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LIBRAS: IMPACTO DO CONHECIMENTO DE MODALIDADE DE
COMUNICAÇÃO GESTO-VISUAL PELO SURDO ORALIZADO
Autora: Suani de Barros Batista
Coautora: Ana Conceição Alves Santiago
Faculdade Dom Pedro II – Salvador, BA.
Eixo temático: 5. Deficiência auditiva/Surdez
Categoria: Pôster – relatos de experiência
Resumo
O assunto abordado neste artigo começa esclarecendo a diferença entre língua
e linguagem, a confirmação, através de estudos linguísticos, de que a Língua de
Sinais é uma língua completa e complexa. Qualquer assunto, seja ele concreto
ou abstrato, pode ser abordado nesta modalidade linguística. Assim questionase: como a língua de sinais contribui no fortalecimento da identidade do surdo
oralizado? Torna-se importante refletir acerca da criança surda em ter contato
com a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS - o mais precocemente possível,
visando ao desenvolvimento emocional e linguístico efetivo. A vantagem do uso
de uma comunicação gesto-visual traz conforto para o surdo, seja ele oralizado
ou não. Define os vários tipos de identidades surdas e aqui será identificado
aqueles surdos que possuem identidade surda, enquanto que outros possuem
identidade ouvinte; as repercussões no meio da comunidade surda quando um
surdo opta pela oralização e pelo uso das próteses auditivas. Por fim, a
pesquisadora traz um pouco da sua biografia como surda oralizada de grau
severo a profundo.
Palavras-chave: Surdo Oralizado; Identidade Surda; Língua e Linguagem.
INTRODUÇÃO
A comunicação entre os seres humanos é incentivada desde o momento
em que o feto é concebido na barriga da mãe. Quando nasce, o bebê começa a
interagir com o mundo, adquirindo uma língua, seja ela oral ou espaço-visual. É
através desta língua que o indivíduo irá expressar suas emoções, necessidades,
conhecimentos, ideias e, acima de tudo, viver em sociedade. É essa faculdade
do uso de uma língua que diferencia o ser humano das demais espécies animais.
A existência de uma língua de modalidade gesto-visual é desconhecida
pela grande maioria da sociedade, como também por muitos surdos. No Brasil,
esta língua é chamada de Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. É possível
expressar-se plenamente com o uso desta modalidade linguística.
Alguns conceitos são criados em torno dos tipos de identidade surda, de
acordo com o comportamento que cada indivíduo apresenta frente às
particularidades próprias do surdo. Entre os vários tipos de surdez, pode-se
encontrar o surdo oralizado, que faz uso de prótese auditiva e da leitura labial.
Este tipo de surdo nada tem a ver com o tipo de perda auditiva, mas sim, com o
meio em que está inserido.
Esses surdos, ao tomar conhecimento da modalidade comunicativa
gesto-visual, optam por deixar a oralidade de lado e usar apenas a língua de
sinais, enquanto que outros surdos não se identificam com a identidade surda.
É a partir deste problema que o presente artigo pretende conhecer a identificação
ou não dos surdos oralizados pela Língua de Sinais.
Torna-se importante
questionar: como a língua de sinais contribui no fortalecimento da identidade do
surdo oralizado?
Através desta pesquisa bibliográfica, torna-se possível ter uma pequena
percepção de como a sociedade e a própria comunidade surda reagem ao
perceber que um surdo optou pela oralização, em possuir uma identidade
ouvinte.
A necessidade de se viver em sociedade traz consigo regras que devem
ser respeitadas, e, dentre estas, o direito à escolha pelas diferentes opções de
identidade como também pela forma de comunicação com o qual se identifique.
Primeiramente, faz-se necessário uma breve distinção entre língua e
linguagem, para que se possa entender a importância destas na vida do ser
humano, em particular do surdo. Na definição de Quadros e Karnopp (2004,
p.24),
o vocábulo linguagem, em português, é mais abrangente que o
vocábulo língua, não só porque é usado para se referir às linguagens
em geral, mas também porque é aplicado aos sistemas de
comunicação, sejam naturais ou artificiais, humanos ou não.
Skliar (2010, p. 24) complementa a informação anterior afirmando que:
em outras palavras, a linguagem possui uma estrutura subjacente
independente da modalidade, seja esta auditivo-oral ou visuogestual.
Deste modo, a língua oral e a língua de sinais não constituem uma
oposição, mas sim, canais diferentes para a transmissão e a recepção
da capacidade mental da linguagem.
Com relação às diferenças existentes entre as línguas de sinais e a língua
oral, Quadros (1997, p. 46) explica:
Em primeiro lugar, as línguas de sinais apresentam-se numa
modalidade diferente das línguas orais; são línguas espaço-visuais, ou
seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através dos
canais oral-auditivos, mas através da visão e da utilização do espaço.
Após décadas de estudos sobre o sistema linguístico da língua de sinais,
Quadros e Karnopp (2004, p. 30) afirmam “As línguas de sinais são, portanto,
consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema
linguístico legitimo”. E mais ainda: “... as línguas de sinais, sob o ponto de vista
linguístico, são completas, complexas e possuem uma abstrata estruturação nos
diversos níveis de analise” (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 36).
Portanto, o surdo, ao se identificar com a língua de sinais, não encontrará
limitações quanto ao uso da mesma, considerada pela grande maioria da
população como gestos, mímica ou ainda como uma língua pobre, pois Quadros
e Karnopp (2004, p. 31) trazem ao conhecimento que: “[...] vários estudos
concluíram que as línguas de sinais expressam conceitos abstratos. Pode-se
discutir sobre política, economia, matemática, física, psicologia em uma língua
de sinais”, da mesma forma que os usuários da língua oral.
Por preconceito, por falta de orientação, de conhecimento, pelo
direcionamento clínico dado ao surdo, muitos pais ouvintes (senão quase todos),
ao tomar conhecimento de que o seu filho é surdo, apela imediatamente para o
treinamento oral da criança (que muitas vezes gera desconforto para a mesma)
e para a colocação de próteses auditivas (o que, para muitos surdos, não
passam de ruídos).
Este é um comportamento típico de pais que desejam que seu filho fique
o menos deficiente auditivo possível, na medida de suas possibilidades, como
bem observa Gesser (2009, p.25): “escolas, profissionais da saúde, e familiares
de surdos têm seguido uma tradição de negação do uso dos sinais”.
Do contrário, se a criança tiver contato com a LIBRAS desde a tenra idade,
o seu desenvolvimento será integral, tanto linguisticamente falando, como
emocionalmente, tendo em vista que a mesma poderá expressar-se plenamente,
pois “não é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta
de acesso a uma língua” (GESSER, 2009, p.76). Quando o contato com a língua
de sinais só ocorre posteriormente, as reações podem ser diversas, ora
identificando-se com ela, ora rejeitando-a. Cabe aqui uma interessante
observação:
É facilmente demonstrável que a classificação dos tipos e graus de
surdez pode nos cegar para o entendimento das relações que cada
indivíduo estabelece com a língua de sinais, identidade e cultura surda.
Um surdo profundo, por exemplo, pode não se identificar com a língua
ou cultura dos surdos e optar exclusivamente pela oralização, da
mesma forma que um surdo com surdez leve ou moderada pode
demonstrar uma relação contraria: uma profunda identificação com os
traços culturais dos surdos sinalizantes (GESSER, 2009, p.72-73)
O surdo, mesmo sendo oralizado, muitas vezes encontra desconforto na
comunicação com o ouvinte, como pode ser visto nos trechos do depoimento de
Gládis Perlin (1998, p.10):
O que tem de ruim nisso é que os ouvintes falam e a comunicação
visual, na paisagem de seus lábios, é quase sempre mínima. A
comunicação existente entre as pessoas ouvintes me deixa assustada.
É difícil compreender o que transmite seu pensamento através de
lábios que se movimentam com uma rapidez, terrivelmente louca.
Observo os lábios com atenção e consigo entender algumas ideias,
mas, na maioria das vezes, desanimo pelo cansaço e pela chateação
que me invade por não conseguir ter uma noção correta das
mensagens dadas.
Diante desse depoimento, que retrata a realidade de muitos surdos
oralizados, há conforto em se optar pela língua de sinais, “pois a informação
linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos” (QUADROS e
KARNOPP, 2004, p. 47 e 48).
O parâmetro de normalidade criado pela sociedade majoritária ouvinte
faz com que existam preconceitos, ao diagnosticar o surdo como deficiente, por
ser destituído de uma capacidade auditiva inerente à grande maioria da
população mundial. Como consequência, criaram a ideia equivocada de que a
melhor forma de “normalizar” o surdo é oralizando-o, e nesse ponto Gesser
(2009, p. 50), chama atenção ao afirmar que “oralizar é sinônimo de negação da
língua dos surdos”.
Neste sentido, torna-se necessário clarificar algumas concepções acerca
das Identidades Surdas.
Quadro 1: concepções de identidades surdas
Identidades surdas
Concepção
Identidades
Surdas “surdos que fazem uso com
(identidade política)
experiência
visual
propriamente dita. (...) Tratase de uma identidade que se
sobressai na militância pelo
específico surdo”. (PERLIN,
2010, p. 63).
Identidades Surdas Hibridas “são os surdos que nasceram
ouvintes, e que com o tempo
se tornaram surdos. É uma
espécie
de
uso
de
identidades diferentes em
diferentes momentos. (...)
Conhecem a estrutura do
português falado, (...) captam
do exterior a comunicação de
forma visual, passam-na para
a língua que adquiriram por
primeiro e depois para os
sinais”. (PERLIN, 2010, p.
64).
Identidades
Surdas “estão presentes onde os
Flutuantes
surdos
vivem
e
se
manifestam a partir da
hegemonia dos ouvintes. (...)
Desprezam a cultura surda,
não tem compromisso com a
identidade surda”. (PERLIN,
2010, p. 65-66).
Identidades
Surdas
de “normalmente, a maioria dos
Transição
surdos passa por este
Pressuposto
São os surdos que nasceram
surdos,
geralmente
conviveram com surdos,
assumem de corpo e alma
que são surdos e carregam
no sangue o “ser surdo”.
É uma mescla da identidade
ouvinte e da identidade
surda, tendo em vista ter
vivenciado a primeira e estar
convivendo com a segunda.
São os surdos biológicos
que possuem identidade
ouvinte.
São os surdos oralizados
que, ao descobrirem o
Identidade Surda Incompleta
Identidades Intermediárias
momento de transição, visto
que é composta por filhos de
pais ouvintes. No momento
em que esses Surdos
conseguem contato com a
comunidade
Surda,
a
situação muda e eles passam
pela “desouvintização” da
representação da identidade.
Embora passando por essa
“desouvintização”, os Surdos
ficam com sequelas da
representação
que
são
evidenciadas
em
sua
identidade em reconstrução
nas diferentes etapas da
vida”. (PERLIN, 2010, p. 64).
“Representada por aqueles
surdos que vivem sob uma
ideologia ouvintista latente
que trabalha para socializar
os surdos de maneira
compatível com a cultura
dominante. A hegemonia dos
ouvintes exerce uma rede de
poderes
difícil
de
ser
quebrada pelos surdos, que
não conseguem se organizar
ou mesmo ir às comunidades
para resistirem ao poder”.
(PERLIN, 2010, p. 64-65).
“geralmente esta identidade é
identificada como sendo
Surda. Essas pessoas têm
outra identidade, pois tem
uma característica que não
lhes permite a identidade
Surda isto é a sua captação
de
mensagens
não
é
totalmente na experiência
visual que determina a
identidade Surda”.
mundo surdo, se identificam
com ele e passam da
identidade ouvinte para a
identidade surda.
Ou seja, fazem parte deste
grupo os surdos que não
sabem da existência das
comunidades surdas, que
foram
alienados
pela
sociedade
Como o próprio nome já diz,
são aqueles surdos que
oscilam entre a identidade
ouvinte e a identidade surda.
Fonte: Perlin (2002; 2010)
O ser humano precisa de comunicação para se relacionar com os seus
semelhantes. Na falta destes, a comunicação tende a ser feita com os animais.
Portanto, quando alguém é privado do uso de uma língua, quando não consegue
se comunicar e nem se fazer entender, qual será a consequência inevitável
disso? O isolamento, a baixa autoestima, a dependência do outro. São esses
adjetivos que passam a compor a vida do surdo que não tem contato com outros
surdos, com a comunidade surda, que vivem alienados no mundo dos ouvintes.
O principal canal de comunicação dos surdos é a LIBRAS. É através desta
língua que os surdos constroem suas identidades, se manifestam na política, no
teatro, nas piadas, nas poesias, na filosofia e tudo mais que for possível fazer
através do uso da Libras, como afirma Gesser (2009, p. 23): “as pessoas que
falam língua de sinais expressam sentimentos, emoções e quaisquer ideias ou
conceitos abstratos”. A autora acrescenta ainda que:
através da língua nos constituímos plenamente como seres humanos,
comunicamo-nos com nossos semelhantes, construímos nossas
identidades e subjetividades, adquirimos e partilhamos informações
que nos possibilitam compreender o mundo que nos cerca (GESSER,
2009 p. 76-77)
O mundo é feito de uma pluralidade de identidades e aí está a graça de
existirem identidades diferentes convivendo harmoniosamente entre si. Deve-se
respeitar os surdos que querem possuir uma identidade surda, sejam eles filhos
de pais ouvintes ou de pais surdos, com suas culturas e jeito próprio de ser,
como também se deve respeitar aqueles surdos que se identificam melhor com
a cultura ouvinte.
O que não pode haver é a subalternidade da identidade surda em relação
à cultura ouvinte, por ser minoria, e isso vem sendo alcançado graças às lutas
políticas que os surdos vêm empreendendo.
Assim, existem múltiplas identidades surdas, em que o meio que o surdo
está inserido irá interferir na construção da sua identidade. Segundo Perlin
(1998, p.21),
a constituição da identidade dependerá, entre outras coisas, de como
o sujeito é interpelado pelo meio em que vive. Um surdo que vive junto
a ouvintes que consideram a surdez uma deficiência que deve ser
tratada pode constituir uma identidade referendada nesta ótica. Mas
um surdo que vive dentro de sua comunidade possui outras narrativas
para contar a sua diferença e constituir sua identidade.
Vale lembrar que a identidade não é estática, mas sim, dinâmica, sempre
reformulando seus conceitos e crenças, como pode ser visto nos diferentes tipos
de identidade classificados por Perlin (1998).
A humanidade peca por falta de conhecimento sobre as diferentes formas
de comunicação, em achar que existe apenas a língua oral, não sabendo que a
comunicação gesto-visual, que é utilizada entre surdos, é completa e garante a
construção de uma identidade surda e a valorização da cultura surda. A forma
de comunicação dos surdos é visual enquanto que a dos ouvintes é auditiva, são
bem diferentes entre si, são completas e independentes e que podem conviver
harmonicamente entre si.
Para isso que existem os movimentos sociais, para mostrar que existem
diferenças e não igualdades. Todos têm direito à igualdade na medida das suas
desigualdades, e isso está assegurado na Constituição Federal, a nossa lei
maior, em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza” (BRASIL, 1998). Este artigo constitucional garante aos
surdos terem os mesmos direitos de comunicação que um ouvinte, apesar da
modalidade comunicativa diferenciada.
OBJETIVOS
Conhecer o processo de aquisição da Língua de Sinais pelos surdos oralizados.
Compreender como a Língua de Sinais contribuir para o fortalecimento da
identidade do surdo.
Analisar o percurso de aquisição da Língua de Sinais por uma surda oralizada,
a partir de um enfoque autobiográfico.
METODOLOGIA
Esta pesquisa é de cunho teórico bibliográfico, e também se utilizou do
relato de experiência e de vida da autora, que possibilitou as escritas de si para
o estudo das relações que se estabelecem entre a constituição do sujeito surdo
oralizado, o processo de aprendizado e aquisição da Língua de Sinais e o
fortalecimento da sua identidade surda, fazendo refletir sobre os impactos na sua
vida ao adquirir a língua de sinais.
Para isso, elencou-se categorias: como acontece a aquisição da Libras
para o surdo oralizado? Conflitos de Identidade: sou surda ou oralizada?
Assim, surgiu a necessidade de criar as minhas narrativas: histórias de uma
surda oralizada, a qual possibilitaram uma análise reflexiva que confirmassem
os pressupostos teóricos e também respondesse o problema da pesquisa.
RESULTADOS
Sou a caçula de seis filhos de uma família de ouvintes, sempre fui uma
criança que não dava trabalho, que não reclamava de nada, tudo sempre estava
bom. Apresentava uma fala muito rudimentar, a impressão que as pessoas
tinham de mim era que eu só queria me comunicar quando bem quisesse, só
respondia aos chamados quando queria, ou seja, às vezes respondia às vezes
não.
Comecei a andar com dois anos e só descobriram que eu tinha problemas
de audição aos quatro anos. Foram feitos vários exames médicos e ninguém
conseguia descobrir qual era, de fato, meu diagnóstico. Até que, um dia, meu
pai, estudante de medicina na época, conversou com um dos professores da
faculdade e o mesmo deu uma resposta certeira: sua filha tem problemas
auditivos. Traga-a aqui para que eu possa vê-la! Com o diagnóstico confirmado
de perda auditiva de severa a profunda, meus pais foram orientados a me
encaminhar para um otorrino conceituado na cidade de São Paulo, Dr. Orozimbo
Alves Filho. Passei a ir anualmente, com as despesas bancadas pelo SUS.
Adquiri dois aparelhos auditivos e comecei a usá-los aos cinco anos.
O molde (que é a parte que fica dentro do ouvido), atualmente é feito de
silicone, material bem confortável e flexível. Mas na década de 70, este mesmo
molde era feito de acrílico, material duro que causava feridas até calejar o ouvido.
De tempos em tempos, tinha que fazer novos moldes, pois o mesmo ia ficando
pequeno, e então o sofrimento recomeçava. Chorava para não usar o aparelho
por causa das feridas que os moldes me causavam, mas minha mãe
carinhosamente me convencia a suportar as dores, até que o meu ouvido ficasse
calejado.
Essas cenas de intenso sofrimento faziam com que minha irmã mais velha
sofresse também e isso lhe causava revoltas. Todo dia de manhã, ao me acordar
para ir para a escola, minha mãe delicadamente colocava minha cabeça no colo
dela e punha os dois aparelhos nos meus ouvidos. Por confiar em meus pais e
por acreditar que eles queriam o melhor para mim, que queriam o meu bem, eu
aceitava usar os aparelhos auditivos, apesar do sofrimento.
O tempo foi passando. Ao entrar na alfabetização, meus pais foram
orientados a me matricular numa escola regular, pois, se eu estudasse numa
escola especial, ia me considerar deficiente. Tive dificuldades de fazer amizades
na minha infância, pois quando me encontrava entre as crianças da minha idade,
me sentia retraída por não entender / acompanhar os diálogos e as brincadeiras
entre elas. O mesmo não ocorreu na adolescência, pois tive bons amigos na
igreja e na escola. Enquanto o professor dava aulas, de costas para a classe,
escrevendo no quadro negro com o giz, eu recorria aos cadernos das minhas
amigas para manter-me atualizada nas matérias.
Fiz faculdade de enfermagem e, até ingressar na faculdade, nunca tive
dificuldades devido à minha deficiência auditiva. Mas, quando entrei na
faculdade, a história mudou! Ali, as exigências eram outras, o mercado de
trabalho não iria querer uma enfermeira surda, em que as pessoas sempre
precisariam se direcionar a ela e informar o que estava acontecendo.
Por exemplo, fiz estágio no Setor de Cardiologia no Hospital das Clínicas
em Salvador – BA. Quando acontecia algo de grave com algum paciente, eu
percebia os movimentos dos enfermeiros, médicos, técnicos e auxiliares de
enfermagem, e quando finalmente eu conseguia saber o que estava
acontecendo, o problema já havia sido solucionado!
A área de saúde é muito dinâmica, onde a comunicação é constante e
rápida! Muitas vezes os profissionais de saúde trocam informações entre si em
voz baixa, por respeito aos pacientes, aí então é que eu não pegava nada! Por
conta dessas dificuldades, resolvi abandonar a faculdade, mas minha família não
deixou, tendo em vista que só faltavam três semestres para concluir e obter o
meu diploma.
O carinho que eu nutria pelos pacientes e vice-versa fizeram com que eu
terminasse a faculdade. Findo a mesma, dediquei-me a estudar para concurso
público, pois sabia que a lei garantia uma porcentagem de vagas para
deficientes. Era nessas vagas que eu queria entrar e ser tratada como tal, com
direito ao tipo de trabalho que se adaptasse às minhas necessidades. Estudei
com afinco e com a benção de Deus, obtive tal êxito!
A vida toda eu sempre me defini como “deficiente auditiva”, pois achava
que este termo era o mais adequado para mim, pois achava que o termo “surdo”
era para quem realmente não ouvia nada e não falava. Achava que o termo
“deficiente auditivo” significava uma deficiência na audição, uma capacidade de
escuta reduzida, mas que se adaptava muito bem com os aparelhos auditivos,
cujo ganho auditivo, no meu caso, é satisfatório.
O meu ponto de vista se enquadrava no comentário feito por Gesser
(2009, p. 45): “É facilmente observável que, para muitos ouvintes alheios à
discussão sobre a surdez, o uso da palavra surdo pareça imprimir mais
preconceito, enquanto o termo deficiente auditivo parece-lhes ser mais
politicamente correto”. Atualmente, após as leituras que tenho feito sobre a
surdez e o Surdo, me defino agora como Surda.
Nunca tive contato com outros surdos até por volta dos meus vinte anos.
De repente, comecei a vê-los por toda parte: na igreja, no curso preparatório
para o vestibular, nos mercados e até nos ônibus! Mas foi na igreja que eu
frequentava que comecei a ter contato com a Libras.
Fiz o curso que a igreja oferecia, em 1995, mas tinha vergonha de colocar
em prática os sinais que eu havia aprendido, de não conseguir me fazer entender
pelos surdos e não os entender. Pura bobagem. Na época, deixei de ter contato
com os surdos, pois mudei de igreja. E, atualmente, frequento uma igreja que
tem o “Ministério Resgate Surdo”, com pastor surdo e intérpretes, que traduzem
todo o culto para os surdos em Libras.
Sempre que estou na rua e preciso me comunicar com alguém, até
mesmo no trabalho, eu sempre reforço que sou surda, que faço leitura labial. Aí
então a pessoa começa a falar alto e pausadamente. Acho graça nisso e assim
explico que pode falar normal, que basta olhar para mim. Sobre isso, Gesser
(2009, p.60) comenta:
Curioso, entretanto, é o jeito desengonçado dos ouvintes quando
depende dessa forma comunicativa para travar uma conversa com o
surdo: articulam exageradamente as palavras, falam muito alto, quase
gritando (não esqueçam, os interlocutores são surdos!), outras vezes
soletram demasiadamente as letras e silabas [...].
Quero me envolver cada dia mais com a comunidade surda, aprender
mais a Libras, pois acredito que uma parte de mim pede isso, sente segurança
em poder se comunicar com o visual. Em vários momentos, como na igreja, em
congressos, numa roda de amigos, faço muito esforço para ouvir o que a pessoa
está falando.
Quando estou com um grupo de pessoas, por exemplo, ao direcionar a
leitura labial para a pessoa que está falando, esse direcionamento fica atrasado,
pois outra pessoa já está falando e assim já perdi boa parte das conversas. Por
isso, prefiro comunicação a dois, pois a conversa é direcionada a mim, eu
controlo a pessoa para que fale de acordo com as minhas necessidades.
CONCLUSÕES
Um dos principais alicerces na vida de um indivíduo é a comunicação,
pois é através desta que ele se constrói e constrói o outro. Quando a
comunicação é ínfima ou inexistente, a solidez emocional e linguística do ser
humano fica instável, tendo em vista que o mesmo não terá como demonstrar
suas necessidades, anseios, medos, ambições, reduzindo dessa forma a sua
autoestima.
Ao longo da vida, o ser humano constrói vários tipos de identidade, pois
esta está sempre se dinamizando de acordo com as vivências que o indivíduo
enfrenta. As experiências que foram vividas no passado somam com as do
presente, criando uma nova forma de ver o mundo, novas sensações, novas
expectativas.
O mesmo acontece com o surdo oralizado, ao descobrir a existência de
outro tipo de língua, aquela que deveria ter sido sempre a sua, visto que não
precisa do sistema auditivo para comunicar-se. Porém, as reações desse surdo
frente a esta nova situação são as mais variadas possíveis: oram se identificam,
ora rejeitam-na.
Por isso, é importante que cada opção seja respeitada, tanto pela
comunidade surda em aceitar que o surdo opte pela oralização, quanto pela
comunidade ouvinte, em respeitar a opção do surdo pela língua de sinais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. Elementos da comunicação.
Disponível em: http://portugues.uol.com.br/redacao/linguagemlinguafala.html
GESSER, Audrei. LIBRAS?: Que língua é essa?: crenças e preconceitos em
torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial,
2009.
LESSA, Luísa Galvão. A importância da língua no mundo social e cultural.
Disponivel em: http://luisalessa.blogspot.com.br/2010/05/importancia-da-linguano-contexto-socio_21.html
LESSA, Luísa Galvão. Diferença entre linguagem, língua e fala. Disponível
em: http://agazetadoacre.com/noticias/diferenca-entre-linguagem-lingua-e-fala/
PERLIN, Gladis T.T. Histórias de vida surda: identidades em questão. Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação, 1998.
QUADROS, Ronice Muller de. Educação de surdos: a aquisição da
linguagem. Porto Alegre: Artemed, 1997.
QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais
Brasileira: estudos linguisticos. Porto Alegre: Artmed, 2004
SKILIAR, Carlos (org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 4.ed. Porto
Alegre: Mediação, 2010.
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