a
ocorrência de pneumopatias crônicas. Podem desencadear
quadros de pneumonite intersticial e/ou doença bronquiolar,
sendo a bleomicina a principal incriminada. As lesões
persistem após o término do tratamento e muitas podem ser
irreversíveis. Entre as drogas inaladas ainda devem ser
lembradas a maconha e o cigarro, por consumo próprio ou
por exposição passiva, que podem levar à hiperreatividade
brônquica, agindo também como irritantes inespecíficos. A
retirada dessas drogas pode levar à melhora do quadro.
11. Mecanismos de defesa prejudicados: entre esses, o
quadro mais comum é a chamada tosse ineficaz.20 Ocorre por
perda de força muscular, hipotonia, traqueostomia, paralisia
de cordas vocais ou de diafragma e deformidade torácica.
Nessas situações, as secreções do aparelho respiratório não
conseguem ser eliminadas, passando a obstruir os brônquios
e a facilitar o aparecimento de bronquectasias.
12. Tosse psicogênica: Normalmente deve ser
considerado como um diagnóstico de exclusão e só deve
ser aventada quando outras causas tenham sido descartadas.
É uma tosse rouca, de alto timbre, estridente, seca e nunca
ocorre durante o sono nem em acessos, ao contrário da maioria
dos quadros. Quando é emitida a criança observa o efeito
causado sobre as pessoas que a rodeiam. Geralmente diminui
quando o fator de stress desaparece, mas também é descrita
uma boa resposta à psicoterapia e hipnose. A criança deve ser
tranqüilizada, deixando-se claro que está sendo tratada e de
que não se trata de nada grave.21
13. Anomalias congênitas: Várias malformações podem
ocasionar tosse e algumas delas inclusive no período além
do de lactente, pois alterações do tipo seqüestro pulmonar
ou malformações adenomatóide cística podem passar a ser
sintomáticas posteriormente. Entretanto, algumas são
características nos primeiros meses de vida, como a
laringotraqueomalácia, o enfisema lobar congênito e alguns
cistos broncogênicos. A fístula traqueoesofágica em H pode
ser muito pequena, e tanto pode ter manifestações precoces
como tardias. Em alguns casos pode ser difícil o diagnóstico,
passando a criança a ter velamento pulmonar mantido e
quadros de sibilância repetidos e graves, com lesões
progressivas. Nas anomalias congênitas a tosse pode ter
origem variada, podendo ser causada tanto por compressão
extrínseca, quanto por obstrução brônquica, ou ambos os
mecanismos.22 A TCAR é o exame de escolha, após a suspeita
do RX.
14. Disfunção de cordas vocais: é uma manifestação
comum em alguns pacientes adultos e adolescentes, em que
se observa um movimento paradoxal de cordas vocais, com
fechamento durante a inspiração. Esse quadro está associado
a disfunções laríngeas com disfonia, aumento do reflexo
glótico e redução do fluxo inspiratório após provocação,
além do movimento paradoxal. Pode estar associado a outras
doenças respiratórias tais como asma e doença do refluxo
gastroesofágico e o diagnóstico é feito por meio de
laringoscopia. Nos casos de alteração puramente das cordas
vocais, observa-se boa resposta à fonoterapia.23
Tratamento
Deve ser sempre dirigido à doença de base, evitando-se a
utilização de medicamentos sintomáticos. Embora na literatura
haja estudos realizados em adultos com bronquite que
mostram melhora da tosse com a utilização de brometo de
ipratrópio, codeína e dextrometorfano, os estudos em criança
são escassos ou inconclusivos e os consensos os consideram
não seguros e não devem ser utilizados em crianças.16,24 Os
opiáceos, alem do efeito depressor respiratório, causam
constipação, náuseas, vômitos e cefaléia, devendo ser
Tabela 1 - Distribuição da tosse de acordo com a faixa etária
LACTENTE
PRÉ-ESCOLAR
ESCOLAR E ADOLESCENTE
Malformação congênita
Fibrose cística
Gotejamento pós-nasal (rinite
alérgica, sinusite, adenoidite)
Asma
Gotejamento pós-nasal
Aspiração (por distúrbio de
deglutição ou por refluxo
DRGE
Corpo estranho
Tosse psicogênica
Fumo (passivo ou ativo)
gastroesofágico)
Infecção (viral, chlamidia,
Asma
Fibrose cística
Infecção (viral, mycoplasma,
pertussis, tuberculose, fúngica)
pertussis, raramente tuberculose)
Irritantes ambientais (fumante
Bronquectasia (pós- infecção,
cílios imóveis, secundária à
Tumor ou outra lesão localizada
Bronquectasias
passivo, poluição)
Asma
doença localizada ou
imunodeficiência)
DRGE
Disfunção de cordas vocais
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
13
evitados em asmáticos, na suspeita de síndrome da apnéia do
sono e nos pacientes com idade inferior a 5 anos. O
dextrometorfano deprime a atividade ciliar, facilita o acúmulo
de secreção e não parece ter uma ação realmente efetiva como
antitussígeno.25
Já os pró-tussígenos, como fluidificantes e soluções
hipertônicas estão indicados somente em pacientes com
secreção anormalmente espessa, pois podem causar
dificuldade na eliminação do muco, que fica muito fluido e
dificulta o batimento ciliar.17
Como visto acima, a tosse que cursa com aumento de
secreção não deve ser sedada. Deve-se fluidificar as secreções
por meio da hidratação oral, inaloterapia e fisioterapia para
facilitar a expectoração e para que os acessos de tosse se
tornem mais curtos e menos frequentes. A inalação visa hidratar
as secreções das vias aéreas superiores onde a maioria das
partículas da solução inalada fica retida, podendo amenizar o
processo inflamatório. Através dessa via é possível a
veiculação de drogas β2- adrenérgicas, indicadas na asma e
que também aumentam o batimento ciliar facilitando a
eliminação das secreções. O brometo de ipratrópio, através
da sua ação colinérgica, resseca e diminui as secreções.
Outra medida para eliminar o muco é a fisioterapia
respiratória. As sessões devem ser realizadas antes das
refeições e de dormir, como mecanismo adjuvante ao
tratamento específico da tosse, principalmente se produtiva.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Conclusão
Tosse crônica é um sintoma frequente e restritivo na criança
e pode estar associado a várias doenças, inclusive algumas
graves e de difícil controle. A busca da etiologia deve ser
diligente, mas pode ser obtida na maioria dos casos por meio
da história clínica e exames usuais, e isso é fundamental para
o sucesso do tratamento, que deve visar a correção do
processo de base. Tudo que afeta o aparelho respiratório pode
causar tosse, mas atenção especial deve ser dada à rinite
alérgica, sinusite, DRGE e Asma. Nos casos de tosse crônica
a utilização de antitussígenos e expectorantes está formalmente
contraindicada, preferindo-se a fluidificação das secreções
por aumento da ingesta de água, inaloterapia e fisioterapia,
até que o tratamento etiológico mostre resultados.
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Lidia Alice G. M. M. Torres
[email protected]
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Asma nos lactentes e pré-escolares:
diagnóstico, fenótipos e relevância
destes para o tratamento
AUTORES:
Eduardo Ferone1, Bernardo Kiertsman2
SERVIÇO:
Serviço de Pneumologia Pediátrica – Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
– Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
1
Pós-graduando
Professor Adjunto e Chefe do Serviço de Pneumologia Pediátrica
2
Introdução
A época da vida correspondente aos estágios dos
lactentes e pré-escolares, delimitada entre os 0-2 anos e os
3-5 anos, respectivamente, é marcada por experiências
próprias deste período do desenvolvimento. Os pulmões
ainda não completaram sua maturação, iniciada
precocemente na gestação e extendida até os oito anos de
idade 1 , podendo ocorrer alterações na sequência do
desenvolvimento por algum evento concomitante
indesejado. O sistema imunológico do indivíduo passa por
uma fase de imaturidade imune adaptativa. A memória
imunológica, que se refere ao conjunto de anticorpos e
linfócitos T específicos formados através de experiências
com diferentes antígenos ao longo da vida, ainda está por se
estabelecer. A quantidade e a qualidade das imunoglobulinas
produzidas são inferiores às de crianças mais velhas e de
adultos, o que aumenta a susceptibilidade para infecções
respiratórias e suas comorbidades associadas.2 Além disso,
a imaturidade de elementos do sistema imune facilita
respostas atópicas nas crianças.3
Por sua vez a asma, que é a doença crônica mais comum
na infância, resulta de interações entre estes dois importantes
sistemas, o respiratório e o imunológico.4 Sua principal
característica fisiopatogênica é a inflamação brônquica, que
está presente em todos os asmáticos, sintomáticos ou não.
A asma pode ser definida como uma doença inflamatória
crônica das vias aéreas que envolve episódios recorrentes
de obstrução ao fluxo de ar e hiperresponsividade brônquica,
variáveis para diferentes pacientes e para um mesmo paciente
ao longo do tempo.5 Apesar de poder manifestar-se também
em indivíduos com ausência de características próprias dos
alérgicos, através de mecanismos ainda não completamente
elucidados, a predisposição genética para o
desenvolvimento de resposta IgE mediada é um importante
fator associado ao desenvolvimento de asma em todas as
idades.6,7 Ela é mais comum em crianças com história familiar
de atopia8, porém, muito possivelmente a predisposição
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
genética incluindo vários genes aliada a gatilhos ambientais
e biológicos, como por exemplo, infecções9, alérgenos10 e
alterações hormonais em mulheres11, convergem de alguma
maneira para o desenvolvimento da doença.5
A asma constitui a terceira causa de hospitalização pelo
Sistema Único de Saúde no Brasil12, e segundo o grande
estudo multicêntrico internacional ISAAC (International
Study of Asthma and Allergies in Childhood), a prevalência
entre escolares (seis e sete anos) e adolescentes (treze e
catorze anos) em nosso meio manteve-se estável na última
década, em torno de 20%.13 Dados da prevalência da asma
entre lactentes e pré-escolares são escassos, em grande parte
devido à dificuldade em estabelecer o diagnóstico de certeza.
O quadro clínico nessa faixa etária se confunde com o de
uma série de outras entidades patológicas e também com
algumas situações, de certa forma, fisiológicas e próprias da
idade, como a fragilidade da caixa torácica que favorece o
colapso das vias aéreas nos pequenos lactentes.14
A sibilância ou chiado recorrente nessas crianças pode
resultar de diferentes situações, sendo que a maioria dos
lactentes sibilantes não continuará a ter crises na idade
escolar, isto é, não será asmática.15 Pesquisas apontam que
mais de um terço das crianças menores de três anos
apresentam pelo menos um episódio de chiado16 e sabe-se
que grande parte dos eventos acompanhados por sintomas
de asma nestas crianças tem origem infecciosa viral e,
portanto, são transitórios. Além disso, outras condições
predispõem à sibilância recorrente como o tabagismo materno
na gestação17 e o pequeno calibre das vias aéreas aquém da
média em alguns lactentes16, situação que tende à resolução
com o crescimento pulmonar.
Padrões de sibilância recorrente em pacientes
pediátricos: os fenótipos de sibilância
A partir da observação da história natural de crianças
que iniciaram muito cedo episódios recorrentes de chiado,
foram propostos quatro padrões diferentes de fenótipos de
15
sibilância18,19:
1-Sibilância transitória: crianças que chiam durante os 23 primeiros anos de vida, mas não depois dos três anos;
2-Sibilância não atópica: principalmente desencadeada
por infecção viral e que tende à remissão mais tarde na
infância;
3-Asma persistente: sibilância recorrente associada a um
índice clínico preditivo para asma positivo (ver adiante)
4-Sibilância grave intermitente: episódios agudos de
sibilância infrequentes e associados à:
- mínima morbidade fora das exacerbações
- características atópicas, incluindo eczema, sensibilização
alérgica e eosinofilia no sangue periférico.
Vale ressaltar que os dois primeiros fenótipos acima
descritos podem ser identificados apenas retrospectivamente.
Estes estudos resultaram em uma guia para a prática clínica
formulada por especialistas das academias européia e norte
americana de alergia e imunologia20, segundo a qual, nos
lactentes, a persistência dos sintomas é um importante indicador
de gravidade e havendo sibilância na maior parte do tempo em
um período de três meses, o diagnóstico de sibilância persistente
deve ser considerado, após exclusão de outras causas. Em
pacientes com menor frequência de exacerbações, também é
possível avaliar a gravidade a partir da observação da
necessidade de recursos médicos no manejo das crises.
Já para os pré-escolares, a diferença entre os fenótipos
se dá basicamente a partir da observação da persistência
durante o último ano. Assim sendo, e não deixando de
classificar cada um dos seguintes fenótipos quanto à
gravidade, a apresentação da doença permite diferenciar a
asma nos pré-escolares em: induzida por vírus, induzida por
exercício, induzida por alérgenos e asma não alérgica.
A asma grave apresenta características próprias que a
definiriam como um fenótipo em particular: nos lactentes, a
doença persistente deveria ser considerada grave, enquanto
nas crianças mais velhas, exacerbações graves seriam
aquelas que exigem oxigênio e hospitalização.
Diagnóstico de asma
Estudos demonstram que um elevado percentual das
crianças asmáticas desenvolve sintomas antes do quinto
ano de vida21, idade em que o diagnóstico clínico geralmente
pode ser feito com maior grau de certeza, uma vez que o
indivíduo já atingiu certa maturidade dos órgãos e sistemas
envolvidos. O diagnóstico e tratamento precoces promovem
melhora da sintomatologia e reduzem o número de
exacerbações sem alterar a história natural da doença.22,23
Para estabelecer o diagnóstico clínico, devem-se buscar
evidências de uma ou mais manifestações compatíveis com
asma que podem ser pesquisadas através da anamnese
dirigida pela faixa etária.
Segundo o documento Practall20, para crianças menores
de dois anos o diagnóstico de asma deve ser considerado a
partir de três episódios de obstrução reversível nos últimos
seis meses. Para essa idade é relevante questionar sobre:
16
Respiração ruidosa, vômitos associados à tosse
Presença de retrações
Dificuldades para se alimentar (grunhidos, sucção débil)
Mudanças na frequência respiratória
Para crianças maiores de 2 anos, pesquisar:
Respiração curta (durante o dia ou noite)
Fadiga (redução nas brincadeiras em relação aos
colegas, aumento da irritabilidade)
Queixas de “não se sentir bem”
Baixo rendimento escolar ou faltas
Redução na frequência ou intensidade de atividades
físicas
Prevenção de atividades (ex. dormir fora, visitar amigos
que tenham animais de estimação)
Gatilhos específicos: esportes, aulas de ginástica,
exercícios/ atividades
E para todas as crianças com suspeita de asma ainda
sugere-se averiguar:
Tosse, chiado
Gatilhos específicos: tabagismo passivo, poeira,
infecções respiratórias entre outros
Padrão de sono alterado: despertares, tosse noturna,
apnéia
Exacerbações no último ano
Sintomas nasais: prurido, coriza, obstrução
Rotineiramente, o diagnóstico não é confirmado pela
demonstração de limitação variável ao fluxo de ar através
das medidas da função pulmonar, uma vez que esse tipo de
avaliação a partir dos aparelhos convencionais exige
colaboração do paciente para a realização das manobras,
alcançada por volta dos 6 anos de idade.24
Através da anamnese é possível pesquisar a exposição a
alérgenos relacionados com a asma. A sensibilização pode
ser estudada a partir de testes in vivo (prick test) ou in vitro
(concentração sanguínea de IgE específica) em qualquer faixa
etária25, consideradas as devidas limitações, porém com
resultados menos fidedignos abaixo dos dois anos de idade,
quando os níveis de IgE específica são menores e existe
hiporreatividade da pele à histamina.2
Uma vez que ainda não há marcadores laboratoriais ou
genéticos capazes de prever o prognóstico de uma criança
que apresenta sibilância recorrente, outras tentativas de
antecipar um prognóstico foram buscadas. Baseando-se em
parâmetros clínicos, foi proposto um índice preditivo de asma
a partir da observação de mais de mil crianças desde o
nascimento em conjunto com seus familiares, capaz de prever
o desenvolvimento futuro de asma com elevadas
sensibilidade e especificidade.8 Segundo seus autores, para
ser positiva para este índice, a criança deveria apresentar
relatos de sibilância recorrente no ano anterior (4 ou mais
episódios) e UM de DOIS critérios maiores (diagnóstico
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
médico de dermatite atópica ou diagnóstico médico de asma
em um dos pais ou em ambos) ou DOIS critérios menores
(eosinofilia em sangue periférico, sibilância fora de resfriados
ou diagnóstico médico de rinite alérgica). Com o avanço das
pesquisas, incluindo resultados de estudos de coorte com
mais de vinte anos de observações, foram adicionados a
este índice outros parâmetros relevantes que podem melhorar
ainda mais a previsão do risco de asma futura, como por
exemplo, a evidência de sensibilização precoce a
aeroalérgenos e alimentos.26,27
Tratamento
A decisão de iniciar um tratamento de manutenção para
lactentes e pré-escolares com recorrência de sintomas de
asma deve se basear na relação risco-benefício do tratamento
para cada caso, uma vez que o diagnóstico de certeza de
asma é, inúmeras vezes, difícil de fechar. Grande parte das
recomendações para o tratamento de asma nessas faixas
etárias é baseada em dados obtidos a partir de crianças mais
velhas ou mesmo dos adultos. Tendo em vista este cenário,
o tratamento pode assumir um caráter de teste terapêutico e
não havendo melhora do quadro dentro de 8-12 semanas,
deve-se revisar a hipótese de asma, reconsiderar outras
possibilidades diagnósticas e, em determinadas ocasiões,
até mesmo repetir a tentativa de tratar como asma num
segundo momento.28
Segundo o Programa Nacional de Educação e Prevenção
da Asma dos Estados Unidos (National Asthma Education
and Prevention Program - NAEPP)5, baseado em extensas
revisões de literatura, iniciar o tratamento profilático:
- é recomendado para crianças com significativa
propensão para o diagnóstico de asma (com um índice clínico
preditivo de asma positivo) (Evidência A)
- deve ser considerado para reduzir os danos em lactentes
e crianças jovens que consistentemente requerem tratamento
sintomático mais de duas vezes por semana por um período
maior do que quatro semanas (Evidencia D)
- deve ser considerado para reduzir o risco em lactentes e
crianças jovens que venham a ter uma segunda exacerbação
que exija corticóide sistêmico para tratamento em um período
de seis meses (Evidencia D)
- pode ser considerado, para uso apenas durante os
períodos previamente documentados como de risco para a
criança (Evidência D), por exemplo, possivelmente durante
as estações de elevada frequência de infecções respiratórias
das vias aéreas superiores
- é recomendado para crianças maiores de cinco anos
com diagnóstico de asma persistente (Evidência A)
O documento Practall relaciona de um modo semelhante
o fenótipo de apresentação dos episódios de sibilância com
o tratamento profilático de escolha. Para menores de dois
anos, sugere os antagonistas de receptores de leucotrienos
como primeira opção para o tratamento da sibilância
recorrente induzida por vírus, enquanto ressalta os
corticóides inalatórios como a opção mais indicada para o
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
tratamento da asma persistente e também na evidência de
atopia. Para crianças entre 3-5 anos, a primeira opção de
tratamento recai sobre os corticóides inalatórios, podendo
os antileucotrienos serem utilizados como monoterapia em
casos mais leves ou associados aos corticosteróides
inalatórios, quando não é alcançado o controle. Já na asma
induzida por exercícios, caso este seja o único sintoma, o
uso de broncodilatadores de curta duração 10-15 minutos
antes da atividade pode prevenir o broncoespasmo, mas
havendo outras manifestações associadas seria mais
indicado iniciar profilaxia com corticóides inalatórios de uso
contínuo ou antileucotrienos.
O principal objetivo do tratamento da asma é obter o
controle das manifestações clínicas e funcionais da doença
melhorando a qualidade de vida do paciente, em detrimento
de sua cura ou prevenção total dos sintomas, uma vez que o
início precoce do tratamento profilático parece não alterar a
gravidade subjacente ou a progressão da asma. 22 A
estratégia básica é tratar prontamente as exacerbações e,
quando necessário, instituir um tratamento profilático de
manutenção na menor dose necessária para o controle dos
sintomas, com recursos farmacológicos atuais que
frequentemente conduzem a um elevado grau de controle da
doença, mesmo em menores de cinco anos.28
Conforme proposto pelo NAEPP, o manejo da asma pode
ser organizado em etapas (quadro 1), diferentes entre si pela
complexidade dos recursos utilizados, e que devem ser
aplicadas conforme exigido pela variabilidade das condições
de controle do paciente, ora subindo, ora descendo na escala
de tratamento, a cada reavaliação periódica (em média a cada
3 meses, ou a critério individual).
A classificação da gravidade é importante na abordagem
inicial do paciente que ainda não recebe tratamento profilático,
uma vez que vai indicar o esquema terapêutico mais adequado
para alcançar o controle no menor prazo possível (Quadro 2).
O acompanhamento seriado de marcadores inflamatórios
(Ex: óxido nítrico exalado) é uma forma útil de monitorar o
controle da asma, já estudada inclusive em crianças mais
jovens29, porém ainda inviável na prática diária. A observação
dos parâmetros clínicos permite, de uma maneira mais
simples, classificar o nível de controle da doença e a partir
daí guiar a conduta a ser escolhida para cada caso,
considerando sempre o parâmetro de maior gravidade,
conforme exposto no quadro 3.
O controle tem sido considerado o ponto central do manejo
da asma segundo os guias de recomendações mais recentes,
que contam com a opinião de especialistas e evidências
científicas bem documentadas.5,20 e 28 Elas diferem muito
pouco quanto aos parâmetros clínicos considerados na
avaliação do controle, como por exemplo, em relação ao
número de exacerbações da asma no último ano: enquanto o
NAEPP considera até uma exacerbação por ano compatível
com bom controle, o documento Practall aumenta o limite para
até 2 exacerbações ao ano, desde que não haja outros sintomas
fora das crises.
17
Quadro 1: Abordagem por etapas do manejo da asma em crianças entre 0-4 anos de idade
Quadro 2: Classificando a gravidade da asma e iniciando o tratamento em crianças entre 0-4 anos de idade
Embora a intenção seja manter o controle da asma por
períodos prolongados, devem-se considerar os efeitos
adversos potenciais, as interações medicamentosas e o custo
dos medicamentos.30 Particularmente em pediatria, devem-se
confrontar os possíveis efeitos em longo prazo de uma asma
não controlada adequadamente com os possíveis efeitos
adversos da medicação administrada por muito tempo. Apesar
18
de potencial, o pequeno risco de atraso do crescimento pelo
uso contínuo de corticóides inalatórios parece ser
compensado por sua efetividade (Evidência A).22 Além disso,
outras pesquisas de longa duração indicam que a maioria
das crianças tratadas com as doses recomendadas dos
principais corticóides inalatórios atinge sua estatura alvo
na idade adulta.31
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Quadro 3: Avaliação de controle da asma e ajuste da terapia em crianças entre 0-4 anos de idade - NAEPP – National Asthma
Education and Prevention Program / NHLBI – National Heart Lung and Blood Institute. August 28, 2007
Quanto à técnica de uso das medicações para asma em
lactentes e pré-escolares, contamos basicamente com os
nebulizadores e os inaladores pressurizados acoplados a
espaçadores valvulados. Estes dispositivos permitem
administrar corticóides inalatórios com ou sem
broncodilatadores de longa ação, em regime profilático, e
broncodilatadores de curta ação, para alívio das crises, de
forma passiva com o auxílio de máscara facial (figura 1). Os
inaladores pressurizados acoplados a espaçadores são os mais
indicados28 e a partir dos 5-6 anos de idade, técnicas que
dispensam o uso de máscaras podem começar a ser treinadas.5
Outra possibilidade terapêutica é a imunoterapia, que
consiste na administração controlada de alérgenos
específicos para pacientes comprovadamente sensibilizados,
com o objetivo de desenvolver tolerância. A imunoterapia
sublingual parece ser uma alternativa eficaz em relação à
técnica subcutânea, embora a eficácia em crianças menores
de cinco anos seja menos documentada.32
Por fim, mas não menos importante, é essencial para o
sucesso do tratamento orientar a família sobre a doença,
fornecendo informações básicas a respeito da higiene
ambiental, fatores desencadeantes, aspectos do tratamento
de manutenção e também das crises. Estudos envolvendo
crianças demonstram baixa aderência ao tratamento
profilático33, possivelmente por falta de informações a
respeito da asma. Informar, inclusive por escrito, todos os
envolvidos nos cuidados diários da criança asmática, como
a creche ou a escola, é uma medida comprovadamente útil
para o bom manejo destes pacientes.34
Conclusão
A asma na infância precoce é subdiagnosticada e muitos
asmáticos deixam de receber o tratamento adequado. Por
outro lado, nem todo chiado ou tosse são decorrentes da
asma nessa faixa etária, sendo de extrema importância
descartar outras condições típicas desta população.
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Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
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Bernardo Kiertsman
[email protected]
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
ARTIGOS EM DESTAQUE
Principais artigos na área de sono
em pediatria nos últimos dois anos
AUTORES:
Beatriz Neuhaus Barbisan1, Gustavo Antonio Moreira2
SERVIÇO:
Universidade Federal de São Paulo
1
Especialista em Pneumologia Pediátrica e Medicina do Sono. Mestre em Ciências
Especialista em Terapia Intensiva Pediatria e Medicina do Sono. Doutor em Ciências
2
Principais artigos na área de sono em
pediatria nos últimos dois anos
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é
caracterizada por obstrução parcial ou completa das vias
aéreas durante o sono, levando a hipoxemia, hipercapnia,
fragmentação do sono e sintomas diurnos.1 Diferentemente
do adulto, a criança com SAOS raramente apresenta
sonolência diurna excessiva, sendo mais evidentes as
alterações cognitivas,2 déficit de aprendizado3 e problemas
de comportamento.2 Só recentemente comprovou-se que a
SAOS em crianças e adolescentes ocasiona hipertensão
arterial sistêmica,1 disfunção de ventrículo esquerdo4 e
alterações endoteliais.5
Nesses últimos anos o conhecimento da SAOS em
crianças e adolescentes foi muito ampliado, principalmente
no que se refere ao impacto da epidemia da obesidade nas
anormalidades metabólicas e na eficácia do tratamento. A
seguir são descritos vários estudos que abordam esses
temas.
(1) Desfechos da Adenotonsilectomia no Tratamento da
Apneia Obstrutiva do Sono em Crianças. Um estudo
multicêntrico e retrospectivo.6
A adenotonsilectomia (AAT) é considerada como a
primeira linha de tratamento para a Síndrome da Apneia
Obstrutiva do Sono (SAOS) em crianças segundo a Academia
Americana de Pediatria. É indiscutível que a AAT leva à
melhora da SAOS, porém existem poucos estudos sobre a
eficácia global da AAT e dos fatores que contribuem para a
persistência da SAOS após a cirurgia. O objetivo do estudo
foi quantificar os efeitos de fatores demográficos e clínicos
que possam influenciar o sucesso da AAT no tratamento da
SAOS em crianças. Trata-se de estudo retrospectivo realizado
em oito centros (seis nos Estados Unidos e dois na Europa).
Foram revisadas polissonografias (PSG) realizadas antes e
após AAT para tratamento de SAOS em crianças sem outras
doenças. Dentre os centros, quatro realizavam os exames
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
rotineiramente em todos os indivíduos submetidos à AAT
(82% dos pacientes). Foi avaliada a contribuição dos
seguintes fatores para o índice de apneia/hipopneia (IAH)
pós-operatório: idade, índice de massa corpórea, asma, IAH
pré-AAT, sexo, etnia, tempo entre as duas PSG e rinite
alérgica. Foram analisados dados de 578 crianças com idade
média de 7 anos. Aproximadamente 50% das crianças eram
obesas. A AAT resultou em diminuição do IAH médio de 18
para 4/hora, mas somente 157 crianças (27%) obtiveram
resolução completa da SAOS considerando critério de IAH
< 1. Cento e vinte e cinco crianças (22%) mantiveram IAH >
5/hora. Os dois principais fatores que influenciaram o IAH
pós-cirúrgica foram idade maior que 7 anos e índice de massa
corpórea. A presença de asma e a magnitude do IAH préoperatório afetaram discretamente o IAH pós-operatório
entre as crianças não obesas. Os autores concluíram que,
apesar da melhora significativa do IAH, uma grande
proporção de crianças mantém doença residual após a
cirurgia. Sugerem que as crianças mais velhas e as obesas e
as crianças não obesas portadoras de asma ou SAOS
acentuada devam realizar PSG pré e pós-operatória.
Embora a AAT seja o tratamento de escolha para a SAOS
em pediatria7, sabemos que ela não resulta em cura total
numa porcentagem considerável dos casos. Estudos têm
sido realizados no sentido de estabelecer as taxas de sucesso
cirúrgico e os fatores de risco para falha terapêutica. Neste
contexto, o estudo referido é importante devido ao número
de casos incluídos e à atualidade e repercussão clínica do
tema. A taxa de sucesso encontrada neste estudo é inferior a
de outros estudos semelhantes. Meta análise de 20098
encontrou cura de 66% quando considerado o critério de
cura especificado por cada estudo (23 estudos) e de 60%
quando o critério de cura foi o de IAH < 1 (9 estudos). A
diminuição média do IAH foi de 18 / hora. Uma das questões
que pode ter influenciado os resultados do presente estudo
é o fato de ser um estudo retrospectivo, onde 18% dos
21
pacientes pertenciam a centros que não realizavam PSG pré
e pós AAT de rotina. Possivelmente, nesses centros, tenham
sido incluídos pacientes mais graves. Outro fator a
considerar, é a grande porcentagem de pacientes obesos.
Meta análise de AAT em crianças obesas encontrou taxa de
sucesso de 12% (IAH < 1/hora) e de 49% (IAH < 5/hora); a
diminuição do IAH foi de 29 para 10/hora.9 Os valores do
estudo atual são intermediários entre os de crianças obesas
e os valores de crianças em geral. Em relação aos fatores de
risco para SAOS residual têm sido reconhecidos como fatores
de risco: gravidade da SAOS, obesidade, história familiar de
SAOS e afro descendência. A obesidade é fator consensual
entre os autores.10 Em relação à idade, encontrada como risco
importante neste estudo, é possível que a hipertrofia de
amígdalas e adenoide não seja o único ou mais importante
fator para SAOS em crianças mais velhas. Este é o primeiro
estudo a associar asma com risco para SAOS residual. A etnia,
que é identificada em alguns estudos como fator de risco11,
não foi significativa no estudo em questão. A prevalência
maior de SAOS em afro-descendentes tem sido descrita em
vários estudos epidemiológicos.12 Certamente, mais estudos
são necessários para identificar a importância dos diversos
fatores de risco para o insucesso da cirurgia como tratamento
único da SAOS em pediatria e quais os grupos que necessitam
controle polissonográfico pré e pós-operatório.
(2) Pressão Arterial Ambulatorial antes e após
Adenotonsilectomia em Crianças com Apneia Obstrutiva
do Sono.13
A hipertensão arterial sistêmica está associada com a
SAOS tanto em crianças como em adultos. Os dados sobre
os efeitos da adenotonsilectomia (AAT) em crianças com
SAOS são limitados e controversos. O objetivo do estudo
foi avaliar o impacto da AAT nos diferentes parâmetros da
monitorização ambulatorial de 24 horas da pressão arterial
(MAPA) em crianças com SAOS. Foi realizada
polissonografia pré e pós operatória. Quarenta e quatro
crianças foram identificadas e incluídas na análise. A média
do índice de apneia-hipopneia (IAH) reduziu de 14,1+15,9
para 3,3+7,1. Vinte crianças (45%) curaram a SAOS (IAH<1/
h). A carga da pressão arterial diastólica diminuiu
significantemente após a AAT. No grupo com hipertensão
arterial pré-AAT, tanto a pressão sistólica, como a pressão
diastólica diminuíram significantemente após a AAT. No
entanto, oito crianças normotensas pré-AAT tornaram-se
hipertensas após a AAT. As dez crianças hipertensas após a
AAT estavam mais propensas a ter IAH > 1/h do que as
crianças não hipertensas (7/10 e 14/34), mas a diferença não
foi estatisticamente significante (p=0,11). Os autores
concluíram que na monitorização da pressão arterial
ambulatorial de 24 horas em crianças com SAOS ocorreu
uma queda significante da carga da pressão arterial diastólica
após AAT. No entanto, a hipertensão arterial pode persistir
ou mesmo aparecer naqueles previamente normotensos
apesar da melhora do IAH.
Adultos com SAOS têm maior risco de hipertensão arterial
sistêmica (HAS), arritmias cardíacas, doença coronariana,14
22
insuficiência cardíaca congestiva, 15 acidente vascular
cerebral 16 e morte por fatores cardiovasculares. 17 O
tratamento com CPAP nasal em adultos com SAOS protege
contra eventos cardiovasculares fatais e não fatais.18 Só
recentemente relatou-se que crianças com SAOS apresentam
hipertensão arterial sistêmica diurna,11 aumento da pressão
arterial sistêmica noturna,12 mudanças da função ventricular
esquerda 4 e disfunção endotelial. 5 O estudo de
Apostolidou 13 e esse são os primeiros a demonstrar a
reversão da HAS após adenotonsilectomia. Esse achado é
mais um fator para corroborar a SAOS como fator etiológico
da HAS. A significância clínica desse evento ainda não é
clara, mas esses dados sugerem que complicações
cardiovasculares podem estar presentes mesmo num breve
período de fragmentação do sono e hipóxia intermitente,
como acontece na SAOS em crianças. O fato de 10 crianças
apresentarem HAS após AAT é preocupante, os achados
sugerem que possa estar associado à SAOS residual (IAH>1/
h). Como oito dessas crianças eram normotensas antes da
AAT, possivelmente o MAPA apresenta variabilidade alta
em múltiplos testes. Esse estudo tem algumas limitações:
ser retrospectivo, ter amostra relativamente pequena,
ausência de valores normais de MAPA nas crianças chineses
e apresentar viés de encaminhamento (repetiram quem
provavelmente tinha doença residual). Apesar desses
problemas, esse estudo oferece achados provocantes num
segmento da pesquisa clínica onde as investigações são
escassas, propiciando campo para mais investigações e
alertando pediatras sobre os risco de complicações na SAOS
em crianças e adolescentes.
(3) Adolescentes com Apneia Obstrutiva do Sono têm baixa
adesão ao PAP, mas aqueles que usam PAP demonstram
melhora da atenção e do aproveitamento escolar. 14
O uso de pressão positiva contínua em vias aéreas
(BiPAP/CPAP) melhora o funcionamento diurno de adultos
com SAOS, porém, a adesão ao tratamento é um problema.
Como não existem estudos que avaliem o impacto do
tratamento com PAP em adolescentes, os autores procuraram
determinar se o tratamento com PAP melhora o funcionamento
diurno de adolescentes. Treze adolescentes obesos com
SAOS e 15 adolescentes obesos sem SAOS (controles) foram
avaliados quanto a notas escolares, desempenho acadêmico
e qualidade de vida escolar. A adesão ao PAP foi avaliada
por inquérito nos quatro meses após o inicio do PAP. O
tempo de uso de PAP variou de 0% a 88%, sendo a mediana
de 21%. Segundo esse critério, os adolescentes que usaram
PAP foram divididos naqueles com boa adesão (n=6) e má
adesão (n=7). A idade dos adolescentes variou de 10 a 16
anos, ~70% eram do sexo masculino, e o índice de massa
corpórea era maior no grupo SAOS (45,4+15,1) do que no
grupo controle (34,9+4,4). Na avaliação inicial, os
adolescentes não eram diferentes quanto a idade, raça,
aproveitamento escolar e grau de alerta. Os adolescentes
obesos com e sem SAOS não diferiram quando ao IMC e o a
gravidade da SAOS. Os adolescentes com boa adesão,
quando comparados aos de má adesão, apresentaram melhora
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
significativa do desempenho acadêmico e da atenção. Além
de uma melhora, estatisticamente limítrofe, do grau de alerta
(p=0,052) e da qualidade de vida escolar (p=0,054) relatada
pelos pais. Os autores concluíram que muitos adolescentes
não usam regularmente o PAP durante o sono, porém,
aqueles que têm boa adesão melhoram a atenção e o
aproveitamento acadêmico.
Vários estudos controlados já demonstraram que a terapia
com CPAP em adultos com SAOS melhora o índice de apneiahipopneia (IAH), a sonolência excessiva diurna, a pressão
arterial, as funções cognitivas e a qualidade de vida.15 A
falta de estudos na população pediátrica ocorre porque a
adenotonsilectomia é a terapia mais efetiva para crianças e
adolescentes com SAOS, assim poucas crianças são
elegíveis para o tratamento com PAP. Outros estudos em
crianças com SAOS já haviam demonstrando melhora do
IAH e boa adesão ao PAP.16-17 Esse é o primeiro estudo em
adolescentes, que mostra não só uma melhora do IAH com
PAP, mas também observa melhora nas funções cognitivas.
A má adesão em adolescentes está em concordância com
outros tratamentos em jovens com doenças crônicas.
Algumas limitações desse estudo precisam ser destacadas.
Os grupos não foram feitos de forma aleatória, não foi
controlado com “Sham-CPAP” e a medida da adesão não foi
objetiva (horímetro). Isso sugere que estudos melhor
desenhados devem ser realizados para replicar esses dados,
mas os achados desse estudo têm relevância clínica em vista
de dados recentes de que somente da adenotonsilectomia
não é suficiente para o tratamento completo da SAOS em
crianças e adolescentes. Essa situação clínica será cada vez
mais frequente na clínica pediátrica devido ao aumento da
prevalência da obesidade na população pediátrica nos EUA
e nos países em desenvolvimento.
Os últimos anos têm trazido novos desafios em relação à
SAOS da criança e do adolescente. Estudos mais minuciosos
têm evidenciado que complicações, que se acreditava serem
exclusivas do adulto, também ocorrem nas crianças com SAOS.13
Além disso, diante da epidemia de obesidade, o tratamento
cirúrgico não pode mais ser considerado como tratamento único
e os indivíduos com risco para doença residual devem ser
investigados.6 A inclusão de tratamentos complementares
viáveis se torna necessária nesta nova conjuntura.14
6.
7.
8.
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Gustavo Antonio Moreira
[email protected]
23
24
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Atualização em asma em pediatria:
discussão das metanálises publicadas
nos últimos 2 anos
AUTOR:
Alfonso Eduardo Alvarez1
SERVIÇO:
Hospital Vera Cruz (Campinas)
1
Pneumologista Pediátrico e Mestre em Saúde da Criança e Adolescente pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP)
Introdução
A asma é a doença crônica mais comum na infância e a
principal causa de morbidade entre as doenças crônicas
quando avaliada pelo número de dias de ausência escolar,
consultas de emergência e hospitalizações. 1 Apesar do
número de internações por asma no Brasil na rede pública
ter caído 51% nos últimos 10 anos, diminuindo de 397.333
em 2000 para 192.601 em 2010, a asma continua sendo um
grave problema de saúde pública e representa a terceira causa
de internação entre todas as doenças em crianças e adultos
jovens.2 Um estudo multicêntrico (International Study for
Asthma and Allergies in Childhood – ISAAC) revelou que a
prevalência média mundial de asma é de 11,8% entre crianças
de 6 a 7 anos e de 13,8% entre adolescentes de 13 a 14 anos;
no Brasil a prevalência nesse estudo foi de 23,3% e 22,7%
respectivamente. 3 A terceira fase do estudo ISAAC 4,
publicada 7 anos depois da primeira, bem como um estudo
multicêntrico em 20 cidades brasileiras 5, confirmaram
prevalências semelhantes para as duas faixas etárias.
Muito do conhecimento que se tem hoje em relação à
asma na infância vem de trabalhos científicos realizados com
a população adulta, e até não serem reproduzidos na
população pediátrica permanece a dúvida se as conclusões
podem ser aplicadas a essa faixa etária.
O objetivo deste trabalho foi selecionar os artigos
científicos mais relevantes em relação à asma na infância
publicados nos últimos 2 anos. Nesse período foram
publicados 2942 trabalhos científicos indexados sobre asma
na faixa etária de 0 a 18 anos, sendo 42 metanálises. Este
trabalho apresenta e discute as metanálises de maior
relevância para a prática clínica, reunindo a discussão dos
artigos nos tópicos correspondentes.
Broncodilatadores de longa duração
A associação de β2 agonista de longa duração (LABAsigla em inglês para Long Acting β2 Agonist) ao corticóide
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
inalatório (CI), quando o paciente não está bem controlado
apenas com o último, tem sido recomendada nas diretrizes
internacionais para o manejo da asma, como no “Global
Initiative for Asthma” (GINA) 1,6, e também nas Diretrizes
Brasileiras para o Manejo da Asma.7 Recentemente, porém,
vários estudos têm questionado sua segurança e sua eficácia,
principalmente na faixa etária pediátrica. Nos últimos 2 anos,
foram realizados alguns estudos através de metanálise para
tentar elucidar esta questão.
Uma metanálise da Cochrane avaliou a associação de
LABA ao CI comparada à mesma dose de CI, em adultos e
crianças acima de 2 anos. Foram selecionados 77 estudos
com 21.248 pacientes (4.625 crianças e 16.623 adultos), os
quais apresentavam obstrução ventilatória moderada apesar
do uso de CI. Nos adultos a associação com LABA reduziu
o número de exacerbações com necessidade de corticóide
oral [Risco Relativo (RR) 0,77; intervalo de confiança de 95%
(IC95%) 0,68 a 0,87], levou a um maior aumento do Volume
Expiratório Forçado no primeiro segundo (VEF1) (0,11 litros;
IC95% 0,09 a 0,13), proporcionou um maior aumento de dias
sem sintomas (11,88%; IC95% 8,25 a 15,50) e reduziu a
utilização de β2 agonista de curta duração (-0,58 aerogações/
dia; IC95% -0,80 a -0,35); não houve diferença em relação à
ocorrência de efeitos colaterais sérios (RR 1,00; IC95% 0,97
a 1,04). Em crianças, porém, os efeitos da adição de LABA
foram muito incertos e não permitiram concluir que seja uma
alternativa eficiente nessa faixa etária.8
Em outra revisão foi comparada a adição de LABA ao CI
com o aumento da dose do CI, em adultos e crianças com
asma persistente que não estavam controlados com a
utilização de CI. A revisão incluiu 48 estudos, totalizando
15.155 pacientes, sendo 1.155 crianças e 14.000 adultos.
Houve um menor risco estatisticamente significativo de
exacerbação com necessidade de corticóide sistêmico no
grupo que recebeu LABA (RR 0,88; IC95% 0,78 a 0,98). O
grupo com LABA apresentou maior aumento da função
25
pulmonar melhor e melhor escore de sintomas, quando
comparadas ao grupo que utilizou Montelucaste.12
Nos pacientes com asma persistente, que não estejam
controlados com a utilização de CI, pode-se optar, de acordo
com as atuais diretrizes para o manejo da asma pela adição de
um antagonista de Leucotrienos ou de LABA.1,2,6 Estudos
recentes tem tentado elucidar qual dessas opções é melhor
para crianças. Uma metanálise da Cochrane, avaliando 17
estudos randomizados controlados, demonstrou que em
pacientes com asma em uso de CI a adição de LABA foi
superior a adição de antagonista de Leucotrienos em relação
à diminuição das exacerbações com necessidade de corticóide
sistêmico (RR 0,83; IC95% 0,71 a 0,97), melhora da função
pulmonar e da qualidade de vida. Não foi possível, porém,
determinar qual dos tratamentos é superior para crianças.13
Com base nessas metanálises é preferível, para as crianças
e adolescentes com asma leve a moderada, iniciar o tratamento
com CI a Montelucaste. Em adultos e adolescentes com asma
não controlada com CI é preferível associar um LABA a um
antagonista de Leucotrienos. Não é possível, porém,
determinar qual dessas opções é mais eficiente em crianças.
pulmonar, menos sintomas e menor uso de medicação de
regate. De maneira geral não houve diferença significativa
no risco de internação (RR 1,02; IC95% 0,67 a 1,56) e na
ocorrência de efeitos colaterais (RR 1,12; IC95% 0,91 a 1,37).
Os resultados foram dominados por estudos em adultos, e
os dados de 3 estudos pediátricos demonstraram uma
tendência a um risco aumentado do uso de corticóide oral
de resgate (RR 1,24; IC95% 0,58 a 2,66) e internação hospitalar
(RR 2,21; IC95% 0,74 a 6,64) no grupo que utilizou a
combinação com LABA.9
Outra metanálise da Cochrane avaliou a adição de LABA ao
CI como primeira linha de terapia para asma persistente em
adultos e crianças que nunca haviam usado CI. Foram avaliados
27 estudos (22 em adultos e 5 em crianças) totalizando 8.050
pacientes. A combinação de LABA ao CI não foi associada a
um menor risco de exacerbações com necessidade de corticóide
oral (RR 1,04; IC95% 0,73 a 1,47) ou hospitalização (RR 0,38;
IC95% 0,09 a 1,65) comparado ao grupo que só usou CI na
mesma dose. O grupo que utilizou LABA apresentou, porém,
maior aumento no VEF1, menos sintomas e menor utilização de
β2 agonista de resgate, comparado com o grupo que apenas
utilizou CI. Não houve diferença entre os grupos na ocorrência
de efeitos adversos (RR 1,02; IC95% 0,96 a 1,09). Os autores
relatam que não foi possível tirar nenhuma conclusão precisa
em relação à terapia combinada em crianças que ainda não
usaram corticóide inalatório, devido ao pequeno número de
crianças avaliadas no estudo.10
Um estudo inglês avaliou a segurança do uso de Formoterol
em crianças (4 a 11 anos) e adolescentes (12 a 17 anos). Foram
analisados 42 estudos englobando 11.849 pacientes. O estudo
demonstrou que o uso de Formoterol não aumentou o risco
de hospitalização quando comparado ao grupo que não usou
LABA, tanto em crianças (1,16% (38/3263) vs 1,11% (24/2165),
quanto em adolescentes (0,51% (23/4533) vs 0,85% (16/1888)),
independente do grupo étnico avaliado.11
Analisando estes estudos verificamos que a utilização
de LABA para o controle da asma parece ser segura em
crianças acima de 12 anos e adultos. Nessa faixa etária, a
combinação de LABA ao CI para os pacientes que não
estejam controlados demonstra eficácia em relação à melhora
da função pulmonar, diminuição dos sintomas e das
exacerbações. Em crianças menores de 12 anos a associação
de LABA ao CI ainda necessita ser mais estudada para
determinar a eficácia e segurança de sua utilização.
Uma metanálise brasileira comparou o uso de doses
moderadas (300-400 microgramas/dia) com baixas (200
microgramas/dia ou menos) de beclometasona ou
equivalente em crianças e adolescentes de 3 a 18 anos com
asma persistente leve a moderada. Foram avaliados 14
estudos randomizados controlados, totalizando 5.768
pacientes, e verificou-se que houve um aumento maior do
VEF1 no grupo que usou doses moderadas comparado com
o que usou doses baixas de CI, não houve, porém, diferença
significativa ao comparar as duas doses em relação ao pico
de fluxo expiratório, escore de sintomas e uso de β2 agonista.
Os autores concluem que em crianças com asma persistente
leve a moderada não há vantagens clínicas relevantes no
uso de doses moderadas de corticóide inalatório em relação
ao uso de doses baixas, e que são necessários mais estudos
randomizados e controlados para avaliar as doses mais
adequadas para cada caso.14
Esta questão é muito relevante, pois segundo as diretrizes
para o manejo da asma, devemos tentar controlar os pacientes
com a menor dose de CI possível. Este estudo fornece
subsídios para iniciar o tratamento com doses baixas.
Antagonistas de leucotrienos
Utilização de omalizumabe
Vários estudos recentes têm tentado definir se é melhor
iniciar o tratamento de manutenção da asma com CI ou com
antagonistas de Leucotrienos. Uma metanálise chilena,
avaliando 18 estudos, com 3.757 pacientes, comparou a
eficácia do CI ao Montelucaste em crianças escolares e
adolescentes com asma persistente leve a moderada. Os
pacientes recebendo CI tiveram menor risco de exacerbação
que os que receberam Montelucaste (RR 0,83; IC95% 0,72 a
0,96). As crianças recebendo CI tiveram também uma função
Para pacientes com asma mediada por IgE e que não
estejam controlados com a utilização de CI associado a
LABA ou antagonistas de Leucotrienos, as diretrizes para o
manejo da asma referem que pode ser considerada a
associação com Omalizumabe, um anticorpo monoclonal
recombinante que inibe a ligação da IgE com seu receptor de
alta afinidade. 2,6 A segurança e tolerabilidade dessa substância
em menores de 12 anos não estão demonstradas na literatura.
Mais recentemente, um estudo americano analisou 2
26
Dose inicial de corticóide inalatório
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
estudos duplo-cego placebo-controlados em crianças de 6
a 12 anos com asma moderada a grave mediada por IgE,
avaliando a segurança do uso de Omalizumabe. As crianças
estavam em tratamento adequado com CI e outras medicações
e foram randomizadas para receber Omalizumabe ou placebo.
Foram analisadas 926 crianças e os resultados demonstraram
que o risco de efeitos adversos do Omalizumabe foi similar
ao placebo, e a ocorrência de efeitos adversos sérios foi de
3,4% e 6,6%, respectivamente.15
Esses resultados são bastante relevantes, pois ao
demonstrarem a segurança do Omalizumabe fornecem uma nova
opção terapêutica para crianças na faixa etária de 6 a 12 anos
com asma não controlada após seguirem os passos anteriores
das recomendações das diretrizes do manejo da asma.
Exacerbações de asma
Devido à alta morbidade e mortalidade associada às
exacerbações de asma, diversos estudos têm buscado avaliar
quais são as melhores formas de tratamento. Algumas
práticas no manejo das exacerbações são baseadas em
pequenos estudos e careciam de uma avaliação mais ampla.
Uma dessas questões era a prática de dobrar a dose do CI
nas exacerbações. Uma metanálise da Cochrane comparando
o efeito de dobrar a dose com manter a dose do CI nas
exacerbações de asma avaliou 5 estudos randomizados e
controlados envolvendo 1.250 pacientes e demonstrou que
não houve redução significativa da necessidade de
corticóide oral de resgate na exacerbação de asma após
dobrar a dose de CI comparado com a manutenção da mesma
dose [Odds Ratio (OR) 0,85; IC95% 0,58 a 1,26].16
Outra prática comum é a utilização de Formoterol, um
LABA, no tratamento das exacerbações de asma no lugar
dos β2 agonista de curta duração, em função de seu rápido
início de ação. Uma metanálise da Cochrane, avaliando 8
estudos com 22.604 pacientes (a maioria adultos) comparou
o uso do Formoterol com β2 agonista de curta duração para
alívio da exacerbação de asma. Os resultados demonstraram
que em adultos, o grupo que usou Formoterol apresentou
menor número de exacerbações com necessidade de
corticóide oral do que o grupo que usou β2 agonista de
curta duração. Os autores destacam, porém, que não há
informação suficiente nos estudos avaliados que permita
conclusões quanto à segurança e eficácia do Formoterol
como medicação de resgate das crises de asma para a faixa
etária pediátrica.17
Desta forma é importante ressaltar, que à luz do
conhecimento atual, não deve ser indicada para crianças
com exacerbações de asma a conduta de dobrar a dose do CI
nem de utilizar o Formoterol como medicação de alívio em
substituição ao β2 agonista de curta duração.
Influência da dieta na prevalência de asma
Estudos epidemiológicos têm sugerido que a deficiência
de nutrientes como selênio, zinco, vitaminas A, C, D e E, e
baixa ingestão de frutas e verduras pode estar associada ao
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
desenvolvimento de asma.
Uma metanálise escocesa avaliou 62 estudos que
verificavam a associação entre ingesta de vitaminas e
nutrientes e a prevenção de asma. A metanálise revelou que
a dosagem sérica de vitamina A é menor em crianças com
asma comparada ao grupo controle (OR 0,25; IC95% 0,10 a
0,40) e que uma dieta materna rica em vitamina D e E durante
a gestação protegeu contra o desenvolvimento de sibilância
na infância (OR 0,56; IC95% 0,42 a 0,73 e OR 0,68; IC95%
0,52 a 0,88, respectivamente). Foi demonstrado também que
aderir a uma dieta mediterrânea (frutas, legumes e peixes)
ajudou na prevenção de sibilância persistente (OR 0,22;
IC95% 0,08 a 0,58). Não foi possível estabelecer essa relação
com vitamina C ou selênio, e também não foi possível
estabelecer relação entre o consumo desses nutrientes e a
ocorrência de outras alergias.18
Outra metanálise estudou 50.004 crianças de 8 a 12 anos
em 29 países avaliando a influência da dieta na prevalência
de asma. O consumo de frutas foi associado a uma menor
prevalência de sibilância (OR 0,85; IC95% 0,74 a 0,97). O
consumo de peixe (OR 0,85; IC95% 0,74 a 0,97) e de legumes
cozidos (OR 0,78; IC95% 0,65 a 0,95) foi associado a uma
menor prevalência de asma. Nenhum alimento foi associado
a uma menor sensibilização alérgica.19
Analisando estes estudos verificamos que a adesão a
uma dieta mediterrânea (frutas, legumes e peixes), bem como
uma dieta rica em vitaminas A, D e E parece auxiliar na
prevenção de sibilância e asma na infância, devendo então
ser estimulada nas crianças.
Conclusão
Com base nas metanálises publicadas nos últimos 2 anos
em relação à asma na faixa etária pediátrica podemos concluir:
• A utilização de LABA para o controle da asma parece ser
segura em crianças acima de 12 anos e adultos. Nessa faixa
etária, a combinação de LABA com CI para os pacientes que
não estejam controlados demonstra eficácia em relação à
melhora da função pulmonar, melhora dos sintomas clínicos
e diminuição das exacerbações.
• Em crianças menores de 12 anos a associação de LABA
ao CI ainda necessita ser mais estudada para determinar a
eficácia e principalmente a segurança de sua utilização.
• Em crianças com asma leve a moderada é preferível iniciar
o tratamento com CI a iniciar com antagonista de Leucotrienos.
• Em adultos e adolescentes com asma não controlada
com CI é preferível associar um LABA que um antagonista de
Leucotrienos. Não é possível, a luz dos conhecimentos atuais,
determinar qual dessas opções é mais eficiente em crianças.
• Em crianças com asma persistente leve a moderada devese optar por iniciar o tratamento com doses baixas de CI, não
havendo vantagens na utilização de doses moderadas.
• O Omalizumabe pode ser utilizado com segurança em
crianças acima de 6 anos de idade, quando houver indicação
de sua utilização pelas diretrizes no tratamento de asma.
• Não há vantagens em dobrar a dose do CI nas exacerbações
27
de asma, não devendo então ser indicada essa prática.
• Apesar do Formoterol ter demonstrado ser superior aos
â2 agonistas de curta duração no tratamento das
exacerbações de asma em adultos, não foi possível ainda
estabelecer sua segurança em crianças.
• A adesão a uma dieta mediterrânea (frutas, legumes e
peixes), bem como uma dieta rica em vitaminas A, D e E
parece auxiliar na prevenção de sibilância e asma na infância.
Analisando os estudos publicados, e as conclusões dos
autores, é importante ressaltar a necessidade da realização
de mais estudos randomizados e controlados em asma na
faixa etária pediátrica.
9.
10.
11.
12.
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Alfonso Eduardo Alvarez
[email protected]
AGENDE-SE
www.congressosppt.com.br
28
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
RESUMINDO E RECORDANDO
Broncoscopia na prática pediátrica
AUTORES:
Ascedio Jose Rodrigues1, Silvia Regina Cardoso2,Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves3
SERVIÇOS:
Instituto do Coração, Instituto da Criança - HCFMUSP
1
Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória do Incor
Médica Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória do ICR
3
Médico Chefe do Serviço de Endoscopia Respiratória do ICR
2
Introdução
A laringotraqueobroncoscopia, amplamente conhecida pelo
termo “broncoscopia”, é um procedimento que permite a
visualização da laringe, traquéia e brônquios. A primeira
broncoscopia do mundo foi realizada pelo alemão Gustav Killian,
em 1897, com equipamento rígido, no tratamento de uma
aspiração de corpo estranho, um osso de porco.1Somente em
1966, o japonês Shigeto Ikeda apresentou ao mundo o primeiro
broncoscópio flexível. Em 1978, Robert Wood publicou o
primeiro artigo de broncoscopia flexível pediátrica.2
Podemos citar três tipos de broncoscopia, a flexível, a rígida
e recentemente a virtual. Broncoscopia rígida é realizada com
um tubo metálico aberto, inflexível, introduzido via oral que
permite a visualização das vias aéreas centrais e proximais.
Permite a ventilação do doente durante o procedimento sendo
utilizado principalmente no tratamento de retirada de corpo
estranho, dilatação de estenoses, desobstruções tumorais,
higienização de secreções espessas e coágulos sanguíneos.
A broncoscopia flexível é atualmente a mais realizada. O
broncoscópio flexível é bem tolerado e permite a avaliação
das fossas nasais, faringes, laringe, traquéia, vias aéreas
proximais, segmentares até a terceira geração de ramificação.
A broncoscopia virtual consiste em imagens geradas por
computador da árvore endobrônquica, que são construídos
a partir de tomografia computadorizada (TC) do tórax. Tem a
vantagem de ser não invasiva, fornecendo informações
importantes sobre estruturas fora das vias aéreas. No entanto,
ainda não substitui a broncoscopia tradicional pois as
anormalidades da mucosa não são bem vistas, a avaliação
dinâmica é inacessível e não é possível coletar material. Vale
lembrar que uma broncoscopia virtual normal, na suspeita
de aspiração de corpo estranho não exclui a necessidade da
broncoscopia tradicional.3
Indicações
As principais indicações para broncoscopia em crianças
estão relacionadas a seguir:
• Estridor persistente ou recorrente
• Sibilância persistente ou recorrente
• Crises de cianose
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
• Suspeita de corpo estranho
• Atelectasias persistentes ou recorrentes
• Pneumonias de repetição ou pneumonia persistente
• Disfonia
• Ronco noturno
• Intubação de via aérea difícil
• Extubação de via aérea difícil
• Avaliação de traqueostomia
• Hemoptise
• Coleta de lavado broncoalveolar e biópsia transbrônquica
e endobrônquica
Anomalias que podem ser diagnosticadas durante
avaliação endoscópica:
• Atresia ou estenose de coanas
• Tumores nasais (cisto dermóide, meningocele,
hemangioma, neurofibroma, glioma, pólipos)
• Hipertrofia de adenóides
• Hipertrofia de tonsilas palatinas
• Faringomalácia ou colapso faríngeo
• Laringomalácia
• Discinesia de pregas vocais
• Paralisia de pregas vocais
• Estenose subglótica
• Hemangioma laríngeo
• Cisto laríngeo
• Papilomatose laríngea
• Membrana laríngea
• Cleft laríngeo
• Estenose traqueal
• Traqueomalácia
• Compressões extrínsecas da via aérea central
• Fístula traqueoesofágica
Anomalias craniofaciais que podem necessitar de
avaliação endoscópica das vias aéreas:
• Sequência Pierre Robin
• Síndrome de Crouzon
• Síndrome de Treacher Collins
• Síndrome de Apert
• Síndrome de Down
• Síndrome de Beckwith-Wiedemann
29
Estridor persistente
Pneumonias recorrentes
O principal motivo de estridor em crianças é a
laringomalácia que geralmente é autolimitada. No entanto,
crianças que apresentam estridor e baixo ganho ponderal,
episódios de sufocação, crises de cianose, disfagia,
síndromes genéticas e, principalmente, antecedentes de
prematuridade e intubação laringotraqueal, devem ser
avaliadas. Diagnósticos diferenciais incluem estenose
laringotraqueal, paralisia de pregas vocais, membrana
laríngea, cisto laríngeo, hemangioma, papilomatose, cleft
laríngeo e outros.4
Crianças com pneumonias de repetição ou com imagens
pneumônicas persistentes, principalmente quando ocorrem
no mesmo local anatômico podem se beneficiar de exame
broncoscópico, por meio do qual podem ser realizados
diagnósticos diferenciais pela coleta de lavado
broncoalveolar.
Sibilância persistente ou recorrente
Pacientes com quadro de sibilância persistente apesar de
tratamento adequado, dissociação clínica radiológica, não
responsiva ao tratamento ou com evolução atípica, podem
ter anomalias anatômicas que podem ser identificadas pela
broncoscopia como cleft laríngeo, traqueomalácia, fístula
traqueoesofágica, aspiração de corpo estranho, estenose
traqueal, anel vascular, hemangioma e malformações da árvore
brônquica.5
Aspiração de corpo estranho
Crianças previamente saudáveis que apresentam história
de engasgo acompanhado de tosse súbita, crise de cianose,
sibilância de início súbito com apresentação muito grave ou
de difícil controle podem estar relacionadas à aspiração de
corpo estranho. Caso seja levantada a hipótese de aspiração
de corpo estranho, a broncoscopia é obrigatória, mesmo que
todos os exames radiológicos sejam normais.6,7
Atelectasias persistentes ou recorrentes
Pacientes com quadros de atelectasias sem melhora com
tratamento convencional podem ter benefício com a
realização de broncoscopia. Atelectasias em crianças
intubadas ou internadas geralmente requerem medidas mais
agressivas quando comparadas aos pacientes
assintomáticos, em acompanhamento ambulatorial. Nos
casos assintomáticos, é recomendada broncoscopia se a
atelectasia durar mais do que 6 semanas. As causas incluem
compressão extrínseca, rolhas de secreção, aspiração de
corpo estranho, broncomalácia, processos infecciosos
(tuberculose) e tumores.8, 9
Hemoptise
A hemoptise é uma queixa comum em crianças
traqueostomizadas. Distinguir um sangramento do
traqueostoma de um sangramento de via aérea baixa pode
não ser uma tarefa fácil. Outras causas de hemoptise são
bronquiectasias, pneumonia lobares, infecções
endobrônquicas, malformação vascular, cavitações
pulmonares, aspiração de sangue proveniente das cavidades
nasais e do trato gastrointestinal, lesões pós intubação e
trauma de aspiração.10
30
Disfonia
Casos de disfonia persistente, laringites de repetição,
episódios de rouquidão recorrentes, principalmente quando
acompanhados de dispnéia necessitam de avaliação. Em
crianças, um motivo comum para disfonia são os nódulos
vocais benignos. Outros diagnósticos incluem papiloma
laríngeo, pólipos, paralisia de pregas vocais, membrana
laríngea, cistos laríngeos, hemangioma laríngeo, laringite por
refluxo e granulomas inflamatórios.
Intubação de via aérea difícil
Crianças com malformações faciais, abertura da boca
limitada, fenda palatina, macroglossia, micrognatia, protrusão
dentária, cifoescolioses, suspeita de lesões congênitas da
laringe, lesões vasculares ou quaisquer deformidades
anatômicas que indiquem dificuldade para intubação, podem
ser submetidas à colocação do tubo endotraqueal com
auxílio endoscópico.11
Falha de extubação
Crianças que apresentem dificuldade de extubação
associada à insuficiência respiratória alta podem ser
extubadas sob visão broncoscópica para avaliação estática
e dinâmica da laringe. A laringite pós intubação é bastante
comum e em sua maioria reversível. Casos mais graves onde
há tecido de granulação, úlceras e exposição de cartilagens
podem exigir traqueostomia. Não é obrigatória a realização
de broncoscopia em crianças com indicação formal de
traqueostomia. No entanto, o acompanhamento endoscópico
para averiguação de seqüelas e possível decanulação é
desejável.
Traqueostomia
É frequente a avaliação da traqueostomia quando ocorre
sangramento que aparentemente não seja proveniente do
peritraqueostoma externo. Em crianças muito pequenas ou
com alterações que impeçam a intubação orotraqueal, a troca
da cânula de traqueostomia com auxílio da broncoscopia
deve ser considerada para reduzir o risco de insucesso. Antes
da decanulação definitiva da traqueostomia é obrigatória a
realização de laringotraqueobroncoscopia com avaliação
dinâmica da laringe.12
Coleta de lavado broncoalveolar
O lavado broncoalveolar (LBA) é um procedimento
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
diagnóstico que permite avaliar a celularidade e a bioquímica
da superfície epitelial da árvore respiratória inferior e
identificar a presença de microorganismos, através da
instilação e posterior recuperação de soro fisiológico.
LBA com o intuito de identificar um agente
infeccioso
Suas indicações incluem quadros respiratórios crônicos
inespecíficos, imagens radiológicas persistestes ou
recorrentes, sintomas sugestivos de doenças intersticiais e
infecções do trato respiratório inferior.
Quando o LBA é solicitado para avaliação microbiológica
nas suspeitas de infecções do trato respiratório inferior, podem
ser identificados patógenos como Mycobacterium
tuberculosis, Mycoplasma pneumoniae, Pneumocystis
jiroveci, Legionella pneumophila, Toxoplasma gondii,
Strongyloides stercoralis, Histoplasma capsulatum,
Mycoplasma pneumoniae, Nocardia, vírus influenza, vírus
sincicial respiratório, citomegalovirus, Aspergillus, Candida
albicans, Cryptococcus e micobactérias atípicas. Em caso de
bactérias, considera-se significante a presença de pelo menos
10.000 UFC/ml no LBA para que o paciente deva ser
considerado portador de infecção.
O LBA pode ser valioso em pacientes imunossuprimidos,
seja por HIV, deficiências primárias, pós quimioterapias e
transplantados. Também é muito útil em pacientes com
pneumonia crônica, suspeita de tuberculose e fibrose cística
com falha terapêutica.
Em crianças imunocompetentes com pneumonia o LBA
deve ser utilizado somente em casos com evolução atípica,
não sendo um exame de primeira escolha ou sequer de rotina.
diagnóstico de sarcoidose, tuberculose e pneumocistose.
Apesar de amplamente utilizada no diagnóstico de
diversas doenças pulmonares em pacientes adultos, seu uso
em crianças com doenças intersticiais ainda é controverso,
necessita de estudos prospectivos e o rendimento
diagnóstico ainda não substitui a biópsia cirúrgica.
As complicações mais graves da BTB são o sangramento
e o pneumotórax. Outras complicações que podem ocorrer
incluem hipoxemia, dispnéia, broncoespasmo e febre. No
entanto, o procedimento é seguro e a incidência de
complicações graves varia entre 1 a 3%.17, 18
Biópsia endobrônquica
A biópsia endobrônquica pode ser realizada em lesões
visíveis, como tumores ou em mucosa íntegra, permitindo
estudar o epitélio.
Pode ser utilizada no diagnóstico de tuberculose,
sarcoidose, infecções fúngicas e discinesia ciliar primária.
Também tem utilidade no manejo da asma de difícil controle,
em crianças com fibrose cística e sibilância recorrente.19, 20
A técnica é simples, bem tolerada e segura. A principal
complicação é a tosse.
Contra indicações
Incluem insuficiência cardíaca descompensada,
instabilidade hemodinâmica (hipotensão, hipertensão,
bradicardia, arritmias), crise de asma, hipoxemia grave com
saturação de oxihemoglobina menor de 90% com uso
oxigênio complementar. O uso de anticoagulantes, anti
agregantes plaquetários, trombocitopenia (<50.000), uréia e
creatinina elevadas contraindicam a realização de biópsias
pelo risco de sangramento.
LBA nas doenças pulmonares não infecciosas
O LBA pode ser diagnóstico em algumas doenças
pulmonares crônicas intersticiais como proteinose alveolar,
hemossiderose pulmonar, histiocitose pulmonar, pneumonia
lipoídica, microlitíase alvéolo pulmonar e aspiração pulmonar
crônica.13 A análise do LBA pode auxiliar no diagnóstico de
pacientes com sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade,
pneumonia eosinofílica e fibrose pulmonar.14
O LBA também pode ser utilizado como tratamento
complementar nas atelectasias pulmonares e remoção de plugs
de secreção. Instilação de acetilcisteina, antibióticos, dornase
alfa, surfactante e bicarbonato de sódio estão descritos na
literatura, mas com resultados inconclusivos.15, 16
O LBA é bem tolerado e seguro. Complicações possíveis
incluem tosse, broncoespasmo, infiltrado pulmonar
transitório, febre e hipoxemia.
Complicações
A anestesia geral é um fator importante nos casos de
depressão respiratória. Crianças com obstrução
respiratória e hipoxemia pré existente no início do exame
tem maior morbidade. 22,22 As complicações mais
freqüentes são epistaxe, hipoxemia, laringoespasmo,
broncoespasmo. Podem ocorrer ainda arritmias cardíacas
e bradicardia por estímulo vagal.23 Edema laríngeo é uma
complicação que ocorre mais frequentemente na
broncoscopia rígida.
Uma série de 1328 broncoscopias diagnósticas em
crianças foram relatadas 5,2% de complicações menores
(tosse, dessaturação, náusea, laringoespasmo transitório e
epistaxe) e 1,7% de complicações maiores (dessaturação
abaixo de 90%, laringoespasmo com dessaturação,
broncoespasmo e pneumotórax).24
Biópsia transbrônquica
A biópsia transbrônquica (BTB) permite a obtenção de
parênquima pulmonar para análise microscópica evitando
a biópsia a “céu aberto”. Seu uso é bem estabelecido na
vigilância de crianças pós transplante pulmonar.17
A BTB permite o diagnóstico de infecção por
citomegalovirus em imunossuprimidos e pode auxiliar no
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Considerações finais
O surgimento da broncoscopia flexível com imagens em
alta definição e os avanços da anestesiologia no manejo,
monitorização e descoberta de novas drogas ampliou o campo
de atuação da broncoscopia na população pediátrica, trouxe
mais segurança para os pacientes e aumentou a eficácia do
31
procedimento. As inovações tecnológicas permitiram a
miniaturização dos broncoscópios que hoje atingem incríveis
3,4 mm, 2,8mm, 2 mm e 1mm de diâmetro permitindo a realização
da broncoscopia em quaisquer idades, até mesmo na fase
intra-uterina (broncoscopia fetal).25, 26
A maioria dos exames são realizados com anestesia geral
sob ventilação espontânea. Em alguns casos, principalmente
nas crianças clinicamente estáveis submetidas a avaliação
da via aérea superior como a laringoscopia, podem ser
realizadas somente com anestesia tópica nasal ou sedação
consciente, dependendo de alguns fatores como cooperação,
compreensão dos pais e da criança.
O procedimento pode ser realizado em centro cirúrgico,
unidade de terapia intensiva ou em sala apropriada para este
fim desde que esteja preparado para o manejo de emergências
em via aérea.
Rotineiramente, em um serviço adequado com equipe
treinada, o exame é realizado ambulatorialmente com dispensa
domiciliar após algumas horas de observação, mas alguns
pacientes podem necessitar de internação, dependendo da
situação clínica da criança, da doença e do procedimento
que será realizado.
A broncoscopia é um procedimento seguro quando
realizado por equipe experiente. As complicações menores
incluem epistaxe, traumas relacionados a passagem do
aparelho, episódios de dessaturação de oxigênio e hipoxemia
transitórias durante o procedimento. Complicações mais
graves como broncoespasmo, sangramentos e pneumotórax
são eventos raros.26, 27
Os exames radiológicos e a broncoscopia são
complementares. Cada técnica tem suas características
próprias com suas vantagens e desvantagens. A
broncoscopia virtual com reconstrução 3D não permite a
avaliação dinâmica da via aérea, não permite a coleta de LBA
ou biópsia, os detalhes da mucosa traqueobrônquica e
estruturas laríngeas são sofríveis e os níveis de radiação
ionizante são elevados. Na prática, a broncoscopia e a
radiologia caminham juntos no diagnóstico e avaliação
evolutiva de doenças pulmonares.
Existem inúmeras indicações para a realização de
broncoscopia nas crianças. O procedimento bem indicado é
esclarecedor e traz benefícios para a criança, mesmo quando
o exame é normal. A exclusão de doenças é uma etapa
importante nos diagnósticos diferenciais. Como exemplos
clássicos, citamos a suspeita de aspiração de corpo estranho,
suspeita de fístula traqueoesofágica e estenose subglótica
que são excluídos quando o exame endoscópico é normal,
ajudando o médico na condução de casos complicados sem
diagnósticos definitivos.
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Tabela 1 - Correlação entre doenças/anomalias e sintomas:
Estridor
Disfonia
Sibilância
Atresia ou estenose de coanas
Tumores nasais
Cianose
Dispnéia
+
+
+
+
Hemoptise noturno
+
Hipertrofia de adenóides
Hipertrofia de tonsilas palatinas
+
+
Faringomalácia ou colapso faríngeo
Laringomalácia
+
+
+
+
+
+
Discinesia de pregas vocais
Paralisia de pregas vocais
+
+
+
+
Estenose subglótica
Hemangioma laríngeo
+
+
Cisto laríngeo
Papilomatose laríngea
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
Membrana laríngea
Cleft laríngeo
+
+
+
+
+
+
+
+
+
Estenose traqueal
Traqueomalácia
+
+
+
+
+
+
+
+
Compressões extrínsecas
Fístula traqueoesofágica
+
+
+
+
+
+
+
+
+
Aspiração de corpo estranho
+
+
+
+
+
+
+
+
A tabela acima resume os sinais clínicos mais frequentes relacionados às doenças. Os sintomas podem variar dependendo da gravidade,
podendo estar ou não presentes.
32
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
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Ascedio Jose Rodrigues
[email protected]
Centros de Referência em
Fibrose Cística no Estado
de São Paulo
Capital
CR – Hospital das Clínicas
Dra.Fabíola Villac Adde
Av. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 647 –1ºandar
Fone :(0xx11) 2661-8538
Hospital São Paulo – EPM
Dra.Sônia Mayumi Chiba
R: José de Magalhães 340 ( Ambulatório Fibrose
Cística)
Fone:(0xx11) 5576-4145
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Dra. Neiva Damaceno
Ambulatório de Fibrose Cística
Prédio Conde de Lara
Fone: (0xx11) 3224-0122 r:5534
Interior
Campinas
Hospital de Clínicas – UNICAMP
Dr. José Dirceu Ribeiro
Dr. Antônio Fernando Ribeiro
Departamento de Pediatria
Fone: (0xx19) 3521-7646
Ribeirão Preto
Hospital das Clínicas
Dra. Maria Inês Machado Fernandes
Dra. Lídia Alice G.M. Torres
Av. Bandeirantes, s/n – Campus Universitário
Fone: (0xx16) 3633-0136 - Botucatu
Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP
Dra. Giesela Fleischer Ferrari
Distrito de Rubião Júnior s/n – Botucatu – SP
Cep: 18618-970
Fone: (0xx14) 3811-6000
São José do Rio Preto
Hospital de Base
Dra. Katia Izabel Oliveira
Av. Brigadeiro Faria Lima,5416
Cep: 15090-000
Fone: (0xx17) 3210-5000
33
Triagem neonatal para fibrose cística:
o que fazer diante de um resultado
alterado?
AUTORA:
Fabíola Villac Adde1
SERVIÇO:
Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP
1
Médica Assistente Doutora da Unidade de Pneumologia
Introdução
Em muitos países, o diagnóstico de fibrose cística (FC)
vem sendo estabelecido já nos primeiros meses de vida, com
a implantação de programas de triagem neonatal. Há
controvérsia quanto ao real impacto dos testes de triagem
na evolução da doença, mas têm sido observados benefícios
como melhor crescimento, nutrição e função pulmonar.1-3 No
nosso meio, infelizmente, o sub-diagnóstico e/ou o
diagnóstico tardio da FC ainda é uma realidade. Não são
poucos os pacientes que chegam com desnutrição grave,
infecção pulmonar crônica por Pseudomonas aeruginosa e
bronquiectasias. A implantação da triagem neonatal
possibilita um diagnóstico mais precoce com intervenções
terapêuticas específicas e oportunas e consequente melhora
do prognóstico do paciente.
Tripsinogênio imunorreativo (“imunorreactive
trypsinogen” - IRT)
O teste mais utilizado para a triagem neonatal da FC é o que
mede o nível de tripsinogênio (IRT). O tripsinogênio é um
precursor de enzima pancreática, produzido exclusivamente pelo
pâncreas, cuja concentração costuma estar persistentemente
elevada no sangue dos recém-nascidos com FC em relação ao
dos normais, mesmo nos casos em que ainda há suficiência
pancreática. Esse aumento acontece pois a fibrose pancreática
que a maioria desses pacientes apresenta já ocorre no período
intra-uterino, levando a um refluxo das enzimas pancreáticas
para a circulação, com aumento dos níveis do IRT. A sensibilidade
deste teste se situa ao redor de 95%, porém sua especificidade
é baixa, variando de 30 a 75%, dependendo dos níveis de
corte estipulados pelos laboratórios para o IRT.4,5
Existem diversos algoritmos para a triagem neonatal da
FC5, e no Brasil a dosagem de IRT tem geralmente sido
realizada em duas amostras. A primeira é coletada nos
primeiros dois a três dias de vida, em gota de sangue seco
com os demais exames para o “teste do pezinho”, e a
segunda, se o primeiro resultado for positivo, antes do final
do primeiro mês de vida da criança, para evitar resultados
falso-negativos que decorrem da queda natural do nível do
34
tripsinogênio no sangue. Somente se ambos os resultados
forem positivos deve-se realizar o teste do suor para o
diagnóstico da FC.
Determinados programas incluem a pesquisa de algumas
mutações do gene CFTR (“cystic fibrosis transmembrane
conductance regulator”) quando o primeiro IRT for positivo.
Quando detectadas nos dois alelos podem estabelecer o
diagnóstico; se for encontrada uma mutação, o paciente deve
se submeter ao teste do suor, pois ele pode ser apenas
portador de um dos genes da FC, ou apresentar a doença no
caso de ter uma segunda mutação desconhecida, não
pesquisada no teste genético utilizado. Quando não se
detecta nenhuma mutação, a probabilidade de FC é baixa,
não havendo necessidade do teste do suor.5,6
Embora o IRT seja até o momento o melhor teste de triagem
para FC, ocorrem muitos resultados falso-positivos,
principalmente em recém-nascidos prematuros, que sofreram
grande estresse perinatal, com baixos índices na escala de
Apgar ou em afrodescendentes. Vale ressaltar que um teste
de triagem negativo não exclui o diagnóstico de FC e que a
presença de íleo meconial, sinal de alerta para o diagnóstico
de FC, pode estar relacionada a testes falso-negativos.5
No Brasil, dispomos de dados sobre a triagem neonatal
para FC realizada no estado do Paraná. De agosto/2001 a
abril/2004 foram realizadas 456.982 triagens e em 0,9% (4.028
casos) ela foi positiva (IRT > 70ng/ml). Foi possível realizar
um segundo IRT em 3.815 bebês com até 30 dias de vida e
destes, 12,5% (478) persistiram alterados, significando que
o índice de falso-positivos foi de 87,5% no primeiro teste.
Os pacientes com os dois testes alterados foram então
submetidos ao teste do suor, confirmando-se o diagnóstico
de FC em 48 casos (0,01% do total).7.
Apesar de o teste de triagem neonatal para FC no teste
do pezinho já ser uma portaria do Ministério da Saúde desde
2001 8, que determina a dosagem do IRT acoplado à pesquisa
de mutações nos casos dos níveis estarem aumentados ou
de um segundo IRT, quando a primeira dosagem for alterada
e não se fez o estudo da mutação na primeira dosagem, por
ora só está implantado na rotina nos estados de Santa
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Tabela 1. Critérios diagnósticos de Fibrose Cística
A
1.Características fenotípicas (1 ou mais)
• doença sinusal ou pulmonar crônica
B
1.Cloro no suor > 60 mmol/L em
2 dosagens
• alterações gastrintestinais e nutricionais
• síndrome de perda salina
• anormalidades urogenitais resultando em azospermia
obstrutiva
2.História de irmão com Fibrose Cística
3.Teste de triagem neonatal positivo
2.Identificação de 2 mutações para Fibrose Cística
3.Demonstração de alteração no transporte iônico no
epitélio nasal
Para o diagnóstico é necessário no mínimo um do itens da coluna A e um da B.
Catarina, Paraná e Minas Gerais. Em São Paulo, a triagem
neonatal para FC em todos os recém-nascidos vivos do
estado foi implantada recentemente (6 de fevereiro de 2010)
e no Espírito Santo está em fase de implantação. Em alguns
outros locais do país tem sido realizada em algumas
maternidades privadas. A experiência preliminar do
ambulatório de FC do Instituto da Criança - HC com esses
lactentes com diagnóstico pelo IRT seguido do teste do suor
alterado é que o espectro clínico da doença é bastante
variável: alguns casos são oligossintomáticos e outros muito
graves, com internações em UTI por insuficiência
respiratória, desnutrição, distúrbios hidroeletrolíticos e
colonização precoce por Pseudomonas aeruginosa,
Burkholderia cepacia e Staphylococcus aureus meticilino
resistente (MRSA). Como muitas destas manifestações são
no geral inespecíficas o diagnóstico de FC provavelmente
seria retardado se não houvesse o alerta da triagem alterada,
levando a maior morbi-mortalidade.
Critérios diagnósticos de Fibrose Cística
Recordando, o diagnóstico de FC, segundo Rosenstein
& Cutting 9,10, é estabelecido seguindo-se os critérios
descritos na Tabela 1.
Este consenso sobre o diagnóstico de FC foi realizado
em 1998, mas os critérios diagnósticos se mantêm até os
dias de hoje.11 Recentemente, os critérios diagnósticos de
FC foram revistos e a única mudança foi a de considerar, em
lactentes menores de seis meses, valores normais de cloro
abaixo de 30 mmol/L, e limítrofes entre 30 e 59 mmol/L, uma
vez que se tem observado que, em lactentes jovens normais,
os valores de cloro no suor são baixos, situando-se ao redor
de 10 mmol/L.12 Dessa maneira, valores entre 30 e 59 mmol/L,
nessa faixa etária, são suspeitos e requerem repetição e maior
investigação.13-15. Deve-se também ressaltar que o teste do
suor deve ser feito sempre com a estimulação da sudorese
pela pilocarpina13 e que a coleta do suor envolvendo partes
da criança (antebraço, perna, dorso, abdome, etc) em sacos
plásticos (surpreendentemente ainda praticada em alguns
laboratórios) é totalmente inadequada, levando à
contaminação e evaporação do suor, com consequente erro
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
na análise dos eletrólitos e resultados falso-positivos e falsonegativos.
Conclusões
A triagem neonatal para FC tem sido realizada de forma
crescente nos países europeus, da América do Norte e mais
recentemente da América do Sul. Frente a um primeiro IRT
positivo o médico deve tranquilizar a família, pois há grande
chance de se tratar de um resultado falso-positivo. Quando
o segundo IRT também for positivo ou se encontrar em
estudo genético uma ou duas mutações no gene CFTR
deve-se solicitar o teste do suor para a confirmação ou não
do diagnóstico. Os familiares dos pacientes com FC, assim
como dos não doentes mas portadores de uma mutação no
gene CFTR, devem receber aconselhamento genético.
Frente à confirmação do diagnóstico o paciente deve ser
encaminhado a um centro de referência de FC e manter
seguimento conjunto com o pediatra. A família deve estar
ciente que nos dias de hoje há muitas terapêuticas
disponíveis que retardam a progressão da doença levando
a melhora na qualidade de vida e na sobrevida (mediana
de sobrevida atual se situa ao redor dos 36 anos nos
países desenvolvidos). 16 Há muitas pesquisas em
andamento com substâncias corretoras dos diversos
defeitos do CFTR, que podem num futuro não muito
distante levar à cura da FC.17
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Fabíola Villac Adde
[email protected]
Centros de Referência em HAP
no Estado de São Paulo
SÃO PAULO CAPITAL
FMUSP - InCOr - Pneumologia do Hospital das Clínicas(*)
Responsável: Prof. Dr. Rogério Souza e Dr. Carlos Jardim
Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 44
Horário Atendimento: 4º e 6º feira a partir das 8h
Tel: 11 3069-5034
e-mail: [email protected]
Hospital Servidor Público Estadual de São Paulo
Dr. Responsável: Dr. Carlos Alberto de Castro Pereira
Endereço: Rua Pedro de Toledo, 1800
Horário Atendimento: 2ª feira a partir das 8h
Tel: 11 5088-8648
Instituto Dante Pazzanese (*)
Endereço: Avenida Dr. Dante Pazzanese, 500 - Vila Mariana
Tel: 11 5085-6413 ou 5085-6412
UNIFESP - Hospital São Paulo - Pneumologia (*)
Responsável: Dra. Jaquelina Sonoe Ota
Endereço: Rua José de Magalhães, Vila Clementino
Horário Atendimento: 5° feira a partir das 13h
Tel: 11 5549-1830
e-mail: [email protected]
UNIFESP – Hospital São Paulo - Cardiologia (*)
Responsável: Dra. Célia Maria Camelo Silva
Endereço: Rua dos Otonis, 897
Horário Atendimento: 2ª feira a partir das 8h
Tel: 11 5549-9064
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Cardiologia (*)
Endereço: Rua Cesário Motta Júnior, 112 - Vila Buarque
Tel: 11 2176-7000
Campinas
UNICAMP - Hospital das Clínica - Pneumologia (*)
Responsável: Dra. Monica Corso Pereira e Prof.Dra. Ilma
Aparecida Paschoal
Endereço: Rua Zeferino Vaz S/N Prédio HC-UNICAMP
Horário Atendimento: 4º feira a partir das 13h30
Tel: 19 3521-7776 e 3521-7907
Hospital Municipal Dr. Mário Gatti
Endereço: Av. Prefeito Faria Lima, 340 - Pq. Itália
Tel: 19 3772-5700
Botucatu
UNESP - Hospital das Clínicas de Botucatu (*)
Responsável: Prof. Dr. Hugo Hyung Bok Yoo
Endereço: Distrito Rubião Jr.
Horário Atendimento: 4º feira a partir das 8h
Tel: 14 3882-2969
Ribeirão Preto
FMUSP Ribeirão Preto - Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto (*)
Responsável: Dr. Adriana Ignácio de Pádua
Endereço: Av. Bandeirantes 3900 - Monte Alegre
Horário Atendimento: 3º feira a partir das 13h (Triagem)
Tel: 16 3602-2631
São José do Rio Preto
Hospital de Base (*)
Endereço: Av. Brig. Faria Lima, 5544 - Vila São Pedro
Tel: 17 3201-5000
36
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Pneumonias de repetição em
pediatria
AUTORES:
Adyléia Aparecida Dalbo Contrera Toro1, Larissa Vanuchi Rodrigues2, Milena Grotta3;
José Dirceu Ribeiro4
SERVIÇO:
FCM-Unicamp
1
Médica Assistente do Departamento de Pediatria
Aluna graduação do quarto ano de Medicina. Bolsista (PIBIC) de iniciação científica.
3
Mestre em Pediatria e aluna de doutorado na área da Saúde da Criança e do Adolescente
4
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria . Chefe da Disciplina de Pneumologia Pediátrica
2
Introdução
A estimativa mundial da incidência das pneumonias
adquiridas na comunidade (PAC), na faixa etária pediátrica é de
0,29 episódios em um ano, entre crianças menores de 5 anos1. A
pneumonia é responsável pela morte de aproximadamente 3
milhões de crianças dentro dessa mesma faixa etária, sendo
que 90 a 95% dessas mortes ocorrem em países em
desenvolvimento2-6. Essas taxas são consideravelmente altas
nesses países pela presença de alguns fatores de risco, tais
como: baixo peso ao nascimento, ausência ou menor tempo de
aleitamento materno, desnutrição, poluição do ar dentro do
ambiente domiciliar, como tabagismo e queimadas domésticas7.
Fatores sociodemográficos, como renda familiar insuficiente,
famílias numerosas, baixa escolaridade dos pais e cuidados
precários com a higiene domiciliar, também influenciam para
um maior índice de pneumonia7.
O diagnóstico de pneumonia é feito através da clínica do
paciente e das alterações encontradas no radiograma de tórax.
A taquipnéia é o principal sinal dentre aqueles que marcam o
quadro clínico da PAC, sendo que febre, palidez, toxemia,
cianose e tosse costumam também estarem presentes. O
radiograma de tórax confirma o diagnóstico de pneumonia,
avalia a extensão do processo e identifica complicações.
Segundo a Diretriz Brasileira para Manejo da PAC Pediátrica1
e a Organização Mundial de Saúde (OMS)8 , as pneumonias
virais apresentam predomínio de espessamentos brônquicos
e peribrônquicos, opacidades heterogêneas bilaterais,
adenopatia hilar e parahilar, hiperinsuflação e atelectasia. Já
as pneumonias bacterianas apresentam padrão alveolar
segmentar ou lobar, que se traduz por opacidades
homogêneas com broncograma aéreo, abscessos,
pneumatoceles, espessamento ou derrame pleural1, 8. A
técnica inadequada na realização do exame radiológico
simples, pode gerar imagens que serão interpretadas
erroneamente como processos pneumônicos ou atelectasias.
Exemplo são as radiografias expiradas, irradiações com baixa
voltagem ou o posicionamento incorreto do paciente. O
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
timo, no radiograma de tórax, pela sua posição anatômica
pode levar a uma hipotransparência, geralmente no lobo
superior direito, resultando em um diagnóstico de
pneumonia. Essas falhas técnicas ou de interpretação podem
se repetir em radiografias subsequentes, criando um
diagnóstico errôneo de pneumonias de repetição (PR).
Assim, é muito importante a avaliação criteriosa de todos os
exames radiológicos para interpretação e diagnóstico final9.
Definição de “Pneumonias de Repetição”
O conceito de pneumonias de repetição não é único entre
os diversos autores, sendo difícil encontrar na literatura uma
definição universal desta situação.
Eigen9 conceituou PR quando o processo patológico foi
completamente resolvido e ocorreu novamente uma ou mais
vezes, com pelo menos uma radiografia normal no intervalo
da doença. Listernick10 definiu PR pela presença de infiltrados
recorrentes em diferentes segmentos pulmonares ou em um
segmento único, por certo período de tempo, com
radiografias comprovadamente normais entre os episódios.
Wald 11e Owayed et al. 12, consideraram pneumonias de
repetição como dois episódios de pneumonia em um ano ou
três episódios em qualquer época da vida.
No Brasil, Reis et al.13 definiram PR quando ocorre
recorrência de episódios agudos em frequência igual ou
maior do que três ao ano, sendo essencial a existência de
aspecto radiológico pulmonar anormal por tempo superior a
doze semanas.
Paiva 14 definiu PR quando, após comprometimento agudo
pulmonar, houver regressão clínica e radiológica, e
considerou a necessidade de investigar os pacientes com
três episódios de pneumonia no período de um ano.
Mello et al.15, em um trabalho brasileiro definiram como
pneumonias de repetição os conceitos de Reis et al.13 e
Paiva 14 quanto ao número mínimo de pneumonias em um
ano e, com o de outros autores, quanto à necessidade de
radiografia normal entre os episódios. Porém, devido ao fato
37
de que muitas vezes não se consegue resgatar os exames de
imagem que comprovem as alterações pulmonares em
crianças com história de pneumonias de repetição, mas sim
de relatos de várias pneumonias, Mello et al.15, consideraram
como repetição o número de 5 episódios em qualquer época
da vida por ser mais adequado à realidade brasileira.
Prevalência e incidência das pneumonias
de repetição
Os dados sobre prevalência e incidência de pneumonias
de repetição na literatura são escassos. Dentre as crianças
hospitalizadas com diagnóstico de pneumonia bacteriana,
7,7 a 9% apresentarão recorrência do quadro12,16-19.
Em um estudo brasileiro com crianças acompanhadas em
um ambulatório de pneumologia pediátrica a prevalência de
pneumonias de repetição foi de 6,27% (40/638)15 .
Fatores de Risco para Pneumonias de
repetição
Os fatores predisponentes de pneumonias de repetição
relacionados ao paciente são, o menor tamanho das vias
aéreas; história familiar de atopia; complicações respiratórias
no período neonatal; desmame precoce; doenças
consumptivas ou debilitantes; desnutrição ou deficiência
de vitaminas. Já os fatores relacionados com o meio ambiente
são o excesso de frio ou de umidade, e poluentes
extradomiciliares e domiciliares20.
A desnutrição calórica protéica avaliada através da relação
entre o peso e a altura está associada à maior morbidade e
mortalidade de crianças com infecções de vias aéreas7.
Crianças com deficiência de vitamina A têm um risco dobrado
de apresentarem infecções do trato respiratório. A
suplementação da Vitamina A em crianças menores de dois
anos, após infecção pelo vírus do Sarampo, reduziu a
mortalidade, mas não mostrou benefícios em relação a
tratamento ou prevenção de pneumonia 21-23.
Quanto à deficiência de zinco, está associada à redução do
crescimento e da resposta imunológica na criança. Estudos
evidenciam que a suplementação de zinco resulta em maior
crescimento para crianças, em menores taxas de diarréia,
malária e pneumonia, além de reduzir a mortalidade na faixa
etária pediátrica. Crianças que recebem suplementação de
zinco apresentaram menor incidência de pneumonias quando
comparadas com crianças que não receberam suplementação,
além disso a suplementação parece acelerar a recuperação
daquelas com pneumonia grave24.
O tabagismo passivo tem importante papel nas doenças
respiratórias13,25. O hábito tabágico materno durante a gestação
aumenta as chances de prematuridade e natimortalidade. Além
disso, aumenta o risco de doenças pulmonares durante os
primeiros cinco anos de vida e as chances do surgimento de
câncer de pulmão na vida adulta13,.26.
Principais causas de pneumonias de repetição
As etiologias mais prevalentes de pneumonias recorrentes
38
são aspiração, asma, defeitos e malformações anatômicas, e
imunodeficiências.
No estudo de Lodha et al.16, realizado em Nova Deli, Índia,
a aspiração foi a causa mais freqüente de pneumonia de
repetição em 24,2% das crianças que passaram pelo serviço
de Pneumologia do Hospital por um período de cinco anos.
Esse resultado foi seguido por 15,7% de imunodeficiência,
14,2% de asma e 8,6% de anomalias estruturais.
O estudo canadense realizado por Owayed et al.12 também
demonstrou aspiração devido a incoordenação de deglutição
em 47,9% das 238 crianças pesquisadas como a principal
etiologia das pneumonias recorrentes. As outras etiologias
foram imunodeficiências, em 10,1% dos pacientes,
malformações cardíacas congênitas em 9,2%, asma em 7,9%,
anomalias congênitas ou adquiridas no trato respiratório em
7,6% e doença do refluxo gastroesofágico em 5,4% dos
pacientes.
Já no estudo realizado em Valência, na Espanha27, a asma
foi a responsável por 30,4% dos casos de pneumonias
recorrentes, correspondendo a 28 das 92 crianças
hospitalizadas pesquisadas. No entanto, nove das 28 crianças
somente foram diagnosticadas com asma após a recorrência
do quadro de pneumonia. Seguiram como as causas mais
presentes de recorrência da pneumonia as cardiopatias
congênitas, com 29,3% e a aspiração, com 27,1%.
Corroborando com essa perspectiva, também no estudo
de Çiftçi et al.17 realizado com crianças hospitalizadas na
Turquia num período de cinco anos, a asma foi a etiologia
das recorrências dos quadros de pneumonia em 32% das 71
crianças que tinham os critérios para diagnóstico de
pneumonia de repetição, sendo que sete foram
diagnosticadas durante as recorrências e 16 somente após
os quadros de recorrência. As outras principais causas
encontradas foram doença do refluxo gastroesofágico em
15% dos pacientes, imunodeficiência em 10%, cardiopatias
congênitas em 9%, sendo que a aspiração, considerada a
principal etiologia em alguns estudos, atingia apenas 3%
das crianças pesquisadas.
A aspiração decorre da incapacidade de impedir a entrada
de objetos estranhos nas vias aéreas 25, e a causa mais comum
de aspiração é a doença do refluxo gastroesofágico, que
pode ser causada por diminuição da contratilidade do
esfíncter esofágico inferior, aumento da pressão intraluminal
do estômago ou diminuição do esvaziamento gástrico16. A
doença do refluxo gastroesofágico tem maior incidência em
crianças que foram prematuras e passaram por sofrimento
respiratório 25,28. Outras causas comuns de aspiração são
incoordenação orofaríngea, através de microaspirações
durante a deglutição; malformações anatômicas, como
broncomalácia, estenose brônquica, atresia esofágica e
fístula traqueoesofágica 26.
A asma é a doença crônica mais comum da infância, sendo
definida como uma inflamação crônica das vias aéreas,
levando a hiperresponsividade das mesmas. São fatores de
risco para asma sensibilidade para alérgenos aéreos,
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
qualidade da dieta materna durante a gestação, poluentes
ambientais, micróbios e fatores psicossociais. Sibilo, tosse
e dispnéia são os principais sinais encontrados em pacientes
asmáticos. Diagnosticar asma em crianças com menos de
cinco anos é difícil. Alguns lactentes apresentam sibilância
transitória, geralmente desencadeada por infecções virais,
que desaparece até a idade escolar. Em outros, esses
sintomas podem ser a primeira manifestação de asma 29.
Alguns critérios têm sido propostos para a definição de asma
em lactentes, devido à dificuldade em diagnosticar asma
nessa faixa etária 30. Assim existe uma constante dúvida se a
asma é um fator etiológico das pneumonias de repetição ou
se consequência.
Segundo Huerta et al.27, a asma foi a causa mais freqüente
de pneumonias recorrentes, sendo muitas vezes
diagnosticada após os episódios de pneumonias. No
entanto, de acordo com Picas-Jufresa et al. 30, a pneumonia
de repetição pode ser um fator de risco para o
desenvolvimento de asma, apesar de não se poder dizer o
mesmo da situação inversa.
As imunodeficiências são causas raras de pneumonias,
porém devem ser pesquisadas quando outras hipóteses
tiverem sido esgotadas e os seguintes critérios forem
encontrados: mais de quatro infecções respiratórias de origem
bacteriana dentro do período de um ano; bronquiectasias
inexplicáveis; mais de uma infecção bacteriana severa, como
meningite e osteomielite; e apresentação atípica da infecção.
O histórico familiar de doenças genéticas leva a uma
investigação mais precoce dessa condição. Os defeitos
genéticos que podem levar a quadros de pneumonia são
aqueles relacionados à fagocitose, opsonização das
principais bactérias e deficiência de anticorpos e/ou de
complementos32.
Depois do sistema imunológico o pulmão é o órgão mais
acometido em crianças infectadas pelo vírus da
imunodeficiência humana. A infecção pelo HIV desencadeia
diversificadas e extensas alterações no mecanismo de defesa
pulmonar , o que se traduz em maior número de infecções
por germes habituais ou oportunistas. Toro et al.33 analisaram
uma coorte de 103 crianças infectadas por transmissão
vertical pelo vírus HIV, antes da era pré- HAART (Hyghly
Active Anti-Retroviral Therapy) e encontraram 47% de
crianças com infecções pulmonares como primeira
manifestação clínica da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência
Adiquirida), sendo 67% destas com o diagnóstico de
pneumonias de repetição.
Apesar dessa variedade de fatores causais que podem estar
envolvidos nos quadros de pneumonias recorrentes, e da
morbimortalidade infantil resultante, poucos estudos já foram
realizados para que os mecanismos etiológicos fossem
esclarecidos. No Brasil, em que as condições sócioeconômicas aumentam os riscos de pneumonias de repetição,
há a necessidade da maior realização de pesquisas acerca do
tema para que menos crianças sejam acometidas e programas
de prevenção e diagnóstico precoce sejam criados.
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Conclusões
Observando o panorama da pneumonia pelo mundo,
através da revisão bibliográfica realizada, é possível perceber
o impacto social e econômico que a mesma traz. Além do alto
índice de mortalidade dentro da faixa etária pediátrica, o
tratamento das pneumonias de repetição onera o sistema de
saúde público, principalmente nos países em
desenvolvimento, uma vez que muitas vezes requerem
hospitalização além do tratamento medicamentoso.
Compreender a existência de uma etiologia para a
recorrência dos quadros de pneumonia é determinar uma
conduta terapêutica para a causa, e não para a conseqüente
patologia, impedindo o aparecimento de novos quadros
respiratórios e diminuindo a morbi-mortalidade.
No entanto, são poucos os trabalhos e os investimentos
em pesquisa, tanto em âmbito mundial como nacional, que
abrangem a recorrência das pneumonias, apesar da
transparente importância do assunto. Anualmente crianças
são admitidas nos serviços de saúde por infecções
respiratórias. É extremamente necessário compreender melhor
o que as torna susceptíveis a tal condição, o que poderia
contribuir para a criação de um programa educativo-preventivo.
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Adyléia Aparecida Dalbo Contrera Toro
[email protected]
40
Centros de Referência em
DPOC no Estado de São Paulo
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Pulmonar Anexo II
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Santo André
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Pneumonias adquiridas na comunidade
em lactentes, crianças e adolescentes
AUTORES:
Joaquim Carlos Rodrigues1, Luiz Vicente Ferreira da Silva Filho2, Marina Buarque de Almeida3
SERVIÇOS:
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
Faculdade de Medicina da USP
Instituto da Criança do HCFMUSP
1
Professor Livre-Docente do Departamento de Pediatria, Coordenador da Unidade de Pneumologia
Pediátrica
2
Mestre e Doutor em Pediatria, Médico assistente
3
Mestre e Doutora em Pediatria, Médica Assistente
Introdução
Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)
mostram que cerca de um terço da mortalidade mundial em
crianças (4 a 5 milhões de óbitos anuais) é causada pelas
infecções respiratórias agudas.1 O Fundo para as Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) estima que mais de 3 milhões
de crianças morra de pneumonia a cada ano,
predominantemente nos países em desenvolvimento.1,2 Os
estudos epidemiológicos das pneumonias agudas
adquiridas na comunidade (PAC) mostram que o
Streptococcus pneumoniae é o agente etiológico bacteriano
mais importante, em todas as faixas etárias, tanto nos países
desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. 3,4,5 A
resistência desse agente à penicilina e às cefalosporinas
tem aumentado progressivamente em todos os continentes
e tem-se constituído em um fator de preocupação.6,7 Após
isolamento do pneumococo é importante, quando possível,
a determinação da concentração inibitória mínima com o
intuito de orientação terapêutica. 8 Nos derrames
parapneumônicos em crianças, os pneumococos ainda são
os agentes predominantes, porém nos países onde é rotineira
a vacinação anti-pneumocócica houve uma queda
substancial na sua prevalência com um incremento na
freqüência de Staphylococcus aureus.9
Os agentes de pneumonias atípicas, Mycoplasma
pneumoniae e Chlamydophyla pneumoniae são importantes
na etiologia das PAC, particularmente em crianças acima de 4
a 5 anos de idade, correspondendo, em países desenvolvidos,
a cerca de até um terço dos casos.10,11 Algumas bactérias que
foram previamente consideradas não patogênicas no trato
respiratório, tais como Haemophilus influenzae não-tipável e
Moraxella catarrhalis, ocasionalmente têm sido implicadas
nas pneumonias agudas em crianças.12 O Staphylococcus
aureus e as enterobactérias são agentes etiológicos importantes
nas pneumonias de aquisição intra-hospitalar, nos pacientes
imunodeprimidos e nos submetidos a ventilação mecânica.13
O vírus sincicial respiratório (VSR) é um agente frequente
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
de PAC, pode determinar quadros mais graves,
particularmente nos lactentes e crianças menores, sendo
muito importante a sua investigação em crianças
hospitalizadas com pneumonia.14 Nestes pacientes, outros
agentes podem ser implicados, tais como citomegalovírus,
Chlamydia trachomatis e Pneumocystis jirovecci,
isoladamente ou, eventualmente, simultaneamente com
VSR.15 Outras causas virais, principalmente fora da estação
do VSR, incluem adenovírus, parainfluenza tipos 1 e 3,
rinovírus, enterovírus, metapneumovirus e influenza.16
A identificação do agente etiológico das PAC é
relativamente difícil pelos métodos habituais, novo métodos
imunológicos, sorológicos e de biologia molecular (reação
em cadeia com polimerase- PCR) com maior sensibilidade
tem sido utilizados com esta finalidade.3
Manejo das Pneumonias adquiridas na
comunidade
Frente à criança portadora de uma pneumonia aguda, duas
decisões são importantes: a necessidade ou não de
internação e a introdução de uma terapêutica antimicrobiana
empírica adequada.
Critérios para internação
Os critérios de internação podem variar mas os mais
habitualmente utilizados na prática clínica são: toxemia ou
quadro séptico, hipoxemia que requer administração de
oxigênio suplementar, insuficiência respiratória,
incapacidade de tolerar medicação via oral, fatores sociais
que impossibilitem a reavaliação caso ocorra piora clínica,
idade inferior a 2 meses, pacientes com alguma doença de
base que possa alterar a evolução clínica da pneumonia
(anemia falciforme, síndrome nefrótica, imunodeficiências
congênitas ou adquiridas) e presença de complicações
(derrame pleural, abscesso pulmonar, pneumatoceles,
cavitações, pneumotórax).3,17,18
41
Antibioticoterapia inicial
O ideal seria conhecer o agente etiológico, mas diante das
dificuldades para obtenção do diagnóstico etiológico
utilizamos, na prática, um tratamento antimicrobiano empírico,
com base em estudos epidemiológicos.3 Deve-se tentar,
sempre que possível, coletar material (sangue, secreções,
líquido pleural, etc.) antes da administração do antimicrobiano
e, com a etiologia conhecida, adequar o esquema
medicamentoso se for necessário. 3 A antibioticoterapia
empírica inicial está proposta baseada em grupos etários
segundo estudos epidemiológicos e diretrizes mais
recentes.17,18,19,20,21,22,23
Período neonatal
Nesse período, a pneumonia bacteriana quando associada
a corioamnionite é causada mais frequentemente por
enterobactérias gram-negativas ou Streptococcus agalactiae.
Contudo, Haemophilus influenzae, pneumococos, Listeria
sp. e anaeróbios podem estar envolvidos.3 O tratamento inicial
inclui o uso de ampicilina associada a uma cefalosporina de
terceira geração (preferencialmente cefotaxima) 20
Alternativamente, pode-se utilizar um aminoglicosídeo
(gentamicina ou amicacina) particularmente se não houver
evidências de meningite.20,21 O tratamento deve ser continuado
por pelo menos 10 dias, porém nas infecções por gramnegativos podem ser requeridos 14 a 21 dias.20
Lactentes jovens
Em crianças com pneumonia na faixa etária abaixo de seis
meses é importante tentar distinguir clinicamente as infecções
bacterianas das virais.3,22 As infecções bacterianas, nesse
grupo etário, geralmente são caracterizadas por febre e tosse
produtiva. Podem existir sinais de toxemia, má perfusão
periférica, letargia e taquicardia.24 O pneumococo é o agente
mais comum de pneumonia bacteriana nesse grupo etário,
outros agentes incluem: Staphylococcus aureus, Moraxella
catarrhalis e Haemophilus influenzae.3 O uso de vacinas
conjugadas contra Haemophilus influenzae tipo b teve um
impacto significativo tornando-o um agente incomum.3,4 A
infecção pulmonar pela Bordetella pertussis pode causar
anormalidades radiológicas, porém sua apresentação clínica
difere das outras pneumonias bacterianas. Os lactentes com
suspeita de pneumonia bacteriana, sem sinais de toxemia,
desconforto respiratório ou hipoxemia podem ser tratados
ambulatorialmente, sob supervisão rigorosa, com amoxicilina
por 7 a 10 dias.20,21 Caso existam indicações para hospitalização
podem receber inicialmente ampicilina por via intravenosa.
Caso não ocorra melhora clínica em 48 a 72 horas, deve-se
suspeitar de infecção por Haemophilus influenzae, Moraxella
catarrhalis produtora de beta-lactamases, Staphylococcus
aureus ou pneumococo de sensibilidade intermediária ou
resistente aos antibióticos beta-lactâmicos.3 Nessa situação
pode-se empregar amoxicilina–clavulanato ou cefuroxima ou
ceftriaxona por via intravenosa.20
Vírus e outros agentes não bacterianos são também muito
42
importantes nesse grupo etário como causa de pneumonias:
vírus respiratório sincicial, influenza, parainfluenza,
adenovirus, Chlamydia trachomatis, Ureaplasma
urealyticum e Citomegalovírus.3,15 A infecção por Chlamydia
trachomatis, Ureaplasma urelyticum e Citomegalovírus
podem produzir um quadro de pneumonia afebril ou subfebril,
clinicamente indistinguíveis.15 O quadro clínico é de instalação
insidiosa, iniciando-se com coriza ou obstrução nasal seguida
por tosse seca, às vezes com paroxismos de aspecto
coqueluchóide, taquipnéia leve ou moderada e preservação
do estado geral. Raramente ocorre insuficiência respiratória
ou hipoxemia grave.15 A criança se mantém afebril ou subfebril durante toda a evolução. Na ausculta pulmonar
observam-se estertores de finas bolhas disseminados com ou
sem sibilância de pequena intensidade. O quadro radiológico
é de um infiltrado intersticial bilateral e hiperinsuflação
pulmonar. Podem ocorrer atelectasias sub-segmentares.15
Nas infecções por Chlamydia trachomatis pode-se
encontrar eosinofilia no hemograma e leucocitose sem desvio
à esquerda. 10 O diagnóstico pode ser realizado pela
identificação do agente em material de nasofaringe através de
cultura e de técnicas imunoenzimáticas. O diagnóstico de
infecção por Chlamydia trachomatis e citomegalovírus é mais
frequentemente efetuado por exames sorológicos,
valorizando-se um aumento de 4 vezes nos níveis de IgG
específica no intervalo de 2 semanas ou detecção de IgM
específica. Recomenda-se a introdução de eritromicina por 10
a 14 dias, pois é ativa no tratamento das infecções por
Chlamydia e Ureaplasma. 10,20 Alternativamente pode-se
utilizar azitromicina ou claritromicina. O tratamento das
infecções por citomegalovírus está apenas indicado nos casos
graves (pneumonite com insuficiência respiratória aguda e
retinite), sendo que nesta situação deve-se utilizar o
ganciclovir.3,15
Pré- escolares
Nesse período o pneumococo é o agente mais comum de
pneumonias bacterianas. Outros agentes como Moraxella
catharralis e Haemophilus influenzae são responsáveis por
uma pequena fração das pneumonias nessa faixa etária.3,12,22
Estudos epidemiológicos mais recentes em países
desenvolvidos, sugerem que alguns “patógenos atípicos”
podem ter um papel relevante na etiologia de pneumonias
agudas adquiridas na comunidade nessa faixa etária.10,11,18
Vários destes organismos podem causar pneumonia atípica
incluindo: Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila
pneumoniae, Legionella pneumophila e vírus
respiratórios.10,11,16
O Mycoplasma pneumoniae é o agente mais frequente de
pneumonias atípicas em crianças e adolescentes. 11 A
pneumonia tem início insidioso predominando sintomas
constitucionais como cefaléia, mal estar, tosse inicialmente
seca podendo ser paroxística e eventualmente pode se tornar
produtiva do tipo mucóide ou mucopurulenta. Pode ocorrer
otalgia por otite e miringite bolhosa. A radiografia de tórax
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
pode mostrar apenas um “infiltrado” inflamatório expresso
como espessamento peribroncovascular perihilar na fase
inicial ou áreas de condensações alveolares, comprometimento
intersticial e em cerca de 20% dos casos pode-se observar
derrame pleural.11
A doença pode disseminar e causar doença multisistêmica
e insuficiência respiratória aguda. Podem ocorrer
manifestações cutâneas desde exantemas máculo-papulares
até eritema multiforme. É um agente importante de síndrome
torácica aguda em pacientes portadores de anemia falciforme.
Pode ser causa de pneumonia necrosante em crianças.11
O diagnóstico laboratorial pode ser confirmado através da
cultura de secreção de nasofaringe (os portadores
assintomáticos são raros) e através de testes sorológicos
específicos. Os testes sorológicos mais freqüentemente
utilizados são a fixação de complemento (considera-se positivo
uma elevação de 4 vezes nos títulos de anticorpos) e mais
recentemente têm-se utilizado teste imunoenzimático (ELISA)
como um teste mais sensível e específico.3,24 O tratamento
deve ser feito com eritromicina ou claritromicina por um período
de 10 a 14 dias ou azitromicina por 5 dias.7,20 A levofloxacina é
uma opção para crianças com idade superior a 12 anos.17
Na pneumonia por Chlamydophila pneumoniae o início
dos sintomas é geralmente gradual, ocorre frequentemente
uma faringite e após 1 a 4 semanas surgem os sintomas
pulmonares, febre e semiologia de condensação pulmonar.10
Na radiografia de tórax pode-se observar opacidades
alveolares e/ou infiltrado intersticial. 10 É comum o
acometimento sub-segmentar de um único lobo. Pode ocorrer
derrame pleural em cerca de 25% dos casos.10
O diagnóstico laboratorial pode ser realizado pelo
isolamento do organismo ou por reações sorológicas. A cultura
de material de nasofaringe é um método difícil, necessitando
de meios de cultura especiais. Os testes sorológicos são os
mais utilizados.3 Na infecção aguda considera-se como
positivo um aumento nos títulos de IgG de quatro vezes, um
título de IgM de 1:16 ou maior ou um título único de IgG de
1:512 ou maior. A infecção pregressa é caracterizada por um
título de IgG de 1:16 a 1:512.3 A reação em cadeia de polimerase
(PCR) é um método possível, mas ainda não disponível
rotineiramente. O tratamento deve ser realizado com
eritromicina ou claritromicina por 10 a 14 dias.20,21
Portanto, nessa faixa etária a conduta inicial deverá ser
baseada no quadro clínico, radiológico e laboratorial. Nos
casos que não houver indicação para internação o tratamento
inicial deve ser feito com amoxicilina por via oral, caso não
ocorra melhora após 48 a 72 horas, sem complicações
radiológicas, deve-se suspeitar de infecção por Haemophilus
influenzae, Moraxella catarrhalis produtora de betalactamases ou ainda pneumococo de sensibilidade
intermediária à penicilina; neste caso sugere-se a substituição
por amoxicilina-clavulanato ou por cefuroxima.18,19,20,21 Nas
crianças com idade igual ou superior a 3 anos cuja pneumonia
não respondeu ao tratamento inicial com amoxicilina, com
quadro clínico de evolução insidiosa, sem extensão radiológica
acentuada do processo, pode-se optar pela administração de
eritromicina, claritromicina ou azitromicina visando
Mycoplasma
pneumoniae
e
Chlamydophila
pneumoniae.3,20,21 Nas crianças com critérios para internação,
com pneumonia lobar, com ou sem derrame parapneumônico,
deve-se iniciar ampicilina ou penicilina cristalina por via
intravenosa. 9,19,20 As crianças internadas inicialmente
toxemiadas, portadoras de pneumonia extensa ou aquelas que
não responderam ao tratamento inicial ambulatorial com
amoxicilina podem receber amoxicilina-clavulanato ou
cefuroxima ou ceftriaxona por via intravenosa.19,20
Escolares e adolescentes
Nessa faixa etária o pneumococo é o agente mais
importante, porém Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydophila pneumoniae são agentes significantemente
prevalentes.3,10,11 A pneumonia bacteriana nesse grupo etário
é caracterizada por um início abrupto de febre alta e tosse
produtiva. 24 A infecção por Mycoplasma começa com
pródromo de faringite, cefaléia ou sintomas gastrintestinais e
febre geralmente baixa. Pode ocorrer exantema macular
eritematoso e eventualmente artrite. 11 O tratamento
ambulatorial pode ser realizado com amoxicilina e, nos casos
em que houver suspeita clínica de infecção por Mycoplasma
ou Chlamydophila deve-se introduzir um macrolídeo
(eritromicina, claritromicina ou azitromicina) ou opcionalmente
levofloxacina para crianças acima de 12 anos de idade.20,21
Os quadros 1 e 2 resumem a antibioticoterapia inicial para
o tratamento das pneumonias agudas adquiridas na
Quadro 1: antibioticoterapia para tratamento domiciliar
Faixa etária
2 meses a 5 anos
Tratamento inicial
Amoxicilina 50 mg/kg/dia VO 12/12h
Tratamento opcional (para falha terapêutica)
Amoxicilina + clavulanato 50 mg/kg/dia
(amoxicilina) VO 12/12h ou cefuroxima 30 mg/kg/
dia VO 12/12h
> de 5 anos*
Amoxicilina 50 mg/kg/dia VO 12/12h ou
Amoxicilina + clavulanato 50 mg/kg/dia
Claritromicina 15 mg/kg/dia VO 12/12h
ou Azitromicina 10 mg/kg VO
(amoxicilina) VO 12/12h ou cefuroxima 30 mg/kg/
dia VO 12/12h
(*) Para os maiores de 5 anos tratados inicialmente com amoxicilina a falha terapêutica deve ser abordada com macrolídeo (claritromicina
ou azitromicina).
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
43
Quadro 2: antibioticoterapia para tratamento hospitalar (25)
Faixa etária
< de 2 meses*
Tratamento inicial
Ampicilina 200 mg/kg/dia IV 6/6h + amicacina 15
mg/kg/dia IV 12/12h ou gentamicina 3 a 7,5 mg/
kg/dia IV 8/8h
2 meses a 5 anos
> de 5 anos
Penicilina cristalina 100.000 UI/kg/dia IV 4/4/h ou
Ampicilina 200 mg/kg/dia IV 6/6h
Penicilina cristalina 100.000 UI/kg/dia IV 4/4/h ou
Ampicilina 200 mg/kg/dia IV 6/6h
Tratamento opcional (para falha terapêutica)
Cefotaxima 100 a 200 mg/kg/dia IV 6/6 ou 8/8h
ou Ceftriaxone 100 mg/kg/dia IV 12/12h
Cefuroxima 100 a 150 mg/kg/dia IV 8/8h ou
Ceftriaxone 100 mg/kg/dia IV 12/12h
Cefuroxima 100 a 150 mg/kg/dia IV 8/8h ou
Ceftriaxone 100 mg/kg/dia IV 12/12h +
Claritromicina 15 mg/kg/dia VO ou IV 12/12h
*Aminoglicosídeos podem ser utilizados em administração única diária.
comunidade em crianças e adolescentes e as opções quando
houver falha terapêutica.25
Situações específicas25:
a. Lactentes de 3 semanas a 3 meses, quadros afebris,
infiltrados heterogêneos sem opacidades lobares (suspeita
de Chlamydia trachomatis): claritromicina 15 mg/kg/dia VO
12/12h por 10 dias ou azitromicina 10mg/kg/dia.
b. Pacientes com tosse coqueluchóide, suspeita de B.
pertussis, claritromicina 15 mg/kg/dia VO 12/12h por 10 dias
ou eritromicina 30 a 50 mg/kg/dia VO 6/6h.
c. Pneumonias afebris com evidências de obstrução de
vias aéreas ou traqueobronquite: claritromicina 15 mg/kg/dia
VO 12/12h por 10 dias ou azitromicina 10 mg/kg/dia VO 5 dias.
Conclusões
É muito difícil pelo quadro clínico e radiológico identificar
e separar as pneumonias virais das bacterianas ou de outras
formas de pneumonia, incluindo as atípicas.16,24 O diagnóstico
etiológico de crianças com PAC na faixa etária inferior aos 2
anos oferece maior dificuldade, pelo maior número de agentes
e ocorrência de infecções mistas, dificultando o
estabelecimento racional de uma estratégia terapêutica
empírica inicial para esses casos.26 A coexistência de infecção
viral e bacteriana é um achado relativamente frequente,
particularmente em crianças abaixo de 2 anos de idade.26,27
Os vírus respiratórios podem ser os agressores iniciais,
podem deprimir a imunidade local e/ou sistêmica e facilitar a
infecção bacteriana. Portanto, o achado do vírus na via aérea
superior não é conclusiva sobre a sua responsabilidade na
infecção do trato respiratório inferior. Ele pode ser apenas o
agente inicial facilitador, ou modificador da resposta do
hospedeiro.3
Marcadores inflamatórios como a proteína C reativa (PCR),
a interleucina 6 e a pró-calcitonina não são específicos para
discriminar pneumonias bacterianas das virais.28 Crianças
com infecção bacteriana podem apresentar valores normais
da PCR à admissão, e alguns vírus, como adenovírus e
influenza, podem suscitar grandes respostas inflamatórias,
resultando em altos níveis de PCR, sugestivos de infecção
bacteriana.3,28 Os níveis séricos de interleucina 6 (IL-6) não
representaram um bom meio de diferenciar infecções virais
44
de bacterianas.28 Apenas valores muito elevados de prócalcitonina (PCT) acima de 2,0 ng/ml e proteína C-reativa
acima de 150 mg/ml sugerem a presença de infecção
bacteriana.28,29
A resistência à penicilina in vitro não aumenta o risco de
falha à terapêutica à penicilina/ampicilina em doses
habituais.30 Isto foi demonstrado em estudo multicêntrico
recente em 12 centros de nível terciário em três países da
América Latina onde foram incluídas crianças com idade
abaixo de cinco anos hospitalizadas por pneumonia grave.31
A conclusão foi de que a penicilina/ampicilina IV permanece
como droga de escolha para tratar pneumonia pneumocócica
resistente à penicilina nas áreas em que o MIC não exceda
4mcg/ml. Por outro lado as alterações dos critérios de
resistência baseadas no MIC alteraram os conceitos
previamente existentes .
A gravidade da pneumonia e a presença de complicações
como derrame parapneumônico, pneumonia necrosante e
abscesso pulmonar estão relacionadas a determinados
sorotipos de pneumococos mais virulentos e não à
resistência à penicilina.32 Os sorotipos 3 e 14, apesar de
sensíveis à penicilina e cefalosporinas, são extremamente
agressivos e determinam graves complicações
pulmonares.32
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Joaquim Carlos Rodrigues
[email protected]
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Centros de Referência em
DPOC no Estado de São Paulo
INTERIOR DO ESTADO
Hospital Estadual Bauru
Av. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 1-100 - Núcleo
Geisel
Tel.: 14 3103-7777
Bauru
Faculdade de Medicina de Botucatu
Rubião Junior
Tel.: 11 3811-6267/3811-6151
Botucatu
Unicamp
Rua Vital Brasil, 251
Cidade Universitária
Tel.: 19 3521-7776
Campinas
Faculdade de Medicina de Marília
Av. Tiradentes, 1310
Tel.: 14 3402-1709
Marília
Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto/USP
Av. Bandeirantes, 3900 - Campus Universitário Monte Alegre
Tel.: 16 3602-2342/3602-2345
Ribeirão Preto
Hospital Guilherme Álvaro
Av. Siqueira Campos, S/N
Tel.: 13 3202-1300
Santos
NGA 57 Aparecida
Rua Alexandre Martins, 70
Tel.: 13 3227-5969
Santos
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
Av. Brigadeiro Faria Lima, 5544
Tel.: 17 3231-5000
São José do Rio Preto
Unidade de Especialidades de Saúde - São José
dos Campos
Av. Francisco José Longo, 925 - São Dimas
Tel.: 12 3942-4753
São José dos Campos
Conjunto Hospitalar de Sorocaba
Av. Comendador Pereira Inácio, 564
Tel.: 15 3332-9100
45
RELATO DE CASO
Tratamento de hemangiomas de vias
aéreas em crianças utilizando propranolol
AUTORES:
Mauro Tamagno1, Hélio Minamoto2
SERVIÇO:
Disciplina de Cirurgia Torácica – Incor – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, Brasil
1
2
médico residente
médico assistente-doutor
Introdução
O hemangioma é uma formação benigna de capilares e vasos
sanguíneos. É a neoplasia de origem vascular mais comum da
infância, sendo mais freqüente no sexo feminino.1 Devido à
involução espontânea, a maioria dos hemangiomas não requer
intervenção. Ainda assim, o tratamento é necessário em 10-15
% dos casos, especialmente quando há ameaça à vida e às
funções fisiológicas.2 Hemangiomas subglóticos são raros,
os sintomas geralmente ocorrem nos primeiros 6 meses de
vida e os casos tardiamente diagnosticados podem levar à
insuficiência respiratória. 1,3 Atualmente, as opções
terapêuticas com maior respaldo na literatura são os
imunossupressores, imunomoduladores e a ressecção.2,3,4
Desde 2008, vários relatos de casos têm descrito
tratamentos bem sucedidos com propranolol para
hemangiomas em diversas topografias.1,5 Em 2009 relatos da
experiência inicial com propranolol como tratamento único
para hemangiomas de vias aéreas foram publicados, com
resultados excelentes.1,3,4 No entanto, várias perguntas
permanecem sem resposta sobre o tratamento com
propranolol: a maior eficácia em população pediátrica, a
duração ideal do tratamento, a incidência de resistências e
recaídas e a incidência de efeitos colaterais graves.8
O objetivo do presente trabalho é relatar a experiência do
Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no
tratamento do hemangioma de vias aéreas em duas crianças
com propranolol.
CASO 1
Paciente de 6 meses de idade, sexo feminino, foi avaliada
no setor de emergência devido a desconforto respiratório.
Como antecedentes, a paciente teve nascimento prematuro
(34 semanas) e fora tratada previamente para refluxo
gastroesofágico e infecções respiratórias de repetição. No
exame físico apresentava estridor laríngeo. Todos os exames
48
Figura 1 - tomografia computadorizada de tórax, laringe e
traqueia
laboratoriais eram normais. A tomografia computadorizada de
tórax, laringe e traqueia mostravam uma massa heterogênea,
ricamente vascularizada no hemitórax esquerdo (Figura 1),
sem malformação cardíaca associada. A broncoscopia rígida
realizada sob anestesia geral revelou uma grande massa
pulsátil que obstruía quase totalmente a laringe e traqueia. O
diagnóstico de hemangioma fundamentou-se nos aspectos
radiológicos e endoscópicos. Não foi realizada biópsia devido
ao risco de sangramento. O tratamento com corticosteróide
(betametasona 0,5 mg/ kg por dia) foi iniciado. Após duas
semanas de tratamento, não foi observada melhora clínica. A
corticoterapia foi suspensa, e o tratamento com propranolol
(1mg/kg por dia) foi iniciado. Após 5 dias de tratamento, a
paciente apresentou melhora clínica e do estridor. A dosagem
de propranolol foi gradativamente aumentada para 2 mg/kg
por dia. Foi realizada monitorização cardíaca e de glicemia
para evitar possíveis complicações. Após 3 meses de
tratamento, foi realizada outra broncoscopia rígida. Observouse melhora endoscópica, com redução da lesão e aumento da
luz da via aérea efetiva para ventilação. (Figura 2)
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Figura 3.A - Lesão antes do tratamento com propranolol.
Figura 3.B - Após 3 meses de tratamento.
Discussão
Figura 2 – 2.A- Lesão antes do tratamento com propranolol
2.B - Após 3 meses de tratamento
CASO 2
Paciente de 4 meses de idade, sexo feminino, ingressou no
serviço com quadro de insuficiência respiratória. Havia sido
encaminhada de outro Hospital no qual tinha sido submetida
a duas dilatações de traqueia. Após avaliações clínica e
tomográfica iniciais foi realizada laringoscopia rígida de
urgência. Pelo grau de obstrução traqueal, edema laríngeo e
quadro clínico, decidiu-se por realizar traqueostomia.
Subseqüentemente foi iniciado tratamento com propranolol
na dose de 2mg/kg/dia, e a paciente apresentou boa evolução.
A mesma monitorização clínica descrita anteriormente foi
realizada. Após 3 meses foi realizado controle tomográfico e
endoscópico, que mostrou redução nas dimensões da lesão e
melhora da luz traqueal.(Figura 3) Por causa da persistência
da estenose de via aérea decidiu-se por colocar uma prótese
de silicone tipo tubo T de Montgomery, para garantir a
permeabilidade da via aérea.
Após 20 meses e 15 meses de seguimento, respectivamente,
as duas crianças continuam em uso de propranolol, sem
apresentarem efeitos adversos, progressão do hemangioma
ou recidiva dos sintomas.
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
O hemangioma, geralmente se desenvolve durante as
primeiras semanas de vida e tem uma fase de crescimento
rápido durante os primeiros 3 a 6 meses, seguida por uma fase
de involução ao redor dos 12 meses, podendo durar de 3 a 7
anos.1,2
A prednisolona tem sido a primeira linha de tratamento
para hemangiomas, em doses de 2-5 mg/kg por dia.1 O uso,
seja por via oral, seja intralesional, não esta isento de efeitos
colaterais. O uso prolongado de corticosteróides pode resultar
em retardo do crescimento, úlcera péptica, diabetes mellitus,
necrose avascular de quadril, fraturas espontâneas,
imunossupressão e outros problemas metabólicos e de
desenvolvimento.1,2
Por acaso, notou-se que em uma criança portadora de
hemangioma nasal ocorreu a diminuição significativa do
tamanho da lesão, após o início do tratamento com propranolol
para uma cardiomiopatia obstrutiva. Depois deste relato,
vários outros relatos de casos têm descrito tratamentos bem
sucedidos com propranolol para hemangiomas em diversas
topografias. Em muitos desses casos, o propranolol foi
utilizado como medicação adjuvante de tratamentos clínicos
e cirúrgicos.1,3,4
A notável resposta clínica e os limitados efeitos colaterais
resultaram em um crescente interesse em utilizar o propranolol
como agente de primeira linha para os hemangiomas.4
Dentre as possíveis explicações para o efeito terapêutico
do propranolol–beta-bloqueador não seletivo – nos
hemangiomas pode-se mencionar vasoconstrição, diminuição
49
na produção de VEGF e de fator de crescimento de fibroblasto
básico; e estímulo a apoptose das células endoteliais dos
capilares. 4
Todavia, o propranolol pode induzir sérios efeitos colaterais,
como bradicardia e hipotensão, além de poder ocultar sinais
clínicos de insuficiência cardíaca e diminuir o desempenho
cardíaco. 6,7 Pode ainda exacerbar as manifestações clínicas da
hipoglicemia, associada com sequelas neurológicas em longo
prazo.[6] Entre outros efeitos colaterais, foram descritas crises
asmáticas na primeira semana de tratamento.8
Devido aos possíveis efeitos colaterais do propranolol, um
rígido protocolo foi proposto,4,6 o qual inclui ecocardiograma,
exame cardiológico e monitorizacão da glicemia nas primeiras
48h de tratamento. O propranolol é administrado a cada 8h, com
dose inicial de 0,5-1,0 mg /kg. Se os sinais vitais e o nível de
glicemia permanecerem normais, a dose é aumentada até um
máximo diário de 2-3 mg/kg. 4 Atualmente outros tipos de betabloqueadores estão sendo utilizados para o tratamento de
hemangiomas.8
Não se sabe ainda por quanto tempo a criança deve
permanecer usando propranolol, mas é recomendado que o
tratamento se estenda até o primeiro ano de vida, quando
termina a fase proliferativa do hemangioma.4 Uma série de casos
descreveu a recidiva do hemangioma depois de suspender
precocemente o propranolol, assim como uma resistência ao
tratamento, quando foi introduzida novamente a droga, mesmo
com doses maiores.8
Tem se demonstrado sucesso no uso de propranolol no
tratamento de hemangiomas de cabeça e pescoço. 5,8 A
experiência inicial aqui apresentada, como também a de outros
serviços, sugerem que seja um tratamento efetivo como primeira
linha terapêutica para hemangiomas subglóticos com
compressão de vias aéreas que requeiram intervenção.1,2,4-7
Em conclusão, esta terapêutica tem que ser protocolada,
50
como propõe Troung e colaboradores 9 seguindo um
algoritmo diagnóstico e terapêutico, em instituições com
recursos e profissionais experientes, familiarizados com o
uso de esta medicação em crianças. Espera-se que, conforme
o uso do propranolol se torne mais difundido, a dose ideal,
o tempo de tratamento e os efeitos colaterais possam ser
mais bem compreendidos.
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Hélio Minamoto
[email protected]
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Pneumatocele gigante com
resolução espontânea
AUTORES:
Sonia Mayumi Chiba1, Beatriz N. Barbisan2, Alan Fiuza de Melo3, Carlos Roberto Bazzo4,
Gilberto Pety da Silva5, Clovis E. T. Gomes6
SERVIÇO:
UNIFESP – Setor de Pneumologia Pediatrica
1
Médica Assistente. Doutorado em pediatria
Médica Assistente. Mestre em ciencia
3
Medico Assistente
4
Médico Assistente
5
Professor Adjunto
6
Professor Assistente e Chefe Setor
2
Introdução
As pneumonias adquiridas na comunidade geralmente
respondem ao tratamento convencional. Eventualmente
podem cursar com complicações como as pneumatoceles.
Atualmente uma das principais bactérias relacionada às
pneumonias complicadas é o S.pneumoniae. 1,2 As
pneumatoceles (PC) são cistos preenchidos por ar,
intraparenquimatosos, de paredes finas que se desenvolvem
secundariamente a uma necrose bronquiolar / alveolar e
permitem a passagem de ar para o espaço intersticial.3 Em
geral regridem espontaneamente com a melhora do processo
pneumônico. Algumas vezes necessitam de intervenção
cirúrgica, por exemplo se tornarem-se hipertensivas ou houver
rompimento para a cavidade pleural. Nesses casos há
necessidade de drenagem pleural.4,5 O desaparecimento das PC
pode levar de semanas a vários meses. Relatamos o caso de
uma paciente que desenvolveu uma PC gigante na evolução de
uma pneumonia bacteriana, com resolução espontânea.
Fig. 1 - 2ª dia de internação - RX de tórax com opacidade do
hemitórax direito. Pneumonia com derrame pleural.
Relato de caso
Paciente internada inicialmente em outro serviço com
história de febre e tosse há 10 dias. Feito diagnóstico de
pneumonia no hemitórax direito, no 2º dia de internação (DI)
evoluiu com derrame pleural (figura 1) . Não foi drenada. No
12º DI, o RX de tórax demonstrou pneumatoceles extensas
com desvio do mediastino para a esquerda (figura 2). A
tomografia de tórax (figura 3) do mesmo dia mostrou extensas
áreas de PC e colabamento do pulmão à direita. Foi optado por
tratamento clínico. Permaneceu 4 dias na unidade de terapia
intensiva para observação e monitorização clinica. Não houve
isolamento do agente infeccioso. Paciente recebeu alta no
30ºDI. Após 7 dias da alta paciente veio ao ambulatório de
especialidade. Encontrava-se em bom estado geral, eupneica,
corada e afebril. O exame físico mostrava somente diminuição
do murmúrio vesicular (MV) nos 2/3 inferiores do hemitórax
direito (HTD), sem evidência de retrações no tórax. Retornou
após uma semana com RX de tórax (figura 4) que demonstrava
várias pneumatoceles com desvio do mediastino para esquerda.
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Fig. 2 - 12ª dia de internação (24/03/11) - RX de tórax com várias
pneumatoceles no hemitórax direito e desvio do mediastino para
esquerda
Ao exame, paciente mantinha-se sem desconforto respiratório,
somente com redução do MV (2/3 inferiores do HTD). A
frequência respiratória era de 24 incursões respiratórias/
minuto; frequência cardíaca de 101 batimentos/minuto e
saturação em ar ambiente de 97%. Após 30 dias retornou com
RX de tórax (Figura 5) com visualização de uma PC pequena
51
Fig.3 - 12ª dia de internação - TC de tórax (24/03/2011) com
várias pneumatoceles e pulmão direito colabado.
para dentro do espaço pleural com formação de pneumotórax
e/ou, fístula broncopleural ou evoluir com infecção
secundária.9,10 Recomenda-se observação e seguimento
cuidadosos, especialmente se a PC é grande. Há algumas
opções de tratamento para as pneumatoceles: drenagem com
agulha ou cateter são efetivas em crianças; ressecção cirúrgica
da lesão é uma opção em casos graves.4,5,6,7
Imamoglu et al 7 propuseram um algoritmo de tratamento
para PC, no qual indicam drenagem com cateter guiado por
imagem nos casos complicados. Nosso caso preencheu os
critérios dos autores para drenagem, com comprometimento
de mais de 50% do pulmão que ocasionouo atelectasia
importante do lado acometido . A nossa paciente recuperouse sem qualquer procedimento. Joseph et al 11 relataram um
caso similar com PC gigante que foi tratado sem intervenção
cirúrgica. A nossa decisão de manter o tratamento
conservador baseou-se principalmente no estado geral
estável da paciente e na ausência de sinais de desconforto
respiratório.
Conclusão
Não há consenso em relação ao tratamento conservador
ou cirúrgico de pneumatoceles gigantes. Esse caso mostrou
uma boa evolução, em um período curto, com remissão
espontânea da PC.
Referências Bibliográficas
1.
Fig. 4 - RX de tórax ( 25/04/2011) - 13ª dia após alta hospitalarvárias pneumatoceles no hemitórax direito e desvio do mediastino
para esquerda.
Fig. 5 - Rx de tórax (17/05/11) - 35º dia após alta hospitalar.
Pneumatocele pequena na base direita
na base direita, com regressão importante da PC. O RX de
tórax normalizou após um mês.
Discussão
A maioria das PC regride espontaneamente . As alterações
radiológicas desaparecem dentro dos primeiros dois meses,
embora possam persistir por 6 meses ou mais. 6,7,8 As
complicações de uma PC são tornar-se hipertensiva, romper
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Sonia Mayumi Chiba
[email protected]
Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
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