LIBRAS: IMPACTO DO CONHECIMENTO DE MODALIDADE DE COMUNICAÇÃO GESTO-VISUAL PELO SURDO ORALIZADO Autora: Suani de Barros Batista Coautora: Ana Conceição Alves Santiago Faculdade Dom Pedro II – Salvador, BA. Eixo temático: 5. Deficiência auditiva/Surdez Categoria: Pôster – relatos de experiência Resumo O assunto abordado neste artigo começa esclarecendo a diferença entre língua e linguagem, a confirmação, através de estudos linguísticos, de que a Língua de Sinais é uma língua completa e complexa. Qualquer assunto, seja ele concreto ou abstrato, pode ser abordado nesta modalidade linguística. Assim questionase: como a língua de sinais contribui no fortalecimento da identidade do surdo oralizado? Torna-se importante refletir acerca da criança surda em ter contato com a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS - o mais precocemente possível, visando ao desenvolvimento emocional e linguístico efetivo. A vantagem do uso de uma comunicação gesto-visual traz conforto para o surdo, seja ele oralizado ou não. Define os vários tipos de identidades surdas e aqui será identificado aqueles surdos que possuem identidade surda, enquanto que outros possuem identidade ouvinte; as repercussões no meio da comunidade surda quando um surdo opta pela oralização e pelo uso das próteses auditivas. Por fim, a pesquisadora traz um pouco da sua biografia como surda oralizada de grau severo a profundo. Palavras-chave: Surdo Oralizado; Identidade Surda; Língua e Linguagem. INTRODUÇÃO A comunicação entre os seres humanos é incentivada desde o momento em que o feto é concebido na barriga da mãe. Quando nasce, o bebê começa a interagir com o mundo, adquirindo uma língua, seja ela oral ou espaço-visual. É através desta língua que o indivíduo irá expressar suas emoções, necessidades, conhecimentos, ideias e, acima de tudo, viver em sociedade. É essa faculdade do uso de uma língua que diferencia o ser humano das demais espécies animais. A existência de uma língua de modalidade gesto-visual é desconhecida pela grande maioria da sociedade, como também por muitos surdos. No Brasil, esta língua é chamada de Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. É possível expressar-se plenamente com o uso desta modalidade linguística. Alguns conceitos são criados em torno dos tipos de identidade surda, de acordo com o comportamento que cada indivíduo apresenta frente às particularidades próprias do surdo. Entre os vários tipos de surdez, pode-se encontrar o surdo oralizado, que faz uso de prótese auditiva e da leitura labial. Este tipo de surdo nada tem a ver com o tipo de perda auditiva, mas sim, com o meio em que está inserido. Esses surdos, ao tomar conhecimento da modalidade comunicativa gesto-visual, optam por deixar a oralidade de lado e usar apenas a língua de sinais, enquanto que outros surdos não se identificam com a identidade surda. É a partir deste problema que o presente artigo pretende conhecer a identificação ou não dos surdos oralizados pela Língua de Sinais. Torna-se importante questionar: como a língua de sinais contribui no fortalecimento da identidade do surdo oralizado? Através desta pesquisa bibliográfica, torna-se possível ter uma pequena percepção de como a sociedade e a própria comunidade surda reagem ao perceber que um surdo optou pela oralização, em possuir uma identidade ouvinte. A necessidade de se viver em sociedade traz consigo regras que devem ser respeitadas, e, dentre estas, o direito à escolha pelas diferentes opções de identidade como também pela forma de comunicação com o qual se identifique. Primeiramente, faz-se necessário uma breve distinção entre língua e linguagem, para que se possa entender a importância destas na vida do ser humano, em particular do surdo. Na definição de Quadros e Karnopp (2004, p.24), o vocábulo linguagem, em português, é mais abrangente que o vocábulo língua, não só porque é usado para se referir às linguagens em geral, mas também porque é aplicado aos sistemas de comunicação, sejam naturais ou artificiais, humanos ou não. Skliar (2010, p. 24) complementa a informação anterior afirmando que: em outras palavras, a linguagem possui uma estrutura subjacente independente da modalidade, seja esta auditivo-oral ou visuogestual. Deste modo, a língua oral e a língua de sinais não constituem uma oposição, mas sim, canais diferentes para a transmissão e a recepção da capacidade mental da linguagem. Com relação às diferenças existentes entre as línguas de sinais e a língua oral, Quadros (1997, p. 46) explica: Em primeiro lugar, as línguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente das línguas orais; são línguas espaço-visuais, ou seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através dos canais oral-auditivos, mas através da visão e da utilização do espaço. Após décadas de estudos sobre o sistema linguístico da língua de sinais, Quadros e Karnopp (2004, p. 30) afirmam “As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legitimo”. E mais ainda: “... as línguas de sinais, sob o ponto de vista linguístico, são completas, complexas e possuem uma abstrata estruturação nos diversos níveis de analise” (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 36). Portanto, o surdo, ao se identificar com a língua de sinais, não encontrará limitações quanto ao uso da mesma, considerada pela grande maioria da população como gestos, mímica ou ainda como uma língua pobre, pois Quadros e Karnopp (2004, p. 31) trazem ao conhecimento que: “[...] vários estudos concluíram que as línguas de sinais expressam conceitos abstratos. Pode-se discutir sobre política, economia, matemática, física, psicologia em uma língua de sinais”, da mesma forma que os usuários da língua oral. Por preconceito, por falta de orientação, de conhecimento, pelo direcionamento clínico dado ao surdo, muitos pais ouvintes (senão quase todos), ao tomar conhecimento de que o seu filho é surdo, apela imediatamente para o treinamento oral da criança (que muitas vezes gera desconforto para a mesma) e para a colocação de próteses auditivas (o que, para muitos surdos, não passam de ruídos). Este é um comportamento típico de pais que desejam que seu filho fique o menos deficiente auditivo possível, na medida de suas possibilidades, como bem observa Gesser (2009, p.25): “escolas, profissionais da saúde, e familiares de surdos têm seguido uma tradição de negação do uso dos sinais”. Do contrário, se a criança tiver contato com a LIBRAS desde a tenra idade, o seu desenvolvimento será integral, tanto linguisticamente falando, como emocionalmente, tendo em vista que a mesma poderá expressar-se plenamente, pois “não é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua” (GESSER, 2009, p.76). Quando o contato com a língua de sinais só ocorre posteriormente, as reações podem ser diversas, ora identificando-se com ela, ora rejeitando-a. Cabe aqui uma interessante observação: É facilmente demonstrável que a classificação dos tipos e graus de surdez pode nos cegar para o entendimento das relações que cada indivíduo estabelece com a língua de sinais, identidade e cultura surda. Um surdo profundo, por exemplo, pode não se identificar com a língua ou cultura dos surdos e optar exclusivamente pela oralização, da mesma forma que um surdo com surdez leve ou moderada pode demonstrar uma relação contraria: uma profunda identificação com os traços culturais dos surdos sinalizantes (GESSER, 2009, p.72-73) O surdo, mesmo sendo oralizado, muitas vezes encontra desconforto na comunicação com o ouvinte, como pode ser visto nos trechos do depoimento de Gládis Perlin (1998, p.10): O que tem de ruim nisso é que os ouvintes falam e a comunicação visual, na paisagem de seus lábios, é quase sempre mínima. A comunicação existente entre as pessoas ouvintes me deixa assustada. É difícil compreender o que transmite seu pensamento através de lábios que se movimentam com uma rapidez, terrivelmente louca. Observo os lábios com atenção e consigo entender algumas ideias, mas, na maioria das vezes, desanimo pelo cansaço e pela chateação que me invade por não conseguir ter uma noção correta das mensagens dadas. Diante desse depoimento, que retrata a realidade de muitos surdos oralizados, há conforto em se optar pela língua de sinais, “pois a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos” (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 47 e 48). O parâmetro de normalidade criado pela sociedade majoritária ouvinte faz com que existam preconceitos, ao diagnosticar o surdo como deficiente, por ser destituído de uma capacidade auditiva inerente à grande maioria da população mundial. Como consequência, criaram a ideia equivocada de que a melhor forma de “normalizar” o surdo é oralizando-o, e nesse ponto Gesser (2009, p. 50), chama atenção ao afirmar que “oralizar é sinônimo de negação da língua dos surdos”. Neste sentido, torna-se necessário clarificar algumas concepções acerca das Identidades Surdas. Quadro 1: concepções de identidades surdas Identidades surdas Concepção Identidades Surdas “surdos que fazem uso com (identidade política) experiência visual propriamente dita. (...) Tratase de uma identidade que se sobressai na militância pelo específico surdo”. (PERLIN, 2010, p. 63). Identidades Surdas Hibridas “são os surdos que nasceram ouvintes, e que com o tempo se tornaram surdos. É uma espécie de uso de identidades diferentes em diferentes momentos. (...) Conhecem a estrutura do português falado, (...) captam do exterior a comunicação de forma visual, passam-na para a língua que adquiriram por primeiro e depois para os sinais”. (PERLIN, 2010, p. 64). Identidades Surdas “estão presentes onde os Flutuantes surdos vivem e se manifestam a partir da hegemonia dos ouvintes. (...) Desprezam a cultura surda, não tem compromisso com a identidade surda”. (PERLIN, 2010, p. 65-66). Identidades Surdas de “normalmente, a maioria dos Transição surdos passa por este Pressuposto São os surdos que nasceram surdos, geralmente conviveram com surdos, assumem de corpo e alma que são surdos e carregam no sangue o “ser surdo”. É uma mescla da identidade ouvinte e da identidade surda, tendo em vista ter vivenciado a primeira e estar convivendo com a segunda. São os surdos biológicos que possuem identidade ouvinte. São os surdos oralizados que, ao descobrirem o Identidade Surda Incompleta Identidades Intermediárias momento de transição, visto que é composta por filhos de pais ouvintes. No momento em que esses Surdos conseguem contato com a comunidade Surda, a situação muda e eles passam pela “desouvintização” da representação da identidade. Embora passando por essa “desouvintização”, os Surdos ficam com sequelas da representação que são evidenciadas em sua identidade em reconstrução nas diferentes etapas da vida”. (PERLIN, 2010, p. 64). “Representada por aqueles surdos que vivem sob uma ideologia ouvintista latente que trabalha para socializar os surdos de maneira compatível com a cultura dominante. A hegemonia dos ouvintes exerce uma rede de poderes difícil de ser quebrada pelos surdos, que não conseguem se organizar ou mesmo ir às comunidades para resistirem ao poder”. (PERLIN, 2010, p. 64-65). “geralmente esta identidade é identificada como sendo Surda. Essas pessoas têm outra identidade, pois tem uma característica que não lhes permite a identidade Surda isto é a sua captação de mensagens não é totalmente na experiência visual que determina a identidade Surda”. mundo surdo, se identificam com ele e passam da identidade ouvinte para a identidade surda. Ou seja, fazem parte deste grupo os surdos que não sabem da existência das comunidades surdas, que foram alienados pela sociedade Como o próprio nome já diz, são aqueles surdos que oscilam entre a identidade ouvinte e a identidade surda. Fonte: Perlin (2002; 2010) O ser humano precisa de comunicação para se relacionar com os seus semelhantes. Na falta destes, a comunicação tende a ser feita com os animais. Portanto, quando alguém é privado do uso de uma língua, quando não consegue se comunicar e nem se fazer entender, qual será a consequência inevitável disso? O isolamento, a baixa autoestima, a dependência do outro. São esses adjetivos que passam a compor a vida do surdo que não tem contato com outros surdos, com a comunidade surda, que vivem alienados no mundo dos ouvintes. O principal canal de comunicação dos surdos é a LIBRAS. É através desta língua que os surdos constroem suas identidades, se manifestam na política, no teatro, nas piadas, nas poesias, na filosofia e tudo mais que for possível fazer através do uso da Libras, como afirma Gesser (2009, p. 23): “as pessoas que falam língua de sinais expressam sentimentos, emoções e quaisquer ideias ou conceitos abstratos”. A autora acrescenta ainda que: através da língua nos constituímos plenamente como seres humanos, comunicamo-nos com nossos semelhantes, construímos nossas identidades e subjetividades, adquirimos e partilhamos informações que nos possibilitam compreender o mundo que nos cerca (GESSER, 2009 p. 76-77) O mundo é feito de uma pluralidade de identidades e aí está a graça de existirem identidades diferentes convivendo harmoniosamente entre si. Deve-se respeitar os surdos que querem possuir uma identidade surda, sejam eles filhos de pais ouvintes ou de pais surdos, com suas culturas e jeito próprio de ser, como também se deve respeitar aqueles surdos que se identificam melhor com a cultura ouvinte. O que não pode haver é a subalternidade da identidade surda em relação à cultura ouvinte, por ser minoria, e isso vem sendo alcançado graças às lutas políticas que os surdos vêm empreendendo. Assim, existem múltiplas identidades surdas, em que o meio que o surdo está inserido irá interferir na construção da sua identidade. Segundo Perlin (1998, p.21), a constituição da identidade dependerá, entre outras coisas, de como o sujeito é interpelado pelo meio em que vive. Um surdo que vive junto a ouvintes que consideram a surdez uma deficiência que deve ser tratada pode constituir uma identidade referendada nesta ótica. Mas um surdo que vive dentro de sua comunidade possui outras narrativas para contar a sua diferença e constituir sua identidade. Vale lembrar que a identidade não é estática, mas sim, dinâmica, sempre reformulando seus conceitos e crenças, como pode ser visto nos diferentes tipos de identidade classificados por Perlin (1998). A humanidade peca por falta de conhecimento sobre as diferentes formas de comunicação, em achar que existe apenas a língua oral, não sabendo que a comunicação gesto-visual, que é utilizada entre surdos, é completa e garante a construção de uma identidade surda e a valorização da cultura surda. A forma de comunicação dos surdos é visual enquanto que a dos ouvintes é auditiva, são bem diferentes entre si, são completas e independentes e que podem conviver harmonicamente entre si. Para isso que existem os movimentos sociais, para mostrar que existem diferenças e não igualdades. Todos têm direito à igualdade na medida das suas desigualdades, e isso está assegurado na Constituição Federal, a nossa lei maior, em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1998). Este artigo constitucional garante aos surdos terem os mesmos direitos de comunicação que um ouvinte, apesar da modalidade comunicativa diferenciada. OBJETIVOS Conhecer o processo de aquisição da Língua de Sinais pelos surdos oralizados. Compreender como a Língua de Sinais contribuir para o fortalecimento da identidade do surdo. Analisar o percurso de aquisição da Língua de Sinais por uma surda oralizada, a partir de um enfoque autobiográfico. METODOLOGIA Esta pesquisa é de cunho teórico bibliográfico, e também se utilizou do relato de experiência e de vida da autora, que possibilitou as escritas de si para o estudo das relações que se estabelecem entre a constituição do sujeito surdo oralizado, o processo de aprendizado e aquisição da Língua de Sinais e o fortalecimento da sua identidade surda, fazendo refletir sobre os impactos na sua vida ao adquirir a língua de sinais. Para isso, elencou-se categorias: como acontece a aquisição da Libras para o surdo oralizado? Conflitos de Identidade: sou surda ou oralizada? Assim, surgiu a necessidade de criar as minhas narrativas: histórias de uma surda oralizada, a qual possibilitaram uma análise reflexiva que confirmassem os pressupostos teóricos e também respondesse o problema da pesquisa. RESULTADOS Sou a caçula de seis filhos de uma família de ouvintes, sempre fui uma criança que não dava trabalho, que não reclamava de nada, tudo sempre estava bom. Apresentava uma fala muito rudimentar, a impressão que as pessoas tinham de mim era que eu só queria me comunicar quando bem quisesse, só respondia aos chamados quando queria, ou seja, às vezes respondia às vezes não. Comecei a andar com dois anos e só descobriram que eu tinha problemas de audição aos quatro anos. Foram feitos vários exames médicos e ninguém conseguia descobrir qual era, de fato, meu diagnóstico. Até que, um dia, meu pai, estudante de medicina na época, conversou com um dos professores da faculdade e o mesmo deu uma resposta certeira: sua filha tem problemas auditivos. Traga-a aqui para que eu possa vê-la! Com o diagnóstico confirmado de perda auditiva de severa a profunda, meus pais foram orientados a me encaminhar para um otorrino conceituado na cidade de São Paulo, Dr. Orozimbo Alves Filho. Passei a ir anualmente, com as despesas bancadas pelo SUS. Adquiri dois aparelhos auditivos e comecei a usá-los aos cinco anos. O molde (que é a parte que fica dentro do ouvido), atualmente é feito de silicone, material bem confortável e flexível. Mas na década de 70, este mesmo molde era feito de acrílico, material duro que causava feridas até calejar o ouvido. De tempos em tempos, tinha que fazer novos moldes, pois o mesmo ia ficando pequeno, e então o sofrimento recomeçava. Chorava para não usar o aparelho por causa das feridas que os moldes me causavam, mas minha mãe carinhosamente me convencia a suportar as dores, até que o meu ouvido ficasse calejado. Essas cenas de intenso sofrimento faziam com que minha irmã mais velha sofresse também e isso lhe causava revoltas. Todo dia de manhã, ao me acordar para ir para a escola, minha mãe delicadamente colocava minha cabeça no colo dela e punha os dois aparelhos nos meus ouvidos. Por confiar em meus pais e por acreditar que eles queriam o melhor para mim, que queriam o meu bem, eu aceitava usar os aparelhos auditivos, apesar do sofrimento. O tempo foi passando. Ao entrar na alfabetização, meus pais foram orientados a me matricular numa escola regular, pois, se eu estudasse numa escola especial, ia me considerar deficiente. Tive dificuldades de fazer amizades na minha infância, pois quando me encontrava entre as crianças da minha idade, me sentia retraída por não entender / acompanhar os diálogos e as brincadeiras entre elas. O mesmo não ocorreu na adolescência, pois tive bons amigos na igreja e na escola. Enquanto o professor dava aulas, de costas para a classe, escrevendo no quadro negro com o giz, eu recorria aos cadernos das minhas amigas para manter-me atualizada nas matérias. Fiz faculdade de enfermagem e, até ingressar na faculdade, nunca tive dificuldades devido à minha deficiência auditiva. Mas, quando entrei na faculdade, a história mudou! Ali, as exigências eram outras, o mercado de trabalho não iria querer uma enfermeira surda, em que as pessoas sempre precisariam se direcionar a ela e informar o que estava acontecendo. Por exemplo, fiz estágio no Setor de Cardiologia no Hospital das Clínicas em Salvador – BA. Quando acontecia algo de grave com algum paciente, eu percebia os movimentos dos enfermeiros, médicos, técnicos e auxiliares de enfermagem, e quando finalmente eu conseguia saber o que estava acontecendo, o problema já havia sido solucionado! A área de saúde é muito dinâmica, onde a comunicação é constante e rápida! Muitas vezes os profissionais de saúde trocam informações entre si em voz baixa, por respeito aos pacientes, aí então é que eu não pegava nada! Por conta dessas dificuldades, resolvi abandonar a faculdade, mas minha família não deixou, tendo em vista que só faltavam três semestres para concluir e obter o meu diploma. O carinho que eu nutria pelos pacientes e vice-versa fizeram com que eu terminasse a faculdade. Findo a mesma, dediquei-me a estudar para concurso público, pois sabia que a lei garantia uma porcentagem de vagas para deficientes. Era nessas vagas que eu queria entrar e ser tratada como tal, com direito ao tipo de trabalho que se adaptasse às minhas necessidades. Estudei com afinco e com a benção de Deus, obtive tal êxito! A vida toda eu sempre me defini como “deficiente auditiva”, pois achava que este termo era o mais adequado para mim, pois achava que o termo “surdo” era para quem realmente não ouvia nada e não falava. Achava que o termo “deficiente auditivo” significava uma deficiência na audição, uma capacidade de escuta reduzida, mas que se adaptava muito bem com os aparelhos auditivos, cujo ganho auditivo, no meu caso, é satisfatório. O meu ponto de vista se enquadrava no comentário feito por Gesser (2009, p. 45): “É facilmente observável que, para muitos ouvintes alheios à discussão sobre a surdez, o uso da palavra surdo pareça imprimir mais preconceito, enquanto o termo deficiente auditivo parece-lhes ser mais politicamente correto”. Atualmente, após as leituras que tenho feito sobre a surdez e o Surdo, me defino agora como Surda. Nunca tive contato com outros surdos até por volta dos meus vinte anos. De repente, comecei a vê-los por toda parte: na igreja, no curso preparatório para o vestibular, nos mercados e até nos ônibus! Mas foi na igreja que eu frequentava que comecei a ter contato com a Libras. Fiz o curso que a igreja oferecia, em 1995, mas tinha vergonha de colocar em prática os sinais que eu havia aprendido, de não conseguir me fazer entender pelos surdos e não os entender. Pura bobagem. Na época, deixei de ter contato com os surdos, pois mudei de igreja. E, atualmente, frequento uma igreja que tem o “Ministério Resgate Surdo”, com pastor surdo e intérpretes, que traduzem todo o culto para os surdos em Libras. Sempre que estou na rua e preciso me comunicar com alguém, até mesmo no trabalho, eu sempre reforço que sou surda, que faço leitura labial. Aí então a pessoa começa a falar alto e pausadamente. Acho graça nisso e assim explico que pode falar normal, que basta olhar para mim. Sobre isso, Gesser (2009, p.60) comenta: Curioso, entretanto, é o jeito desengonçado dos ouvintes quando depende dessa forma comunicativa para travar uma conversa com o surdo: articulam exageradamente as palavras, falam muito alto, quase gritando (não esqueçam, os interlocutores são surdos!), outras vezes soletram demasiadamente as letras e silabas [...]. Quero me envolver cada dia mais com a comunidade surda, aprender mais a Libras, pois acredito que uma parte de mim pede isso, sente segurança em poder se comunicar com o visual. Em vários momentos, como na igreja, em congressos, numa roda de amigos, faço muito esforço para ouvir o que a pessoa está falando. Quando estou com um grupo de pessoas, por exemplo, ao direcionar a leitura labial para a pessoa que está falando, esse direcionamento fica atrasado, pois outra pessoa já está falando e assim já perdi boa parte das conversas. Por isso, prefiro comunicação a dois, pois a conversa é direcionada a mim, eu controlo a pessoa para que fale de acordo com as minhas necessidades. CONCLUSÕES Um dos principais alicerces na vida de um indivíduo é a comunicação, pois é através desta que ele se constrói e constrói o outro. Quando a comunicação é ínfima ou inexistente, a solidez emocional e linguística do ser humano fica instável, tendo em vista que o mesmo não terá como demonstrar suas necessidades, anseios, medos, ambições, reduzindo dessa forma a sua autoestima. Ao longo da vida, o ser humano constrói vários tipos de identidade, pois esta está sempre se dinamizando de acordo com as vivências que o indivíduo enfrenta. As experiências que foram vividas no passado somam com as do presente, criando uma nova forma de ver o mundo, novas sensações, novas expectativas. O mesmo acontece com o surdo oralizado, ao descobrir a existência de outro tipo de língua, aquela que deveria ter sido sempre a sua, visto que não precisa do sistema auditivo para comunicar-se. Porém, as reações desse surdo frente a esta nova situação são as mais variadas possíveis: oram se identificam, ora rejeitam-na. Por isso, é importante que cada opção seja respeitada, tanto pela comunidade surda em aceitar que o surdo opte pela oralização, quanto pela comunidade ouvinte, em respeitar a opção do surdo pela língua de sinais. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. Elementos da comunicação. Disponível em: http://portugues.uol.com.br/redacao/linguagemlinguafala.html GESSER, Audrei. LIBRAS?: Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. LESSA, Luísa Galvão. A importância da língua no mundo social e cultural. 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