GT GRAMÁTICA FORMAL COORDENADORA: Profa. Dra. Maria Aparecida Torres Morais (USP) EXPRESSÃO CLÍTICA DE POSSE BARROS, Ev’Ângela Batista de FALE/UFMG O objeto de estudo enfocado neste trabalho é o percurso das estratégias de expressão da idéia de posse no PB (português brasileiro), partindo do século XVII e chegando ao XX. Dentre as quatro estratégias avaliadas qualitativa e quantitativamente, será dada prioridade ao encaixamento da construção clítica de posse, apresentada abaixo em (4): (A) Pronome possessivo (1) Eu xinguei o seu irmão. (B) Sintagma preposicionado – [de + pronome]) (2) Eu xinguei o irmão dele [dele = seu irmão = Ø ]. (C) Marcador vazio (3) (?) Eu xinguei o Ø irmão. [Ø = seu irmão = irmão dele] (D) Clítico de posse: (4) Eu xinguei-lhe o irmão. [ lhe = seu = dele] Percebe-se, atualmente, um incremento do uso da estratégia (B), simultaneamente ao decréscimo das demais 1. Há uma série de condicionantes à ocorrência de cada estratégia, que concorreriam para explicar a tendência presente a evitar o pronome possessivo (por causar ambigüidade: “seu” = do interlocutor ou [de NP / 3ª pessoa]), o marcador vazio (em que há melhores resultados caso o elemento possuído seja inalienável – como em: “Eu machuquei Ø pé.” [ = meu pé]) e, finalmente, a tendência perceptível entre os falantes contemporâneos, sobretudo os mais jovens, a usar apenas estruturas clíticas de posse já cristalizadas (ou “resíduos lingüísticos”, nos termos da teoria gerativa, como: “Não me enche o saco”, “Isso me lavou a alma”, “Fulano quase me comeu o fígado”, entre outras), restringindo-se a produtividade relacionada à estratégia (D) apenas a textos veiculados pela mídia ou a textos literários, como exemplificados abaixo: (5) “Espremida pela concorrência dos vizinhos e tendo de carregar uma planilha de custos entre as menos competitivas, a anglo-holandesa, formada em 1999 a partir da fusão da British Steel e da Koninklijke Hoogovens, precisava achar uma saída que lhe garantisse a sobrevivência.” (Época nº218, 22 de julho de 2002, p.78) (6) “Descobrir o potencial de cada indivíduo, desenvolvendolhe as habilidades ao máximo limite, formando assim pessoas responsáveis e mentalmente sãs que contribuam para a comunidade global.” (material publicitário sobre a missão do Método Kumon) 1 Apresentarei os gráficos e tabelas, em fase final de execução, que apontam para a mudança gramatical ora assinalada, baseando-me na análise estrutural das quatro estratégias de expressão de posse , no período enfocado. (7) “A pessoa se sente outra. E realmente é outra. Muito mais atlético e disposto, aquele cidadão se sente de novo imerso no mundo de Apolo e Vênus. A auto-estima sobe, a sensação de poder invade-lhe a mente e ele começa a perder o foco de sua necessidade maior: manter-se em forma.” (“Cortando gorduras.” – Estado de Minas, Economia, p.18 dezembro / 2001 – revista encartada no jornal) (8) “Pensa no que deveria ter feito e deixou de fazer, e esses pensamentos não lhe saem da cabeça. “ (Veja, 31/07/02, p.80) (9) A idéia é manter o corpo no freezer para ressuscitá-lo no futuro, quando a medicina descobrir a cura do mal que lhe tirou a vida. (Isto é nº 1712, 24/07/2002, p. 90) (10) O dono do bordel banhou-a com suco de abacaxi, o que supostamente lhe clarearia a pele e “vendeu sua virgindade” por bom preço... (Veja, 04/02/04, p.114) (11)Quando Kristoff propôs comprar-lhe a liberdade, ela levou um susto. Srey Mom informou que sua liberdade custava 70 dólares. (Veja, 04/02/02, p.130) (12)Só que isso detonou um monte de protestos da turma de esquerda. Eles ficam dizendo que esse tipo de humor servia à direita. Tomei algumas boas pedradas, mas o personagem me lavou a alma.(Veja 04, fev.2004) Ancorando a hipótese de mudança, tentarei relacionar o fenômeno de decréscimo da construção clítica ao amplo e significativo processo de mudança (cujo auge se deu na segunda metade do século XIX, conforme atestam pesquisas diacrônicas, que serão abordadas oportunamente 2 ) por que passou o PB. Desse processo, já amplamente atestado, advieram conseqüências relevantes quanto à expressão clítica (trata-se de um processo de mudança em andamento), tanto de argumentos verbais (predominância do pronome tônico como argumento acusativo ou de categoria vazia, em detrimento dos clíticos), como de argumentos não verbais (categoria na qual defendo estarem inseridos os clíticos ora analisados). É a esse panorama instigante em que se situa a questão dos clíticos de posse que pretendo voltar o meu olhar: embora o uso de clítico de posse seja licenciado (sob certas circunstâncias que serão especificadas), pode-se afirmar que se trata de opção presente no sistema do PB, uma vez que os falantes mais jovens não produzem espontaneamente tais estruturas (ou, nos termos de Lightfoot (1991), não se trata de dados “salientes” para os falantes nativos)? Do ponto de vista formal, quais as relações entre as 2 Na linha da Lingüística Histórica e da Sociolingüística Variacionista, serão considerados os estudos de Tarallo (1983, 1985), Nunes (1991, 1993), Cyrino (1993, 1997), Duarte (1993), Cerqueira (1993). estratégias citadas? Qual o estatuto do clítico de posse, afinal: argumento do verbo, do nome, ou pertencente a outra categoria – e, nesse último caso, a qual? Eis algumas das questões que me proporei a responder, a partir da análise quantitativa dos dados, retirados de textos pertencentes, basicamente, ao gênero textual “carta” (cartas pessoais, bem como cartas de leitores e redatores de jornais de diversos estados brasileiros, dos séculos XVIII a XX), além de um livro de doutrinação católica do século XVII. PRIMEIRAS IDÉIAS SOBRE A DIACRONIA DO DEQUEÍSMO CASTILHO, Célia Maria Moraes de No Português Medieval, pode-se testemunhar a mudança de uma sintaxe nãoconfiguracional para uma configuracional. Essa mudança se dá através de pronomes clíticos redobradores de PPs, funcionando estes como adjuntos verbais. Desaparecendo o clítico, o PP é reanalisado como argumento do verbo. O locativo inde deu origem ao clítico en que, redobrando, parece estar na origem das seguintes construções dequeístas atuais: complemento nominal, orações relativas e orações substantivas. Os dados procedem de textos do séc. XIII, recolhido no Cancioneiro da Ajuda. ANÁFORA DO COMPLEMENTO NULO NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO CYRINO,Sonia UEL/CNPq A Anáfora do Complemento Nulo (NCA – Null Complement Anaphora) é uma ocorrência possível em algumas línguas como o espanhol, o italiano e o inglês (Hankamer & Sag, 1976; Zubizarreta, 1982; Radford, 1977; Bosque, 1984, entre outros – apud Depiante, 2000; Brucart, 1999). Alguns verbos permitem a NCA: modais, aspectuais, verbos que expressam predisposição, atitude ou propósito, causativos que expressam permissão, colaboração ou influência sobre a atitude de outros, e alguns verbos que governam um complemento preposicional. Cyrino (2003) propõe que o complemento nulo nas estruturas NCA em português brasileiro (PB) é, ao contrário do que ocorre nas outras línguas, uma anáfora de superfície, tendo estrutura interna, podendo ser um caso de reconstrução do antecedente. O lugar da elipse contém uma cópia do seu antecedente que não é pronunciada. Além disso, o trabalho relaciona a NCA em (1) abaixo, com o objeto nulo em (2), devido à disponibilidade leituras strict/sloppy possíveis tanto para a NCA quanto para o objeto nulo (cf. (3) vs. (4)): (1) a. John asked me to go to the party, and I accepted ___. ( __ = to go to the party) b. João me pediu para ir à festa, e eu aceitei ___. ( __ = ir `a festa) (2) a. *John gave me an invitation, and I accepted ___. ( __ = the invitation) b. João me deu um convite, e eu aceitei ___. ( __ = o convite) (3) Joãoi beijou seu amigo, mas Pedroj não quis [beijar seui/j amigo]. (4) Na hora do jogo, João ligou a televisão, mas Pedro desligou ___ (leitura strict Pedro desligou a televisão de João; leitura sloppy Pedro desligou a televisão dele, Pedro) Neste trabalho, apresento um estudo diacrônico acerca da ocorrência dos verbos que podem suscitar NCA no português brasileiro, para verificar sua trajetória e detectar eventuais mudanças que podem ter influído na reanálise para o objeto nulo no PB. Referências: Bosque, I. (1984) Negación and ellipsis. Estudios de linguistica 2: 171-199. Brucart, J.M. (1999) La elipsis. In: Grammatica descriptiva de la lengua española, ed. Ignacio Bosque and Violeta Delmonte. Madrid, Espasa Calpe. Cyrino, S. (2003) The null complement anaphora in Brazilian Portuguese, trabalho apresentado no IV Workshop on Fomal Linguistics, USP. Depiante, M. (2000) The syntax of deep and surface anaphora: a study of null complement anaphora and stripping/bare argument ellipsis. PhD Dissertation. University of Connecticut. Hankamer, J. and Sag, I. (1976) Deep and surface anaphora. Linguistic Inquiry 7(3):391426. Radford, A. (1977) Italian syntax: transformational and relational grammar. Cambridge, Cambridge University Press. Zubizarreta, M-L.(1982) On the relationship of the lexicon to the syntax. PhD Dissertation. MIT. A EVOLUÇÃO DAS ESTRUTURAS CLIVADAS NO PORTUGUÊS KATO, Mary UNICAMP/CNPq RIBEIRO, Ilza UFBA/PROHPOR/CNPq O objetivo deste estudo é o de determinar a origem das estruturas clivadas na história do português e descobrir de que outros recursos estruturais a língua fazia uso para a focalização estreita de constituintes. O material pesquisado compreende documentos dos séculos XIII ao XIX. A hipótese de trabalho inicial é que a evolução das clivadas começou com a clivagem de elementos essenciais da oração (predicados e argumentos) para só depois focalizar constituintes opcionais, hipótese esposada por Lopes Rossi( 1993) para as interrogativas clivadas. De uma forma inexistente, passa-se a ter a forma é que, que, quando evolui plenamente, pode focalizar qualquer constituinte da oração. Depois desse uso pleno, a expressão começa a se gamaticalizar, perdendo a flexão temporal, tornando-se invariável, e em seguida admitindo o apagamento da cópula, momento em que o elemento que começa a exibir uma variante nula (Kato & Raposo, 1996). COMPLEMENTOS DATIVOS NA HISTÓRIA DO PB MORAIS, Maria Aparecida T. USP BERLINCK, Rosane de A. UNESP-Araraquara Nesse trabalho damos continuidade à nossa investigação sobre a realização do complemento dativo na história do PB. Em trabalhos anteriores, observou-se que, no PB falado, principalmente pela população mais jovem, a preposição para substitui a preposição a como introdutora dos complementos dativos dos verbos ditransitivos. Além disso, há uma baixíssima produtividade do anafórico lhe nos mesmos contextos. As formas escolhidas para substituir o clítico dativo de 3a pessoa são os oblíquos a ele/ela/eles/elas. No entanto, o corpus histórico do século XIX que analisamos, composto de anúncios, cartas e editoriais dos jornais do século XIX não revela essas reanálises. Ao contrário, os resultados obtidos apontam ainda a alta freqüência do a e o uso do lhe nos contextos ditransitivos. Esse fato nos levou à necessidade de buscar um corpus de língua escrita mais recente, o qual nos permitisse fazer o mapeamento das mudanças nesse aspecto da gramática do PB que claramente o distancia do PE de hoje. Foi nossa preocupação uniformizar o tipo de texto, no caso Para tanto, selecionamos revistas femininas publicadas na segunda metade do século XX. Vamos ainda ampliar o conjunto dos verbos, ou seja, incluir ao lado dos ditransitivos, os verbos transitivos que selecionam apenas um complemento indireto, incluindo os verbos de alçamento. CONSTRUÇÕES DE TÓPICO E O PARÂMETRO PRO-DROP: UMA ABORDAGEM INTRA E INTER-LINGÜÍSTICA. ROCHA, Maura Alves de Freitas UFU Neste trabalho investigo as Construções de Tópico(CTs) em uma perspectiva sincrônica e diacrônica, com o objetivo de investigar a relação existente entre as referidas construções e as línguas de sujeito nulo, principalmente Português Brasileiro (PB) e Português Europeu(PE), à luz da Sociolingüística Paramétrica. Morais(1996) apresenta evidências de que a Topicalização moderna não ocorre no português antigo. Nesta perspectiva, a hipótese norteadora é a de que as Construções de Tópico exercem papel importante na mudança do PB de língua pro-drop para não pro-drop. Assim, o Português Brasileiro estaria perdendo suas características de língua pro-drop devido não só a mudanças já evidenciadas como, por exemplo, alterações no sistema anafórico do PB mas também devido à presença de CTs na periferia à esquerda da sentença. Nesta perspectiva, a análise em desenvolvimento alinha-se a trabalhos que têm evidenciado mudanças em progresso no PB, em relação à assimetria no preenchimento das posições argumentais sujeito e objeto, em que “o PB favorece o preenchimento da posição de sujeito em detrimento da posição de objeto, e o PE favorece a retenção dos clíticos (objetos diretos preenchidos) à expensa dos sujeitos”, conforme Tarallo 1993:51. Para desenvolver esta análise, estão sendo utilizados o seguinte corpora: o corpus do PB constituído pelo mesmo corpus compartilhado pelo Projeto de Gramática do Português Falado (quinze minutos de gravações de quinze inquéritos do projeto NURC); o corpus do PE constituído por entrevistas extraídas do site do Instituto Camões e, finalmente, o corpus diacrônico constituído de textos extraídos do arquivo “Tycho Brahe Parsed Corpus of Historical Portuguese”. A análise parcial dos dados sincrônicos evidencia que a presença de CTs favorece a presença de sujeito lexical no PB. COMPLETIVAS NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS DO BRASIL SALLES,Heloisa Maria Moreira Lima UnB Uma característica do português do Brasil é a ocorrência de construções como ‘Maria disse pra mim/ Joana estudar’, em que a oração subordinada é introduzida pela preposição ‘para’ e o argumento do verbo subordinado, quando pronominal, é realizado na forma oblíqua. Uma análise recorrente é a de que a realização oblíqua do pronome é uma evidência morfossintática de que é a preposição que licencia o pronome ou sintagma nominal. Essas construções distinguem-se, portanto, de construções como ‘Maria disse à Joana para estudar’;‘Maria disse-me/ me disse para estudar’, em que a posição de sujeito da oração subordinada é controlada pelo argumento na posição de objeto indireto da oração principal, e de construções como ‘Maria disse para (nós) estudarmos’, em que o infinitivo flexionado licencia o sujeito nominativo. Além disso, tais construções têm uma contraparte finita, como em ‘Maria disse à Joana que estudasse’; ‘Maria disse-me/ me disse que estudasse’. Conforme apontado em estudo anterior, no português do Brasil, (i) a tendência à neutralização morfológica da distinção entre o indicativo e o subjuntivo explica a tendência ao desaparecimento da completiva finita, (ii) a tendência à perda dos clíticos explica a tendência à perda da construção de controle e (iii) a tendência à redução do paradigma flexional em alguns dialetos explica a tendência à perda da construção com o infinitivo flexionado. O presente estudo é uma análise-piloto da sintaxe de complementação em cinco cartas da correspondência do primeiro Governandor de Armas da província de Goiás, Raimundo José da Cunha Matos, escritas entre 1823 e 1825 e publicadas na obra Pela História de Goiás de Americano do Brasil – Coleção de Documentos Goianos. Editora da Universidade Federal de Goiás, 1980. Em particular, consideram-se padrões de complementação, identificando-se a distribuição de completivas finitas e infinitivas. A discussão é formulada no quadro teórico da gramática gerativa, destacando-se aspectos como a opcionalidade na sintaxe e seu papel no processo de mudança lingüística. O PAPEL DA FREQÜÊNCIA NA IDENTIFICAÇÃO DE PROCESSOS DE GRAMATICALIZAÇÃO VITRAL,Lorenzo UFMG Por meio da análise do percurso da forma ter nos períodos arcaico, moderno e contemporâneo do português, elaboraram-se, nesse trabalho, diretrizes teóricas com a finalidade de fundamentar o desenvolvimento de uma metodologia quantitativa específica que permita identificar processos de gramaticalização. A análise da freqüência do emprego de um item toma um papel central nessa metodologia e permitiu aferir a produtividade do item no desempenho de função lexical (f.Lex) e de função gramatical (f.Gra). Adicionalmente, explicitou-se a utilização de critérios sintáticos, semânticos e morfofonéticos que permitem a distinção das duas funções mencionadas e de critérios relativos à escolha de corpus compatível com a perspectiva da gramticalização. Por fim, discutiram-se algumas conseqüências teóricas da análise realizada que visaram a formatar um diálogo, ainda extremamente incipiente, entre a perspectiva da gramaticalização e certos pressupostos da teoria da variação e da teoria gerativa