ASSIMETRIAS NA AQUISIÇÃO DE CLÍTICOS DIFERENCIADOS EM PORTUGUÊS EUROPEU Carolina Glória de Almeida Guerreiro da Silva ___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Linguística OUTUBRO 2008 ii Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Linguística, realizada sob a orientação científica do Professor Doutor João Costa. iii iv DECLARAÇÕES Declaro que esta dissertação é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia. A candidata, ____________________ Lisboa, .... de ............... de ............... Declaro que esta Dissertação se encontra em condições de ser apresentada a provas públicas. O orientador, ____________________ Lisboa, .... de ............... de .............. v vi Aos meus pais, Por um apoio constante vii viii AGRADECIMENTOS Sem o apoio obtido junto de algumas pessoas e instituições, não teria sido possível concretizar este trabalho. Agradeço particularmente a quem vou citar. Ao Professor João Costa, por quem tenho uma grande admiração e respeito, agradeço a sua orientação, apoio e crítica. O seu saber, a sua prática, o seu estímulo e a sua disponibilidade muito contribuíram para a realização deste estudo. À Professora Maria Lobo, pela boa formação na área de Sintaxe durante a licenciatura, pelo estímulo e pelas sugestões que deu para este estudo. À Professora Ana Madeira, também pelos bons fundamentos que me facultou em Sintaxe e pelo apoio. À Professora Maria Francisca Xavier, pelos ensinamentos em Linguística Inglesa (com a Sintaxe sempre muito presente) que me têm sido muito úteis, pelo incentivo e pela confiança. À Professora Clara Nunes Correia, pelas boas bases que me proporcionou logo no 1.º ano da Licenciatura em Linguística. Aos colegas do Projecto “Técnicas Experimentais na Compreensão da Aquisição do Português Europeu” do CLUNL, pela motivação. Às directoras e educadoras de infância do Externato Diocesano D. Manuel de Mello e do jardim de infância O Barquinho. Esta investigação não teria sido possível sem a sua ajuda e disponibilidade. À Gabriela, pelos desenhos que fez e que foram utilizados nos testes. Aos meus amigos Lara, Nuno, Vera, Clara, Rui, Tiago, Eliana, Bruno, Raquel, Joana, Fátima, Catarina, Ruben, Ana e João, pelo entusiasmo que demonstraram em colaborar no meu estudo, como grupo de controlo, e por o terem feito tão pacientemente. À Clarinha, à Eliana, à Lara e à Verita quero renovar o meu agradecimento, de forma especial, pela compreensão, pela confiança e pelo carinho. ix Ao meu amigo Joãozinho, que me ajudou a passar a informação destinada ao CD de anexos para formato HTML. Pela sua disponibilidade e paciência em satisfazer as minhas indicações. Aos amigos do NLX, que conheci na minha passagem pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em particular à Mariana, ao João (novamente), à Sara, ao Pedro, à Rosa e ao Francisco pelo encorajamento e boa disposição. Ao meu avô Modesto, pelo incentivo. Ao meu mano Ricardo, pelos momentos de distracção, de confidências, de carinho. À minha mãe Maria Amélia e ao meu pai António Augusto, pelo apoio incondicional, pelo incentivo e, sobretudo, pelo amor. x Wer fremde Sprachen nicht kennt, weiß nichts von seiner eigenen. (“Quem nada sabe sobre línguas estrangeiras, nada sabe sobre a sua.”) Johann Wolfgang von Goethe xi xii RESUMO ASSIMETRIAS NA AQUISIÇÃO DE CLÍTICOS DIFERENCIADOS EM PORTUGUÊS EUROPEU CAROLINA GLÓRIA DE ALMEIDA GUERREIRO DA SILVA Este estudo tem como objectivo averiguar o comportamento das crianças portuguesas relativamente à produção de clíticos acusativos, dativos, reflexos e não-argumentais. Investigações efectuadas em outras línguas descreveram a existência de variação interlinguística no que diz respeito aos padrões de aquisição de clíticos objecto, estabelecendo uma correlação entre a concordância de particípio passado que se revela em certas línguas e a omissão de clíticos em fases iniciais de desenvolvimento linguístico. Argumenta-se que esta correlação é explicada por um princípio de restrição de verificação única de traços sujeito a maturação, a Unique Checking Constraint (UCC). Face a esta hipótese, é previsível que no PE não haja omissão de clíticos nos estádios iniciais de aquisição, visto ser uma língua que não exibe tal concordância. Todavia, estudos efectuados por Costa & Lobo (2006, 2007) e Carmona & Silva (2007) não confirmaram esta previsão, observando-se que nas crianças portuguesas a omissão de clíticos prossegue até mais tarde. Costa & Lobo (2006) concluem que a natureza da omissão em PE se deve a factores de complexidade do sistema linguístico: a posição variável dos pronomes clíticos (ênclise e próclise) e a disponibilidade de objectos nulos. Baseando-se em Reinhart (1999), Costa & Lobo (2007) explicam que a selecção póssintáctica entre múltiplas derivações convergentes pode originar dificuldades de produção, o que reflecte complexidade do sistema. Testaram-se 73 crianças em idade pré-escolar, dos 3 aos 6 anos e 6 meses. Para verificar a consistência dos testes e para confrontação com as respostas das crianças, os mesmos foram aplicados a um grupo de controlo de 15 adultos. A elaboração dos testes foi baseada no estudo experimental de Costa & Lobo (2006). Estes autores apoiaram-se na experiência de Schaeffer (1997), fazendo uma adaptação ao PE, tendo em vista o controlo dos efeitos de colocação dos clíticos e a restrição sobre objectos nulos. Esta investigação permite fornecer mais esclarecimentos sobre a causa da omissão de clíticos em PE, possibilitando a comparação entre as duas hipóteses alternativas. Considera-se, portanto, que a elicitação de diferentes tipos de clíticos e o estudo da pessoa gramatical são importantes nesta comparação. Segundo os dados obtidos, as crianças portuguesas omitem clíticos e sobregeneralizam o objecto nulo. Há evidência de que os resultados parecem favorecer a hipótese de complexidade em detrimento da hipótese baseada na UCC. As assimetrias detectadas entre os diferentes tipos de clíticos fazem-nos considerar uma hipótese em termos de escolhas pós-sintácticas, uma vez que esta prediz uma taxa de omissão superior nos contextos em que os clíticos alternam com o objecto nulo. Por sua vez, a UCC não prediz as assimetrias observadas, visto que para grande parte dos clíticos considerados é defensável que participem em mais do que uma relação de verificação de traços. O estudo mostra uma nítida tendência para que as crianças aumentem a sua produção de clíticos à medida que aumenta a sua idade. Há uma correlação forte entre o crescimento de clíticos e a diminuição de objectos nulos. Assim, considera-se que as crianças tendem a abandonar a sobregeneralização da construção de objecto nulo. PALAVRAS-CHAVE: Aquisição, clíticos, Português Europeu, omissão, objecto nulo, Unique Checking Constraint (UCC), complexidade. xiii xiv ABSTRACT ASYMMETRIES IN THE ACQUISITION OF DIFFERENT TYPES OF CLITICS IN EUROPEAN PORTUGUESE CAROLINA GLÓRIA DE ALMEIDA GUERREIRO DA SILVA The goal of this dissertation is to investigate the behaviour of Portuguese children with respect to the production of accusative, dative, reflexive and non-argumental clitics. Investigations carried out in other languages described the existence of cross-linguistic variation in the patterns of clitic acquisition, establishing a correlation between past participle agreement in some languages and clitic omission in early stages of linguistic development. It is argued that this correlation is explainable by a constraint subject to maturation, the Unique Checking Constraint (UCC). According to this hypothesis, it is predictable that in EP there is no clitic omission in early stages of acquisition, since this is not a past participle agreement language. However, Costa & Lobo (2006, 2007) and Carmona & Silva (2007) did not confirm this prediction, observing that there is clitic omission in the acquisition of EP and that it lasts later than in other languages. Costa & Lobo (2006) concluded that the nature of the omission in EP is due to linguistic complexity factors: the variability of clitic position (enclisis and proclisis) and the availability of null objects. Following ideas by Reinhart (1999), Costa & Lobo (2007) explain that the choice between multiple convergent derivations may originate problems in production. In this study, 73 children attending preschool, aged between 3 and 6 years and 6 months old, were tested. In order to validate the consistency of the tests, these were also applied to a control group composed by 15 adults, whose answers were confronted with those of the children. The elaboration of the tests was based on the experimental study carried out by Costa & Lobo (2006). These authors reproduced Schaeffer’s (1997) methodology of elicitation, adapting it to particular properties of Portuguese with the purpose of controlling the null object restriction and the variability of clitic placement. This research permits the comparison between the two alternative hypotheses for explaining the phenomenon of clitic omission in EP. Hence, the elicitation of different types of clitics and the study of the grammatical person are important for this comparison. According to the collected data, Portuguese children omit clitics and overgeneralize the null object construction. The results seem to support the hypothesis of post-syntactic complexity instead of the hypothesis based on the UCC. The asymmetries detected between the different clitic types appear to favour a hypothesis in terms of postsyntactic choices, since this assumption predicts a higher rate of omission only in contexts in which the clitic alternates with null object. The UCC, however, would not predict the asymmetries observed, since most of the clitics considered would equally enter more than one checking relation. The study shows a growing tendency in the production of clitics as age increases. There is a strong correlation between the increase of clitics and the decrease of null objects. Therefore, children tend to abandon the overgeneralization of the null object construction. KEYWORDS: Acquisition, clitics, European Portuguese, omission, null object, Unique Checking Constraint (UCC), complexity. xv xvi ÍNDICE Lista de abreviaturas ......................................................................................... xix 1. Introdução ........................................................................................................ 1 1.1. Objectivos do trabalho e sua organização ......................................... 1 2. Algumas considerações sobre clíticos no português europeu ....................... 3 2.1. A posição variável dos clíticos............................................................ 9 3. O objecto nulo em português europeu .......................................................... 13 4. Estudos na aquisição de clíticos .................................................................... 17 4.1. Línguas de padrão I e de padrão II.................................................... 17 4.2. O caso do servo-croata ...................................................................... 23 4.3. O caso do português europeu ............................................................ 25 5. Um prosseguimento das pesquisas em português europeu ......................... 31 5.1. Metodologia ....................................................................................... 31 5.2. Descrição da amostra ........................................................................ 38 5.3. Análise dos dados .............................................................................. 40 5.4. Discussão dos resultados ................................................................... 64 5.4.1. Elicitação de diferentes tipos de clíticos.............................. 64 5.4.2. Especificação da pessoa gramatical ..................................... 66 5.4.3. Variação entre ênclise e próclise ......................................... 67 6. Conclusões ..................................................................................................... 69 Referências bibliográficas ................................................................................ 71 xvii xviii LISTA DE ABREVIATURAS AgrO Object Agreement AgrOP Object Agreement Phrase Cl Clitic ClP Clitic Phrase DP Determiner Phrase (SD – Sintagma Determinante) Infl Inflection (Flex – Flexão) LF Logical form (Forma lógica) MV Minimize Violations (Minimizar Violações) PE Português Europeu PP Prepositional Phrase (SP – Sintagma Preposicional) V Verbo VP Verb Phrase (SV – Sintagma Verbal) UCC Unique Checking Constraint (Restrição de Verificação Única) xix 1. Introdução Desde que iniciámos os nossos estudos em Linguística, uma das áreas que nos despertou mais atenção foi a da Aquisição da Linguagem. Assim, quando nos matriculámos no Mestrado em Linguística, estávamos já a reflectir que seria em Aquisição da Língua Materna que pretendíamos privilegiar o nosso estudo. Não tínhamos, contudo, ideias pré-definidas sobre o tema específico acerca do qual iria ser elaborada a nossa tese. Após iniciadas as actividades da parte curricular, prestámos muita atenção às investigações já efectuadas em aquisição do português europeu (PE), língua ainda pouco explorada nesta área. Ao mesmo tempo verificámos o que ainda faltava por pesquisar com crianças portuguesas. Um dos estudos discutidos no Seminário de Aquisição da Linguagem, que apelou à nossa curiosidade, dizia respeito a aquisição de pronomes clíticos em crianças falantes do PE, deixando em aberto algumas questões. Quando se aproximava o momento da decisão, a nossa inclinação já estava dirigida para uma escolha definitiva relativamente à elaboração de uma tese sobre clíticos na aquisição do PE. 1.1. Objectivos do trabalho e sua organização Este estudo teve como finalidade averiguar o comportamento das crianças portuguesas relativamente à produção de clíticos acusativos, dativos, reflexos e nãoargumentais através de um conjunto de tarefas de produção induzida. A presente investigação é mais extensiva do que as já realizadas anteriormente para o PE. A intenção é, portanto, acrescentar novos elementos às pesquisas que têm sido realizadas acerca da aquisição de clíticos, sobretudo em PE. Por outro lado, procurou-se também compreender melhor as razões pelas quais as crianças portuguesas omitem clíticos. Nesse sentido, a amostra é mais variada em termos etários e no estudo é testado o comportamento das crianças em relação aos vários tipos de clíticos indicados, especificados para todas as pessoas gramaticais e em ambos os números. Tal permitiu a comparação entre duas hipóteses alternativas para a explicação do fenómeno de omissão de clíticos em PE. 1 Passamos a descrever a forma como o trabalho se encontra organizado. No ponto 2, apresentamos alguns pressupostos acerca dos clíticos em PE, fazendo uma breve descrição dos diferentes tipos de clíticos. O ponto 3 diz respeito à construção do objecto nulo. Prosseguimos no ponto 4 com uma revisão de estudos realizados acerca da aquisição de pronomes clíticos quer em PE, quer em outras línguas. Neste ponto, também se integram análises sobre duas hipóteses explicativas para o fenómeno de omissão de clíticos. No ponto 5, apresentamos todo o percurso da nossa investigação: descrevemos quer a metodologia aplicada para a recolha dos dados, quer a amostra observada (cf. pontos 5.1. e 5.2.); mostramos a análise dos dados (tratados estatisticamente) e a discussão dos resultados obtidos (cf. pontos 5.3. e 5.4.). No ponto 6, procedemos às conclusões a que chegámos, tendo em conta toda a pesquisa que foi realizada. Nas referências aos autores, indicamos o número da página ou das páginas em que fizemos as consultas quando os seus textos estão devidamente paginados. Quando não existe paginação nos trabalhos que consultámos, fazemos apenas referência ao ano do estudo. Desta dissertação faz parte, em anexo, um CD que contém todos os testes realizados nesta investigação. Estes estão organizados de acordo com o tipo de clítico, o contexto de elicitação e a pessoa gramatical. Os testes estão ilustrados com imagens dos bonecos e acessórios utilizados e os desenhos empregues na elicitação dos clíticos. Neste CD, também se encontram todos os resultados organizados detalhadamente em tabelas (com frequências absolutas e respectivas percentagens), que estão distribuídas pelos grupos etários das crianças observadas e pelo grupo de controlo em cada tipo de clítico elicitado. O conteúdo do CD1 encontra-se em formato HTML e abrir-se-á por meio do browser disponível no computador do utilizador. Este estudo está integrado no Projecto “Técnicas Experimentais na Compreensão da Aquisição do Português Europeu”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (POCI/LIN/57377/2004). 1 Para aceder, convenientemente, às informações referentes aos testes e aos resultados, o utilizador deve clicar no ficheiro designado por “anexo”. Nos testes, clicando nas imagens dos bonecos e acessórios, o utilizador terá acesso à sua legendagem. 2 2. Algumas considerações sobre clíticos no português europeu Segundo Duarte, Matos & Faria (1995 – p. 130), o PE tem pronomes pessoais fortes e clíticos, os quais se organizam de acordo com a tabela elaborada pelas autoras e que a seguir apresentamos. Pronomes fortes Não-reflexos Reflexos Pronomes clíticos Não-reflexos Reflexos 1ªp. singular eu, mim mim me me 2ªp. singular tu, ti ti te te 3ªp. singular ele, ela si o, a, lhe se 1ªp plural nós nos nos nos 2ªp plural vós vos vos vos 3ªp plural eles, elas si os, as, lhes se Tabela 1: Pronomes pessoais fortes e clíticos em PE Estas autoras afirmam que os pronomes fortes têm a distribuição de DPs regulares. Assim, podem ocorrer em posições periféricas (cf. (1a)), podem ser contrastados em coordenação (cf. (1b)), podem ser complementos de preposições (cf. (1c)) ou podem servir como antecedentes de orações relativas apositivas (cf. (1d)). (1) a. Ela, o Hugo convidou. b. A mãe enviou-me o postal a mim e não a ti. c. O Jorge preparou uma surpresa para elas. d. Ele, que vive em Barcelona, faz anos amanhã. Duarte, Matos & Faria (1995 – pp. 130-131) referem que, pelo contrário, os pronomes clíticos não podem ocorrer em qualquer destes contextos: (2) a. *A, o Hugo convidou. b. * A mãe enviou-me e não te o postal. c. *O Jorge preparou uma surpresa para as/lhes. d. *O, que vive em Barcelona, faz anos amanhã. 3 Os clíticos também são chamados pronomes átonos, tal como está presente nas gramáticas tradicionais como a de Cunha & Cintra (1992 – p. 279), ou clíticos especiais, designação que foi introduzida por Zwicky (1977), conforme nos informam Brito, Duarte & Matos (2003 – p. 826). Segundo estas autoras (2003 – pp. 826-827) “os pronomes clíticos correspondem prototipicamente às formas átonas do pronome pessoal que ocorrem associadas à posição dos complementos dos verbos”. Em PE encontramos vários tipos de clíticos. Segundo Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001), é possível distingui-los recorrendo a alguns critérios: (i) o seu potencial referencial ou predicativo; (ii) a capacidade de ocorrerem em construções de redobro de clítico; (iii) a possibilidade de satisfazer argumentalmente um predicado; (iv) a sua referência específica ou arbitrária; (v) a faculdade de funcionarem como um afixo capaz de alterar a estrutura argumental de um predicado. Por conseguinte, podemos classificar os clíticos segundo os tipos que vamos descriminar. Clíticos argumentais A – De referência definida (pronominais e anáforas) De acordo com Brito, Duarte & Matos (2003 – p. 835), os clíticos pronominais não-reflexos, ou seja, conjunto dos acusativos e dativos (cf. (3)), e os anafóricos reflexos e recíprocos (cf. (4)) podem ser caracterizados como argumentais, dado que ocorrem associados às posições de objecto directo ou indirecto dos verbos transitivos ou ditransitivos. (3) a. Viram-na no cinema ontem. b. Agradeci-lhe pela ajuda. (4) a. O Rafael sujou-se quando foi jogar à bola na lama. b. Cumprimentaram-se antes da cerimónia começar. Estas formas pronominais clíticas admitem construções de redobro de clítico, em que o constituinte redobrado ocupa a posição argumental a que o clítico está associado: 4 (5) a. Viram-na a ela no cinema ontem. b. Agradeci-lhe a ele pela ajuda. c. O Rafael sujou-se a si próprio quando foi jogar à bola na lama. d. Cumprimentaram-se uns aos outros antes da cerimónia começar. Brito, Duarte & Matos (2003 – p. 835) informam-nos que “alguns autores consideram que os clíticos reflexos não são argumentais ou não estão associados à posição de argumentos internos” e apontam como exemplo Cinque (1988). Este autor também é referido, quanto a esta sua posição relativamente ao pronome reflexo se, por Fiéis & Pratas (2005 – p. 596). B – De referência arbitrária (se-nominativo) O sujeito frásico que designa uma entidade arbitrária é marcado pelo clítico se (cf. (6)). Dizem-nos Brito, Duarte & Matos (2003 – p. 836) que estamos perante o que alguns autores chamam de se-nominativo e outros designam por clítico sujeito impessoal, ou até indeterminado (Cunha & Cintra 1992 – p. 308). O sujeito assinalado por este clítico é interpretado como indefinido e nãoespecífico sendo, portanto, parafraseável por expressões nominais como alguém (cf. (7a)). Este característica semântica impede que se-nominativo ocorra em construções de redobro de clítico (cf. (7b)). Conforme referem Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001), este tipo de clítico é referencial, o que significa que não ocorre associado a uma posição não temática (cf. (8)). (6) Vende-se terrenos em Sesimbra. (7) a. Alguém vende terrenos em Sesimbra. b. *Alguém vende-se terrenos em Sesimbra. (8) *Há-se pouca gente na festa. 5 C – Proposicionais ou predicativos (clítico invariável demonstrativo) Os clíticos argumentais pronominais abrangem o pronome invariável o, que indica situações e estados de coisas (denotando portanto um predicado) e não pode ter redobro: (9) a. Que tinha namorada, ele não o referiu. b. *Ele não o referiu a isso. Segundo Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001), este clítico aparece como núcleo nominal das orações pequenas em estruturas copulativas (cf. (10)). Em PE, prefere-se substituir este clítico por uma categoria vazia (cf. (11)). (10) a. Um arrogante, o Gustavo sempre o foi. b. A Sofia está constipada e a Helena também o está. (11) A Sofia está constipada e a Helena também está [-]. Clíticos quase-argumentais A – Com estatuto argumental e funcional (se passivo) O referente de se-passivo consiste numa entidade arbitrária, identificada com o denominado “agente da passiva”, não tendo redobro de clítico (cf. (12)). (12) a. Compraram-se mais automóveis em 2007. b. *Compraram-se mais automóveis em 2007 por alguém. Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001) consideram que este clítico “acumula as funções atribuídas ao morfema passivo: bloqueia a atribuição de relação temática à posição de argumento externo e de Caso acusativo ao argumento interno do verbo”. B – Com valor referencial e estatuto não argumental (dativos ético e de posse) Brito, Duarte & Matos (2003 – p. 840) afirmam que o dativo ético indica tipicamente o locutor, que exprime o seu interesse na concretização da situação expressa 6 pela frase, denotando uma entidade que pode ser considerada como um Beneficiário (cf. (13a)). Como consequência do seu carácter não-argumental, não lhe é possível ocorrer em contextos de redobro de clítico (cf. (13b)). (13) a. Arruma-me imediatamente o quarto! b. *Arruma-me imediatamente o quarto a/para mim! Por sua vez, o dativo de posse, embora não esteja correlacionado com uma posição argumental do predicador verbal, distingue-se do dativo ético por estar associado a uma posição de argumento ou de adjunto de um complemento desse predicador, como se nota em (14a). Essa posição revela-se na construção de redobro clítico (cf. (14b)). (14) a. Massaja-me as costas. b. Massaja-me as costas a mim. Clíticos não-argumentais (se-ergativo/anticausativo e inerente) Informam-nos Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001) que o clítico “seergativo/anticausativo bloqueia a atribuição de uma relação temática ao argumento externo e admite redobro por um PP adjunto” (cf. (15)). (15) a. A porta fechou-se (com o vento). b. A porta fechou-se por si própria (com o vento). Ainda de acordo com estas autoras, o clítico se-inerente não tem influência na estrutura argumental do predicador verbal, não pode ter redobro e com alguns verbos ocorre opcionalmente, como podemos verificar nos exemplos que se seguem. (16) a. O avô riu(-se). b. *O avô riu-se a si próprio/por si próprio. 7 (17) a. A Raquel portou-se mal. b. *A Raquel portou mal. c. * A Raquel portou-se a si própria/por si própria mal. No presente trabalho, ocupamo-nos do estudo de clíticos acusativos, dativos, reflexos e não-argumentais na aquisição do PE. Como podemos verificar nos exemplos que temos apresentado, os clíticos têm o núcleo verbal como hospedeiro categorialmente fixo, tal como referem Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001). Há numerosas análises sobre o comportamento dos pronomes clíticos em PE e noutras línguas. A revisão de todas as propostas está fora do âmbito deste estudo (para uma revisão bastante detalhada e clara, ver Magro 2007). No entanto, vamos dar alguma atenção a duas hipóteses. Sportiche (1996) propõe que os clíticos sejam analisados como núcleos (X0) das suas próprias projecções funcionais (Clitic Phrases), legitimando no seu especificador uma propriedade particular de um determinado argumento com o qual concorda relativamente a traços relevantes (pessoa, número, género, Caso, …). Nesta análise, as construções clíticas podem também envolver movimento. Por sua vez, para o caso específico do PE, Duarte & Matos (2000) assumem que os clíticos são núcleos de DPs, gerados como argumentos de um determinado verbo e que se movem para V ou para uma outra projecção funcional atingida pelo verbo, verificando traços formais fortes (Caso e atracção por Infl). Consideramos que as duas análises não se excluem, mas que correspondem a estatutos diferenciados de clíticos, relacionados com a disponibilidade de redobro de clítico em diversas línguas. Constatamos que o mesmo é defendido em Fiéis & Pratas (2005, 2007), mas para diferentes tipos de clíticos (não-reflexos argumentais por oposição aos reflexos e aos não-argumentais, do tipo se), intralinguisticamente. 8 2.1. A posição variável dos clíticos Conforme nos informam Duarte & Matos (2000 – p. 116), em PE os clíticos apresentam, quanto à ordem, dois padrões principais relativamente ao seu hospedeiro verbal (ênclise e próclise) e um padrão que já não é muito produtivo em português europeu contemporâneo (mesóclise), que ocorre em distribuição complementar com a ênclise em alguns contextos. Tal como Duarte & Matos (2000 – p. 117) referem, a próclise é desencadeada nos seis contextos que a seguir se indicam. Em cada um deles, apresentamos exemplos gramaticais do padrão proclítico e seguidamente as respectivas variantes agramaticais. (i) A próclise aplica-se em orações com operadores de negação e sintagmas negativos em posição pré-verbal. Veja-se as seguintes evidências: (18) a. A Marta não lhe obedeceu. b. Eu nunca te menti. c. Ninguém o convenceu a ficar mais tempo na festa. (19) a. *A Marta não obedeceu-lhe. b. *Eu nunca menti-te. c. *Ninguém convenceu-o a ficar mais tempo na festa. (ii) Em orações com complementadores também é a próclise que ocorre. Repare-se: (20) a. Acho que te enganaram. b. Pediram ao Rodrigo para lhe entregar o caderno. c. Perguntei à Diana quando me pagava. (21) a. *Acho que enganaram-te. b. *Pediram ao Rodrigo para entregar-lhe o caderno. c. *Perguntei à Diana quando pagava-me. 9 (iii) Outro contexto em que surge a próclise é com sintagmas-wh interrogativos, relativos e exclamativos. Como se pode notar: (22) a. Quando as regaste? b. O rapaz a quem te apresentei foi preso. c. Que linda prenda lhe deste! (23) a. * Quando regaste-as? b. *O rapaz a quem apresentei-te foi preso. c. *Que linda prenda deste-lhe! (iv) Com sujeitos quantificados em posição pré-verbal, o padrão de colocação também é proclítico: (24) a. Todos se esqueceram do aniversário dele. b. Qualquer especialista em informática te arranja o computador. (25) a. *Todos esqueceram-se do aniversário dele. b. *Qualquer especialista em informática arranja-te o computador. (v) Ainda é a próclise que é desencadeada com elementos focalizados de carácter contrastivo, deslocados para a esquerda. Conforme se pode verificar: (26) a. A todos lhes desejou um bom Natal. b. Até a mim me roubaram a carteira. (27) a. *A todos desejou-lhes um bom Natal. b. * Até a mim me mentiu. 10 (vi) O padrão proclítico também é o adequado com alguns advérbios em posição pré-verbal. Veja-se o seguinte contraste: (28) a. A Sara já os arrumou. b. O Bruno também se atrasou. (29) a. *A Sara já arrumou-os. b. *O Bruno também atrasou-se. A ênclise ocorre nos restantes contextos, sendo o padrão de colocação básico quer em orações finitas quer em orações não-finitas, conforme confirmam Duarte & Matos (2000 – p. 117). Os exemplos que se seguem são elucidativos: (30) a. O Gonçalo beijou-a. b. A Luísa confessou amá-lo. Não nos iremos debruçar sobre casos particulares na distribuição do padrão enclítico em orações não finitas nem sobre o fenómeno da subida de clítico visto que não são relevantes para o presente estudo. Conforme nos dizem Duarte, Matos & Faria (1995 – pp. 140-141), as crianças portuguesas, até cerca dos 42 meses, tendem a generalizar a ênclise como padrão de colocação de clíticos. Esta ideia da generalização inicial do padrão enclítico, independentemente da presença de elementos que induzem próclise, é confirmada por Duarte & Matos (2000 – pp. 127-128): (31) a. Não chama-se nada (M., 20 meses) b. É que não estragou-se (J.G., 39 meses) c. Porque é que foste-me interromper? (R., 29 meses) d. Foi alguém que meteu-me nesta fotografia (J.G., 39 meses) e. Mas ele já foi-se embora (P., 39 meses) f. Que(ro) pôr os papeles aqui pa(ra) pa(ra) não rasgar-se (P., 39 meses) 11 Duarte, Matos & Faria (1995 – p. 135) realçam que, em orações com formas verbais no futuro e no condicional, a mesóclise é o padrão alternativo à ênclise. (32) Dar-te-ei um carro quando terminares o curso. (33) Se me prometesses que te portarias bem, convidar-te-ia para a minha festa. Tal como nos informam Brito, Duarte & Matos (2003 – p. 865), a mesóclise constitui um traço da gramática do português antigo, tratando-se portanto de um vestígio histórico. Dado que este padrão de colocação de clíticos não depende de factores sintácticos, não iremos aprofundá-lo pois não faz parte do âmbito deste trabalho. O mesmo se pode dizer quanto ao fenómeno que tem a designação de interpolação. Também é de referir que a posição variável dos clíticos não é sensível ao seu estatuto (argumental e não-argumental), conforme é realçado por Duarte, Matos & Faria (1995 – p. 132) e por Duarte & Matos (2000 – p. 120). Tal é bem explícito nos seguintes exemplos. (34) a. O Vítor empurrou-a. [clítico argumental em ênclise] b. A Madalena zangou-se com o namorado. [clítico não-argumental em ênclise] (35) a. O Vítor não a empurrou. [clítico argumental em próclise] b. A Madalena disse que se zangou com o namorado. [clítico não-argumental em próclise] Em resumo, podemos afirmar que em PE, de acordo com Duarte, Matos & Faria (1995 – p. 134), a ênclise é o padrão básico quer em orações finitas quer em orações não-finitas, que a próclise é desencadeada pela presença de operadores lexicais precedendo o hospedeiro verbal e que a mesóclise substitui a ênclise em orações com formas verbais no futuro e no condicional. 12 3. O objecto nulo em português europeu O PE apresenta a particularidade de dispor da construção de objecto nulo. Raposo (1986) refere que, em PE, frases sem o objecto directo lexicalmente realizado e sem o clítico presente formam enunciados gramaticais e aceitáveis se o conteúdo do objecto directo é recuperável através do contexto linguístico (caso da frase (38a)) ou pragmático. (36) a. O Afonso comprou um perfume e ofereceu [ ] à Teresa. b. O Afonso comprou um perfume e ofereceu-o à Teresa. Conforme Raposo (1986) nos informa, existem restrições à distribuição de objectos nulos, não podendo ocorrer em contextos de ilhas fortes (por violação de efeitos de subjacência). Assim, o objecto nulo não é possível no interior de um DP complexo, sobretudo em orações relativas: (37) A – A pizza está deliciosa. B – O rapaz que *(a) entregou é meu amigo. No interior de um sujeito oracional o objecto nulo não pode ocorrer, caso contrário a frase torna-se agramatical: (38) Que o Paulo *(os) trame choca-me. O objecto nulo não é legítimo em orações subordinadas adverbiais uma vez que estas funcionam como ilhas adjuntas, não podendo haver extracção de constituintes a partir destas orações: (39) A Matilde guardou o bolo no frigorífico depois de *(o) ter comprado. 13 Em contextos de ilha-wh o objecto nulo também não pode ocorrer: (40) Eles não sabem quem *(a) magoou. Na perspectiva de Raposo (1986), o objecto nulo ocorre apenas em contextos acusativos. No entanto, os exemplos que este autor apresenta permitem-nos deduzir que, nestes contextos, a construção de objecto nulo está restringida à 3ª pessoa. Por sua vez, Costa & Duarte (2003) propõem a extensão desta análise clássica, argumentando que o objecto nulo ocorre em contextos de VP não-máximo. Estes autores propõem que o conceito de construção de objecto nulo deva ser alargado de modo a incluir, por exemplo, o caso de complementos indirectos: (41) A – E ao Miguel? B – Já (lhe) telefonei. Estes autores mostram que os constituintes elididos em contextos dativos também não podem ocorrer em ilhas fortes: (42) A – O que aconteceu ao Guilherme? B – A Tânia estava zangada quando *(lhe) telefonou. Os exemplos de Costa & Duarte (2003) levam-nos a concluir que a construção do objecto nulo é restrita a clíticos dativos de 3ª pessoa. Costa & Duarte (2003) apresentam dados que mostram que na construção de objecto nulo o constituinte elidido pode ser também um advérbio modificador de VP e uma VP-shell. Contudo, estes casos não se integram no âmbito deste estudo. Costa & Lobo (2007), Costa, Lobo, Carmona & Silva (no prelo) e Carmona, Costa, Lobo & Silva (no prelo) descrevem que os clíticos reflexos se diferenciam dos não-reflexos (conjunto dos clíticos acusativos e dativos) por não variarem com a construção do objecto nulo. Consideremos este nosso exemplo: 14 (43) A – E o Diogo? B – Ainda não *(se) penteou. Neste trabalho, defendemos que os clíticos não-argumentais também não alternam livremente com objectos nulos: (44) A – E a Isabel? B – Nunca *(se) porta bem na casa dos tios. Por sua vez, Costa, Lobo, Carmona & Silva (no prelo) e Carmona, Costa, Lobo & Silva (no prelo) afirmam que é consensual considerar que os objectos nulos também são excluídos em contextos de 1ª e 2ª pessoas: (45) Não *(me) convidaste para a tua festa. (46) Não *(te) convido para a minha festa. Conforme nos informam Cunha & Cintra (1992 – pp. 292-294), o pronome de tratamento da 2ª pessoa você constrói-se com o verbo na 3ª pessoa. Neste contexto, os respectivos clíticos assumem a forma da 3ª pessoa. Neste trabalho, argumentamos que este pronome de tratamento você favorece a obrigatoriedade do clítico2: (47) A – Como posso ir para a estação? B – Já *(a) levo de carro até lá. (48) A – Quer ir jantar comigo? B – Não *(o) conheço de lado nenhum! 2 Não apresentamos qualquer exemplo para clíticos dativos de 3ª pessoa referentes ao pronome de tratamento você, visto que não é completamente claro que os clíticos dativos e os acusativos tenham a mesma distribuição relativamente à construção do objecto nulo, embora se pudesse considerar esta hipótese apoiando Costa & Duarte (2003) no seu debate com a análise clássica de Raposo (1986) (cf. p. 14 desta dissertação). 15 Como vimos anteriormente, o objecto nulo é possível com as formas de 3ª pessoa em contextos quer acusativo quer dativo. No entanto, neste caso específico do pronome de tratamento (da 2ª pessoa) você, que requer a forma verbal de 3ª pessoa, não é possível a omissão do correspondente clítico. Este contraste permite-nos defender que esta diferença seja antes de carácter discursivo e não estritamente gramatical. 16 4. Estudos na aquisição de clíticos Nas investigações que se têm realizado na área da Aquisição de Língua Materna, tem havido consenso de que as categorias funcionais são problemáticas. Radford (1998) e Guasti (2002) apresentam informação que nos leva a concluir que estes elementos tendem a ser adquiridos tardiamente, estando sujeitos a omissão no processo de aquisição da linguagem. No entanto, há variação interlinguística relativamente aos elementos que são adquiridos em fase tardia e às taxas de omissão que se verificam em diferentes línguas. Os clíticos constituem um bom campo experimental para detectar problemas com o domínio funcional, já que dependem sintacticamente da estrutura funcional da frase. Assim, não é de estranhar que haja dificuldades na sua aquisição, que tende a ser tardia. Os estudos até agora efectuados mostram que em algumas línguas os clíticos objecto podem ser omitidos, enquanto em outras não o são. 4.1. Línguas de padrão I e de padrão II As investigações realizadas em crianças italianas por Guasti (1993) e Schaeffer (1997) evidenciaram que nesta língua há omissão de clíticos. Quanto à língua francesa, chegaram à mesma conclusão Hamman, Rizzi & Frauenfelder (1998), Jakubowicz & Rigaut (2000), Van der Velde, Jakubowicz & Rigaut (2002), Grüter (2006) e Jakubowicz & Nash (no prelo). Num estudo efectuado sobre o catalão acerca da aquisição de clíticos, por Wexler, Gavarró & Torrens (2003), concluiu-se também que havia esta omissão. Note-se que os vários autores convergem em mostrar que determinantes com a mesma forma morfofonológica que os clíticos acusativos de terceira pessoa não são omitidos, o que mostra que a omissão não se deve ao estatuto deficiente em termos prosódicos do pronome, mas sim a questões de natureza sintáctica. Por outro lado, pesquisas realizadas, quanto à aquisição de clíticos, em espanhol por Wexler, Gavarró & Torrens (2003), em grego por Tsakali & Wexler (2003) e em romeno por Babyonyshev & Marin (2005) e Avram & Coene (2007), revelaram que nestas línguas os pronomes clíticos são produzidos precocemente. 17 Tendo em conta tudo o que já referimos, é de admitir que a omissão de clíticos não seja universal. Babyonyshev & Marin (2005) fazem uma síntese dos estudos efectuados, quanto à aquisição de clíticos, e distribuem as línguas estudadas em dois padrões: padrão I e padrão II. Segundo estas autoras, no padrão I, onde se integram línguas como o italiano, o francês e o catalão, verificam-se as seguintes características: (i) Índice elevado de omissão de clíticos em contextos obrigatórios; (ii) Ocorrência tardia de clíticos objecto em dados de produção espontânea; (iii) Uso desproporcionalmente elevado de DPs em vez de clíticos objecto. No que se refere ao padrão II, em que se incluem o espanhol, o grego e o romeno, as propriedades marcantes são: (i) Um baixo índice de omissão de clíticos em contextos obrigatórios; (ii) Ocorrência desde cedo de clíticos objecto em dados de produção espontânea; (iii) Uso relativamente baixo de DPs (no lugar de clíticos objecto). Nos estudos já indicados e de que fizemos uma leitura, os dados recolhidos revelam que nas línguas analisadas as crianças, quando produzem clíticos objecto, colocam-nos na posição correcta. Em todas estas investigações foram observados clíticos acusativos não-reflexos. Todavia, Jakubowicz & Rigaut (2000) estudaram não só este tipo de clíticos mas também estudaram clíticos reflexos na aquisição do francês, verificando-se um melhor desempenho das crianças com os pronomes reflexos. Estas autoras efectuaram o seu estudo com 12 crianças monolingues de língua materna francesa, com idades compreendidas entre os 2;0 e os 2;7 anos. Por sua vez, Babyonyshev & Marin (2005) testaram, na língua romena, não só a aquisição de clíticos acusativos mas também a de clíticos dativos em crianças entre os 2 e os 4 anos. Neste caso, os resultados obtidos para clíticos acusativos e dativos, em romeno, são similares. Despertou-nos bastante curiosidade o estudo de produção induzida de Wexler, Gavarró & Torrens (2003), em virtude de se debruçar simultaneamente sobre duas línguas de padrões diferentes. O contraste entre o Padrão I e o Padrão II é claramente 18 ilustrado pelos resultados desta investigação. Deduzimos que, no seu trabalho, estes investigadores chamam “crianças catalãs” às crianças espanholas de língua catalã e “crianças espanholas” às crianças espanholas de língua castelhana. Como se sabe, em Espanha o idioma castelhano é designado oficialmente como “espanhol”. Queremos apenas prestar este esclarecimento e não vamos levantar polémica, por isso vamos utilizar as designações adoptadas pelos autores. Nesta investigação, foi utilizada a mesma técnica experimental para testar quer crianças catalãs monolingues (31 entre 1 e 5 anos, de Barcelona) quer crianças espanholas monolingues (28 entre 2 e 4 anos, da área de Madrid), sendo as suas línguas caracterizadas pelo Padrão I e pelo Padrão II de aquisição de clíticos, respectivamente. As crianças cuja língua é o catalão têm problemas em produzir clíticos objecto em contextos obrigatórios, mas as crianças de língua espanhola não têm dificuldade na sua produção nos mesmos contextos sintácticos. As crianças catalãs manifestam uma elevada taxa de omissão de objectos (até aos 3 anos de idade), ao passo que as crianças espanholas quase que não revelam omissões no mesmo contexto. Enquanto as crianças catalãs parecem produzir DPs (em vez de clíticos objecto directo), as crianças espanholas não produzem. A existência destes dois padrões distintos é também evidenciada por outros estudos experimentais de produção induzida: as crianças italianas (Schaeffer 1997) e as francesas (Jakubowicz & Rigaut, 2000; Van der Velde, Jakubowicz & Rigaut, 2002; Grüter, 2006; Jakubowicz & Nash, no prelo) comportam-se de forma semelhante às crianças catalãs, ao passo que as crianças gregas (Tsakali & Wexler, 2003) e as romenas (Babyonyshev & Marin, 2005) têm uma performance similar às crianças espanholas. Adicionalmente, estes distintos padrões de aquisição de clíticos são também distinguíveis a partir de dados de produção espontânea disponíveis em francês (Hamman, Rizzi & Frauenfelder, 1998; Jakubowicz & Rigaut, 2000), em italiano (Guasti 1993) e em romeno (Avram & Coene, 2007). No entanto, a produção espontânea é menos clara e mais difícil de interpretar devido à natureza menos controlada deste tipo de recolha de dados. As citadas investigações efectuadas por Wexler, Gavarró & Torrens (2003), por Tsakali & Wexler (2003) e por Babyonyshev & Marin (2005) permitiram a percepção da existência desta variação interlinguística no que diz respeito aos padrões de aquisição 19 de clíticos objecto. Na sequência desta observação, estes autores defendem que há uma correlação entre a concordância de particípio passado com o objecto, que se revela em certas línguas, e a omissão de clíticos em fases iniciais de desenvolvimento linguístico. Vejamos dois exemplos simples desta concordância, desencadeada pelos clíticos objecto directo no particípio passado, um em francês e o outro em italiano: (49) Il les avait acquises. (Ele as tinha adquiridas.) “Ele tinha-as adquirido.” (50) Io le avevo salutate una per una. (Eu as tinha cumprimentadas uma por uma.) “Eu tinha-as cumprimentado uma a uma.” Em resumo, de acordo com estas pesquisas, em línguas como o espanhol, o grego e o romeno (de padrão II), em que não há concordância do particípio passado com o objecto, os clíticos não causam problemas, sendo produzidos desde cedo. Por sua vez, em línguas como o italiano, o francês e o catalão (de padrão I), em que se manifesta essa concordância do particípio passado, os clíticos revelam-se problemáticos, sendo omitidos até aos 3 anos de idade. Wexler, Gavarró & Torrens (2003), Tsakali & Wexler (2003) e Babyonyshev & Marin (2005) argumentam que esta correlação decorre de um princípio de restrição de verificação única de traços sujeito a maturação, a Unique Checking Constraint (UCC), que, fazendo parte da gramática inicial das crianças e concebida como um princípio de desenvolvimento, deixa de ser operativa na gramática do adulto. Wexler (1998 – p. 59) define a UCC do seguinte modo: (51) The D-feature of DP can only check against one functional category. (O traço-D de DP só pode estabelecer uma relação de verificação junto de uma categoria funcional.) A UCC foi proposta originalmente, por Wexler (1998), para explicar os infinitivos raiz ou infinitivos opcionais, que se manifestam em estádios iniciais de 20 aquisição de várias línguas. Estando este princípio de restrição sujeito a maturação, prevê-se que a omissão de clíticos seja abandonada na mesma altura em que acaba a fase de infinitivos raiz, isto é, por volta dos 3 anos de idade. Esta Restrição de Verificação Única de traços surge posteriormente como hipótese explicativa para a omissão dos clíticos na sequência de estudos acerca do comportamento das crianças com clíticos acusativos. A UCC actua em conjunto com o princípio de Minimize Violations (MV), segundo o qual (Wexler 1998 – p. 64): (52) Given a LF, choose a numeration whose derivation violates as few grammatical properties as possible. If two numerations are both minimal violators, either one may be chosen. (Dada uma forma lógica, escolhe-se uma numeração cuja derivação viola o menor número possível de propriedades gramaticais. Se duas numerações apresentam ambas violações mínimas, qualquer uma delas pode ser escolhida.) Afirmando todos basearem-se em Sportiche (1996), Wexler, Gavarró & Torrens (2003), Tsakali & Wexler (2003) e Babyonyshev & Marin (2005) assumem que o clítico é gerado numa categoria funcional ClP (Clitic Phrase), encontrando-se coindexado com uma forma pronominal nula (pro) que tem de verificar traço-D, quer em AgrOP quer em ClP. Tal é apresentado no seguinte esquema: (53) [ClP [ clítico objecto ] [AgrOP [ AgrO ] [VP V [DP pro ]]]] O facto de a categoria pro ter de verificar estes dois traços apenas em línguas em que existe concordância de particípio passado, vai provocar, no processo de aquisição de clíticos, as diferenças interlinguísticas anteriormente referidas. Esta dupla verificação de traços constituiria uma violação da UCC, resultando na omissão do clítico, em consequência do princípio de MV. Este determina, portanto, quais são as derivações que serão consideradas gramaticais, referindo que a derivação que viola o menor número de princípios gramaticais deve ser escolhida. Assim, a MV 21 permite a selecção da estrutura associada ao menor número de violações ou possibilita opcionalidade no caso das duas construções tidas em consideração violar o mesmo número de princípios. Tendo em conta esta explicação, em línguas com concordância de particípio passado, as crianças têm duas opções: ou não projectam ClP, violando os requisitos de verificação do traço-D de pro, ou não projectam AgrOP, violando os requisitos de verificação de Caso de pro. Na primeira alternativa, será produzida uma frase sem clítico; na segunda, uma frase com clítico. Como ambas as derivações apresentam o mesmo número de violações, qualquer uma delas tem a mesma probabilidade (1/2) de poder ser gerada pela gramática da criança, o que explicaria as taxas de omissão na ordem dos 50%. Em línguas sem concordância de particípio passado, pro não tem de verificar traços em AgrO, sendo seleccionada, portanto, a derivação com clítico, a qual não viola a UCC. Resumindo, com base na hipótese da UCC, pode-se afirmar que se espera omissão de clíticos na aquisição de línguas em que há concordância do particípio passado com o objecto, tal como o italiano, o francês e o catalão, mas não nas línguas em que não existe esta concordância. Para aprofundamento da análise de todas estas questões referentes à aquisição de clíticos, gostaríamos de ter consultado outros trabalhos de que tínhamos referência. No entanto, por vários motivos, não nos foi possível obtê-los. 22 4.2. O caso do servo-croata Ilic & Ud Deen (2004) estudaram a subida de objectos e o processo de cliticização na aquisição da língua servo-croata. Para se perceber adequadamente as clarividentes conclusões a que chegaram estes autores neste trabalho, temos que descrever algumas características do funcionamento dos objectos neste idioma. Estes investigadores explicam que o servo-croata é uma língua com morfologia flexional e a ordem de palavras básica é SVO. Os objectos directos podem ocorrer, numa frase, em três posições diferentes: no final, numa posição medial (pré-verbal) e no início. A posição final está reservada para constituintes em foco (informação nova), ou seja, a objectos directos lexicais. Por sua vez, um objecto directo lexical que represente informação dada (tópico) pode permanecer no final da frase ou ser movido para uma posição mais alta. Ilic & Ud Deen (2004) chamam a atenção para o facto de apenas os objectos específicos poderem ter este movimento. Assim, o objecto tem de ser obrigatoriamente específico quando há movimento para a posição medial (pré-verbal) ou para a posição inicial da frase. Por conseguinte, os autores informam-nos que, no servo-croata, a posição pós-verbal dos objectos não requer especificidade, enquanto as outras duas, decorrentes de movimento, exigem obrigatoriamente especificidade. Dado que os pronomes pessoais são inerentemente específicos, estes são movidos obrigatoriamente em servo-croata, a não ser que sejam foco, permanecendo na posição final da frase. Ilic & Ud Deen (2004) referem que há dois tipos de pronomes em servo-croata: pronomes fortes e pronomes clíticos. Os pronomes fortes podem suportar foco e, portanto, podem ocorrer em posição final (reservada a informação nova). Os clíticos, por seu turno, são pragmaticamente mais neutros e não podem estar em foco. Por este motivo, não podem ocorrer nessa posição. Em síntese, os clíticos são específicos, não-marcados e obrigatoriamente movidos para uma posição mais alta, enquanto os pronomes fortes são específicos, marcados e podem ou não ser movidos. O que distingue os clíticos (obrigatoriamente) movidos dos pronomes fortes também movidos é, portanto, a relação com focalização. 23 Segundo estes autores, os dados mostram que, aos 3 anos de idade, as crianças servo-croatas: (i) movem apropriadamente objectos dotados de especificidade (não só lexicais mas também pronominais); (ii) seleccionam a forma pronominal apropriada (pronomes fortes ou clíticos), dependendo de factores discursivos como foco. Deste modo, Ilic & Ud Deen (2004) concluem que o conhecimento quer sobre especificidade quer sobre os princípios discursivos de foco que comandam a forma dos pronomes é evidenciado pelas crianças na aquisição de servo-croata. Nesta língua, por conseguinte, os clíticos são adquiridos precocemente (as crianças produziram 32 clíticos num total de 36 pronomes pessoais movidos, ou seja, 89% de clíticos). No entanto, não temos informação sobre a correlação, definida pela UCC, entre a concordância do particípio passado e a omissão de clíticos para esta língua. Não havendo elementos suficientes, não podemos integrar o servo-croata nem no padrão I nem no padrão II. 24 4.3. O caso do português europeu O PE é uma língua que não exibe concordância de particípio passado em género e em número com o objecto, como podemos verificar: (54) a. O Daniel também as tem visitado. b. *O Daniel também as tem visitadas. Não podemos considerar, portanto, que o PE seja uma língua de padrão I. Deste modo, poder-se-ia ponderar se o PE, tal como o espanhol, o grego e o romeno que também não têm essa concordância, seria uma língua de padrão II. Logo, face à hipótese da UCC descrita anteriormente, seria previsível que no PE, tal como nas outras línguas referidas, não houvesse omissão de clíticos nos estádios iniciais de aquisição. No entanto, estudos efectuados por Costa & Lobo (2006, 2007) e Carmona & Silva (2007) não confirmaram esta previsão, observando que nas crianças portuguesas há omissão de clíticos, que prossegue até mais tarde relativamente às línguas já estudadas em que estes pronomes são omitidos. O que sobressaiu nestas pesquisas foi que não há, no PE, uma evidência clara que favoreça uma alegada correlação entre a existência de omissão de clíticos e a disponibilidade na língua-alvo de concordância de particípio passado. Por conseguinte, também não podemos considerar que o PE seja uma língua de padrão II, pelo que fica de fora dos dois padrões considerados. Costa & Lobo (2006) testaram clíticos acusativos de 3ª pessoa em crianças dos 2 aos 4 anos. Continuaram as suas averiguações (Costa & Lobo, 2007) relativamente à elicitação de clíticos reflexos (na 1ª, 2ª e 3ª pessoas do singular) e novamente de clíticos acusativos de 3ª pessoa (do singular), em crianças dos 3 aos 4 anos. Por sua vez, Carmona & Silva (2007) observaram a produção de clíticos dativos (em todas as pessoas gramaticais de ambos os números) num grupo de crianças dos 3 aos 4 anos. Nestes três estudos, os clíticos foram eliticitados em ênclise, próclise e ilhas fortes (este último contexto tem o objectivo de estabelecer a distinção entre objecto nulo e omissão). Costa & Lobo (2006) sugerem que em PE a natureza da omissão de clíticos é diferente da que é preconizada pela UCC (mesmo considerando que pudesse haver uma 25 relação de dupla verificação com traços diferentes dos que inicialmente foram definidos por este princípio de restrição). Concluem que este fenómeno de omissão em PE se deve a factores de complexidade do sistema linguístico: a posição variável dos pronomes clíticos (ênclise e próclise) e a disponibilidade de objectos nulos. Estes autores informam-nos que Lopes (2003) defendeu que, para o português do Brasil, a omissão de clíticos é o resultado da produção de objectos nulos, o que é gramatical na língua-alvo. Se fosse tida em conta esta explicação também para o PE, segundo Costa & Lobo (2006), deveria aparecer uma expressiva produção de clíticos em contextos de ilhas fortes (onde o objecto nulo não é legítimo) e os resultados obtidos em ênclise e próclise, nas crianças portuguesas, não deveriam apresentar uma diferença significativa comparativamente aos do grupo de controlo. Neste estudo, os investigadores verificaram que praticamente não há ocorrência de clíticos em contextos de ilhas fortes, mas antes um aumento de DPs. No grupo dos 23 anos, há 17,5% de DPs em ênclise e próclise, e 55,81% de DPs em contextos de ilha. No grupo dos 4 anos, há 13,95% de DPs em ênclise e próclise, e 65,21% de DPs em contextos de ilha. Por conseguinte, os autores consideram que as crianças manifestam algum conhecimento em relação à distribuição de objectos nulos, omitindo de facto os clíticos. Não é de estranhar, portanto, que tenham sido encontradas formas nulas em contexto de ilhas. Deste modo, os autores consideram que a taxa de omissão observada se deve à sobreposição de omissão de clíticos e de objectos nulos em ênclise e próclise. Costa & Lobo (2007) compararam as produções entre clíticos acusativos reflexos e acusativos não-reflexos. Verificaram que a taxa de omissão dos reflexos (41,5%) é bastante inferior à dos não-reflexos (67%). Tendo constatado que a produção de clíticos reflexos (que não alternam com objecto nulo) se revelou ser menos problemática do que a dos clíticos não-reflexos, os autores concluíram que os resultados obtidos favorecem a interpretação da omissão de clíticos como consequência da complexidade. Reinhart (1999) considera que, na compreensão, a escolha pós-sintáctica entre derivações convergentes pode causar problemas de processamento. Afirma esta investigadora que a computação de um conjunto de referência, para determinar se uma 26 dada derivação é apropriada num determinado contexto, acarreta um custo de processamento que se traduz numa aquisição tardia ou em desempenhos desviantes relativamente às do adulto. Argumenta também esta autora que esse esforço se revela na fase de aquisição da linguagem, em que há dificuldades na selecção pós-sintáctica da melhor estrutura concorrente que integra um conjunto de referência. Baseando-se em Reinhart (1999), Costa & Lobo (2007) explicam que a selecção pós-sintáctica entre múltiplas derivações convergentes pode originar dificuldades na produção de clíticos, o que reflecte complexidade do sistema: a estrutura com clítico compete com a estrutura com objecto nulo. Considerando a hipótese de que é a comparação de derivações convergentes que gera a complexidade, e consequente omissão de clíticos, os autores referem que não se deveria encontrar omissão de formas clíticas reflexas, uma vez que se trata de um contexto em que a gramática adulta não permite a ocorrência de objecto nulo. No entanto, os resultados mostram que a taxa de omissão de clíticos reflexos ainda é bastante elevada (41,5%), embora seja inferior à dos não-reflexos. Por consequência, Costa & Lobo (2007) propõem que a omissão de clíticos em contextos em que o objecto nulo não é possível corresponde a uma sobregeneralização desta construção. Por seu turno, Carmona & Silva (2007) estudaram a aquisição de clíticos dativos, notando que a sua omissão (57%) pelas crianças portuguesas está de acordo com a proposta menos restritiva de Costa & Duarte (2003), que defendem que a construção de objecto nulo seja alargada a contextos de VP não-máximo. Carmona & Silva (2007) referem que esta taxa de omissão de formas dativas é comparável à que Costa & Lobo (2006) encontraram em relação a clíticos acusativos de 3ª pessoa, não havendo nesse aspecto diferença entre estes dois tipos de clíticos. As investigadoras também observaram uma maior percentagem de omissão de clíticos dativos de 3ª pessoa (contexto de alternância com objecto nulo) do que de 1ª e 2ª pessoas (contextos menos complexos, onde o objecto nulo não pode ocorrer), afirmando que a especificação da pessoa gramatical interfere no desempenho das crianças. Tal parece ser favorável à hipótese de complexidade uma vez que a UCC não prediz diferenças relacionadas com pessoa. 27 Os resultados também mostram, na condição dativa, uma taxa significativa de produção de pronomes fortes (20%) em ilhas, ao contrário do que acontece com a condição acusativa (no estudo de Costa & Lobo, 2006). Se, quanto ao contexto acusativo, Costa & Lobo (2006) concluíram que a competição relevante é entre clítico e objecto nulo, para o contexto dativo, Carmona & Silva (2007) constataram que a concorrência é entre clítico, objecto nulo e pronome forte. Estas competições, em cada um dos contextos (acusativo e dativo) contribuem para a complexidade do sistema, já que podem originar tomadas de decisão pós-sintácticas entre estruturas convergentes. Os investigadores de todos estes trabalhos consideram que os resultados obtidos parecem favorecer a hipótese de complexidade em detrimento da UCC, visto que se pode constatar que, nos casos em que não há alternância com a construção de objecto nulo, as taxas de omissão são significativamente inferiores. Nestas pesquisas, a variação entre próclise e ênclise não se revelou determinante na produção ou omissão de clíticos em PE. Tendo testado grupos de crianças portuguesas entre 2 e 4 anos de idade, os autores destes estudos não encontraram indícios de desenvolvimento na aquisição de clíticos. Carmona, Costa, Lobo & Silva (no prelo – Actas do 7º Encontro Nacional sobre Aquisição da Linguagem 2006, em Porto Alegre) e Costa, Lobo, Carmona & Silva (no prelo – Proceedings of Generative Approaches to Language Acquisition 2007, em Barcelona) fizeram uma síntese dos resultados obtidos pelos estudos efectuados por Costa & Lobo (2006, 2007) e Carmona & Silva (2007). Costa & Lobo (no prelo) afirmam que a hipótese de que a omissão de clíticos na produção das crianças portuguesas se deve a uma sobregeneralização da construção do objecto nulo prediz que as crianças são capazes de atribuir uma interpretação transitiva às frases com um verbo sem complemento realizado, em todos os contextos em que omitem clíticos: com clíticos acusativos e dativos de 3ª pessoa, com clíticos reflexos e não-argumentais, com clíticos de 1ª e 2ª pessoa, e em contextos de ilha forte. Estes autores aplicaram um teste de compreensão de objectos nulos em crianças falantes do PE entre os 3;2 e os 5;10 (sendo a idade média de 4 anos e 4 meses). Neste estudo, os investigadores procuraram averiguar se as crianças “têm disponível a 28 interpretação de objecto nulo em contextos acusativos de terceira pessoa em frases simples e em ilhas fortes, tendo deixado para trabalho posterior os restantes contextos”. O método experimental aplicado nesta pesquisa consistiu numa adaptação dos testes de Grüter (2006) para o francês e o inglês. Assim, na experiência, foram utilizadas tarefas de juízo de valor de verdade de uma frase dita por um fantoche, consoante a apresentação de imagens. Observando e analisando os dados recolhidos, Costa & Lobo (no prelo) constataram que as crianças portuguesas obtiveram resultados muito similares aos do grupo de controlo (superiores a 80% de acerto) em todas as condições, excepto na condição em que se testava objectos nulos em ilhas. Os resultados obtidos no teste de compreensão destes autores mostraram que as crianças falantes do PE percebem a construção de objecto nulo, embora menos restritivamente do que os adultos, dado que aceitam também objectos nulos em contexto de ilhas (onde estes não são possíveis). Segundo Costa & Lobo (no prelo), “o desempenho das crianças em contexto de ilhas revela, à semelhança do que tinha sido obtido em tarefas de produção, que a especialização dos contextos em que a construção de objecto nulo é legítima é de aquisição tardia”. Os dados também indicam que as crianças dominam (in)transitividade e interpretam adequadamente os clíticos acusativos. Estes resultados são compatíveis com a hipótese de que a omissão de clíticos em PE consiste numa sobregeneralização de objecto nulo. 29 30 5. Um prosseguimento das pesquisas em português europeu Como se pode observar pela revisão da literatura que efectuámos, os estudos em PE apenas tinham contemplado, até ao nosso trabalho, averiguações relativas a clíticos acusativos de 3ª pessoa em crianças dos 2 aos 4 anos, a clíticos reflexos (na 1ª, 2ª e 3ª pessoas do singular) em crianças dos 3 aos 4 anos e a clíticos dativos (em todas as pessoas gramaticais de ambos os números) em crianças dos 3 aos 4 anos. Deste modo, era necessário prosseguir e alargar estas investigações. Este nosso estudo desenvolve, portanto, as pesquisas anteriores e analisa a produção de clíticos acusativos, dativos, reflexos e não-argumentais (especificados para todas as pessoas gramaticais e em ambos os números) em crianças dos 3 aos 6 anos e 6 meses de idade. Tudo o que realizámos em termos de pesquisa prática vai ser relatado seguidamente. Por outro lado, quanto ao suporte teórico para a explicação do fenómeno de omissão de clíticos em PE, tal como em pesquisas portuguesas anteriores, também colocámos em comparação as duas hipóteses alternativas: a da UCC e a da complexidade pós-sintáctica. 5.1. Metodologia Para investigar a aquisição de pronomes clíticos acusativos, dativos, reflexos e não-argumentais, utilizámos o método de produção induzida de respostas. Crain & Thornton (1998 – p. 141) afirmam que este tipo de técnica experimental permite elicitar produção em contextos cuidadosamente controlados. Segundo estes autores, há óbvias vantagens em controlar os contextos de produção. Uma das mais importantes resulta do facto de eliminar muitas das dificuldades que surgem quando se tenta interpretar o significado que a criança pretende transmitir, o que é um problema frequente quando se analisam transcrições de produções espontâneas. Estes autores referem que a produção induzida permite a recolha de dados suficientes, a partir dos quais se podem retirar conclusões sólidas acerca da gramática das crianças num determinado momento. De acordo com Thornton (1998 – pp. 77-79), a produção induzida é uma técnica experimental usada para investigar o conhecimento gramatical das crianças, levando-as a produzir determinadas estruturas sintácticas. Estas são elicitadas no contexto de uma 31 simulação teatral, em que habitualmente a criança interage com um ou mais bonecos ou através da descrição de situações, ou ainda mediante a resposta a perguntas específicas. O significado associado ao enunciado-alvo é controlado em cada tarefa da experiência. É, por exemplo, encenada uma representação a fim de se obterem situações ou contextos apropriados para a produção da estrutura que vai ser investigada e que estão associados a esse significado específico. O enunciado que se pretende que a criança produza é elicitado após o experimentador falar com ela de modo a orientá-la nesse sentido. Esta orientação por parte do experimentador destina-se a preparar o contexto e os “ingredientes” para a produção da estrutura-alvo, mas sem interferir na sua formulação. Este facto é uma diferença importante entre a produção induzida e as tarefas de repetição. Outro benefício deste tipo de método prende-se com o facto de permitir ao experimentador evocar estruturas sintácticas complexas que só ocorrem raramente, se é que tal acontece, no discurso espontâneo das crianças. Face a situações apropriadas para a construção em estudo, a técnica de produção induzida pode ajudar a aceder ao conhecimento gramatical da criança. Os dados de produção induzida revelam o que as crianças dizem e, quando os testes são correctamente controlados, podem também indicar o que as crianças não dizem. A ausência da estrutura-alvo na resposta da criança, em contextos de produção devidamente controlados, poderá significar que ela ainda não a adquiriu. Com a técnica de produção induzida, evita-se um dos grandes inconvenientes do método baseado na recolha de discurso espontâneo. Este, apesar de possuir várias vantagens, apresenta, de acordo com Thornton (1998 – p. 79), a desvantagem de tornar possível que a criança nunca venha a produzir a estrutura gramatical que se pretende estudar. Tal pode acontecer porque, na sua linguagem do dia-a-dia, as crianças têm tendência a evitar enunciados complexos. Assim, corre-se o risco de se estar a subestimar seriamente a competência linguística da criança. A produção induzida permite ultrapassar o referido obstáculo, havendo a vantagem de reunir um número robusto de dados sobre determinada estrutura, habitualmente em menos tempo, quando comparado com estudos longitudinais do discurso espontâneo das crianças. 32 Este método experimental funciona bem com crianças que tenham, pelo menos, cerca de três anos de idade, conforme nos informa a mencionada autora (1998 – p. 81). Thornton (1998 – p. 82) diz-nos que as tarefas de elicitação podem ser realizadas por um único experimentador ou na companhia de uma outra pessoa que represente o papel do(s) fantoche(s) nos testes. No presente estudo, a investigadora aplicou sozinha os testes de elicitação de clíticos às crianças participantes, utilizando não só bonecos mas também desenhos. Para a elaboração dos testes3, foi tomado como base o estudo experimental de Costa & Lobo (2006). Estes autores apoiaram-se na experiência de Schaeffer (1997), fazendo uma adaptação ao PE, tendo em vista o controlo dos efeitos de colocação dos clíticos (ênclise e próclise) e a restrição sobre objectos nulos. Costa & Lobo (2006) chamam a atenção para a disponibilidade da construção de objecto nulo em PE e admitem que é pertinente testar contextos de ilhas fortes, em que os objectos nulos não são permitidos. Assim, poder-se-á distinguir produções com omissão de clítico (típicas da linguagem infantil) de produções adultas com objecto nulo, excluindo-se a possibilidade de, nos restantes contextos, as crianças estarem a produzir objectos nulos, o que é gramatical na língua-alvo. Neste trabalho, testámos a produção de clíticos acusativos, dativos, reflexos e não-argumentais nas seguintes condições: a) em contextos de ênclise em frases declarativas; b) em contextos de próclise (envolvendo negação e interrogativas); c) em contextos de ilhas. Esta última condição destina-se a controlar a diferença entre objecto nulo e omissão4, apenas em clíticos acusativos e dativos. Neste caso, não é importante testar os 3 Conforme referimos na introdução, todos os testes aplicados neste estudo estão no CD de anexos que acompanha esta tese, encontrando-se organizados de acordo com o tipo de clítico, o contexto de produção e a pessoa gramatical. Este CD também contém imagens dos bonecos e acessórios utilizados, assim como os desenhos empregues na elicitação dos clíticos. 4 O fenómeno a que se chama “queda de argumento” é também uma hipótese de explicação para a omissão dos clíticos acusativos e dativos, e até dos reflexos (tendo em conta que há quem considere também estes últimos como argumentais). No entanto, nesta investigação essa possibilidade não foi explorada, uma vez que o contexto informacional que foi usado no desenho experimental favorece o uso anafórico de pronomes ou formas nulas e não a queda de argumentos. 33 pronomes reflexos e os não-argumentais em contextos de ilhas fortes, visto que não alternam com objectos nulos. Os objectos nulos também são excluídos em contextos de 1ª e 2ª pessoas. No entanto, as formas de 1ª e 2ª pessoas dos clíticos acusativos e dativos foram igualmente testados em contextos de ilhas fortes, uma vez que se considera que o estudo da pessoa gramatical é importante no confronto das duas hipóteses mencionadas anteriormente. Foram testados dois itens por condição, excepto para o caso da 3ª pessoa do singular e do plural de clíticos acusativos, em que foram elicitados quatro itens por condição, visto que foi feita distinção entre o género feminino e o género masculino. Deste modo temos, no total, 124 itens experimentais. Os clíticos acusativos e dativos foram testados em todas as pessoas: 1as, 2as e 3as pessoas do singular e do plural. Por sua vez, os clíticos reflexos e não-argumentais não foram elicitados na 2ª pessoa do plural, tendo sido testadas todas as restantes pessoas gramaticais. Quando foi experimentada a 2ª pessoa do plural dos clíticos reflexos e nãoargumentais num grupo de adultos (que, à semelhança das crianças observadas, utilizam a variedade padrão do PE), estes não produziram essa forma. Verificou-se, por exemplo, a realização de “tapem-se” em vez de “tapai-vos”, ou “portem-se bem” em detrimento de “portai-vos bem”. Assim, deduzimos que as crianças da amostra estudada, vivendo na mesma região destes adultos (área metropolitana de Lisboa), também não produziriam a forma da 2ª pessoa do plural destes tipos de clíticos, não tendo sido elicitada. As tarefas de elicitação que foram elaboradas para este trabalho eram de dois tipos. Para testar a 1ª e 2ª pessoas, era feita uma representação com bonecos com os quais a criança interagia. Relativamente à 3ª pessoa, foram utilizados desenhos para avaliar o desempenho das crianças. Assim, eram mostrados sequencialmente dois desenhos: em relação ao primeiro, descrevia-se à criança o que estava representado e para o segundo perguntavase-lhe o que um ou mais bonecos tinham feito ou o que lhes tinha acontecido. Todos os desenhos utilizados foram elaborados especificamente para estes testes. A ordem de aplicação das diferentes tarefas às crianças foi aleatoriamente sorteada. 34 Nestes testes, sob o ponto de vista discursivo, procurou-se salientar o constituinte que deveria ser pronominalizado, ou seja, de acordo com o contexto favorecia-se a sua pronominalização. Deste modo, o contexto de apresentação da história ou de descrição da imagem garantia que o referente era bastante saliente, tornando-se a pronominalização não apenas bem sucedida, mas também a resposta pragmaticamente mais adequada. A fim de que as crianças pudessem compreender e produzir os verbos para elicitação dos clíticos em estudo, fizemos uma cuidada selecção. Começámos por consultar o Dicionário sintáctico de verbos portugueses, coordenado por Busse (1994), tendo feito o levantamento dos verbos apropriados para a elicitação de cada tipo de clítico. Para os clíticos acusativos, não houve dificuldade em seleccionar os verbos adequados. A escolha recaiu nos verbos pentear, cheirar, acordar, convidar, assustar, empurrar, picar, molhar, comer, beber, regar, afiar, pintar, arrumar e partir. Quanto aos clíticos dativos, optámos pelo verbo mono-argumental telefonar, fácil para as crianças, em detrimento de verbos como acenar, agradar, assobiar, obedecer, entre outros. Por termos escolhido apenas um verbo mono-argumental, na elaboração das tarefas destinadas aos clíticos dativos recorremos também aos verbos ditransitivos dar e mostrar, que são verbos que fazem parte da vida corrente das crianças. Deste modo, em cada uma das condições é utilizado um verbo monoargumental e um verbo de duplo complemento. Ainda em nossa opinião, também não são viáveis, entre outros, verbos ditransitivos como declarar, enviar, garantir, receitar, porque deduzimos que se tornariam difíceis para as crianças. Para os clíticos reflexos, a nossa preferência foi dada aos verbos pentear-se, limpar-se, tapar-se, sujar-se, molhar-se e esconder-se, verbos que são familiares para as crianças. Relativamente aos clíticos não-argumentais, a escolha dos verbos foi mais complicada. Após ponderação, decidimo-nos, para as 1ª e 2ª pessoas, pelos verbos portar-se, zangar-se e rir(-se), bem conhecidos pelas crianças. Quanto à 3ª pessoa, foram seleccionados os verbos inacusativos fechar(-se), partir(-se), apagar(-se) e 35 abrir(-se). Neste caso, foram postos de lado verbos como apaixonar-se, que seria difícil de elicitar. Mostramos, de seguida, exemplos de testes aplicados. Veja-se o caso da elicitação de um clítico acusativo, em ênclise, na 1ª pessoa do plural, em que utilizámos bonecos. Experimentador: O que será que a Avó vai fazer?! Avó: Cheira-me a qualquer coisa… Não sei bem o que é… Vocês puseram perfume? Deixa cá ver… [A Avó cheira a criança e o Fantoche] Hmmm! Vocês cheiram mesmo bem! Fantoche: Estava distraído! Não reparei no que a Avó fez. Como é que ela sabe que nós cheiramos bem?! Diz lá o que a Avó fez? RESPOSTA ESPERADA: Cheirou-nos. 36 Outro exemplo de teste, em que se elicita um clítico reflexo, em próclise, na 3ª pessoa do plural, recorrendo-se a desenhos. Experimentador (1ª imagem): Estes três meninos estiveram a jogar futebol na lama e ficaram todos sujos. Mas não faz mal! Cada um deles tem uma toalha na mão. Experimentador (2ª imagem): [Apontando para o desenho] Este menino usou esta toalha e está agora limpo. Mas estes dois continuam sujos. O que é que eles não fizeram? RESPOSTA ESPERADA: Não se limparam. 37 5.2. Descrição da amostra No sentido de verificar a consistência dos testes e para confrontação com as respostas das crianças, os mesmos foram aplicados a um grupo de controlo, constituído por 15 adultos. Este grupo de adultos é homogéneo no que se refere à sua idade (entre os 24 e os 27 anos), todos com o 12º ano, em que 13 deles são licenciados em diversas áreas (Antropologia, Arqueologia, Artes Cinematográficas, Engenharia Informática, História de Arte, Linguística, Medicina Dentária). Todos são falantes da variedade padrão do PE. Para cada um destes adultos, a aplicação dos testes demorou cerca de 2 horas. Nenhum deles sabia, antecipadamente, nem qual era o conteúdo nem qual era a finalidade dos testes. Apresentamos uma tabela em que se pode observar dados sobre o grupo de controlo. Adultos Média de Idades Sexo feminino Sexo masculino Total [24,0; 27,0[ 25 anos e 2 meses 9 6 15 Tabela 2: Caracterização do grupo de controlo quanto ao número de elementos e às idades. A fim de concretizarmos a nossa investigação, efectuámos em primeiro lugar contactos com as entidades dirigentes de infantários, onde nos deslocámos para observar o desempenho de crianças, em idade pré-escolar, relativamente à produção de clíticos. Para que as crianças colaborassem nesta pesquisa, foi necessário solicitar a autorização dos seus encarregados de educação. Para a realização deste estudo, foram testadas 73 crianças, dos 3 aos 6 anos e 6 meses, que frequentavam dois infantários da cidade do Barreiro (margem sul do Tejo), situada na área metropolitana de Lisboa: Externato Diocesano D. Manuel de Mello e jardim de infância O Barquinho. As diferentes tarefas, aplicadas individualmente às crianças escolhidas, foram gravadas em vídeo e em áudio. Para cada uma delas foram necessárias várias sessões, de modo a serem aplicados todos os 124 testes experimentais. As crianças foram divididas em quatro grupos etários. 38 Na tabela que se segue, podemos observar a composição dos grupos etários testados: Grupo etário Média de Idades Sexo feminino Sexo masculino Total [3,0; 4,0[ 3 anos e 7 meses 11 4 15 [4,0; 5,0[ 4 anos e 5 meses 16 11 27 [5,0; 6,0[ 5 anos e 6 meses 9 12 21 [6,0; 6,5[ 6 anos e 3 meses 5 5 10 —— 41 32 73 Total Tabela 3: Caracterização da amostra quanto ao número de elementos e às idades. As tarefas de recolha de dados tiveram a duração de cerca de 4 meses e meio (desde 19 de Março de 2007 até 30 de Julho de 2007, apenas com interrupção durante as férias da Páscoa). Tendo sido necessário aumentar o número de elementos do grupo etário [6,0; 6,5[, nos dias 23, 24 e 25 de Junho de 2008 foram testadas mais três crianças desta idade. 39 5.3. Análise dos dados Após a recolha de todos os dados5, procedeu-se ao respectivo tratamento e análise. Os dados foram ordenados e classificados de acordo com os quatro grupos etários envolvidos e segundo os diferentes tipos de clíticos, os contextos de elicitação e as pessoas gramaticais. Quanto às respostas obtidas, foram classificadas segundo as seguintes categorias: clítico, forma nula, DP e pronome forte. Na produção dos clíticos acusativos e dativos foram encontrados estes quatro tipos de resposta. Quanto à elicitação dos clíticos reflexos e não-argumentais apenas foram obtidas respostas com clítico ou com forma nula, conforme se previa. Nas respostas elicitadas, chamamos a atenção para os casos de redobro de clítico como “Telefonou-me a mim”, classificados como clítico. Sendo o objectivo do estudo verificar se as crianças portuguesas produzem estes pronomes, esta decisão parece-nos fazer sentido. Por sua vez, às respostas como “Deu um balão a ti e a mim” (em que há coordenação de dois pronomes fortes para expressar a 1ª pessoa do plural) foram atribuídas a classificação de pronome forte. Os poucos casos como “Não molhou a gente” também foram classificados como pronome forte. Também é importante referir que as poucas ocorrências de respostas como “Picou-lhe” em vez de “Picou-o”, ou seja, a produção de um clítico dativo de 3ª pessoa em contextos de elicitação de clíticos acusativos de 3ª pessoa, foram classificadas como clítico, não lhes tendo sido dada uma particular atenção. Esta troca de formas também se verifica na gramática do adulto. As tabelas que apresentamos contêm as frequências absolutas das ocorrências de cada tipo de resposta encontrada, relativamente ao total de respostas de cada contexto considerado, por grupo etário, mostrando também a respectiva percentagem. Os gráficos dizem respeito a estas percentagens. As respostas referentes ao grupo de controlo só são apresentadas quando as consideramos imprescindíveis para comparações. 5 Como já informámos na introdução, no CD de anexos encontram-se tabelas organizadas detalhadamente por grupo etário testado e por tipo de clítico, com todos os dados recolhidos. 40 Quanto à evolução da produção de clíticos acusativos e de dativos, incluindo a do grupo de controlo, podemos observar os resultados globais nas tabelas 4 e 5 e nos gráficos 1 e 2, que se seguem. CLÍTICOS ACUSATIVOS Clítico Forma nula DP Pronome forte [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 167/720 605/1296 634/1008 330/480 Grupo de controlo 667/720 23,20% 46,68% 62,90% 68,75% 92,64% 412/720 479/1296 204/1008 106/480 3/720 57,22% 36,96% 20,24% 22,08% 0,42% 44/720 140/1296 133/1008 30/480 50/720 6,11% 10,80% 13,19% 6,25% 6,94% 97/720 72/1296 37/1008 14/480 0/720 13,47% 5,56% 3,67% 2,92% 0% Tabela 4: Dados globais obtidos para clíticos acusativos por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo CLÍTICOS ACUSATIVOS Clítico Forma nula DP Pronome forte Gráfico 1: Resultados globais obtidos (em percentagens) para clíticos acusativos em cada grupo etário. Como se pode observar neste gráfico, à medida que a idade das crianças aumenta, a tendência é para que a produção de clíticos aumente enquanto a produção de 41 formas nulas diminui. Existe mesmo uma correlação forte entre o aumento de clíticos e a diminuição de formas nulas. CLÍTICOS DATIVOS Clítico Forma nula DP Pronome forte [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 36/540 308/972 400/756 201/360 Grupo de controlo 502/540 6,67% 31,69% 52,91% 55,83% 92,96% 296/540 460/972 200/756 93/360 9/540 54,82% 47,33% 26,45% 25,84% 1,67% 24/540 50/972 48/756 26/360 29/540 4,44% 5,14% 6,35% 7,22% 5,37% 184/540 154/972 108/756 40/360 0/540 34,07% 15,84% 14,29% 11,11% 0% Tabela 5: Dados globais obtidos para clíticos dativos por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo CLÍTICOS DATIVOS Clítico Forma nula DP Pronome forte Gráfico 2: Resultados globais obtidos (em percentagens) para clíticos dativos em cada grupo etário. 42 Os resultados obtidos, nas crianças, para clíticos acusativos e para clíticos dativos são semelhantes. No entanto, para o caso dos clíticos dativos há uma produção evidente de pronomes fortes. Verificamos que, mesmo no grupo [6,0; 6,5[, a produção destes dois tipos de clíticos ainda está bastante distanciada da que é registada nos adultos. Seguidamente, apresentamos os resultados referentes à produção de clíticos reflexos e não-argumentais. Como podemos reparar, há um paralelismo nos valores obtidos para estes dois tipos de clíticos, apresentando a mesma tendência. CLÍTICOS REFLEXOS Clítico Forma nula [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 84/300 365/540 337/420 172/200 Grupo de controlo 300/300 28% 67,59% 80,24% 86% 100% 216/300 175/540 83/420 28/200 0/300 72% 32,41% 19,76% 14% 0% Tabela 6: Dados globais obtidos para clíticos reflexos por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo CLÍTICOS REFLEXOS Clítico Forma nula Gráfico 3: Resultados globais obtidos (em percentagens) para clíticos reflexos em cada grupo etário. 43 CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS Clítico Forma nula [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 97/300 365/540 339/420 175/200 Grupo de controlo 296/300 32,33% 67,59% 80,71% 87,50% 98,67% 203/300 175/540 81/420 25/200 4/300 67,67% 32,41% 19,29% 12,50% 1,33% Tabela 7: Dados globais obtidos para clíticos não-argumentais por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS Clítico Forma nula Gráfico 4: Resultados globais obtidos (em percentagens) para clíticos nãoargumentais em cada grupo etário. Relativamente às crianças, as taxas de produção, quer de clíticos reflexos quer de clíticos não-argumentais, revelaram-se significativamente superiores às dos clíticos acusativos e dativos (veja-se os gráficos 3 e 4 e compare-se com os gráficos 1 e 2). Deste modo, podemos considerar que as formas clíticas reflexas e não-argumentais são menos omitidas que as não-reflexas. A correlação existente entre a produção de clíticos e a produção de formas nulas também está presente nos resultados dos clíticos reflexos e não-argumentais. Nestes casos, a produção das crianças vai aumentando progressivamente e verificamos que no grupo [6,0; 6,5[ já não se encontra muito distanciada da dos adultos. 44 Vejamos como ficaram estabelecidos os resultados referentes aos clíticos acusativos e dativos em ilhas fortes6 (tabelas 8 e 9 e gráficos 5 e 6). Nestes casos, também apresentamos os resultados relativos ao grupo de controlo, em virtude da aceitação por parte das crianças, ao contrário dos adultos (0%), de objectos nulos nestes contextos. CLÍTICOS ACUSATIVOS EM ILHAS FORTES Clítico Forma nula DP Pronome forte [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo 49/240 194/432 196/336 105/160 198/240 20,42% 44,91% 58,33% 65,63% 82,50% 109/240 107/432 35/336 20/160 0/240 45,42% 24,77% 10,42% 12,50% 0% 38/240 107/432 92/336 28/160 42/240 15,83% 24,77% 27,38% 17,50% 17,50% 44/240 24/432 13/336 7/160 0/240 18,33% 5,55% 3,87% 4,37% 0% Tabela 8: Dados obtidos para clíticos acusativos em contexto de ilhas fortes por grupo etário. 6 O grupo de controlo composto por 15 adultos, em contextos de ilhas fortes, nunca omitiu o complemento, produzindo quase sempre os clíticos acusativos e dativos, observando-se também nas suas respostas DPs (mais frequentes nos pronomes acusativos do que nos dativos). Por este motivo, considerámos que, nestes contextos, a hipótese de elipse de VP (viável na gramática adulta do PE) não seria uma resposta possível por parte das crianças. 45 100% 80% 60% 40% 20% 0% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 0% Grupo de controlo CLÍTICOS ACUSATIVOS EM ILHAS FORTES Clítico Forma nula DP Pronome forte Gráfico 5: Produção (em percentagens) de clíticos acusativos em contexto de ilhas fortes em cada grupo etário. Neste contexto (gráfico 5), nas crianças, verificou-se uma taxa significativa de DPs. Podemos, portanto, afirmar que as crianças parecem demonstrar ter algum conhecimento relativamente à distribuição de objectos nulos, uma vez que não são legítimos nestes contextos. Contudo, as crianças omitem os clíticos acusativos em ilhas fortes (foram encontradas formas nulas neste contexto em todas as faixas etárias). 46 CLÍTICOS DATIVOS EM ILHAS FORTES [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo 13/180 97/324 125/252 64/120 164/180 7,22% 29,94% 49,60% 53,33% 91,11% 83/180 135/324 57/252 16/120 0/180 46,11% 41,67% 22,62% 13,33% 0% 14/180 28/324 26/252 19/120 16/180 7,78% 8,64% 10,32% 15,84% 8,89% 70/180 64/324 44/252 21/120 0/180 38,89% 19,75% 17,46% 17,50% 0% Clítico Forma nula DP Pronome forte Tabela 9: Dados obtidos para clíticos dativos em contexto de ilhas fortes por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 0% Grupo de controlo CLÍTICOS DATIVOS EM ILHAS FORTES Clítico Forma nula DP Pronome forte Gráfico 6: Produção (em percentagens) de clíticos dativos em contexto de ilhas fortes em cada grupo etário. Neste caso (gráfico 6), nas crianças, verificou-se uma taxa significativa de pronomes fortes. Como sabemos, também ocorre nos adultos, embora seja considerada 47 marginal, esta substituição do clítico dativo por pronome forte. Porém, tal não aconteceu com este grupo de controlo. Vamos apresentar nas tabelas 10 e 11 e nos gráficos 7 e 8, a produção de clíticos acusativos e dativos quanto à pessoa gramatical, quer no singular quer no plural. CLÍTICOS ACUSATIVOS 1ªp Sing 1ªp Plur 2ªp Sing 2ªp Plur 3ªp Sing 3ªp Plur [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 61/90 141/162 119/126 59/60 67,78% 87,04% 94,44% 98,33% 21/90 105/162 101/126 58/60 23,33% 64,81% 80,16% 96,67% 50/90 131/162 120/126 60/60 55,56% 80,86% 95,24% 100% 8/90 96/162 99/126 47/60 8,89% 59,26% 78,57% 78,33% 8/180 52/324 85/252 47/120 4,44% 16,05% 33,73% 39,17% 19/180 80/324 110/252 59/120 10,56% 24,69% 43,65% 49,17% Tabela 10: Valores obtidos na produção de clíticos acusativos de acordo com a pessoa gramatical por grupo etário. 48 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS ACUSATIVOS 1ªp Sing 1ªp Plur 2ªp Sing 2ªp Plur 3ªp Sing 3ªp Plur Gráfico 7: Resultados obtidos (em percentagens) para a produção de clíticos acusativos de acordo com a pessoa gramatical em cada grupo etário. CLÍTICOS DATIVOS 1ªp Sing 1ªp Plur 2ªp Sing 2ªp Plur 3ªp Sing 3ªp Plur [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 14/90 89/162 106/126 50/60 15,56% 54,94% 84,13% 83,33% 0/90 40/162 61/126 43/60 0% 24,69% 48,41% 71,67% 20/90 101/162 106/126 53/60 22,22% 62,35% 84,13% 88,33% 0/90 43/162 55/126 27/60 0% 26,54% 43,65% 45% 1/90 21/162 38/126 15/60 1,11% 12,96% 30,16% 25% 1/90 14/162 34/126 13/60 1,11% 8,64% 26,98% 21,67% Tabela 11: Valores obtidos na produção de clíticos dativos de acordo com a pessoa gramatical por grupo etário. 49 100% 80% 60% 40% 20% 0% 0% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS DATIVOS 1ªp Sing 2ªp Sing 3ªp Sing 1ªp Plur 2ªp Plur 3ªp Plur Gráfico 8: Resultados obtidos (em percentagens) para a produção de clíticos dativos de acordo com a pessoa gramatical em cada grupo etário. Como se pode observar nos gráficos 7 e 8, verificou-se uma maior taxa de produção de pronomes clíticos não-reflexos (conjunto dos clíticos acusativos e dativos) de 1ª e 2ª pessoas do que de 3ª pessoa, em todos os grupos etários. No entanto, nas 1as e 2as pessoas, as formas do singular são mais produzidas do que as do plural. 50 Apresentam-se de seguida duas tabelas e dois gráficos referentes à variação da pessoa gramatical, sendo a tabela 12 e o gráfico 9 relativos aos clíticos reflexos e os outros respeitantes aos clíticos não-argumentais (tabela 13 e gráfico 10). CLÍTICOS REFLEXOS 1ªp Sing 1ªp Plur 2ªp Sing [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 23/60 85/108 75/84 37/40 38,33% 78,70% 89,29% 92,50% 2/60 19/108 31/84 26/40 3,33% 17,59% 36,90% 65% 13/60 76/108 74/84 40/40 21,67% 70,37% 88,10% 100% 27/60 94/108 78/84 37/40 45% 87,04% 92,86% 92,50% 19/60 91/108 79/84 32/40 31,67% 84,26% 94,05% 80% 2ªp Plur 3ªp Sing 3ªp Plur Tabela 12: Valores obtidos na produção de clíticos reflexos de acordo com a pessoa gramatical por grupo etário. 51 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS REFLEXOS 1ªp Sing 2ªp Sing 3ªp Sing 1ªp Plur — 3ªp Plur Gráfico 9: Resultados obtidos (em percentagens) para a produção de clíticos reflexos de acordo com a pessoa gramatical em cada grupo etário. CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS 1ªp Sing 1ªp Plur 2ªp Sing [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 16/60 81/108 78/84 36/40 26,67% 75% 92,86% 90% 2/60 24/108 31/84 27/40 3,33% 22,22% 36,90% 67,50% 10/60 76/108 75/84 39/40 16,67% 70,37% 89,29% 97,50% 42/60 92/108 74/84 36/40 70% 85,19% 88,10% 90% 27/60 92/108 81/84 37/40 45% 85,19% 96,43% 92,50% 2ªp Plur 3ªp Sing 3ªp Plur Tabela 13: Valores obtidos na produção de clíticos não-argumentais de acordo com a pessoa gramatical por grupo etário. 52 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS 1ªp Sing 2ªp Sing 3ªp Sing 1ªp Plur — 3ªp Plur Gráfico 10: Resultados obtidos (em percentagens) para a produção de clíticos nãoargumentais de acordo com a pessoa gramatical em cada grupo etário. Contrariamente ao que aconteceu para os clíticos não-reflexos, quer na produção de clíticos reflexos quer na de não-argumentais, observou-se uma maior percentagem de formas clíticas de 3ª pessoa do que de 1ª e 2ª pessoas (ver gráficos 9 e 10). No que diz respeito à diferença de número, na 1ª pessoa as formas do singular são mais produzidas do que as do plural. 53 Passamos a apresentar a tabela 14 e o gráfico 11 que dizem respeito à comparação das produções de clíticos em contextos em que o objecto nulo é excluído. GRUPOS ETÁRIOS CONTEXTOS [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 95/240 312/432 292/396 151/160 39,58% 72,22% 86,90% 94,38% 97/300 365/540 339/420 175/200 32,33% 67,59% 80,71% 87,50% 84/300 365/540 337/420 172/200 28% 67,59% 80,24% 86% 49/240 194/432 196/336 105/160 20,42% 44,91% 58,33% 65,63% 23/240 191/432 227/336 118/160 9,58% 44,21% 67,56% 73,75% 13/180 97/324 125/252 64/120 7,22% 29,94% 49,60% 53,33% OBRIGATÓRIOS 1ª e 2ª pessoas - acusativos (ênclise + próclise) Clíticos não-argumentais Clíticos reflexos Ilhas fortes - acusativos 1ª e 2ª pessoas - dativos (ênclise + próclise) Ilhas fortes - dativos Tabela 14: Produção de clíticos em contextos obrigatórios por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ 1ª e 2ª pessoas - acusativos (ênclise + próclise) Clíticos não argumentais Clíticos reflexos Ilhas fortes - acusativos 1ª e 2ª pessoas - dativos (ênclise + próclise) Ilhas fortes - dativos Gráfico 11. Produção (em percentagens) de clíticos em contextos obrigatórios em cada grupo etário. 54 No que diz respeito aos contextos em que o objecto nulo é excluído, as formas de 1ª e 2ª pessoas dos clíticos acusativos, os clíticos não-argumentais e os clíticos reflexos registam a maior produção em todas as faixas etárias. As ilhas fortes são o contexto em que a aquisição da obrigatoriedade de produção de clíticos é mais tardia. Apresentando inicialmente uma produção baixa, os contextos de 1ª e 2ª pessoas dos clíticos dativos recuperam o atraso e ultrapassam os clíticos acusativos em contextos de ilhas a partir dos 5 anos de idade. Vamos mostrar, por meio das tabelas 15, 16, 17 e 18 e dos correspondentes gráficos 12, 13, 14 e 15, os resultados conseguidos na produção de clíticos acusativos, dativos, reflexos e não-argumentais de acordo com os dois principais padrões de colocação de clíticos (ênclise e próclise). 55 CLÍTICOS ACUSATIVOS [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Clítico Forma nula DP Pronome forte [6,0; 6,5[ Próclise Ênclise Próclise 59/240 59/240 213/432 198/432 217/336 221/336 113/160 112/160 24,58% 24,58% 49,31% 45,83% 64,58% 65,77% 70,62% 70% 158/240 145/240 184/432 188/432 87/336 82/336 43/160 43/160 65,83% 60,42% 42,59% 43,52% 25,89% 24,40% 26,88% 26,88% 1/240 5/240 14/432 19/432 22/336 19/336 1/160 1/160 0,42% 2,08% 3,24% 4,40% 6,55% 5,66% 0,62% 0,62% 22/240 31/240 21/432 27/432 10/336 14/336 3/160 4/160 9,17% 12,92% 4,86% 6,25% 2,98% 4,17% 1,88% 2,50% Tabela 15: Valores obtidos na produção de clíticos acusativos segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS ACUSATIVOS Clítico Forma nula DP Pronome forte Gráfico 12: Produção (em percentagens) de clíticos acusativos segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) em cada grupo etário. 56 CLÍTICOS DATIVOS [3,0; 4,0[ Clítico Forma nula DP Pronome forte [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise 14/180 9/180 99/324 112/324 137/252 138/252 64/120 73/120 7,78% 5% 30,56% 34,57% 54,37% 54,76% 53,33% 60,83% 111/180 102/180 167/324 158/324 75/252 68/252 44/120 33/120 61,66% 56,67% 51,54% 48,76% 29,76% 26,99% 36,67% 27,50% 5/180 5/180 13/324 9/324 13/252 9/252 5/120 2/120 2,78% 2,78% 4,01% 2,78% 5,16% 3,57% 4,17% 1,67% 50/180 64/180 45/324 45/324 27/252 37/252 7/120 12/120 27,78% 35,55% 13,89% 13,89% 10,71% 14,68% 5,83% 10% Tabela 16: Valores obtidos na produção de clíticos dativos segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS DATIVOS Clítico Forma nula DP Pronome forte Gráfico 13: Produção (em percentagens) de clíticos dativos segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) em cada grupo etário. 57 CLÍTICOS REFLEXOS [3,0; 4,0[ Clítico Forma nula [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise 42/150 42/150 181/270 184/270 164/210 173/210 83/100 89/100 28% 28% 67,04% 68,15% 78,10% 82,38% 83% 89% 108/150 108/150 89/270 86/270 46/210 37/210 17/100 11/100 72% 72% 32,96% 31,85% 21,90% 17,62% 17% 11% Tabela 17: Valores obtidos na produção de clíticos reflexos segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS REFLEXOS Clítico Forma nula Gráfico 14: Produção (em percentagens) de clíticos reflexos segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) em cada grupo etário. 58 CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS [3,0; 4,0[ Clítico Forma nula [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise 49/150 48/150 188/270 177/270 174/210 165/210 89/100 86/100 32,67% 32% 69,63% 65,56% 82,86% 78,57% 89% 86% 101/150 102/150 82/270 93/270 36/210 45/210 11/100 14/100 67,33% 30,37% 34,44% 17,14% 21,43% 11% 14% 68% Tabela 18: Valores obtidos na produção de clíticos não-argumentais segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) por grupo etário. 100% 80% 60% 40% 20% 0% Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise Ênclise Próclise [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ CLÍTICOS NÃO ARGUMENTAIS Clítico Forma nula Gráfico 15: Produção (em percentagens) de clíticos não-argumentais segundo a sua posição variável (ênclise e próclise) em cada grupo etário. Como podemos reparar neste conjunto de tabelas e de gráficos, dentro de cada grupo etário quase que não se nota diferenciação entre a ênclise e a próclise no que se refere aos valores da produção de clíticos; pode-se dizer que há praticamente uma equivalência de produções nestes dois padrões de colocação de clíticos. 59 Conforme já referimos anteriormente, para os casos da 3ª pessoa do singular e da 3ª pessoa do plural de clíticos acusativos, foram testados quatro itens por condição, dado que era necessário fazer a distinção entre o género feminino e o género masculino. Apresentamos, assim, a tabela 19 relativa à produção de respostas clíticas referentes a clíticos acusativos nessas pessoas e géneros, em somatório, nos três contextos considerados (ênclise, prócise e ilhas). CLÍTICOS ACUSATIVOS 3ª pessoa singular 3ª pessoa plural feminino masculino feminino masculino [3,0; 4,0[ 7/90 7,78% 1/90 1,11% 9/90 10% 10/90 11,11% [4,0; 5,0[ 35/162 21,60% 17/162 10,49% 36/162 22,22% 44/162 27,16% [5,0; 6,0[ 48/126 38,10% 37/126 29,37% 57/126 45,24% 53/126 42,06% [6,0; 6,5[ 26/60 43,33% 21/60 35% 33/60 55% 26/60 43,33% Grupo de controlo 79/90 87,78% 75/90 83,33% 78/90 86,67% 75/90 83,33% Tabela 19: Valores obtidos na produção de clíticos acusativos de 3as pessoas nos géneros feminino e masculino. Como se nota, há uma produção ligeiramente superior de clíticos no feminino, sendo mais acentuada no singular do que no plural. No entanto a produção das crianças ainda está distante da dos adultos. Devido à diferença de propriedades semântico-sintácticas entre o verbo monoargumental telefonar e os verbos de duplo complemento (ditransitivos) dar e mostrar, é conveniente analisar os desempenhos das crianças no que diz respeito ao confronto entre a sua produção de clíticos dativos com estas duas subclasses verbais. Passemos a observar a tabela 20. Esta contém, quanto aos clíticos dativos, em somatório, os valores respeitantes às respostas das crianças e do grupo de controlo para 60 o verbo telefonar e os verbos dar e mostrar, nos três contextos considerados (ênclise, prócise e ilhas). Embora se note alguma diferença, esta não é significativa e, portanto, podemos afirmar que, relativamente aos clíticos dativos, as crianças se comportam de um modo bastante similar com estes dois tipos de verbos. Por sua vez, o grupo de controlo também apresenta a mesma similitude de comportamento quanto a esta questão. CLÍTICOS DATIVOS Verbo mono-argumental (telefonar) [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo Verbos ditransitivos (dar e mostrar) Clítico Forma nula DP Pronome forte Clítico Forma nula DP Pronome forte 15/270 155/270 8/270 92/270 21/270 141/270 16/270 92/270 5,56% 57,41% 2,96% 34,07% 7,78% 52,22% 5,93% 34,07% 135/486 236/486 29/486 86/486 173/486 224/486 21/486 68/486 27,78% 48,56% 5,97% 17,69% 35,60% 46,09% 4,32% 13,99% 183/378 96/378 28/378 71/378 217/378 104/378 20/378 37/378 48,41% 25,40% 7,41% 18,78% 57,41% 27,51% 5,29% 9,79% 91/180 50/180 14/180 25/180 110/180 43/180 12/180 15/180 50,55% 27,78% 7,78% 13,89% 61,11% 23,89% 6,67% 8,33% 248/270 7/270 15/270 0/270 254/270 2/270 14/270 0/270 91,85% 2,59% 5,56% 0% 94,07% 0,74% 5,19% 0% Tabela 20: Valores obtidos na elicitação de clíticos dativos para o verbo telefonar e os verbos dar e mostrar. No que diz respeito aos clíticos não-argumentais, um dos verbos testados foi rir(-se), com qual o clítico inerente ocorre opcionalmente, conforme confirmam Duarte, Matos, Gonçalves & Ribeiro (2001). No entanto, quando se procedeu, no grupo de controlo, à elicitação deste verbo em ênclise na 1ª e 2ª pessoas, verificámos que as respostas corresponderam em 100% à produção dos clíticos não-argumentais. Não houve qualquer registo de forma nula, pelo que a opcionalidade deste tipo de clítico com o verbo rir(-se) não se reflectiu no comportamento dos adultos. No que se refere às respostas das crianças, temos a assinalar a existência de opcionalidade neste caso, 61 conforme mostramos na tabela que se segue. Para comparação, também apresentamos os resultados para o verbo portar-se, em que o clítico inerente é obrigatório, nos mesmos contextos de produção do verbo rir(-se). Relembramos que, na produção de clíticos não-argumentais, apenas há respostas com clítico ou com forma nula. Na tabela que se segue, os valores apresentados referem-se à resposta clítica, pelo que para a resposta com forma nula basta deduzir os valores complementares. CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS Ênclise 1ª pessoa (singular e plural) + 2ª pessoa (singular) [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo 5/45 11,11% 45/81 55,56% 46/63 73,02% 23/30 76,67% 45/45 100% Verbo rir(-se) 10/45 51/81 49/63 26/30 45/45 Verbo 22,22% 62,96% 77,78% 86,67% 100% portar-se Tabela 21: Produção de clíticos não-argumentais com os verbos rir-se e portar-se. Como se pode observar, à medida que aumenta a idade das crianças, a produção de clíticos também aumenta. Esta tendência acompanha, portanto, o que se passa com os outros verbos nos clíticos não-argumentais e também é o que acontece quanto aos outros clíticos. Os verbos inacusativos, escolhidos para elicitar as formas de 3ª pessoa, também apresentam variação na produção de clíticos não-argumentais. Apresentamos de seguida uma nova tabela, onde podemos observar os dados referentes ao comportamento dos grupos etários testados nos contextos em que se elicitaram clíticos não-argumentais por meio deste tipo de verbos. 62 CLÍTICOS NÃO-ARGUMENTAIS Verbos inacusativos fechar(-se), partir(-se), apagar(-se) e abrir(-se) Ênclise + Próclise 3ª pessoa (singular e plural) [3,0; 4,0[ [4,0; 5,0[ [5,0; 6,0[ [6,0; 6,5[ Grupo de controlo Clítico 69/120 57,50% 184/216 85,19% 155/168 92,26% 73/80 91,25% 116/120 96,67% Forma nula 51/120 42,50% 32/216 14,81% 13/168 7,74% 7/80 8,75% 4/120 3,33% Tabela 22: Produção de clíticos não-argumentais de 3ª pessoa com verbos inacusativos. De acordo com a informação presente, verificamos que há, em todos os grupos etários, uma clara preferência pela produção do clítico se-ergativo/anticausativo em detrimento da forma nula. 63 5.4. Discussão dos resultados Os dados recolhidos permitem fornecer mais esclarecimentos sobre a causa da omissão de clíticos em PE, possibilitando a comparação entre duas hipóteses alternativas. Assim, poder-se-á verificar se tal se deve à hipótese da UCC (em termos de verificação de traços) ou se, conforme se tem vindo a propor nos estudos de Costa & Lobo (2006, 2007), é motivada pela complexidade do sistema linguístico (em termos de escolhas pós-sintácticas). No entanto, a hipótese da UCC apenas pode ser ponderada para os dados do PE se se tiver em conta que os clíticos possam entrar numa relação de dupla verificação envolvendo traços diferentes (conforme veremos seguidamente) dos originalmente formulados por este princípio. Consideramos que a elicitação de diferentes tipos de clíticos e o estudo da pessoa gramatical são importantes nesta comparação. 5.4.1. Elicitação de diferentes tipos de clíticos A UCC prevê que não haja diferenças entre os vários tipos de clíticos, dado que é defensável que qualquer deles (exceptuando, possivelmente, os não-argumentais se se assumir que são gerados no domínio funcional) participe em mais do que uma relação de verificação de traços (Caso e atracção por Infl, de acordo com Duarte & Matos, 2000). Deste modo, esperar-se-ia que houvesse taxas de omissão uniformes para todos os tipos de clíticos considerados. Tal não aconteceu. Por outro lado, verificámos que a evolução da produção dos clíticos em PE não se efectua entre os 2 e os 3 anos, ao contrário do que acontece em outras línguas e em concordância com a UCC. As crianças portuguesas continuam a omitir clíticos até mais tarde. Assim, a hipótese da UCC para explicar a omissão em PE, mesmo tendo em conta traços diferentes, não pode ser considerada pois estaria em causa a natureza maturacional deste princípio. Por sua vez, à luz da hipótese da complexidade, aguardar-se-ia que houvesse um maior número de omissões dos clíticos que variam livremente com objecto nulo, uma vez que estes obrigam a escolhas pós-sintácticas entre derivações convergentes. Logo, previa-se que os clíticos reflexos e não-argumentais fossem mais fáceis para as crianças e por conseguinte menos omitidos, visto que não alternam com objectos nulos. Neste 64 estudo verificou-se de facto que, para as crianças, os clíticos reflexos e os nãoargumentais revelaram ser menos problemáticos que os clíticos acusativos e dativos, tendo uma taxa de omissão inferior. Este facto confirma a previsão desta segunda hipótese. Estes resultados referentes aos clíticos reflexos são comparáveis aos de Jakubowicz e Rigaut (2000), que mostraram, conforme já referimos (cf. p. 18), que o desempenho das crianças francesas para os reflexos de 3ª pessoa é melhor do que para os acusativos de 3ª pessoa. Esta diferença não é explicada pela UCC, pelo que as autoras argumentam que esta dissociação é compatível com uma hipótese de complexidade computacional. De acordo com os dados recolhidos, podemos afirmar que as crianças portuguesas omitem clíticos e têm a construção de objecto nulo. Foram encontradas formas nulas em todos os contextos, nomeadamente em ilhas (em que o objecto nulo não é possível) e com pronomes reflexos e não-argumentais (casos em que também não deveria haver variação com a construção de objecto nulo), para todas a faixas etárias (consultar gráficos 3, 4, 5 e 6). Podemos, portanto, considerar que esta omissão em contextos de não alternância com objecto nulo se deve a uma sobregeneralização desta construção, conforme propõem Costa & Lobo (2007). Fazendo uma leitura dos resultados globais relativos aos gráficos 1 e 2, podemos afirmar que há alguma diferença, embora não significativa, entre a produção de clíticos acusativos (um melhor desempenho) e dativos. No entanto, as taxas de omissão de formas clíticas acusativas e dativas são comparáveis, sendo de destacar que na condição dativa, contrariamente ao que se passa com a acusativa, há uma nítida produção de pronomes fortes. Deste modo, podemos considerar que, na produção de clíticos dativos, existe competição entre várias derivações convergentes: clítico, objecto nulo e pronome forte. Tal pode aumentar a complexidade do sistema, confirmando-se assim o que concluíram Carmona & Silva (2007). Quanto aos pronomes acusativos, a concorrência é entre clítico e objecto nulo. Além de termos verificado a ocorrência de formas nulas em ilhas fortes, onde os objectos nulos são excluídos, podemos notar no gráfico 11 que é em ilhas onde se processa mais tardiamente a aquisição da obrigatoriedade de produção de clíticos. Por sua vez, Costa & Lobo (no prelo) revelam que, em tarefas de compreensão, “as crianças 65 aceitam objectos nulos em ilhas, ao contrário do que acontece na gramática do adulto”. Assim, podemos afirmar que o desempenho das crianças em contextos de ilhas revela que o seu domínio destes contextos não é estável. 5.4.2. Especificação da pessoa gramatical De acordo com a UCC, todos os clíticos (à excepção, possivelmente, dos nãoargumentais) entram em relações de verificação de traços no domínio funcional. Deste modo, segundo esta hipótese, não se esperariam nas crianças diferenças significativas entre as 3as pessoas de clíticos acusativos e dativos e as outras pessoas gramaticais. Quanto à relevância da distinção da pessoa gramatical, segundo a hipótese da complexidade, esperar-se-ia que fosse crucialmente distinta nos contextos acusativo e dativo, dado que o objecto nulo é legítimo nas 3as pessoas nestes contextos. Assim, seria de prever que houvesse maior produção de clíticos de 1ª e 2ª pessoas (com os quais não há variação com objectos nulos). De facto, verificou-se uma maior produção de clíticos de 1ª e de 2ª pessoas (quer do singular quer do plural) do que de 3ª pessoa (singular e plural), nas formas clíticas de acusativo e dativo. Tal já havia sido observado em Carmona & Silva (2007) para os clíticos dativos. Podemos considerar, portanto, que os contextos de 1ª e 2ª pessoas são menos complexos, não havendo variação com objecto nulo (consultar gráficos 7 e 8). Fica, portanto, confirmada a previsão da hipótese de complexidade. Quanto aos clíticos reflexos e não-argumentais, observou-se tendencialmente nas 3as pessoas uma percentagem de formas clíticas superior às das 1as e 2as pessoas. Esta diferença, mesmo com clíticos que não alternam com objectos nulos, sugere que a marcação de pessoa é um factor crucial na aquisição dos clíticos (gráficos 9 e 10). Poder-se-ia atribuir, hipoteticamente, esta diferença de produção de pessoa nos contextos de clíticos reflexos e não-argumentais ao estatuto sintáctico de se. Por exemplo, Fiéis & Pratas (2005, 2007) consideram não-argumentais todos os clíticos do tipo se (ligados à 3ª pessoa), parecendo-nos que estabelecem uma relação entre este estatuto não-argumental e a natureza afixal deste morfema, que afirmam ser inserido pós-sintacticamente. 66 No entanto, esta assunção nunca poderia implicar que se considerasse que os clíticos de 1ª e 2ª pessoas tivessem uma natureza afixal, mesmo quando não são argumentais. 5.4.3. Variação entre ênclise e próclise No que diz respeito à variação entre ênclise e próclise, este factor contribui para que a aquisição dos clíticos seja mais complexa, tendo sido registados erros na sua colocação em todos os grupos etários infantis. Foi, portanto, observada uma generalização do padrão enclítico, apesar da presença de elementos que induzem próclise. Apresentamos, de seguida, alguns exemplos: (55) a. Não convidou-me para a festa. (Rita, 3 anos e 7 meses) b. A Avó já deu-te uma prenda? (Ariana, 3 anos e 8 meses) c. Não molhei-me. (Inês, 4 anos e 4 meses) d. Não portes-te mal. (Tiago, 4 anos e 10 meses) e. A Princesa ficou contente quando regou-as. (Catarina, 5 anos e 9 meses) f. Não picou-nos. (Rui, 5 anos e 11 meses) g. O Príncipe está a chorar porque partiu-o. (Érica, 6 anos e 3 meses) h. Não penteou-se. (Francisco, 6 anos e 3 meses) Esta generalização da ênclise já havia sido referida por Duarte, Matos & Faria (1995) e Duarte & Matos (2000), conforme tínhamos informado anteriormente (cf. p. 11). Contudo, não se afigura que a variação entre os padrões enclítico e proclítico desempenhe um papel importante na produção ou omissão de clíticos. Logo, não parece contribuir para a distinção entre a hipótese da UCC e a da complexidade. Fica, assim, confirmado o que já anteriormente tinham concluído, embora com estudos menos aprofundados, Costa & Lobo (2006, 2007), Carmona & Silva (2007), Carmona, Costa, Lobo & Silva (no prelo) e Costa, Lobo, Carmona & Silva (no prelo). 67 68 6. Conclusões A análise de todos os dados recolhidos, permite-nos extrair algumas conclusões que confirmam e acrescentam algo de novo aos anteriores estudos efectuados acerca da aquisição de clíticos, quer no que se refere ao PE, quer relativamente a outras línguas. A elicitação de clíticos diferenciados (acusativos, dativos, reflexos e nãoargumentais) e o estudo de todas as pessoas gramaticais revelou-se pertinente para a comparação das duas hipóteses explicativas da natureza da omissão de clíticos no desempenho das crianças portuguesas: a da UCC (por meio da verificação de traços) e a da complexidade do sistema linguístico (através de escolhas pós-sintácticas). Há evidência de que os resultados obtidos parecem favorecer a hipótese de complexidade em detrimento da hipótese baseada na UCC. Observámos que a omissão de clíticos em PE prossegue até mais tarde do que nas outras línguas estudadas em que também se observa omissão. Concluímos que, em PE, as taxas de omissão não são iguais para cada tipo de clítico: as crianças portuguesas revelam um melhor desempenho na produção de clíticos reflexos e não-argumentais do que na de não-reflexos (acusativos e dativos). Constatámos que, quanto aos clíticos não-reflexos, se verifica uma maior percentagem de produção de formas de 1as e 2as pessoas do que de 3as pessoas. No que se refere aos clíticos reflexos e não-argumentais, verificámos que existe tendencialmente uma maior produção de formas clíticas na 3ª pessoa do que na 1ª e 2ª pessoas. As assimetrias detectadas entre os diferentes tipos de clíticos levam-nos a considerar que a melhor explicação para a omissão de clíticos para o caso específico do PE recai na hipótese colocada em termos de escolhas pós-sintácticas. Esta prediz uma taxa de omissão superior nos contextos em que os clíticos alternam com o objecto nulo. Por sua vez, a UCC não prediz as assimetrias observadas, visto que para grande parte dos clíticos considerados é defensável que participem em mais do que uma relação de verificação de traços. A omissão de clíticos observada em contextos em que o objecto nulo não é possível (contextos de ilhas, de produção de clíticos reflexos e não-argumentais e de 1ª 69 e 2ª pessoas) leva-nos a admitir a hipótese defendida por Costa & Lobo (2007) de que este fenómeno se deve a uma sobregeneralização do objecto nulo. O estudo mostra uma nítida tendência para que as crianças aumentem a sua produção de clíticos à medida que aumenta a sua idade. Há uma correlação forte entre o crescimento de clíticos e a diminuição de objectos nulos. Podemos considerar, portanto, que esta evolução não está relacionada com a hipótese da UCC, visto que, se assim fosse, teria de se efectuar nas crianças entre os 2 e os 3 anos, de acordo com estudos efectuados em outras línguas. Deste modo, consideramos que as crianças tendem a abandonar a sobregeneralização da construção de objecto nulo. No entanto, a sua produção de clíticos conforme mostrámos, mesmo no grupo etário [6,0; 6,5[, ainda não é equivalente à dos adultos. Assim, recomendamos que para o PE se proceda futuramente a pesquisas em crianças etariamente superiores às que observámos, para se detectar em que idade é que a sua produção de clíticos equivale à dos adultos. Verificámos que, até à idade dos 6 anos e 6 meses, as crianças produzem formas nulas em ilhas fortes (em que o objecto nulo não é legítimo), ao contrário do que acontece com os adultos. Paralelamente, também notámos que, nestes contextos, a aquisição da obrigatoriedade de produção de clíticos é mais tardia. Podemos, portanto, concluir que o domínio de ilhas fortes pelas crianças portuguesas ainda não se encontra estável até essa idade. Também recomendamos que, em estudos futuros, se continue a investigar a aquisição de domínios de ilha em crianças com idades superiores às das que foram observadas neste estudo a fim de se verificar a partir de que idade elas estabilizam o conhecimento destes contextos. 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVRAM, Larisa & Martine COENE (2007). Object clitics as last resort. Implications for language acquisition. In S. Baauw, J. Van Kampen, M. Pinto (eds.) The Acquisition of Romance Languages. Selected Papers from The Romance Turn II 2006, Utrecht, LOT, pp. 7-26. BABYONYSHEV, Maria & Stefania MARIN (2005). The Acquisition of Object Clitic Constructions in Romanian. In Gess, Randall S. & Edward J. Rubin (eds.), Theoretical and Experimental Approaches to Romance Linguistics, pp. 21-40. BRITO, Ana Maria, Inês DUARTE & Gabriela MATOS (2003). Tipologia e distribuição das expressões nominais. In Mateus, M. H. M., A. M. Brito, I. Duarte & I. 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