Dentistry Clínica EDIÇÃO PORTUGUESA O uso da Análise de Movimentação Dentária (VTO) no auxílio do tratamento ortodôntico e na definição do sistema de ancoragem T odos os movimentos intra-bucais necessitam de dois pontos de apoio para que sejam realizados um movimento de acção e outro de reacção. Se não quisermos que o ponto de reacção se movimente, devemos usar aparelhos auxiliares de ancoragem para impedi-lo. De maneira didáctica, podemos chamar o ponto de acção de unidade de movimentação e o ponto de reacção de unidade de ancoragem. Em 1687, quando o físico inglês Isaac Newton publicou o seu trabalho intitulado “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, demonstrou a fundamentação da mecânica clássica1. A terceira lei de Newton dizia que toda a acção gera sempre uma reacção de igual intensidade na direcção oposta. Esta teoria explica o comportamento relativo à movimentação ortodôntica. Em 1841, o francês Alexis Schange desenvolveu a banda ortodôntica que, inicialmente, era cimentada somente nos molares. Estes dentes passaram a ser utilizados como ponto de apoio para a movimentação dos demais dentes, dando então início ao conceito de ancoragem estacionária. No decorrer dos anos, foram desenvolvidos diversos aparelhos de preservação de ancoragem. Tais aparelhos passaram a ser usados em contra-posição à acção das Prof. Reginaldo Cesar Zanelato é Coordenador do curso de especialização em Ortodontia pela INAPOS – Presidente Prudente (SP). Professor do curso de especialização em Ortodontia da ABCD – Cuiabá (MT). Professor do curso de especialização em Ortodontia da APCD – Presidente Prudente (SP). Professor do curso de pós-graduação em Ortodoncia da Universidad del Desarollo – Concepción – Chile. Prof. Hugo Trevisi é Coordenador do curso de especialização em Ortodontia pela APCD – Presidente Prudente (SP). Professor do curso de especialização em Ortodontia da ABCD – Cuiabá (MT). Professor do curso de especialização em Ortodontia da INAPÓS – Presidente Prudente (SP). Co-autor da Filosofia de Tratamentos Ortodônticos MBT™. Professor do curso de pós-graduação em Ortodoncia da Universidad del Desarollo – Concepción – Chile. Figura 2: Diferentes necessidades de ancoragem no mesmo caso: no primeiro e terceiro quandrantes ancoragem moderada; no segundo quadrante ancoragem máxima e, no quarto quadrante perda de ancoragem Figura 1: Relação inter-arcos inicial de 3mm de classe II bilateral e linha média inferior desviada 2mm para o lado direito forças ortodônticas geradas pelas unidades de movimentação. Estes dispositivos podem ser classificados em intra ou extra-bucais e devem ser escolhidos mediante à análise criteriosa de cada caso. Podemos citar alguns exemplos de aparelhos de ancoragem, como a barra transpalatina, o arco lingual, o botão Prof. Adriano Cesar Trevisi Zanelato é Coordenador do curso de especialização em Ortodontia pela ABCD – Cuiabá (MT). Professor do curso de especialização em Ortodontia da APCD – Presidente Prudente (SP). Professor do curso de especialização em Ortodontia da INAPÓS – Presidente Prudente (SP). Professor do curso de pós-graduação em Ortodoncia da Universidad del Desarrollo – Concepción – Chile. Prof. André Trevisi Zanelato é Professor do curso de especialização em Ortodontia da INAPÓS – Presidente Prudente (SP). Professor do curso de especialização em Ortodontia da APCD – Presidente Prudente. Professor do curso de pós-graduação em Ortodoncia da Universidad del Desarollo – Concepción – Chile. de Nance e a placa lábio-activa (PLA). Mas, talvez o aparelho de ancoragem que gere debates mais polémicos seja o aparelho extra-bucal (AEB). Basicamente, os aparelhos intra-bucais podem ser limitados quanto ao seu potencial de ancoragem2. Já os recursos extra-bucais geralmente dependem da colaboração do paciente. Além disso, estes aparelhos fornecem unidades de ancoragem iguais para os dois lados, sendo problemática a sua utilização em casos de necessidade unilateral. Mais recentemente, os mini-implantes ortodônticos de ancoragem esquelética surgiram como opções preciosas na manutenção da ancoragem, auxiliando na biomecânica ortodôntica. Os mini-implantes simplificam a aparatologia ortodôntica e absorvem, muitas vezes, as indesejadas unidades de reacção. O procedimento cirúrgico de instalação é simples, a cicatrização é rápida e a activação pode ser imediata. Os parafusos possuem tamanho reduzido e resistem bem às forças ortodônticas de tracção. Não há osseointegração, a retenção é obtida mecanicamente, permitindo que os mesmos sejam instalados em diversas áreas do osso alveolar, inclusive entre as raízes, facilitando a remoção. Adicionalmente ao conhecimento vasto sobre os aparelhos que preservam a ancoragem, a fim de bem indicálos, os ortodontistas precisam de saber, antes de iniciar o tratamento, a quantidade exacta necessária de ancoragem. A compreensão e o controlo das forças de reacção da biomecânica ortodôntica podem ser um diferencial na busca do melhor resultado clínico, uma vez que a ancoragem não se ganha; ela é preservada ou perdida. A escolha do sistema de ancoragem é bastante importante na execu- Dentistry Março 2009 Dentistry Clínica EDIÇÃO PORTUGUESA Figura 3: Fase de alinhamento com fio de menória .014” Figura 4: Biomecânica de deslize executada com fio .019” x Figura 5: Ancoragem recíproca: quando a discrepância Nitinol Superelástico e o uso do laceback para retracção .025” e o uso dos sistemas de retracção para o fechamento inferior é igual a metade do espaço obtido individual do canino dos espaços com as extracções ção do tratamento ortodôntico, sendo que a Análise de Movimentação Dentária, também conhecida como VTO (Visualização do Tratamento Ortodôntico)3, também é uma ferramenta valiosa de diagnóstio. É importante lembrarmos que, neste momento, a movimentação é obtida por meio do deslize dos braquetes dos caninos nos fios ortodônticos. Depois de conseguido o alinhamento, executa-se a fase de nivelamento e, em seguida, entra-se na fase de biomecânica, retomando o fechamento dos espaços. Nesta fase, utilizam-se arcos de aço .019” x .025” e os sistemas de retracção são usados para promoverem o deslize dos arcos nos braquetes e nos tubos dos dentes posteriores, obtendo-se, assim, a movimentação dentária (Figura 4). Os espaços serão fechados em blocos, sendo que, na VTO, o bloco anterior é representado pelos caninos e o bloco posterior pelos primeiros molares. É possível saber com precisão a quantidade e a direcção do movimento de cada bloco e visualizar as unidades de ancoragem necessárias para cada quadrante. Análise de Movimentação Dentária (VTO) Por meio da utilização da VTO, pode definir-se no tratamento ortodôntico as necessidades do uso de três sistemas de ancoragem: a ancoragem recíproca, a ancoragem moderada e a ancoragem máxima. A VTO permite-nos visualisar os quatro quadrantes individualmente. No entanto, é necessário considerar a possibilidade de serem precisas diferentes necessidades de ancoragem num mesmo caso (Figuras 1 e 2). Nesta situação, torna-se precisa a indicação dos mini-implantes, pois conferem-nos ancoragem localizada, diferente dos demais aparelhos que preservam bilateralmente a mesma quantidade de ancoragem. A VTO simula num diagrama a movimentação dentária antero-posterior desejada para o tratamento ortodôntico, auxiliando na montagem do plano de tratamento. Inicialmente, ele é construído com base em informações consideradas problemas, ou seja, consumo de espaço. Estas informações são colectadas dos modelos inferiores dos pacientes e, de maneira bastante simples, são aferidos em cada um dos lados o tamanho do apinhamento, a profundidade da Curva de Spee4, o desvio da linha média inferior e a projecção final da posição do incisivo inferior. Estes problemas somados definem a quantidade e a direção dos movimentos dos caninos inferiores. A simulação da movimentação dos demais dentes é feita com base na movimentação dos caninos inferiores e na relação interarcos inicial. Casos com extracção de pré-molares A Filosofia MBT™ utiliza a biomecânica de deslize para promover a movimentação dentária. Nos casos de extracção de pré-molares, dividimos o fechamento dos espaços em duas fases. A primeira fase é executada durante o alinhamento, onde logo após a extracção dos pré-molares se inicia a retracção individual dos caninos com o uso dos Lacebacks (Figura 3). Nesta fase, utilizam-se arcos de memória de baixo calibre e os movimentos distais dos caninos são interrompidos logo após a dissolução do apinhamento anterior. Dentistry Março 2009 Figura 6: Ancoragem moderada: quando a discrepância inferior é maior que a metade do espaço obtido com as extracções Sistema de ancoragem recíproca O sistema de ancoragem recíproca é recomendado quando o somatório dos problemas anteriores é igual a metade do espaço deixado pelas extracções dos pré-molares. Nestas situações, os espaços serão fechados 50% pelo movimento distal do bloco anterior e 50% pela perda de ancoragem do bloco posterior (Figura 5). A movimentação mesial dos blocos posteriores pode contribuir para a irrupção dos terceiros molares. Nos casos onde este sistema é o indicado, recomendam-se dois protocolos. No primeiro protocolo realizam-se as extracções dos primeiros pré-molares, sem que haja necessidade do uso de aparelhos auxiliares de ancoragem ou de extracção e, no segundo protocolo extraem-se os segundos pré-molares e extende-se o aparelho até aos segundos molares. Figura 7: Ancoragem máxima: quando a discrepância inferior representa todo o espaço obtido com as extracções Sistema de ancoragem moderada O sistema de ancoragem moderada é recomendado quando o somatório dos problemas anteriores é maior que a metade do espaço deixado pelas extracções dos pré-molares. Nesta situação, a maior parte do espaço deixado pelas extracções deve ser consumido pelo bloco anterior, para que ocorra o tratamento das discrepâncias anteriores (Figura 6). Nestes casos, é comum a presença de apinhamentos anteriores combinados com protrusão dentária. Afim de evitar que ocorram movimentos mesiais dos blocos posteriores, recomenda-se o uso de aparelhos auxiliares de ancoragem. Figura 8: Relação inter-arcos inicial de 3mm de classe II bilateral 27 Dentistry Clínica EDIÇÃO PORTUGUESA Figura 9: As setas distais nos molares representam os movimentos de distalização e as setas distais nos caninos representam as unidades de ancoragem. O tratamento da classe II, com os mini-implantes, é realizado em duas fases Figuras 10 e 11: Fotos iniciais frontal e lateral Figuras 12, 13 e 14: Fotos intrabucais iniciais Como numa primeira fase, neste sistema, a ancoragem máxima é almejada e os mini-implantes têm indicação precisa. Geralmente, os mini-implantes devem permanecer instalados desde o início do tratamento até ao final da fase de nivelamento. Após a remoção dos aparelhos de ancoragem, os espaços serão fechados no sistema de ancoragem recíproca. Ou seja, o sistema de ancoragem moderada é uma mescla entre os sistemas de ancoragem máxima e recíproca. As extracções só devem ser indicadas após a instalação dos mini-implantes. Sistema de ancoragem máxima O sistema de ancoragem máxima é recomendado quando o somatório dos problemas anteriores corresponde a todo o espaço deixado pelas extracções. O movimento mesial do bloco posterior deve ser completamente evitado, caso contrário, no final do fechamento do espaço continuará a existir discrepância anterior. Nesta situação, 100% dos espaços deverão ser ocupados pela distalização do bloco anterior (Figura 7). Quanto maior a necessidade de se fechar os espaços das extracções dos pré-molares por meio de distalização do bloco anterior, maior será a preocupação com as unidades de ancoragem. Geralmente, os casos preocupantes são aqueles que apresentam grandes quantidades de apinhamentos anteriores combinados com as protrusões dentárias. Os mini-implantes apresentam-se como a alternativa mais viável para evitar a mesialização do bloco posterior, pois proporcionam ancoragem absoluta. Eles devem ser instalados no início do tratamento e permanecerem até ao final da biomecânica de fechamento dos espaços. As extracções só devem ser indicadas após a instalação dos mini-implantes. Tratamento da Classe II com distalização de molares superiores Hoje em dia, os ortodontistas têm disponíveis vários aparelhos de distalização intra-bucais, cujo uso não exige grandes necessidades de colaboração dos pacientes. Os movimentos distais dos molares superiores são geralmente obtidos sem grandes esforços com aparelhos de distalização tais como o Pendulum, o Pendex, o DistalJet e o Jones Jig. Contudo, estes dispositivos, por serem intra-bucais, devem ser instalados apoiados em outros grupos de dentes ou na mucosa, gerando movimentações indesejadas de outras estruturas devido à acção das unidades de reacção. Adicionalmente, estes aparelhos apresentam maior complexidade na instalação e na confecção, sendo que alguns devem ser confeccionados em laboratórios de prótese ortodôntica. Com a difusão dos mini-implantes, estes passaram também a ser utilizados como dispositivos de distalização de molares superiores. Dentre as principais virtudes dos mini-implantes no auxílio do tratamento da classe II, estão: • a facilidade na instalação; • o tamanho reduzido, oferecendo maior conforto aos pacientes; • a ancoragem absoluta, que absorve completamente as unidades de reação; • e a possibilidade de instalá-lo somente do lado onde vai ser efectuada a distalização. Não se pode esquecer que, após alcançado o posicionamento final dos molares, o foco do tratamento passa a ser o controlo da ancoragem, ou seja, os molares (que até então eram tidos como unidades de movientação), passam a representar as unidades de ancoragem. Na VTO, as setas distais no bloco posterior representam as unidades de movimentação ou distalização, e as setas distais nos blocos anteriores representam as unidades de ancoragem, ou seja, o quanto o bloco posterior deverá ser ancorado para que a retracção do bloco anterior possa ser realizada. Isto significa que o tratamento da classe II, com o uso dos mini-implantes, é realizado em duas fases (Figuras 8 e 9). Na primeira fase, o mini-implante é instalado na mesial dos primeiros molares superiores e, por meio de um cursor e de molas de fechamento de espaço, realiza-se a fase activa da distalização. É aconselhável a colagem do tubo nos segundos molares superiores para que os mesmos não prejudiquem a distalização. Esta fase termina Figura 17: VTO dentário com proposta de distalização bilateral com o uso de mini-implantes e conservadores de espaço como incremento de ancoragem. O apinhamento Figuras 15 e 16: Ortopantomografia e teleradiografia iniciais. Terceiros molares superiores com 1/3 da raíz formada 28 inferior foi tratado por meio de desgastes selectivos Dentistry Março 2009 Dentistry Clínica EDIÇÃO PORTUGUESA Figuras 18, 19 e 20: Biomecânica de distalização com uso de mini-implates. Final do nivelamento, arco .020”de aço australiano Figura 21: Remoção do mini-implante e instalação do conservador de espaço para auxiliar a ancoragem Figuras 22, 23 e 24: Remoção do aparelho superior e inferior e manutenção de contenção inferior até à erupção dos terceiros molares inferiores quando os molares superiores estiverem posicionados ligeiramente em classe III. Após um período de contenção da distalização de 60 dias, o mini-implante é removido e um novo é instalado, novamente na mesial do primeiro molar superior. Este mini-implante vai ser usado tanto para ancorar o bloco posterior superior, quanto para promover a retracção do bloco anterior superior. Caso clínico • Diagnóstico Paciente com padrão de crescimento facial mesofacial e com padrão esquelético de classe II. Má oclusão dentária bilateral de classe II com apinhamento superior e pequeno apinhamento inferior. • Plano de tratamento Levando-se em conta o tamanho das classes II e a condição do paciente com os terceiros molares superiores (com boa anatomia e com um terço da formação radicular completada), optou-se pela extracção dos segundos molares superiores para facilitar a distalização. Foram usados mini-implantes para promover a distalização dos primeiros molares superiores e conservadores de espaços no auxílio da ancoragem. A distalização deve ser realizada no final da fase de nivelamento, de preferência em arcos redondos, pois estes contribuem para a diminuição do atrito. Despois da distalização, foram usados conservadores de espaços para ancorar os primeiros molares e realizada a retracção individual dos segundos pré-molares incrementando a ancoragem do bloco posterior. Após o reestabelecimento dos pontos entre os primeiros molares e os segundos pré-molares, o tratamento avançou para a fase de biomecânica de fechamento de espaços com arcos .019” x .025” de aço. Nos casos de extracção de segundos molares superiores5 é prudente realizarmos a colagem de acessório nos segundos molares antagonistas para que estes não realizem o movimento de extrusão. Mesmo com a remoção do aparelho, é aconselhável manter uma contenção nos segundos molares inferiores até que os terceiros molares superiores erupcionem. • Aparelhos • Aparelho ligado convecional Gemini™ 3MUnitek • Placa de Hawley modificada como contenção superior • Retenção fixa inferior 3-3 como contenção inferior. n Dentistry Março 2009 Figuras 25 e 26: Fotos finais frontal e lateral Referências 1. NEWTON, I. Principia, Book III . Newton’s Philosophy of Nature: Selections from his writings. Nova Iorque: H.S. Thayer, Hafner Library of Classics: 1953. 2. ZANELATO, R. Avaliação da perda de ancoragem de primeiros molares inferiores em casos tratados com extrações de primeiros e segundos pré-molares utilizando-se a técnica Straight-Wire. Revista Straight-Wire Brasil, vol. III - n° 3, nov./dez. 93 e jan./fev. 94, p. 12-21, 1992. 3. ZANELATO, A. C. T. Análise da movimentação dentária (VTO dentário) Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006. 4. VON SPEE, F.G. The condylar path of the mandible in the glenoid fossa. Read at Kiel, Germany, Mar. 24, 1890. 5. ZANELATO R. C., TREVISI H. J., ZANELATO A. C. T. Extração dos segundos molares superiores: uma nova abordagem para os tratamentos da Classe I, em indivíduos adolescentes. Rev Dental Press Ortodon. Ortoped. Facial. Maringá, 2000 mar/abr. 5(2): 64-75. 29