ESCOLIOSE Prof. Dr. GABRIEL PAULO SKROCH ESCOLIOSE SUMÁRIO I - Considerações gerais ( históricas ) II - Definição ( Conceito ) III - Prevalência e Incidência IV – Etiopatogenia V - Classificação VI – Fatores de risco para progressão da curva VII - Métodos de mensuração da escoliose VIII – Sinal de Risser IX - Diagnóstico X –Tratamento XI – Escoliose no adulto ESCOLIOSE I – Considerações históricas ! ! ! ! ! 3500 AC: publicações sobre filosofia, religião e mitologia invocavam imagens de pessoas portadoras de deformidades vertebrais Hipócrates ( V AC): 1ª descrição de escoliose Galeno (131-201 DC): pioneiro no uso da terminologia escoliose, cifose e lordose; sugeriu exercícios respiratórios e amarras torácicas para controlar a progressão das curvas. Ambroise Parè (1510-1590): descreveu a escoliose congênita, recomendando o uso de coletes de aço. Nicholas Andry (1741): descreveu as técnicas de prevenção e correção das deformidades do corpo na infância. ESCOLIOSE I – Considerações históricas ! ! ! ! Jean Andre Vernel (1870): fundador do 1º Hospital ortopédico para o tratamento das deformidades esqueléticas – criou uma mesa de tração e indicou o uso de coletes. Jules Guerin (1839): referiu sucesso ao realizar a 1ª cirurgia para a correção da escoliose (miotomia percutânea da musculatura para-vertebral). Malgaigne desmentiu os seus resultados, determinando a cassação da sua licença médica da França, obrigando a sua transferência para a Bélgica. Durante o séc. XIX, os trabalhos publicados eram consensuais quanto a má postura, como fator determinante das escolioses. ESCOLIOSE I – Considerações históricas ! ! ! ! ! Wilhelm Konrad Röentgen – descoberta do RX(1895 ): análise mais elaborada dos múltiplos fatores envolvidos na escoliose. Sir Percival Pott (séc. XIX): evolução dos estudos da escoliose e descrição da cifose torácica resultante da tuberculose (mal de Pott). Russell Hibbs (1911): fusão ou artrodese vertebral em portador de tuberculose. Em 1914 realizou a artrodese para a correção da escoliose. Hibbs, Risser e Fergusson (1931) publicaram os resultados da artrodese vertebral nas escolioses, prèviamente tratadas pelo gesso de Risser, em 360 pacientes. De 1930 a 1940: o tratamento cirúrgico das escolioses caiu em descrédito, devido ao alto nível de falhas ESCOLIOSE I – Considerações históricas ! ! ! ! ! Walter Blount e Albert Schmidt (1946): inventaram o colete de Milwaukee, para a imobilização P.O. da escoliose. John Cobb (1948) descreveu o método para a mensuração da escoliose. Joseph Risser (1958) demonstrou que a não-soldadura das epífises ilíacas indica a possibilidade da progressão das curvas da escolioses ( sinal de Risser ), que traduz o grau de imaturidade esquelética. Goldstein e Moe ( últimos 40 anos): aprimoramentos na técnica cirúrgica, com a adição de enxerto ósseo e facetectomias. Harrington (1962), Dwyer (1969), Roy Camille (1970), Zielke (1976), Resina e Ferreira Alves (1977), Luque (1982), Gardner e Dunn (1983), Cotrel e Dubousset (1985) – alguns dos reponsáveis pelo desenvolvimento de materiais de síntese da coluna vertebral. ESCOLIOSE II DEFINIÇÃO – CONCEITO É o desvio lateral do eixo anteroposterior da coluna vertebral, acompanhado por rotação dos corpos vertebrais. PREVALÊNCIA ( na população em geral ) 7,7% com curvas maiores que 5º 2,3% com curvas maiores que 10º O,5% com curvas maiores que 20º O,1% com curvas maiores que 40º ESCOLIOSE IV ETIOPATOGENIA A) Causas conhecidas: 1- metabólicas ( raquitismo, osteoporose, osteogênese imperfeita) 2- osteogênicas ou congênitas ( hemi-vértebras, barras ósseas e outros defeitos congênitos do osso ) 3- neuromusculares ( paralisia infantil, paralisia cerebral, atrofia muscular) B) Causas desconhecidas – escolioses idiopáticas ESCOLIOSE A) Causas conhecidas: ESCOLIOSE OSTEOGÊNICA OU CONGÊNITA ! Resulta de malformações dos segmentos vertebrais geralmente entre 6 e 8 semanas de gestação. ! Podem ocorrer por: a) falha de formação (hemivértebra) b) falha de segmentação (barra óssea) c) mista d) complexa Com o crescimento desequilibrado dos corpos vertebrais com malformação e o grande potencial de crescimento de uma criança com esqueleto imaturo, certas alterações podem levar a grandes curvaturas, com a possibilidade de associação com alterações neurológicas. ESCOLIOSE A) Causas conhecidas: ESCOLIOSE NEUROMUSCULAR ! ! ! ! ! ! Resulta de uma doença neurológica ou muscular. Os músculos podem estar atingidos por espasticidade, rigidez, atetose ou flacidez, de acordo com a doença que causa a deformidade. O aparecimento da deformidade é mais precoce à medida que o desequilíbrio muscular, o colapso vertebral e o peso do paciente levam à progressão da curva escoliótica, mesmo após o término do crescimento. A piora da deformidade acarreta perda da função pois a escoliose leva a obliquidade pélvica, descompensação do tronco e perda da capacidade de deambulação e até de sentar. A perda da função ventilatória ocorre com a piora ou progressão das curvas torácicas ( a lordose torácica diminui a distância AP e a cifoescoliose produz a perda da altura da caixa torácica, levando a alterações cardio-respiratórias). O prognóstico e a expectativa de vida dependem de uma boa avaliação dos riscos de progressão da (s) curva (s) com o grau de comprometimento cardiopulmonar e o melhor momento para a cirurgia. ESCOLIOSE ESCOLIOSE NEUROMUSCULAR ! Classificação ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! 1- Neuropática 2- Neurônio motor superior 3- Paralisia cerebral 4- Degeneração espinocerebelar 5- Ataxia de Friedreich 6- Doença de Pierre-Marie-Tooth 7- Doença de Roussy-Levy 8- Siringomielia 9- Tumor intra-raquídeo 10- Trauma raquimedular 11- Neurônio motor inferior 12- Poliomielite anterior aguda ! ! ! ! ! ! ! ! ! 13- Mielites virais 14- Atrogia espinhal 15- Doença de Werdnig-Hoffmann 16- Doença de KugelbergWelander 17- Disautonomia (doença de Riley- Day) 18- Artrogripose 19- Distrofia muscular de Duchene 20- Distrofia fascio-escapuloumeral 21- Desproporção do tipo de fibra muscular 22- Miotomia 23- Miopática 24- Neurofibromatose ESCOLIOSE B) CAUSAS DESCONHECIDAS: IDIOPÁTICA (3 tipos): 1- Infantil: do nascimento até 3 anos 2- Juvenil: dos 3 aos 10 anos de idade 3- Do Adolescente: dos 10 anos até o final da maturidade óssea 1- Infantil ! ! ! ! ! ! ESCOLIOSE Maior freqüência no sexo masculino (3:2) Curva principal torácica convexa E (80-90% dos casos reduzem com o crescimento e, em 15% são progressivas, necessitando de tratamento específico e são de manejo difícil). A dificuldade de manejo da forma progressiva está relacionada ao 1º estirão de crescimento Associação freqüente com plagiocefalia, displasia do quadril, cardiopatia congênita e retardo mental Uso de gesso de Risser (trocado a cada 3 meses) Após 4 anos de idade: colete de Boston (OTLS) ou de Milwaukee Manter tratamento conservador (curva até 70 ou 90 graus) CIRURGIA (artrodese) 2-Juvenil ! ! ! ! ! ! ESCOLIOSE Aparece dos 4 aos 10 anos de idade (8 – 16% dos casos) Incidência igual em ambos os sexos até os 6 anos de idade, aumentando a partir dos 6 até os 10 anos no sexo feminino Curva mais freqüente: torácica convexa D As curvas podem acarretar alterações cardiopulmonares Quando as curvas passam de 30º, quase sempre são progressivas O tratamento é semelhante ao da escoliose do adolescente ESCOLIOSE 3- Do Adolescente ! ! ! ! É a forma mais comum de escoliose ( 2% dos adolescentes) Maior freqüência no sexo feminino, principalmente em curvas acima de 20 graus (4:1), curvas acima de 40 graus é de 8:1. Curva mais freqüente: torácica convexa D. História natural: a) não há nenhuma regra para a previsão da progressão da curva, nem base para um prognóstico; b) os dados que ajudam no raciocínio e conduta resultam da experiência acumulada durante anos (idade, sexo, maturidade esquelética, tipo e gravidade da curva escoliótica) c) pacientes femininos tem maior chance de progressão da curva; quanto maior o valor angular da curva maior a chance da sua progressão; quanto maior o potencial de crescimento maior a probabilidade de progressão da curva; as curvas lombares tem menor progressão que as torácicas. ESCOLIOSE COMPLICAÇÕES Podem ser sérias mas, a melhora na técnica anestésica no manejo da perda sanguínea, nos sistemas de instrumentação e na monitorização neurológica torna o procedimento mais seguro. 1- Incidência do risco de lesão neurológica na escoliose idiopática, em todas as idades, está em 1%, o risco de paraplegia está em torno de 1:1000, porém, na escoliose congênita a incidência é de 3%. 2- Perda sanguínea e transfusão – a auto-transfusão é uma das maneiras de se evitar a transfusão homóloga. 3- Incidência de infecção respiratória é de 1%, de infecção cirúrgica é de 2% 4- Problemas de desalinhamento produzidos pela instrumentação, como a descompensação do tronco. ESCOLIOSE VI FATORES DE RISCO DE PROGRESSÃO 1- Sexo feminino é mais propenso à progressão 2- 2ª fase do estirão de crescimento (crescimento de 6-10 cm por ano – a metade acontece no tronco) 3- Magnitude da curva e potencial de crescimento (proporcionais à progressão) 4- Ápice das curvas acima de T12 são mais sujeitas à progressão do que as lombares VII Métodos de mensuração VIII SINAL DE RISSER ESCOLIOSE IX DIAGNÓSTICO A) História clínica ! Principal motivo de consulta: a má aparência causada pela deformidade. Raramente a dor e os sintomas cardio-respiratórios são determinantes da 1ª consulta. ! Comprometimento neurológico é incomum ESCOLIOSE IX DIAGNÓSTICO B) Exame físico ( paciente em posição ortostática, sem calçados Avaliar: e com roupas íntimas) 1- altura dos ombros e escápulas 2- altura do gradil costal 3- triângulo do talhe 4- profundidade e número de pregas cutâneas da cintura pélvica 5- teste de ADAM (flexão anterior para verificar assimetria costo – vertebral) 6- verificação da simetria, sensibilidade e força muscular paravertebral, abdominal, das cinturas pélvica e escapular, dos MMSS e MMII, incluída a pesquisa dos reflexos neurológicos. 7- pesquisa da mobilidade: FE, Rotações, Lateralidades. 8- pesquisa da flexibilidade ( correção ou não das curvas ) ESCOLIOSE IX DIAGNÓSTICO C) Exame Radiológico (em posição ortostática e com inclinação lateral D e E) Avaliar: 1- curvaturas 2- sinal de Risser 3- assimetria pélvica 4- malformações vertebrais 5- equilíbrio ou não entre C7 e S1 (linha de prumo) ESCOLIOSE X TRATAMENTO Objetivo principal: permitir que o paciente portador de escoliose atinja a maturidade com a coluna vertebral tão reta e estável quanto possível. Longa duração e difícil, porque: 1- a causa não está definitivamente estabelecida 2- o resultado do tratamento é difícil de prever, garantir ou definir 3- a avaliação psicológica anterior e posterior ao tratamento não são definitivas 4- a avaliação médica e do paciente, quanto à estética e aparência pretendidas e realmente obtidas com o tratamento são difíceis de se harmonizar 5- não existem métodos de quantificação da dor ou potencial doloroso da escoliose 6- não existem estudos conclusivos quanto à diferença no prognóstico dos casos tratados ou não, principalmente em curvas border line ESCOLIOSE A) CONSERVADOR OU INCRUENTO 1- Análise individual a) curvas até 15º – pouca possibilidade de progressão. Acompanhar até o final da maturidade esquelética. b) curvas entre 10 e 40º com maturidade esquelética Orientação postural e de exercícios, possibilidade de piora da escoliose com o aumento da idade e com a gravidez. c) curvas entre 10 e 40º (sinal de Risser 1 ou 2 ) Utilização de colete ( OTLS ou Milwaukee ). 2 - Exercícios corretivos a) são incapazes de prevenir ou corrigir a escoliose b) melhoram a dor, o tônus muscular e a postura c) aumentam a flexibilidade global d) melhoram a qualificação psicológica do paciente 3 -Uso de coletes: Finalidade: aplicação de pressão sobre o lado convexo da curvatura, com contra-pressão em partes fixas do esqueleto ( pelve e gradil costal). a) existem muitos tipos de colete (de Milwaukee, de Boston e outros ) b) eficazes na limitação da progressão da escoliose, diminuindo procedimentos cirúrgicos. c) o uso do colete deve ser associado a prática regular de exercícios orientada por fisioterapeuta. d) necessitam de ajustes periódicos e da aderência pessoal e familiar. ESCOLIOSE B) TRATAMENTO CIRÚRGICO 1- evolução da escoliose apesar do tratamento conservador 2- curva de 50º ou mais (capacidade vital diminui) 3- dor resistente ao tratamento clínico 4- presença de deformidade estética inaceitável (paciente) ?????? 5- vigência concomitante de quadro neurológico 6- comprometimento pulmonar 7- limitação progressiva da capacidade para atividades diárias comuns (vestir, higiene pessoal, locomoção, dirigir ) 8- descompensação psicológica ESCOLIOSE B) TRATAMENTO CIRÚRGICO ORIENTAÇÕES PARA O PACIENTE 1- a correção máxima da deformidade poderá ser de 30-40% 2- período de convalescença varia entre 6 a 12 meses, dependendo da extensão e grau de deformidade das curvas 3- avaliação definitiva do resultado: até 2 anos P.O. 4- haverá modificações na sua auto-imagem 5- a escoliose é mais evidente nos pacientes magros e longilíneos 6- as curvaturas duplas são menos evidentes e as que tem maior grau de rotação da vértebra apical são mais pronunciadas 7- principais complicações do tratamento cirúrgico são: - pseudartrose ( 5 A 27%) - dor residual ( 5 a 15%) - lesão neurológica ( 1 a 15% ) - infecção ( 0,5 a 5%) - tromboembolismo ( 1 a 20%) ESCOLIOSE B) TRATAMENTO CIRÚRGICO Relacionado com a magnitude da curva, a deformidade clínica, ao padrão da curva, ao risco de progressão e a maturidade esquelética. INDICAÇÕES: 1- curvas torácicas maiores que 40-50º, em pacientes esqueleticamente imaturos 2- curvas torácicas acima de 50º, em pacientes esqueleticamente maduros 3- curvas lombares ou tóracolombares acima de 35º, pois produzem uma descompensação através da translação do tronco. OPÇÕES DO TRATAMENTO CIRÚRGICO: A) artrodese via posterior com instrumentação (Paul Harrington – década de 60). A liberação e a artrodese anterior são indicadas em conjunto com a instrumentação posterior, em curvas acima de 70 a 80º, ou em crianças imaturas. B) instrumentação e artrodese anterior (Dwyer, Ziehlke) ESCOLIOSES NO ADULTO E 1- Existem diferenças entre as escolioses juvenil / do adolescente e do adulto 2- A história clínica e o exame físico são fundamentais para a sua caracterização e localização (igual às escolioses juvenil/do adolescente) 3- Há maior possibilidade de deformação dos corpos vertebrais, por assimetria dos espaços intervertebrais (degeneração discal do lado côncavo da curva por compressão discal assimétrica) 4- Escoliose existente ao término do crescimento vertebral (F:15 anos e M:17 anos) indica a sua persistência na vida adulta, com possibilidade de progressão. 5- Têm maior possibilidade de apresentar quadro doloroso (artrose facetária, estenose do canal vertebral, radiculopatia ou fadiga muscular) 6- A avaliação radiológica fundamentará o diagnóstico e permitirá o seu controle evolutivo ESCOLIOSES NO ADULTO 7- Possibilidades de progressão: a) curvaturas torácicas até 30º não tem tendência para progressão b) curvaturas torácicas acima de 50º: aumento de 1º por ano c) curvaturas tóraco-lombares: aumento de 0,5º por ano d) curvaturas lombares: aumento de 0,24º por ano ESCOLIOSES NO ADULTO 8- TAC / RNM: na presença de progressão das curvas, da presença de radiculopatia, suspeita de estenose de canal vertebral e alterações neurológicas 9- Mielotomografia computadorizada: grande rotação vertebral e implantes metálicos. 10- Provas de função pulmonar: pacientes com insuficiência respiratória, antecedentes de doença pulmonar, escolioses com mais de 65-70º. Referências Bibliográficas ! ! ! ! ! Appel F e col. Coluna Vertebral:conhecimentos básicos. Porto Alegre: AGE; 2002. Camargo OPA, Santin RAL, Ono NK, Kojima KE. Ortopedia e Traumatologia – Conceitos básicos, diagnóstico e tratamento. São Paulo:Roca; 2004. Hebert S, Xavier R, Pardini Jr.AG, Barros Filho TEP et al. Ortopedia e traumatologia. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003. Knoplich J. Enfermidades da coluna vertebral. São Paulo: Panamed Editorial; 1983. Levine AM. Atualização em conhecimentos ortopédicos. São Paulo:Atheneu,1998.