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A contribuição dos estabelecimentos farmacêuticos na prevenção e no manejo das
doenças sexualmente transmissíveis: o caso de uma cidade do sul de Santa Catarina
Camila Rosso Neto (PIBIC)1; Dayani Galato (PQ)2
1
Aluna do Curso de Farmácia com Bolsa do Programa de Iniciação Científica– PIBIC/CNPq;
2
Professora do Curso de Farmácia e do Mestrado em Ciências da Saúde coordenadora do
Núcleo de Pesquisa em Atenção Farmacêutica e Estudos de Utilização de Medicamentos –
NAFEUM
Curso de Farmácia – Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul - SC
Resumo
Objetivo: Investigar a contribuição dos estabelecimentos farmacêuticos no manejo e
na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. Métodos: Pesquisa qualitativa baseada
na técnica de entrevista com os responsáveis pelo setor de dispensação de estabelecimentos
farmacêuticos de um município do Sul de Santa Catarina. Resultados: Neste contexto a
farmácia tem vários papéis, que seriam: ser a porta de entrada do paciente para o serviço de
saúde; local de venda de preservativos; de orientação para a realização do preventivo; de
diagnóstico através da avaliação de sinais e sintomas; de automedicação seja ela orientada ou
não; e de prevenção. Além disso, um tema emergente desta pesquisa foi o uso, muitas vezes
considerado irracional da anticoncepção de emergência por adultos jovens. Conclusão: Esta
pesquisa identifica o importante papel destes estabelecimentos no manejo das DST e aponta
uma possibilidade de contribuição na prevenção destes problemas de saúde.
Palavras-chave: Doenças Sexualmente Transmissíveis, Farmácia, Prevenção de Doenças
Transmissíveis.
Introdução
As doenças sexualmente transmissíveis (DST) constituem um grupo de infecções
transmitidas por meio de contato sexual, mas que também podem ser passadas de mãe para
filho (antes e durante o parto) ou por transfusões sanguíneas. Há pelo menos 20 agentes
infecciosos causadores de DST (NAVES et al., 2005), sendo que os mais comuns são
ocasionadas por bactérias que podem ser facilmente curadas, quando recebem o devido
manejo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).
Nadal e Manzione (2003) afirmaram que o sentimento de culpa e a vergonha de estar
infectado, faz com que o doente se automedique, procurando, portanto, um estabelecimento
farmacêutico e por muitas vezes sendo atendido por um balconista que falha ao tentar
diagnosticar a doença. Neste caso o tratamento errôneo e/ou o atraso ao procurar um serviço
de saúde pode agravar e perpetuar a doença (NAVES et al, 2005).
Em função do fato de que trabalhos realizados com esse assunto são escassos, este
projeto tem como objetivo conhecer a contribuição dos estabelecimentos farmacêuticos na
prevenção e no manejo das doenças sexualmente transmissíveis.
Métodos
Trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualitativa do tipo estudo de caso
(MINAYO, 2004). O estudo foi realizado com proprietários de farmácia, farmacêuticos ou
outro responsável pelo setor de dispensação. Foram sorteados 20 estabelecimentos
farmacêuticos para fazerem parte do estudo.
Para auxiliar na entrevista utilizou-se um instrumento que contém inicialmente um
campo para coletar dados dos entrevistados e do estabelecimento farmacêutico; em seguida
foi feita uma questão aberta sobre a percepção do entrevistado sobre a relação do
estabelecimento farmacêutico com as DST, por fim, utilizaram-se questões de apoio que
orientaram a entrevista.
Ao final das entrevistas as mesmas foram transcritas e
posteriormente os discursos foram analisados e categorizados a fim de conhecer o papel do
estabelecimento farmacêutico na prevenção e no manejo das DST. Este projeto foi aprovado
ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade.
Resultados
A maioria dos estabelecimentos farmacêuticos sorteados localizava-se no centro da
cidade (55%). Quanto ao tipo de farmácia 40% pertencia a redes de farmácia. As mesmas
possuíam de 1 a 17 funcionários, sendo que dentre esses o número total de farmacêuticos por
estabelecimento variou de 1 a 6. Os entrevistados possuíam uma média de idade de 36,5 anos,
destes, metade (50%) eram do gênero masculino. Quanto a escolaridade 90% possuíam 3ºgrau
completo e destes 85% possuíam graduação em farmácia.
Quando investigado em relação as Doenças sexualmente Transmissíveis (DST) foi
observado que os sinais e sintomas mais comumente referidos pelos pacientes e descritos
pelos entrevistados foram coceira, corrimento (geralmente esbranquiçado), odor, manchas,
assaduras e ardência. Já as doenças mais citadas pelos entrevistados foram a candidíase,
gardnerella, verrugas genitais, pediculite, sífilis, gonorréia, herpes e clamídia. Sendo as mais
comuns a candidíase e a gardnerella.
Além disso, foi observado que para a maioria dos entrevistados a candidíase não é
considerada como DST “...candidíase pode ser manifestada por outros fatores, o próprio
estresse né, então fica complicado, a gente sempre levanta que normalmente tem uma relação
com o estresse.” “No verão mesmo ou em época, tipo o natal, um período assim que elas
trabalham mais, (...) ai aparece, no verão é mais comum assim”. Isso provavelmente ocorre
em função dos entrevistados relacionarem o aparecimento deste problema de saúde
principalmente relacionado ao estresse, estação do ano e uso de roupas inadequadas.
Identificou-se que a farmácia é vista pela população como sendo o local mais acessível
e rápido para a resolução de possíveis problemas relacionados às DST. Neste contexto a
farmácia tem vários papéis, que seriam: ser a porta de entrada do paciente para o serviço de
saúde; local de venda de preservativos; de orientação para a realização do preventivo; de
diagnóstico através da avaliação de sinais e sintomas; de automedicação seja ela orientada ou
não; e de prevenção.
A farmácia é considerada uma porta para o serviço de saúde em casos julgados mais
sérios, ou seja, em que se acredite ser uma DST e não apenas uma infecção vaginal. Neste
caso, ser uma DST significa ser algo mais grave como gonorréia ou Sífilis. “Uma vez ou
outra, aparece alguém com algum sintoma e a gente encaminha para o postinho pra poder
ser feito uma avaliação melhor por um profissional mais qualificado, um médico”.
Outra função identificada para a farmácia foi de ser uma via de acesso da população
aos preservativos, mesmo que de forma paga, atendendo a uma demanda espontânea “A
pessoa vem pede e a gente vende, mas de ter alguma coisa pra gente incentivar isso não”.
Muitos dos indivíduos que procuram a farmácia com sintomas desses problemas de
saúde apenas relatam o que estão sentindo “está com coceira no pênis e que saiu uma
aguinha” “elas se referem com sintomas de cândida como coceira, o corrimento
característico, ausência de odor”. Também há aquelas situações em que os indivíduos tentam
mostrar os órgãos sexuais para o funcionário “um cliente quis mostrar o pênis para o
farmacêutico” “Uma moça que era separada e tava saindo com um moço mais novo que ela
e ela foi ali e me mostrou, agora lembrei, herpes genital, tinha até no ânus, horrível, eu
nunca tinha visto, a única vez”. Desta forma nessas situações a farmácia é procurada para
auxiliar no diagnóstico destes problemas de saúde.
Como observado a automedicação é bastante adotada tanto por iniciativa dos
indivíduos, quanto por orientação das pessoas que atuam no estabelecimento farmacêutico. Os
indivíduos especialmente mulheres, realizam essa prática influenciada por conhecidos ou por
experiência própria em função de infecções anteriores. “na verdade muitas já pedem, muitas
já sabem: ‘ah, me dá aquele comprimidinho de dose única que eu to com coceira’”.
Já nas farmácias a automedicação é orientada em situações em que os sinais e
sintomas apresentados pelo individuo são sugestivos de infecções vaginais, “geralmente é
infecção vaginal, ai eu pergunto os sintomas, se tem corrimento, se tem coceira, se tem
relação, se usa camisinha, geralmente é um quadro assim de cândida, de gardnerella”.
Sendo indicado nestas situações principalmente comprimidos de fluconazol e cremes vaginais
como a nistatina com o intuído de aliviar os sintomas. “Ai eu indico geralmente pra fazer
banho de acento, com bicarbonato ou com vinagre, o fluconazol dose única, ou uma
pomadinha pra passar pra aliviar a coceira, geralmente nistatina...”
É importante destacar que mesmo que a maioria dos entrevistados tenha afirmado que
a automedicação é uma prática mais comum nas infecções vaginais, muitas vezes, mesmo em
outras DST o encaminhamento para outros profissionais de saúde só ocorre após a tentativa
de tratamento por automedicação.
Por fim, a farmácia também representa um local para se realizar prevenção, no
entanto, geralmente relacionada a orientações individuais no momento da dispensação de
medicamentos relacionados a esses problemas de saúde. Além disso, foi referido que a
farmácia não costuma ser procurada pela comunidade para esclarecer dúvidas a respeito desse
tema “... a gente contribui pouco, até porque não em muita gente pedindo informação.”
Um tema emergente desta pesquisa foi a anticoncepção de emergência sendo
observada em várias entrevistas a preocupação pelo aumento da procura por este
medicamento, tanto de adolescentes quanto de adultos jovens, o que para os entrevistados
significa que não está sendo realizado o sexo seguro.
Muitas vezes este método contraceptivo, segundo os entrevistados, tem sido usado de
forma corriqueira e não apenas em casos de emergência. Outra observação que merece
destaque nesse assunto é o fato de que quando se procura este medicamento a preocupação é
exclusivamente em prevenir uma gravidez não planejada e nunca de como proceder quanto a
possível doença que possa ter sido transmitida. “... a gente explica como se toma, mas a gente
não explica como prevenir (DST)... na realidade muita gente sabe, não se preveni porque não
quer.”
Discussão
Como visto a farmácia é de fato um dos locais mais acessíveis para a resolução de
problemas, principalmente aos relacionados com DST, essa importância é reforçada por Nadal
e Manzione (2003). E, de fato este (o farmacêutico) é um dos profissionais de saúde mais
acessíveis ao público em geral, contexto esse que deve ser levado em consideração quando se
pensa em educação em saúde em DST (NAVES et al., 2005).
Isto é bastante pertinente, pois segundo Souza e colaboradores (2007) a educação e a
informação dos pacientes aumentam a percepção de risco e estimulam mudanças do
comportamento sexual podendo representar uma importante contribuição para o controle das
DST. Contudo, Figueiras e colaboradores (2008) afirmam que é fundamental frente as DST
que sejam incluídos práticas de prevenção na rede de serviços de saúde, desta forma é
possível através do aconselhamento a quebra da cadeia de transmissão das DST na medida em
que propicia uma reflexão sobre os riscos de infecção e sobre a necessidade de prevenção.
Desta forma, programas preventivos e a existência de uma rede de saúde eficiente com
serviços acessíveis e profissionais preparados certamente seriam uma forma de garantir o
controle das DST. Neste contexto, ao farmacêutico recomenda-se enfatizar as medidas de
prevenção e encaminhar o possível portador de DST a uma unidade de saúde para ser
diagnosticado e obter o tratamento correto (NAVES et al., 2005) destacando que segundo os
resultados desta pesquisa um dos papéis da farmácia é de ser porta de entrada do paciente para
o serviço de saúde. Segundo Naves e colaboradores (2005) as farmácias são um importante
local de busca por atendimento primário de saúde e elas devem ser consideradas locais de
intervenção, onde se deve estabelecer parcerias em prol da prevenção de DST. Neste
contexto, a prevenção de DST também foi considerada outro papel da farmácia estando,
portanto, claro que se a mesma serve de porta de entrada para o serviço ela pode sim divulgar
e disseminar práticas educativas de prevenção de DST.
Outro papel desempenhado pela farmácia é de diagnóstico através da avaliação de
sinais e sintomas, quanto a esse papel, a farmácia deve ser cautelosa já que o diagnóstico
errôneo da doença pode perpetuar a mesma permitindo seu alastramento (Nadal e Mazione,
2003), além de não ser função deste estabelecimento e nem do profissional que ai atua esta
prática clínica.
A automedicação seja ela orientada ou não também se encontra entre os papéis da
farmácia, neste caso deve-se ser cuidadosa já que o tratamento incorreto promove o
aparecimento de complicações muitas vezes graves, além da criação de agentes resistentes à
medicação usual (Nadal e Mazione, 2003).
A farmácia serve ainda de local de venda de preservativos e de orientação para a
realização do preventivo, no entanto, caberia avaliar se os profissionais que lá atuam estão
preparados para prestar orientações a este respeito, visto que Naves e colaboradores (2008)
constataram um despreparo dos trabalhadores para o acolhimento e orientações preventivas.
Por fim, estes mesmos pesquisadores (Naves et al. 2008), em seu estudo realizado em
estabelecimentos farmacêuticos da rede privada de duas importantes cidades do Distrito
Federal, constataram que nem sempre a orientação aos portadores de DST é realizada de
forma apropriada, que não é padrão orientar as pessoas a procurar um médico para realizar o
diagnóstico adequado do problema de saúde e que muitas vezes ocorre a indução da
automedicação.
Referências
NADAL, S.R.; MANZIONE, C.R.; Identificação dos Grupos de Risco para as Doenças
Sexualmente Transmitidas. Revista brasileira de Coloproctologia, v.23, n.2, p.128-129, 2003.
FIGUEIRAS, S.L.; FERNANDES, N.M.; GONÇALVES, J.E.M. Aconselhamento em DST e
HIV/AIDS: diretrizes e procedimentos básicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.
MINAYO, M.C.S O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed., São
Paulo: Hucitec, 2004. 269p.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Taxas de prevalências das DST em mulheres brasileiras relatadas
na literatura científica. Disponível em: http://www.aids.gov.br/main.asp Acesso em: 15 mai
2008
NAVES J.O.S.; MERCHAN-HAMANN E.; SILVER L.D.; Orientação farmacêutica para
DST: uma proposta de sistematização. Ciência e Saúde Coletiva, v.10, n.4, p.1005-1014,
2005.
NAVES, J.O.S.; CASTRO, L.L.C.; MELO, G.F.; GIAVONI, A.; MERCHÁN-HAMANN, E.;
Práticas de atendimento a DST nas farmácias do Distrito Federal, Brasil: um estudo de
intervenção. Caderno de Saúde Pública, v. 24, n.3, p.577-586, 2008.
SOUZA, F.G.; BONA, J.C.; GALATO D.; Comportamento de jovens de uma universidade do
sul do Brasil frente à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Jornal
brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis, v.19, n.1, p.22-29, 2007.
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