(L1) como fator de influência na aprendizagem da segunda língua

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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – PPPE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA
JORGE HABER RESQUE
A LINGUA MATERNA (L1) COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA APRENDIZAGEM
DA SEGUNDA LÍNGUA (L2) – INGLÊS
BELÉM
2010
2
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – PPPE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA
JORGE HABER RESQUE
A LINGUA MATERNA (L1) COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA APRENDIZAGEM
DA SEGUNDA LÍNGUA (L2) – INGLÊS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado Stricto Sensu em Comunicação,
Linguagens e Cultura, da Universidade da
Amazônia, como requisito para obtenção do título
de Mestre, orientada pela Profa. Dra. Rosa Maria
Coelho de Assis.
BELÉM
2010
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Marineide Vasconcellos
CRB 2/1.028
418.007
R434l Resque, Jorge Haber.
A língua materna (L1) como fator de influência na aprendizagem
da segunda língua (L2) - inglês / Jorge Haber Resque. -- 2010.
118 f.: 21 x 30 cm.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade da Amazônia, Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Comunicação,
Linguagens e Cultura, 2010.
Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria Coelho de Assis.
1. Aprendizagem-Segunda língua. 2. Linguística contrastiva. 3.
Apredizagem-Lingua estrangeira-Inglês. 4. Linguística aplicadaEstudo e ensino. I. Assis, Rosa Maria Coelho de. II. Título.
4
A LINGUA MATERNA (L1) COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA APRENDIZAGEM
DA SEGUNDA LÍNGUA (L2) – INGLÊS
por
JORGE HABER RESQUE
Dissertação submetida à avaliação,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
Orientador: Profª Dra. Rosa Maria Coelho de Assis
Universidade da Amazônia – UNAMA
______________________________________
Examinador: Profª Dra. Josebel Fares
Universidade do Estado do Pará - UEPa
______________________________________
Examinador: Profª Dra. Maria do Perpétuo Socorro
Cardoso
Universidade da Amazônia – UNAMA
Aprovado: _________________________
Belém, ____de _________________2010.
5
A todas as pessoas que me ajudaram a concluir esta
dissertação, especialmente a Edila Miranda Porto de
Oliveira, esposa e companheira inseparável, que
jamais falhou em dizer a palavra certa, na hora certa
e soube me incentivar sempre, e compreender
minhas ausências e meus momentos de dúvidas e
inconsistências.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, por me cumular com tantas bênçãos de inteligência,
paciência e perseverança em busca do crescimento intelectual e espiritual.
Aos meus pais, por todo o grande esforço no sentido de me tornar um homem de
bem e me proporcionar as oportunidades necessárias para chegar até aqui.
Aos meus familiares, especialmente a minha sogra (Edila Emilia Miranda Porto de
Oliveira) e a minha tia ‘postiça’ (Anália Emilia Alves Miranda), pelo permanente incentivo e
confiança.
A minha amiga, Ana Oliveira, pela paciência em revisar meu trabalho e pelos seus
sábios conselhos.
A todos os amigos professores do CCHE da UNAMA, pelo encorajamento e pela
total confiança em meu potencial.
À Professora Célia Jacob, Coordenadora do Curso de Letras e à Professora Edila
Miranda Porto de Oliveira, Coordenadora do Curso de Secretariado Executivo Bilíngue, pela
compreensão e apoio nos momentos de maior dificuldade operacional.
Ao Professor Edval Bernardino, Diretor do CCHE – UNAMA, e aos Membros
Diretores da Instituição, por terem acreditado na minha responsabilidade e terem oferecido
os meios para que eu pudesse concluir o meu curso.
Agradeço especialmente às Professoras Dras. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso e
Marise Morbach pelas recomendações carinhosas que clarearam meu caminho e
enriqueceram o desenvolvimento deste trabalho.
Um profundo agradecimento à Professora Dra. Rosa Maria Coelho de Assis, minha
orientadora, que sempre me colocou ‘nos trilhos’ do rumo certo e da direção final deste
trabalho.
E, finalmente, o maior e mais sincero agradecimento a minha esposa, Edila, e aos
meus filhos do coração, Manuella e Arthur, este, presente, ainda que distante, os quais
sempre foram a minha fonte de inspiração, mesmo sem saberem ou perceberem.
E um agradecimento final a Deus, por ter permitido que eu chegasse até aqui.
7
“Teaching a language is like playing a game of
chess. At any one moment, there is one, only one
best move to make”.
(Ferguson)
8
RESUMO
Este trabalho busca discutir a influência da língua materna (L1) sobre o processo de
aprendizagem da segunda língua (L2), neste caso, em especial, a Língua Inglesa,
baseado nos pressupostos da Linguística Descritiva (LABOV), usando o modelo
utilizado por TARALLO e as ideias da Análise Contrastiva (ou Linguística
Contrastiva), defendidos por ROBERT LADO e FRIES, e os pressupostos da
interculturalidade (línguas em contato), bem como as ideias de Chomsky
(competência e performance). Para isso, apresentam-se resultados da pesquisa de
campo realizada a fim de se observar que o sistema da primeira língua parece
exercer interferência na produção do discurso na segunda língua mesmo quando o
período de aprendizagem formal já se completou.
Palavras-chave: Aprendizagem.
Competência. Performance.
Segunda
Língua.
Linguística
Contrastiva.
9
ABSTRACT
This paper aims at discussing the influence of the mother tongue (L1) upon the
process of learning a second language (L2), mainly the English Language,
supported by the assumptions made by the Descriptive Analysis (LABOV), using the
model proposed by TARALLO and the ideas of the Contrastive Analysis (or
Contrastive Linguistics), as posed by ROBERT LADO and FRIES, as well as the
presuppositions of intercultural effect (languages in contact) plus the ideas defended
by Chomsky (competence and performance), showing some evidence of the
research done from the observation that the mother tongue system seems to exert
some interference on the production of the written and oral discourse in the second
language, even after the formal learning period has been completed.
Key-words: Learning. Second Language. Contrastive Analysis. Competence.
Performance.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................. 11
CAPÍTULO 1: O FALANTE USUÁRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A
APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA......................................
1.1 O PAPEL COMUNICATIVO DA LINGUAGEM...........................
1.2 A PERCEPÇÃO PELA MENTE...................................................
1.3 A AQUISIÇÃO DE UMA SEGUNDA LÍNGUA E A
INTERFERÊNCIA DA LINGUA MÃE..........................................
1.3.1 Interferência fonológica............................................................
1.3.2 Interferência morfossintática...................................................
1.3.3 Interferência grafofonêmica....................................................
1.4 EFICIÊNCIA COMUNICATIVA....................................................
1.4.1 Gramática...................................................................................
1.4.2 Falantes não-nativos com níveis de aprendizado
diferentes...................................................................................
1.4.3 Situação e contexto..................................................................
1.4.4 Pronúncia e sotaque.................................................................
1.4.5 Habilidades................................................................................
1.5 VARIEDADES LINGUÍSTICAS...................................................
1.6 UMA ANÁLISE DESCRITIVA DA LINGUAGEM.........................
1.7 FATORES PSICOLÓGICOS.......................................................
1.7.1 Motivação...................................................................................
1.7.1.1 Motivação extrínseca..................................................................
1.7.1.2 Motivação intrínseca...................................................................
CAPITULO 2: AS TEORIAS E MÉTODOS QUE EXPLICAM A
APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA ......................................
2.1 BEHAVIORISMO.........................................................................
2.2 COGNITIVISMO..........................................................................
2.3 AQUISIÇÃO x APRENDIZAGEM................................................
2.3.1 Aquisição e aprendizagem.......................................................
2.3.2 Hipótese de monitor..............................................................
2.3.3 Hipótese da ordem natural.......................................................
2.3.4 Hipótese do input......................................................................
2.3.5 Hipótese do filtro afetivo..........................................................
2.4 TEORIAS PSICOLÓGICAS RECENTES....................................
2.4.1 Processamento da informação................................................
2.4.2 Coneccionismo..........................................................................
2.4.4 Interacionismo...........................................................................
2.4.5 A teoria das inteligências múltiplas........................................
2.4.5.1 A noção de diferentes inteligências na escola e seu papel na
aprendizagem............................................................................
16
19
22
23
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50
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51
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55
57
CAPITULO 3: VARIAÇÃO E ERRO: considerações................................ 65
3.1 PROBLEMAS EM DEFINIR ‘ERRO’........................................... 66
11
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.2.4
3.3
TIPOS E CAUSAS: ‘erros’ intra-línguas e de desenvolvimento.
Supergeneralização.................................................................
Ignorância das restrições da norma........................................
Aplicação das normas..............................................................
Conceitos falsos hipotéticos...................................................
NOÇÃO DE ‘ERRO’: o que é considerado ‘certo’ ou ‘errado’ ao
aprender uma língua estrangeira................................................
69
69
71
72
73
74
CAPITULO 4: A PESQUISA....................................................................... 86
4.1 ANÁLISE DOS DADOS............................................................... 101
4.2 ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO E ANÁLISE PARA
GERAÇÃO DE DADOS...........................................................
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................
108
REFERÊNCIAS...........................................................................................
110
ANEXOS
12
INTRODUÇÃO
Desde a Idade Antiga tem o homem se preocupado com as barreiras de
comunicação inerentes ao aprendizado de uma Língua, em especial de uma
Segunda Língua. No início isto foi motivado pelas Guerras de conquista quando o
povo conquistador precisava fazer o povo conquistado entender as regras da
dominação, as leis, as normas que passariam a reger a sociedade a partir daquele
momento. Como não havia tempo hábil para ensinar todo o mecanismo linguístico
para o povo dominado, buscava-se a criação de códigos sociolinguísticos que
suplantassem o conhecimento da norma culta e fizessem a comunicação essencial
acontecer.
Depois, tal necessidade surgiu por causa das grandes viagens de exploração
e descobertas de novas terras. Era preciso fazer com que o povo nativo das regiões
recém descobertas aprendesse a comunicar-se de forma correta e plena. Então, era
mais fácil criar códigos de comunicação baseados nos costumes e na cultura da
sociedade já existente. Uma vez mais os elementos da Língua como agente social
da comunicação se mostravam mais fortes que os ensinamentos da Língua culta,
das normas gramaticais, as quais iam ficando para mais tarde, não obstante todo o
esforço desenvolvido pelos religiosos e estudiosos, em especial os estudiosos de
literatura.
Tal fenômeno voltou a ocorrer nas duas Grandes Guerras, em especial na
Segunda Guerra Mundial, pela necessidade de transmitir ordens rápidas e que não
fossem entendidas pelos inimigos, mas sim unicamente pelos aliados. Era preciso
então criar uma metodologia que enfatizasse os elementos da comunicação oral,
sem levar em conta as regras gramaticais ou o tempo que elas levariam para serem
ensinadas.
Com o advento da globalização evidenciou-se uma transformação social
muito mais veloz, lado a lado com a necessidade de acompanhar a integração das
sociedades e das comunicações. A linguagem tornou-se, assim, um forte aliado
neste
mister,
adaptando-se
instantanea
e
integralmente
às
necessárias
modificações de padrão social e linguístico impostas pelos grupos criados pelas
grandes comunidades do mundo atual, como por exemplo, as comunidades de
relacionamento da web, os sites de relacionamento, onde a linguagem é nada mais
13
nada menos do que um conjunto de códigos que levam em conta a função social da
Língua, trazendo uma forma de aculturação linguística, muito mais forte do que
qualquer norma culta considerada padrão.
Todas estas transformações pelas quais passa a sociedade, em diversos
momentos de sua história, também trouxeram uma discussão em torno daquilo que
pode e aquilo que deve ser considerado norma culta e o que pode e deve ser
considerado norma social. Esta discussão passa, assim, pelo conceito de
linguagem. Do ponto de vista da gramática universal, a natureza essencial da
linguagem é cognitiva. Porém, este não é o único prisma através do qual a
linguagem pode ser analisada, pois apesar da mesma ser um fenômeno de
construção cognitivo, deve também funcionar como um meio de comunicação e
controle social. De fato, ela é internalizada na mente como um conhecimento
abstrato, mas a fim de que tal internacionalização aconteça, ela também deve ser
experimentada no mundo externo como comportamento atual. Portanto, outra forma
de analisar a linguagem é em termos da função social que ela desempenha. O que é
particularmente surpreendente acerca da linguagem a partir deste ponto de vista é a
maneira como ela é moldada como um sistema de sinais e códigos cujo objetivo é
satisfazer as necessidades comunitárias e sofisticadas das sociedades humanas.
Então, por que a linguagem humana existe da forma como ela é? A resposta
provavelmente está no fato de que a mesma evoluiu não com a evolução biológica
das espécies, mas com a evolução sócio-cultural das comunidades humanas.
Assim, o que importa saber e utilizar: a norma padrão ou os padrões de norma? O
que importa mais na convivência entre os povos e na sua comunicação, (a qual é
uma consequência imediata das interações sociais e das trocas de informação, e é o
que mantém o mundo globalizado em sintonia), e, portanto no aprendizado de uma
Língua, em especial das segundas Línguas: a exatidão das normas ou a fluência da
comunicação?
Nos últimos cinquenta anos, muitas coisas foram discutidas e aperfeiçoadas
com relação ao aprendizado de uma língua estrangeira, pela evolução de quase
todas as metodologias de ensino mais recentes, com suas descobertas, conclusões,
mas também, e principalmente, com suas dúvidas e questionamentos. Dentre todas,
aquela que mais contribuía para divergências e polêmicas era, sem dúvida, a que
tratava do debate entre os conceitos de FLUÊNCIA x EXATIDÃO (fluency x
accuracy), isto é, discutia-se o que deveria ter mais importância no processo de
14
aprendizagem: a gramática e a exatidão das regras estruturais da Língua, ou os
alunos deveriam também saber que muitas vezes a comunicação se dá mesmo que
as normas não sejam totalmente obedecidas; que muitas vezes é possível fazer-se
entender (comunicar-se) sem que se conheçam as regras estruturais a fundo; que a
correção intensiva dos erros pode, inclusive, barrar o processo interativo de uma
comunicação eficaz.
Com a evolução dos estudos da sociolinguística e da neurolingustica, ficou
claro que é necessário desenvolver nos alunos dois tipos de competência: a
competência gramatical, que significa ter o conhecimento das normas gramaticais da
língua que se está usando, e a competência comunicativa, que significa a
capacidade de usar esta mesma língua em interações sociais, onde o contexto e a
necessidade comunicativa são mais importantes do que as regras.
Outro fator de extrema importância na aprendizagem de uma Língua, é sem
dúvida, o fator cultural. E, no nosso caso, mais especificamente, a interculturalidade,
pois estamos falando de aprender uma segunda língua e, consequentemente, de
Línguas em contato, elemento que tem estudos realizados com base na Linguística
Contrastiva, o que também sustenta a realização de nossa pesquisa.
Esta pesquisa objetivou, portanto, analisar e refletir acerca de um
questionamento que se faz recorrente, ao longo de vários anos, sobre a questão do
aprendizado de uma segunda língua e o fenômeno da interferência da Língua
Materna sobre tal aprendizado, e se esta interferência causa desvios de padrão na
norma ‘dita culta’.
Para isso, buscamos verificar até que ponto as características do sistema
linguístico da primeira língua, neste caso, o Português, interferem no aprendizado de
outro idioma, de uma segunda língua, aqui o Inglês, quer seja em cursos de idiomas,
quer seja em escolas regulares, fato que tenho observado ao longo dos meus mais
de 30 (trinta) anos de experiência na sala de aula, com o ensino de inglês como
segunda língua, quando também pude acompanhar a evolução de quase todas as
metodologias de ensino, desde as antigas até as mais recentes. Pude também
acompanhar os resultados trazidos por estas em sala de aula e as incertezas vividas
por professores e instrutores, bem como coordenadores e supervisores.
Procuramos, também, identificar aquilo que deve ser considerado ERRO, ou
desvio linguístico ou normativo não aceito, e se há indicações para fenômenos como
a fossilização.
15
Assim, professores e coordenadores de cursos livres e de cursos de
Graduação discutiam se não seria importante aceitar e permitir determinados “erros”
como eventos linguísticos aceitáveis, mas explicar com clareza o que eles
significavam, e suas limitações contextuais, ou seja, que tais manifestações
linguísticas só poderiam ocorrer em determinadas situações bem definidas.
Para tal fim, o objeto de estudo deste projeto são os desvios linguísticos na
produção escrita de falantes usuários de língua portuguesa, durante o processo de
aprendizagem de uma segunda língua (Inglês), e a questão central é reconhecer a
interferência dos fatores linguísticos da língua materna sobre a aprendizagem da
segunda língua, mostrando que certos desvios podem influenciar ou não, o processo
de comunicação.
Então, esta pesquisa é importante por observar e investigar os problemas
mais frequentes envolvidos no processo de aprendizagem da segunda língua, a
partir da interferência da língua materna, a fim de estabelecer parâmetros para julgar
se ela ocorre, e em que níveis de aprendizagem; se ela ocorre somente nos níveis
mais avançados quando a aprendizagem da língua materna já se consolidou, ou se
em todos os níveis de aprendizagem, por estar fossilizada.
Então, a partir do Referencial Teórico adotado (Linguística Contrastiva e a
Linguística Descritiva), realizamos uma pesquisa de campo, através de um estudo
descritivo, de abordagem quanti-qualitativa, por meio de um estudo comparativodescritivo-contrastivo, a partir da seleção e análise das manifestações do discurso
escrito dos sujeitos selecionados, de acordo com as variáveis estabelecidas,
apresentando as manifestações linguísticas da segunda língua (L2),
as quais
apresentavam desvios, comparando-as com as normas da língua materna (L1), para
mostrar que tais desvios ocorriam por influência do sistema da língua materna sobre
a produção citada.
No primeiro capítulo, discutimos as características do falante usuário de
língua portuguesa, aprendendo uma segunda língua (L2), e os elementos presentes
no período de aprendizagem, bem como a influência das características inerentes ao
sistema da primeira língua sobre a segunda, para depois, então, no segundo,
analisar as metodologias presentes neste período de aprendizagem, buscando
investigar como tais processos ocorrem, dentro dos preceitos e dos princípios mais
aceitos atualmente.
16
No terceiro capítulo, fizemos uma discussão acerca do conceito de ‘erro’,
debatendo a ideia da noção de ‘variação linguística’, assim como também os tipos
de desvio mais frequentes, especialmente aqueles causados pela influência de um
sistema (L1) sobre o outro (L2), apresentando uma série de exemplos destes,
colhidos por meio de uma pesquisa de campo, cujos resultados estão demonstrados
e analisados no capítulo 5 deste trabalho.
E para ilustrar isto, mostramos um exemplo desta manifestação, no ANEXO
A, quando debatemos um e-mail, de uma pessoa adulta, completamente
alfabetizada, com grau de instrução Superior, já tendo ultrapassado todas as fases
de aprendizagem da segunda língua, onde os desvios de que trata esta pesquisa
são bem evidentes e estão marcados em cor diferente, no texto. É deste problema
que tratamos no capítulo 5, onde apresentamos o resultado da pesquisa que
realizamos, com falantes não nativos, aprendendo a língua inglesa como segunda
língua, em dois universos diferentes, porém com características fenomenológicas
semelhantes, o que tornou o resultado sólido e coerente.
Na conclusão deste trabalho apresentamos novamente as questões
norteadoras, que foram:
a) Como o conhecimento linguístico do falante usuário de língua portuguesa (L1)
interfere na aprendizagem da segunda língua (L2)?
b) Que tipos de desvio – estruturais ou linguísticos – devem ser corrigidos? Como
isto pode afetar a aprendizagem da segunda língua (L2)?
c) Qual a função do professor, e do conhecimento que o mesmo tem da língua
portuguesa, como condição que pode afetar a aprendizagem da segunda língua
(L2)?
E, por fim, Referências, onde estão contidas todas as fontes de consulta
utilizadas para o aporte teórico desta pesquisa.
17
CAPÍTULO 1: O FALANTE USUÁRIO DE LINGUA PORTUGUESA E A
APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA
“O estudo da linguagem comporta duas partes: uma, essencial, tem por
objeto a língua, que é social em sua essência; outra, secundária, tem por
objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala”. (SAUSSURE,
2000)
A primeira questão a examinar é o que se deseja alcançar com o aprendizado
de uma língua. Sabe-se que, até a primeira parte deste século, a linguagem, tanto
oral quanto escrita, era estudada da mesma maneira que a matemática, para
‘alargar’ a mente e trazer agilidade mental, hoje, é preciso que ela responda às
necessidades práticas de entender e ser entendido, isto é, de promover a interação
social e, consequentemente, a comunicação.
Seria irreal, contudo, afirmar que todos os falantes usuários de uma língua
desejam aprender outra língua para ter proficiência como se falante nativo fosse. O
usuário da L1 estuda uma outra língua para satisfazer as suas necessidades. Seu
objetivo deve ser o de usar a língua para satisfazer a essas necessidades de forma
tão natural e efetiva quanto possível: a primeira porque ele quer entender e se
expressar sem maiores obstáculos; e a outra porque ele quer entender e expressar
ideias de forma coerente e lógica, isto é, ele quer interagir com o campo da
comunicação social ao qual ele pertence. Um não-nativo que precise da língua
apenas para compreender obras clássicas de literatura terá pouco ou nenhum
interesse na linguagem relacionada ao contexto de um supermercado, enquanto que
a pessoa que precisa comprar mantimentos no supermercado não terá praticamente
nenhum interesse na linguagem presente nas obras clássicas de literatura.
A necessidade mais simples de satisfazer é daquela pessoa que, diante de
uma situação em que uma pergunta lhe é feita e, mesmo sem entender a pergunta,
sabe o que ela tentou transmitir; e sem entender a resposta, sabe o que dizer.
Assim, se uma pessoa entra em um ônibus em um país estranho, e o motorista
dirige-se até ela e diz algo, não se precisa saber a língua a fundo para pensar que o
que ele está provavelmente perguntando é para onde se quer ir. Se, em retorno, a
18
pessoa disser qual é o seu destino e lhe der uma quantia suficiente, com alguma
sorte conseguirá seu bilhete e seu troco.
Se o usuário da L1 tem este tipo de objetivo, não adiantaria ensinar-lhe a
linguagem de um tradutor. Isto posto, vamos, então, supor que este queira entender
e falar; entender a partir das palavras e adaptar suas respostas de acordo com as
necessidades do momento, do contexto social no qual se encontra.
Embora pessoas diferentes tenham interesses diferentes, uma grande parte
da linguagem utilizada por todos é a mesma. O primeiro passo do usuário da L1,
então, seria buscar este corpo central, comum a todas as línguas; primeiro o estudo
das formas genéricas e depois das necessidades específicas.
Uma das objeções ao modelo proposto por Chomsky (1957) é que ele definia
a natureza do conhecimento linguístico de forma superficial, ao afirmar que era um
conhecimento da forma gramatical e, especificamente da sintaxe. Saber uma língua,
contudo, envolve mais que saber que forma ela toma. Envolve também saber como
esta funciona. E, por conseguinte, isto significa conhecer os signos linguísticos, não
apenas como unidades formais, como constituintes de estruturas, e sim como
unidades de sentido que interagem com a sintaxe de forma bastante complexa.
Os sistemas formais de uma língua, acima de tudo, evoluíram em associação
com palavras que carregam o código semântico interno de uma determinada
realidade social externa. Portanto, o argumento é que uma explicação de
conhecimento gramatical não pode ignorar o fato de que a forma linguística tem uma
motivação funcional de tal sorte que abstrair-se totalmente a forma da função, seria
negar a natureza da língua.
Nesse prisma, a linguística é o estudo de como as línguas tem significado, ou
seja, como são funcionalmente informadas. A isso se chama semântica, que é um
conceito primário em uma língua.
A gramática formal
de Chomsky procura
identificar características
específicas da sintaxe com referência aos princípios universais e inatos da cognição
humana. Uma alternativa é a de se pensar em termos de uma gramática funcional,
se considerar como a linguagem é diferenciadamente influenciada pelo meio e de
como ela é moldada pelo uso social, assim, refletindo a função que ela vem a servir.
No entanto, argumenta-se que saber uma língua também implica saber como
acessar sua gramática e outros elementos formais da linguagem, expressar
significados apropriados aos diferentes contextos em que a comunicação acontece.
19
Isso também é uma questão de função, porém com um sentido diferente. Nesse
caso, preocupa-se não com o que a linguagem significa, isto é, com a função interna
do código linguístico, mas sim com o que as pessoas querem dizer por meio da
linguagem, ou seja, que formas de funções externas são utilizadas para a
comunicação ocorrer.
O conhecimento da forma abstrata da língua deve ser transformado em
elemento de atualidade, o que normalmente é atingido ao se colocar este a serviço
do uso comunicativo, e não apenas o de citar frases a esmo. As pessoas não
apenas mostram aquilo que sabem. Elas agem sobre seu conhecimento e suas
ações são reguladas por convenções as mais variadas. Assim, por esse prisma, a
competência não é apenas conhecimento abstrato, e sim a habilidade de colocar
esse conhecimento em uso prático, de acordo com determinadas convenções.
Portanto, há dois modos de revisar os conceitos de competência de Chomsky
(1957), de redesenhar as linhas de idealização em definir um modelo de linguagem.
Primeiro, podemos redefinir aquilo que constitui o código ou a linguagem interna ao
incluir aspectos que refletem a natureza da linguagem quanto recurso comunicativo.
Isto resulta em uma gramática funcional e, podemos dizer que alarga o conceito de
conhecimento linguístico.
Em segundo lugar, podemos estender a noção de competência em si mesmo,
incluindo tanto o conhecimento quanto a habilidade de agir sobre ele. A
performance, então, passa a ser momentos específicos de comportamento que
resultam do exercício da habilidade e não são simplesmente reflexos do
conhecimento. A habilidade é o ramo executivo da competência, por assim dizer, e
capacita alguém a alcançar o significado ao colocar seu conhecimento para atuar.
Se não se tivesse esta habilidade de acesso, poder-se-ia argumentar, as estruturas
abstratas do conhecimento – isto puramente sendo a competência linguística –
permaneceriam internalizadas na mente e jamais ganhariam vida. Passaríamos toda
a vida imersa em pensamentos, numa espécie de paralisia cognitiva. Visto que essa
habilidade só é ativada por alguma necessidade comunicativa, poderíamos chamá-la
de competência comunicativa.
Então, embora se possa definir conhecimento linguístico dessa forma, ele
envolve alguma abstração da realidade e certo tipo de classificação da experiência.
Dizer que você sabe uma língua implica dizer que você inferiu certas generalidades
a partir de certas especificidades. É o que se faz quando se aprende uma língua.
20
Dizer que você sabe como atuar sobre seu próprio conhecimento implica dizer que
você inverte o processo anterior e identifica momentos, ou seja, refere-se a
especificidades a partir de generalidades.
1.1 O PAPEL COMUNICATIVO DA LINGUAGEM
Há muitas teorias que estudam a natureza e a função da linguagem. Todas,
no entanto, concordam em um ponto: a linguagem é uma resposta a uma
necessidade
de
comunicação
e
as
formas
linguísticas
são
convenções
estabelecidas pela sociedade.
Uma língua, assim, deve ser considerada um veículo de comunicação e
consequentemente a manipulação de elementos estruturais, os quais são uma
extensão da gramática internalizada do falante, a qual deveria ser uma atividade
puramente comunicativa. Isto vai de encontro à noção de que a manipulação
estrutural deve ser distinta do uso comunicativo da linguagem, segundo Newmark e
Reibel (1968)
[...] Os exercícios estruturais nos quais os falantes não-nativos precisam
mudar rapidamente de uma frase apropriada a uma determinada situação
para outra frase apropriada a outra situação, completamente diferente são
ineficazes em princípio. Eles forçam o falante a produzir frases que são
difíceis de absorver a não ser que ele tenha a rara habilidade de imaginar
uma situação completamente nova para cada frase, enquanto segue os
1
requisitos mecânicos do exercício. (NEWMARK; REIBEL, 1968, p. 15).
O aprendizado, então, deve oferecer um cenário semântico constante nos
termos do qual as estruturas possam ser manipuladas. Tais manipulações devem
ocorrer na forma de diálogos que estimulem a comunicação, solicitando esta a
realizar sua função social.
Surge, desse modo, o conceito de Língua como instrumento de comunicação,
com base no ensino descritivo, e passam-se a considerar os vários falares
1
Structural drills in which the student practices switching quickly from an utterance appropriate for one
situation to another utterance appropriate for quite another situation, are ineffective in principle. They
force the student to produce utterances whose use is difficult to grasp unless he has the rare skill…of
imagining a whole fresh situation for every utterance.
21
igualmente ‘corretos’, pois não se pode associar o que é ‘correto’ somente ao que é
‘culto’, ainda que o código culto continue regendo o sistema.
Logo, a partir desse momento, os códigos do caipira, da criança, do nãoescolarizado, entre outros, não podem ser estigmatizados como ‘errados’, visto que
eles conseguem estabelecer a comunicação como variantes linguísticas que,
segundo Tarallo (1986, p. 8), são: “[...] diversas maneiras de se dizer a mesma coisa
em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade”.
Tarallo (1986) chama o conjunto dessas variantes de variável linguística.
Essas variantes podem ser subdivididas em variantes de prestígio, variantes
estigmatizadas,
variantes
inovadoras
e
conservadoras,
variantes
livres
e
combinatórias, estereótipos, indicadores e marcadores e ainda em variantes
externas.
Com relação a esta ultima variante citada, Monteiro (2002) afirma que dos
possíveis fatores externos, os que mais têm sido discutidos são o estilo da fala, o
sexo, a idade, a escolaridade, a profissão, a classe social, a região ou a zona de
residência e a origem do falante. Fatores como clima e raça parecem não exercer
qualquer influência.
Labov (1972) defendia arduamente essa relação língua x sociedade, e por
volta de 1960 iniciou uma série de investigações sobre a variação linguística. Suas
pesquisas tentaram explicar as variações de uma língua por meio de uma
redefinição do conceito chomskiano de competência.
Labov (apud Tarallo 1986, p. 7) entendia a “[...] competência como o conjunto
de regras de conteúdo sociológico – diferentes níveis e registros de língua – que,
uma vez conhecidas pelo falante, podem ser empregadas de acordo com o contexto
social ou a situação”. Na nossa pesquisa, pudemos constatar a presença das
manifestações investigadas mesmo diante das variáveis mencionadas como fatores
intervenientes no desenvolvimento das competências, o que representa um dos
papéis mais importantes da sociolinguística, que é o de registrar, descrever e
analisar sistematicamente diferentes falares e seus condicionadores sociais
(diferenças de classe, sexo, educação, idade e ocupação), elegendo, assim, a
variedade linguística como seu objeto de estudo.
Então, o que se discute hoje, especialmente após o fenônemo da
globalização é como as línguas interagem entre si e como a existência de um
sistema linguístico já completamente absorvido pode influenciar na aprendizagem de
22
outro sistema e, se tal interferência pode resultar em manifestações que causem
problemas de comunicação.
O que exerce o papel de principal elo entre a cultura e a sociedade de um
povo é a sua língua. Por meio dela, a cultura propaga-se, renova-se e perpetua-se
através das gerações, além de propiciar uma característica marcante aos seus
falantes, que os diferencia de membros de quaisquer outras sociedades.
A respeito desta relação, Jakobson (2005) nos diz que
Com efeito, os antropólogos têm sempre afirmado e provado que a linguagem
e a cultura se implicam, mutuamente, que a linguagem deve ser concebida
como uma parte integrante da vida social, que a Linguística está
estreitamente ligada à Antropologia Cultural. (...) No mais, só se pode
concordar com nosso amigo N. McQuown, que compreendeu perfeitamente
que não há igualdade entre os diferentes sistemas de signos e que o sistema
semiótico mais importante, a base de todo o restante, é a linguagem: a
linguagem é de fato o próprio fundamento da cultura. (JAKOBSON, 2005;
p.17)
Se cultura é a coleção de tudo que surge a partir da produção humana,
gerada com base em suas experiências em relação ao mundo, a linguagem é
provavelmente a primeira ferramenta que desenvolvemos - consciente ou
inconscientemente - com o objetivo de exteriorizar essas impressões. No entanto,
até aqui se falou apenas de cultura de modo isolado, levando-se em consideração
apenas um povo. Mas não podemos jamais esquecer que no mundo existem
centenas de sociedades distintas, com línguas, costumes e maneiras próprias, mas
isso não impede que as mesmas se relacionem.
Voltando aos tempos atuais, vejamos como essas relações se manifestam
hoje, após séculos de evolução, tanto das línguas como da sociedade humana.
Segundo Hinojosa & Lima (2008), “[...] a interculturalidade é uma forma de relação
dialógica entre indivíduos de culturas distintas que visa superar as diferenças e
integrá-las em uma unidade.” Portanto, qualquer tipo de interação entre membros de
culturas diferentes é uma relação intercultural, seja no campo das artes, da ciência,
da política, dentre outros exemplos que fazem parte de nosso cotidiano de forma tão
incisiva que, muitas vezes, nem sequer os percebemos como elementos que nos
integram a outras culturas.
Hoje temos meios de comunicação, como a internet e a telefonia via satélite,
que nos conectam instantaneamente com qualquer parte do globo. Temos zonas de
23
livre comércio entre países pertencentes a blocos político-econômicos continentais.
Temos tratados de extradição, cidades-irmãs, acordos comerciais e políticos entre
países de continentes diferentes. Temos países com diversas línguas oficiais. O
mundo vive atualmente um fenômeno único conhecido como globalização. Essa
globalização, além de integrar os povos, integra também suas culturas.
Em Nova Iorque, por exemplo, há um feriado chamado brazilian day, tamanha
a quantidade de brasileiros que vivem lá atualmente. No Japão, outro país onde a
presença de brasileiros é grande, há restaurantes especializados em culinária
brasileira, como feijoada, churrasco, etc. Há escolas de idiomas que formam turmas
com crianças a partir de quatro anos de idade, em um ambiente de imersão total na
língua e cultura proposta, com o objetivo de acostumar o mais cedo possível essas
crianças à convivência em meio a outras línguas.
Assim, há que se observar como uma língua interfere sobre a outra a fim de
minimizar seus efeitos e solidificar o aprendizado de uma outra, envolvendo a
absorção de sua cultura, seus costumes e tudo o mais que se relaciona a este
fenômeno.
1.2 A PERCEPÇÃO PELA MENTE
Saussure (1916) há mais de meio século, e mais tarde Troubetskoy (1949) e
também a Escola de Praga (1945) demonstraram que a linguagem não é uma série
de palavras agrupadas por meio de regras gramaticais, e sim uma série de unidades
completas e complexas (ensembles). Dentro de cada uma dessas unidades, cada
palavra tem um valor, somente pelo fato de fazer parte de um todo.
Esse ponto de vista é compartilhado pela Escola Gestalt, termo que em
alemão significa aproximadamente forma, utilizado para enfatizar que aquilo que é
ensinado é recebido em partes inteiras organizadas e estruturadas.
Ao ouvir uma melodia, entendemos esta como uma forma melódica completa,
não como sequência de notas soltas e não relacionadas. Esses elementos inteiros
perceptuais são muito mais que o conjunto das partes. Eles têm características
próprias. A concepção básica da psicologia Gestáltica se opunha a já estabelecida
tradição de analisar uma experiência por meio de seus elementos individuais,
24
conectados por regras de associação. Da mesma forma que se olha uma fotografia
de uma pessoa e se absorve o que se vê de relance, também a mente percebe uma
unidade sem analisar as partes individuais uma por uma.
1.3 A SEGUNDA LÍNGUA E A INTERFERÊNCIA DA LINGUA MÃE
Uma língua é, segundo as considerações acima feitas, percebida e adquirida
naturalmente (a primeira língua, pelo menos) em unidades ou Gestalten. Tais
unidades, contudo, diferem de uma língua para outra. Ao aprender uma segunda
língua, certas diferenças existem com respeito ao método pelo qual a primeira língua
é aprendida. A principal diferença repousa no fato de que há uma constante
interferência dos elementos da língua ‘mãe’ que já se tornaram automáticos. Tal
interferência pode ser de três tipos: fonológicas, morfossintáticas e grafofonêmicas.
1.3.1 Interferência fonológica
Tão logo um falante adquire sua primeira língua (L1), a forma dos sons tornase fixada de tal sorte que ele não poderá ouvir certos sons em uma nova língua, em
especial aqueles que não existem em sua língua. Portanto, até que se tenha
dominado os hábitos linguísticos de uma segunda língua, estes serão substituídos,
em nossa audição, pelos sons de nossa língua ‘mãe’ que mais se aproximarem
daqueles que pertencem ao segundo idioma.
Sabemos que uma língua é percebida em unidades. Isto se dá tanto no
âmbito sintático quanto no fonológico, por exemplo. Fonologicamente, as unidades
suprassegmentais de sons são a entonação e o ritmo.
No caso particular da língua inglesa, algumas dificuldades são muito óbvias.
Por exemplo, o português tem acentuação tônica simbolizada por acentos gráficos,
enquanto o inglês, não; alguns sons são bastante difíceis de articular para o usuário
cuja primeira língua é o português.
25
Assim, palavras como they tendem a soar como day para o falante do
português, pois o som do th inicial é inexistente nessa língua. Como tais elementos
têm o mesmo som vocálico, eles podem facilmente causar mal-entendidos.
Outro problema fonológico muito comum quando um falante de português
está aprendendo inglês é o fato de que a segunda língua tem vogais abertas que
não são diferenciadas por acento gráfico, mas somente pelo acento articulatório do
próprio som, levando palavras como bed e bad a soarem de forma idêntica embora a
primeira seja um substantivo (cama) e a segunda um adjetivo (mau). Ainda outro
problema é o fato de que a divisão silábica em inglês é feita por meio do valor
fonético das sílabas, fato gerador de muitas dificuldades para o usuário da L1 que
esteja fazendo uso de discurso expresso na modalidade escrita.
1.3.2 Interferência morfossintática
Enquanto uma oração do tipo Eat I asparagus every evening? (que traduzida
ao pé da letra seria: Como eu aspargos todas as noites?) não seria correta na língua
inglesa, ela poderia ser na língua ‘mãe’. A interferência morfossintática deriva da
substituição de elementos da segunda língua por elementos da língua ‘mãe’ na
forma de tradução literal. Neste caso, o correto seria dizer Do I eat asparagus every
evening? (Eu como aspargos todas as noites?) ou mesmo Can I eat asparagus
every evening? (Eu posso comer aspargos todas as noites?). Contudo, como no
português não se precisa de verbo auxiliar para começar uma oração interrogativa,
coloca-se, na oração em inglês, o verbo diretamente como em português.
No caso do português, é muito comum começar uma oração com um verbo
conjugado, como o exemplo apresentado no parágrafo anterior. Já em inglês, não.
Assim, em português está ‘correto’ dizer: É tarde, enquanto em inglês a oração teria
de ter um sujeito neutro, representado pelo pronome pessoal It, fato que traz uma
expressão como Is late, em inglês, a qual seria incorreta, mas existiria pela forma
utilizada em português. Outro exemplo muito comum dessa interferência é
representado pelo uso do artigo definido the antes de nomes próprios como se faz
em português quando se diz: O Teatro da Paz é bonito em contraste com o que se
26
diz em inglês The Teatro da Paz is beautiful, o que não está correto, pois em inglês
não se deve usar o artigo definido antes de substantivos próprios.
1.3.3 Interferência grafofonêmica
Os signos usados no discurso escrito da segunda língua podem provocar uma
reação da língua mãe, quando muitas vezes grafamos os mesmos como se fossem
desta, mas na verdade teriam uma grafia diferente na L2. Às vezes, isto pode
também ocorrer com outras línguas que possam ter sido estudadas.
Segundo Saussure (2000) o inglês é uma língua com características
lexicológicas, enquanto que o portugues é uma língua com características
gramaticais.
Podemos citar o exemplo de certas formas verbais. Enquanto a nossa língua,
mais gramatical, rica em sufixos e desinências, emprega formas como falávamos
ou beberas (-va- e –ra- = desinências modo-temporais; -mos e –s = desinências
número-pessoais), o inglês, língua mais lexicológica, menos dotada de recursos
gramaticais, utiliza, nesses casos, lexemas específicos para indicar as categorias de
modo-tempo e número-pessoa: we spoke, you had drunk (por isso não há sujeito
elíptico nos verbos ingleses: falta-lhes a desinência número-pessoal).
Caso semelhante ocorre em certas formas de plural ditas irregulares: foot/
feet (pé/ pés); mouse/ mice (rato/ ratos). Em português, a categoria de número é
indicada sistematicamente por um processo flexivo, ou seja, gramatical (a
desinência –s), formando assim signos relativamente motivados, ao contrário do que
ocorre, nestes casos, com seus equivalentes na língua inglesa (compare-se pé + s
com feet).
Relatos de falantes usuários de língua portuguesa dão conta de que, mesmo
depois de anos nos Estados Unidos, ainda era impossível para eles, sem uma
considerável dose de esforço, pronunciar um o suficientemente aberto para uma
palavra como, por exemplo, hot, onde o deve soar como a, e a mente então resiste a
pronunciar um a onde ela vê um o. Porém, é mais provável que se pronuncie um a
para a vogal o aberta em palavras que não se vê. Visto que as línguas vivas são
27
primariamente sistemas falados, deve-se adiar, portanto, a introdução da forma
escrita da língua a fim de lutar contra a interferência grafofonêmica.
1.4 EFICIÊNCIA COMUNICATIVA
Ao debater a competência comunicativa, contudo, como se poderia
abandonar os efeitos da interculturalidade? Será que é possível ao falante nãonativo saber o que é apropriado sem realmente viver algum tempo na comunidade
da língua de chegada?
Fala-se muito sobre a competência comunicativa, mas pouco se define esta
em termos de nível. Por exemplo, todos os falantes nativos são comunicativamente
competentes? A resposta teria que ser não, se considerarmos que parte desta
competência significa saber o que é apropriado em certas circunstâncias. E é, no
mínimo duvidoso, esperar que um falante usuário da L1 possa desenvolver a
competência comunicativa na L2. Devemos lembrar que grande parte dos falantes
usuários da L1 aprende uma segunda língua longe da comunidade de chegada, e
também é questionável se um professor (o qual é normalmente também usuário da
L1) pode dar esse conhecimento. Então, a competência comunicativa pode não ser
apenas um conceito impossível, mas também desnecessário em uma sala de aula
de aprendizado de uma segunda língua.
O que se pode buscar, contudo, é a eficiência comunicativa. Nesse caso,
pode-se esperar que os falantes usuários da L1 sejam capazes de expressar o que
querem dizer na L2, isto é, se eles quisessem expressar um desacordo, pode-se
assegurar que eles conseguiriam fazê-lo e o significado daquilo que foi expresso
seria entendido.
O aprendizado de uma língua é um processo físico, mental e emocional, ao
mesmo tempo. Ele envolve o desenvolvimento de habilidades musculares,
especialmente na fala, isto é, o processamento intelectual de ideias e conceitos, e as
emoções
que requerem um profundo engajamento pessoal, exigido pelo
aprendizado de uma segunda língua.
Podemos dizer que dos três elementos mais clássicos da existência humana
– o físico, o intelectual e o emocional – este último é o fundamental, a alma. As
28
emoções são o fundamento sobre o qual todas as estratégias, técnicas e sinais do
aprendizado de uma segunda língua permanecerão ou desaparecerão.
1.4.1 Gramática
As duas orações seguintes ilustram bem o papel da gramática em termos da
necessidade de se tornar comunicativamente eficiente:
a) He arrived yesterday (ele chegou ontem).
b) Not for many years have I felt so exhilarated (Eu não me sinto tão alegre
em muitos anos).
A primeira oração é claramente importante para quem deseja falar uma
língua, enquanto a segunda é uma questão mais sofisticada, que envolve
conhecimentos mais complexos e avançados de gramática, sendo mais uma
questão de estilo. Fica evidente que para um falante não-nativo ser considerado
comunicativamente eficiente, ele precisará conhecer a forma verbal do passado
simples, saber como falar acerca de eventos no passado, usando aquele tempo
verbal.
Porém o fato de que um advérbio (exemplo b acima), ao iniciar uma oração,
requer uma inversão de elementos desta (o sujeito troca de posição com o verbo
auxiliar), quando se trata da língua inglesa (L2), não é algo que possa comprometer
sua eficiência comunicativa, pois este poderá atingir o objetivo esperado com uma
oração mais simples, como I have felt exhilarated for many years, onde não há a
necessidade de inversão.
A fim de ter uma eficiência comunicativa, o falante não-nativo deve buscar
uma compreensão e um correto manuseio dos conceitos gramaticais mais
essenciais para o usuário da língua. Os efeitos sofisticados de estilo, especialmente
usados no discurso escrito, não são considerados essenciais para a comunicação.
Para se ter um comando completo da língua, tais estruturas são desejáveis, mas
nem todos os falantes usuários da L1 terão interesse em atingir um nível sofisticado
de estilo literário.
29
1.4.2 Falantes usuários de língua portuguesa com níveis de aprendizado
diferentes
Não se pode esperar, obviamente, que um falante usuário de língua
portuguesa seja comunicativamente eficiente, depois de apenas dez horas de
aprendizagem, por exemplo. A esse nível, ele saberá apenas uma pequena porção
de linguagem. O seu objetivo de longo prazo deve ser o de alcançar um alto nível
linguístico.
Em um estágio inicial do processo de aprendizagem, o falante não-nativo que
busca adquirir uma segunda língua terá somente dados limitados da língua de
chegada (nesse caso mais específico, o inglês) em seu domínio. Ele, então, deve
tentar comunicar-se apenas com este pouco conhecimento da segunda língua.
Se pensarmos em termos de funções linguísticas, por exemplo, diz-se que
este terá de ser capaz de trocar informações pessoais, uma função linguística vital,
embora não se possa esperar o uso de elementos muito complexos neste estágio.
Assim, pode-se pedir uma informação usando-se a oração: Excuse me, I wonder if
you could tell me where the station is? (Desculpe, eu fico pensando se você pode
dizer-me onde fica a estação?), elemento bastante formal e complexo para um
falante não-nativo iniciante na aquisição da língua poder usar, quando uma oração
do tipo: Excuse me, where is the station? (Desculpe, onde é a estação?) tem o
mesmo efeito, realiza a mesma função eficientemente.
Com relação à gramática, deve-se esperar que o falante não-nativo saiba
usar a linguagem que ele já adquiriu, isto é, se ele já sabe como utilizar o presente
simples, ele saberá dizer uma oração do tipo: He leaves the office at six o’clock (Ele
sai do trabalho às 6) e, consequentemente, usar a mesma construção para fazer
perguntas do tipo: When does the bus for Oxford leave? (Quando o ônibus parte
para Oxford?).
Com isso, tentamos mostrar que mesmo com o conhecimento de inglês
limitado, não possa comunicar-se de forma razoavelmente eficiente com o conteúdo
linguístico de que dispõe. Obviamente, quanto mais baixo o seu nível, menos
trabalhada será sua linguagem. Mas sem dúvida, ele poderá usar a linguagem que
já adquiriu para efeito de comunicar-se.
30
1.4.3 Situação e contexto
Já foi dito que o falante não usuário da língua precisa ser treinado a usar a
língua, e isto não se resume em adquirir apenas um sistema abstrato.
Como se sabe, a linguagem ocorre em situações, e com o intuito de ser capaz
de usá-la, o falante deve estar ciente de quais situações e de quais contextos,
determinados elementos são comumente usados. A aquisição da segunda língua,
com vista a atingir a eficiência comunicativa deve ocorrer, então, com o aprendizado
por meio de contextos situacionais, onde determinado conjunto linguístico é
utilizado. Seria fácil aprender um conjunto como John is running (João está
correndo), mas, sem saber em que circunstâncias o presente progressivo (tempo
verbal presente na oração mencionada) deve ser usado, essa aquisição não estará
ajudando o usuário de língua portuguesa a alcançar a eficiência comunicativa.
1.4.4 Pronúncia e sotaque
Muitos falantes não-nativos, entre os quais se encontram até mesmo os
professores, pensam que o único objetivo de longo prazo para um falante nãonativo, que está aprendendo uma segunda língua, é o de falar exatamente como um
nativo o faz. Um breve momento de reflexão, no entanto, mostra que essa posição é
bastante preocupante.
Em primeiro lugar, são raríssimos os falantes não-nativos que vivem na
comunidade linguística de chegada e, portanto, compartilham das nuanças
comunicativo-sociais dos falantes nativos (característica crucial para o aprendizado
de uma língua, conforme estabelecem os estudos da sociolinguística).
Em segundo lugar, não é absolutamente necessário, essencial que o falante
não-nativo fale exatamente como um falante nativo, fato que ficou ainda mais
evidente com o fenômeno da globalização e a desconstrução das identidades
culturais, sociais
e linguísticas. E, apesar
das
recentes
descobertas
da
neurolinguística e da psicolinguística, pode-se afirmar que, quanto mais velho for o
31
falante não-nativo, mais difícil será evitar as influências e interferências da primeira
língua (L1).
Quando se pensa no conceito de eficiência comunicativa, facilmente concluirse-á que este nível de proficiência não é exatamente necessário. A eficiência
comunicativa pressupõe que o falante não-nativo possa dizer (e fazer-se entender)
aquilo que ele desejar comunicar. A posse de um sotaque eminentemente nativo
não assegura ao falante não-nativo qualquer eficiência comunicativa. Ao contrário,
dependendo do grau de exigência interna para tal objetivo, este pode atrapalhar a
comunicação, pois o sotaque poderá soar exageradamente pesado e de difícil
compreensão até mesmo para um nativo.
Sabemos que os hábitos linguísticos da primeira língua interferirão na
aprendizagem da segunda. Isto se torna particularmente importante para falantes do
japonês e do chinês, aprendendo inglês, pois aquelas linguas não possuem o som
de r, e, assim, seus falantes poderão facilmente trocar palavras como, por exemplo,
light (luz) por right (direito). Estes, então, devem buscar o aperfeiçoamento
linguístico a fim de conseguir transmitir a ideia comunicacional correta, o que não
significa falar como um nativo, até porque sabemos que, dentro da mesma
comunidade linguistica, há muitos sotaques diferentes e, ainda assim, todos os
falantes são considerados nativos.
1.4.5 Habilidades
Já dissemos que o objetivo de um falante não usuário da língua, na maioria
das vezes, é o estudo da linguagem para fins comunicativos, não sendo um objetivo
primordial a habilidade de escrever peças literárias ou pesquisas acadêmicas.
Assim, ao estudar uma segunda língua, o falante não-nativo deve buscar uma
eficiência nas quatro habilidades (ouvir, falar, ler e escrever), numa visão genérica.
Devemos buscar, no entanto, a habilidade proficiente dentro do nível
linguístico do falante não-nativo para as quatro habilidades, o que, em um ambiente
acadêmico de estudos, implicaria ter prática linguística por meio de tarefas simples,
porém mais comunicativamente eficientes, sem, no entanto, descuidar-se da norma
padrão da língua, isto é, da aquisição das regras da gramática normativa.
32
Sabemos, hoje, que o falante usuário de língua portuguesa pode atingir um
nível mais alto nas habilidades receptivas que nas produtivas. Mas, tendo em vista
que a teoria das inteligências múltiplas postula que qualquer falante não-nativo pode
ser treinado a desenvolver habilidades outras que não aquelas que predominam em
seu ambiente linguístico interno, é possível pensar que o falante nativo de língua
portuguesa pode atingir também habilidades produtivas em nível mais alto.
Portanto, se os falantes usuários de língua portuguesa forem treinados a ouvir
e ler material linguístico autêntico na segunda língua, como queria Krashen (1977)
com a sua teoria do “input compreensível”, acima do nível de compreensibilidade do
falante, eles provavelmente alcançarão a compreensão de textos mais complexos
que à primeira vista eles mesmos não seriam capazes de compreender tanto no
discurso escrito quanto no oral.
A eficiência comunicativa, então, quando se pensa nas quatro habilidades
básicas, deve ser uma busca incessante à capacidade de realizar um ato linguístico
ao nível do conhecimento linguístico e à capacidade de realizar um ato comunicativo
eficiente.
1.5 VARIEDADES LINGUISTICAS
A variedade linguística, presente em todas as línguas, como no inglês,
portanto, deve ser considerada. No caso do inglês, que tem uma grande variedade
linguística, tal fato é ainda mais relevante. Apesar do fenômeno da globalização ter
aproximado as sociedades em nível comunicacional e, assim, diminuído a
interferência dessas variedades, ainda se sabe que o inglês britânico é diferente do
inglês americano, e ambos são, por sua vez, diferentes do inglês jamaicano e
australiano, por exemplo. Todas são variedades aceitas na comunidade linguística
do inglês enquanto língua e nenhuma pode ser preterida em relação à outra, por ser
considerada inferior. O falante usuário de língua portuguesa, então, deve buscar
uma eficiência comunicativa genérica, que o possibilite a ter uma performance
comunicativa sem importar qual seja a variedade linguística da comunidade com a
qual estiver interagindo. A situação é ainda mais complexa quando se considera a
variação linguística em um país. Há considerável diferença entre as regionalidades e
33
seus respectivos hábitos linguísticos. Isto é facilmente observável quando as
comunidades linguísticas se dividem pelo critério geográfico, propiciando o
surgimento de variáveis culturais importantes.
Busca-se, então, a aquisição de um padrão linguístico, o qual tem definição
muito complicada e controversa em qualquer domínio linguístico que se esteja
considerando. Contudo, a linha imaginária de um padrão linguístico é necessária
para balizar os estudos de uma segunda língua, bem como todo o apoio didático
necessário a tal feito.
1.6 UMA ANÁLISE DESCRITIVA DA LINGUAGEM
Uma grande proporção da linguagem utilizada por todos, não importa qual o
seu interesse, é a mesma.
Assim, a primeira tarefa de um falante não-nativo é estabelecer uma ordem
de prioridades para seu aprendizado. Como já se postulou, essas prioridades podem
ser analisadas em quatro domínios diferentes: o estrutural, o lexical, o fonológico e o
morfografêmico.
Ao se descrever uma língua, deve-se ser particularmente cuidadoso em
escolher aquelas formas que o falante usuário da mesma utiliza, e não aquelas que
se gostaria que ele utilizasse, pois o falante usuário de língua portuguesa deve ter
consciência das formas linguísticas que são aceitas como regra, bem como de todas
as formas que são aceitas como fenômeno de comunicação, haja vista que nem
tudo que postulam as regras ser o que o falante nativo utiliza no seu dia a dia e o
que também é considerado manifestação linguística ‘correta’.
Um exemplo muito claro desse fenômeno, hoje, são as comunidades de
relacionamento da web, cujos usuários criaram um código linguístico todo particular,
e nem por isso deixaram de serem considerados falantes nativos ou não-nativos. Em
outras palavras, ao se adquirir uma segunda língua, deve-se estar atento para a
dinâmica linguística, pois é evidente que novos signos e novos elementos vão
aparecendo e vão se incorporando ao léxico daquela língua.
No entanto, a aprendizagem de uma segunda língua não passa apenas por
fatores linguísticos. Passa também por fatores não linguísticos, como, por exemplo,
34
a motivação e autoestima, a receptividade, o grau de sociabilidade para a interação
com uma nova comunidade cultural, dentre outros. Todos esses fatores estão
relacionados com a área psicológica do aprendizado.
1.7 FATORES PSICOLÓGICOS
O fator psicológico de maior importância depois da motivação é a
necessidade de comunicação. No caso da segunda língua, no entanto, concebe-se
que a motivação é o fator fundamental no seu aprendizado.
1.7.1 Motivação
Em primeiro lugar, devemos dizer que até hoje ninguém sabe ao certo por
que alguns falantes não-nativos conseguem aprender uma segunda língua com
maior grau de sucesso que outros. Muito já se conseguiu compreender com os
avanços da psicolinguística e da neurolinguística nesse sentido, mas ainda não se
tem uma resposta definitiva para essa questão. Há, porém, um determinado número
de fatores que se acredita possa interferir neste processo.
Diz-se que um falante usuário de língua portuguesa terá sucesso linguístico
mesmo que as circunstâncias nas quais o processo de aprendizagem ocorra seja
desfavorável. E é certo que elas possam ser desfavoráveis. Parece razoável sugerir,
então, que a motivação, no caso da aprendizagem de uma segunda língua, é o fator
não linguístico mais importante.
A motivação é um tipo de estímulo interno que encoraja alguém a perseguir
um determinado curso de ação. Parece ser o caso de que, ao se perceber uma
meta, se ela for suficientemente atraente, far-se-á tudo o que for necessário para
alcançá-la.
Obviamente, o falante usuário da língua portuguesa aprendendo uma
segunda língua também estabelece metas e objetivos de vários tipos, como os de
curto prazo e os de longo prazo.
35
Portanto, deve-se estabelecer uma divisão para a motivação. Normalmente
consideram-se dois tipos principais de motivação: extrínseca e intrínseca.
1.7.1.1 Motivação extrínseca
A motivação extrínseca é aquela que se refere a fatores de fora do ambiente
linguístico de aprendizagem, isto é, está relacionada com os objetivos que o falante
usuário de língua portuguesa estabeleceu para seu aprendizado. Consideram-se,
normalmente, dois tipos de objetivos:
 Motivação Integrativa: nesse caso, o falante não-nativo é atraído pela
cultura da comunidade linguística de chegada, e é seu desejo integrar-se
naquela comunidade ou conhecer sobre ela o máximo que puder.
 Motivação Instrumental: nesse caso, o falante acredita que o conhecimento
da língua de chegada será instrumental ao dar-lhe condições de conseguir
um emprego ou uma promoção. A língua, então, serve como um instrumento
para seu intento.
Sem dúvida, não parece ser o tipo de motivação que conta. Certamente, um
falante usuário de língua portuguesa terá maiores chances de sucesso no
aprendizado de uma segunda língua se estiver fortemente motivado, tanto
integrativa quanto instrumentalmente.
Há certo número de outros fatores, contudo, que interferem na motivação
extrínseca, e a maioria destes tem algo a ver com a atitude do falante usuário de
língua portuguesa em relação à segunda língua, atitude esta que poderá ser
fortemente afetada pelas outras pessoas ao seu redor. Se os pais, os amigos e
outras pessoas importantes na vida do falante apoiam sua escolha pela cultura de
chegada, e, consequentemente, pela língua de chegada, ele logrará probabilidade
maior de êxito.
O próprio professor pode interferir no grau da motivação extrínseca no que
tange à atitude do falante não-nativo. Se ele tiver uma atitude e uma postura
negativa em relação à cultura da língua de chegada, poderá criar um ambiente
desfavorável para o aprendizado do falante não-nativo.
36
1.7.1.2 Motivação intrínseca
Enquanto é razoável pensar-se que muitos falantes usuários de língua
portuguesa, adquirindo uma segunda língua, têm algum grau de motivação
extrínseca, e que é verdadeira a afirmação de que a atitude destes em contato com
a língua de chegada poderá ser afetada por outros membros de sua comunidade,
parece também ser o caso de pensar-se que a motivação intrínseca tem um papel
bem mais importante para o sucesso ou fracasso da maioria dos falantes usuários
de L1, adquirindo a segunda língua.
Muitos falantes usuários de língua portuguesa não apresentam nenhum grau
de motivação extrínseca, e, no caso de crianças, podem ter sentimentos neutros ou
até mesmo negativos acerca da aprendizagem de uma língua. Para estes, será de
vital importância aquilo que acontece na sala de aula no sentido de determinar sua
atitude em relação à língua, e, então, aplicar a motivação, que é um componente
vital no aprendizado de uma segunda língua. Alguns dos fatores que afetam a
motivação intrínseca são:
 Método: o método por meio do qual o falante não-nativo aprende uma
segunda língua tem certo efeito sobre sua motivação. Se ele for enfadonho,
haverá uma diminuição de motivação; se interessante e motivador, suas
chances de sucesso serão maiores.
 Condições Físicas: o tipo de ambiente favorece em muito a motivação no
sentido do aprendizado, pois um lugar escuro e sem conforto desviará a
atenção do falante e concorrerá para diminuir sua concentração e atenção,
reduzindo suas chances de aprendizado.
 Professor: muitas vezes, dois professores usando o mesmo método, no
mesmo tipo de espaço físico, poderão ter resultados diferentes de
aprendizado para os falantes que estão adquirindo a segunda língua. Vários
fatores podem interferir, como por exemplo, a atitude do professor, sua
relação com os falantes, sua preparação técnica, sua própria motivação,
dentre outros.
 Sucesso: o sucesso, ou a falta dele, tem papel importante no estímulo
motivacional de um falante em contato com a língua de chegada. Desenvolver
tarefas com o grau de dificuldade balanceada, proporcionar chances iguais de
37
aprendizagem para todos os falantes, utilizar-se de projetos que favoreçam a
visão do falante sobre a cultura de chegada, dentre outros, podem ajudar na
criação de uma atmosfera mais favorável de aprendizado.
38
CAPITULO 2: AS TEORIAS E MÉTODOS QUE EXPLICAM A APRENDIZAGEM
DE UMA SEGUNDA LÍNGUA
“O homem é dotado de uma mente e de sentimentos. Separar os dois
significa negar tudo o que o homem é. Integrar os dois é ajudar o homem a
2
realizar o que ele poderia ser.” (BROWN, 1973).
Nas últimas décadas, os estudiosos e pesquisadores têm se preocupado
cada vez mais com os mistérios da aprendizagem, em especial de uma língua. Esta
preocupação se acentua quando nos deparamos com os mecanismos de
aprendizagem de uma segunda língua. Muito se tem avançado neste campo com as
descobertas da sociolinguística e da neurolinguistica, embora as perguntas e
dúvidas ainda estejam sem uma resposta definitiva e satisfatória. É o caso, por
exemplo, da explicação de como a aprendizagem de uma língua realmente ocorre,
quais os mecanismos que atuam para tal fim, como funciona o cérebro humano no
processo de aprendizagem, especialmente de uma segunda língua. Um outro
problema que preocupa os especialistas é a existência de desvios, de erros, e como
isso pode afetar a aprendizagem e os fatores não linguísticos envolvidos no
processo, como já vimos no capítulo 1. E, sem uma explicação definitiva, fica difícil
minimizar este problema, o qual muitas vezes bloqueia uma aprendizagem eficiente
e eficaz. Segue uma visão cronológica das principais tentativas de explicar o
fenômeno da aprendizagem de uma segunda língua e suas principais características
e indefinições.
Sabemos que as sociedades não vivem sem um sistema de signos que
expressem suas características linguísticas e culturais, isto é, a vida em sociedade
não seria possível sem sistemas de signos que permitissem a comunicação.
Segundo Haugen (1962 apud Bagno, 2001, p. 42), “[...] o ideal nacional exige que
haja um único código por meio do qual tal comunicação possa existir”.
Conforme nos diz Dubois (2006 apud Bagno 2001, p. 46), “Todas as
sociedades humanas possuem um meio de comunicação “articulado”, a linguagem,
mas as línguas são diferentes”, como também demonstram os estudos recentes
2
Man has a mind. Man has feeling. To separate the two is to deny all that man is. To integrate the two
is to help man realize what he might be.
39
sobre interculturalidade (línguas em contato). Por muito tempo, o estudo da língua,
centrado no ensino prescritivo – conjunto de regras sistematizadas – concebeu que
esta não poderia ir além das normas gramaticais, regras estas que caracterizavam o
bom usage. Assim se pensava que a língua deveria ser um sistema estático, pois
A cultura escrita, associada ao poder social, desencadeou também, ao
longo da história, um processo fortemente unificador, que visou e visa uma
relativa estabilização linguística, buscando neutralizar a variação e controlar
a mudança. Ao resultado desse processo, a esta norma estabilizada,
costumamos dar o nome de norma-padrão ou língua-padrão. (FARACO
apud BAGNO, 2002, p.40)
Neste sentido, Bechara (1999, p. 52) diz que a “[...] gramática normativa
recomenda como se deve falar e escrever segundo o uso e a autoridade dos
escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas esclarecidos”.
E ainda, Britto (1997, p. 56), afirma que a norma culta se refere à linguagem
“[...] que efetivamente resulta da prática social, correspondendo à fala dos
segmentos socialmente favorecidos”.
Constatamos, então, que a ‘norma-padrão’ trata de um código normatizado de
regras imperativas que definem o ‘certo’ e o ‘errado’ em matéria de pronúncia, de
gramática, de ortografia e de estilo, propondo um estudo da língua de forma
autônoma e descontextualizada, não levando em consideração as condições de
produção histórico-sociais. Ora, querer que todos falem e escrevam da mesma
forma e de acordo com padrões gramaticais rígidos é esquecer-se que não pode
haver homogeneidade quando o mundo real apresenta uma heterogeneidade de
comportamentos linguísticos.
Labov (1972 apud MONTEIRO, 2002, p. 58) faz ainda outra distinção,
mostrando que, “[...] as regras variáveis têm função comunicativa (estilística,
expressiva ou enfatizadora), enquanto as regras invariantes servem apenas para
facilitar a expressão das seleções já realizadas”.
Segundo Tarallo (1986, p. 19), a linguística é a “[...] ciência que estuda a
linguagem, priorizando a língua falada e a maneira como ela se manifesta em
determinada época”.
Esse conceito foi aplicado pela primeira vez no século XIX, para distinguir as
novas diretrizes para o estudo da linguagem, em contraposição ao enfoque filológico
mais tradicional.
40
Dentre as correntes linguísticas existentes na primeira metade do século XX,
destacaram-se as teorias desenvolvidas, um século antes, pelo alemão Wilhelm Von
Humboldt, o qual acredita ser a língua um organismo vivo, que nasce, desenvolve e
morre. Assim, a língua é uma atividade e não um ato.
Humboldt foi o precursor do estruturalismo linguístico de Saussure, que se
baseia na convicção de que a linguagem é um sistema abstrato de relações
diferenciais entre todas as suas partes. Saussure estabeleceu a dicotomia língua
(langue) e discurso (parole), determinando que o objeto de estudo da linguística teria
que ser a langue. Então, a partir de um único indivíduo, seria possível analisar o lado
social da linguagem, mas somente pela interação de duas ou mais pessoas se
poderia estudar o aspecto individual. Este foi o famoso paradoxo saussuriano.
Para Chomsky (1957, p. 34), o objetivo da linguística deveria ser “[...] a
criação de uma gramática, que, por meio de um número finito de regras, fosse capaz
de gerar todas as frases de um idioma, mesmo que o falante nunca as tivesse
ouvido ou pronunciado”.
Cabia ao linguísta, portanto, desenvolver essa gramática, a partir da
competência (o conhecimento que o falante possui e que lhe permite gerar e
compreender mensagens), e não do desempenho (uso concreto que o falante faz da
língua) do falante, que seria um falante-ouvinte ideal, membro de uma comunidade
linguística homogênea e possuidor de um conhecimento excelente da língua,
excluindo, assim, a reflexão sobre os conteúdos sociais. As regras gramaticais que
permitissem gerar orações inteligíveis num idioma seriam denominadas de
gramática gerativa.
A teoria gerativa de Chomsky abriu caminho para renovação radical da
linguística e para sua aplicação a diversas disciplinas do saber humano, como a
psicologia ou a sociologia.
Demorou bastante tempo para os linguístas decidirem incorporar os aspectos
sociais nas descrições das línguas. Com o progresso do método comparativista, os
estudos linguísticos do século XX adotaram uma nova orientação e uma nova
postura com relação ao enfoque e ao objeto do estudo da linguística. Ao invés de se
concentrar na descrição histórica da língua, como queriam os gramáticos
comparativistas, a linguística daria maior ênfase ao estudo da linguagem em si
mesma e a seu caráter sociocultural. Monteiro (2000) nos revela que os novos
41
estudos sociolinguísticos foram inaugurados, em 1963, por uma associação de
Sociólogos – a Social Sciences Research Council.
Vale ressaltar que Labov (apud MONTEIRO, 2002, p. 61) considera o termo
sociolinguística redundante, baseado na questão de que a língua é um fato social,
por ser “[...] um veículo de comunicação, de informação e de expressão entre
indivíduos da espécie humana”, pois as variantes coexistem no meio social, portanto
a linguística só poderia ser uma ciência social.
A ciência assim referida estuda essa variedade a partir de dois pontos:
diacrônico (histórico) e sincrônico (mesmo plano temporal). No primeiro, o
pesquisador estabelece ao menos dois momentos sucessivos de uma determinada
língua, descrevendo-os e distinguindo as variantes em desuso. Já no segundo, o
pesquisador aborda seu objeto a partir de três pontos de vista: geográfico, social e
estilístico.
A pesquisa geográfica implica o estudo dos falares de comunidades
linguísticas distintas em espaços diferentes, mas em um mesmo tempo histórico.
Esse estudo distingue a linguagem urbana da rural, por exemplo. Os falares ou
dialetos dessas comunidades produzem os regionalismos. A perspectiva social já
estuda os falares de diferentes grupos dentro de uma mesma comunidade, que são
classificados por nível socioeconômico, escolaridade, idade, sexo, raça e profissão.
A partir dessa perspectiva pode-se fazer a distinção entre o falar social/culto,
preso à gramática normativa e o social/popular, mais ligado à linguagem oral do
povo e às situações menos formais de comunicação. Enquanto a perspectiva
estilística analisa o uso que um mesmo falante faz da sua língua, considerando que
suas escolhas são influenciadas pela época em que vive, pelo ambiente, pelo tema,
por seu estado emocional e pelo grau de intimidade entre interlocutores.
Tais fatores determinam a escolha do nível de fala a ser utilizado pelo falante
quanto ao grau de formalismo, modo (falado ou escrito) e sintonia (maior ou menor
grau de tecnicidade, cortesia ou respeito à norma). Notamos, então, que a língua
falada é a enunciação e expressão de fatos e ideias, sem a preocupação de como
enunciá-las.
Segundo Haugen (1962 apud BAGNO, 2001, p. 45), outra parte também
essencial do estudo da sociolinguística é a dimensão da superioridade ou
inferioridade funcional, que afirma existirem duas dimensões claramente distintas
envolvidas no uso dos termos “língua” e “dialeto”. Uma delas é estrutural, isto é,
42
descritiva da língua em si e a outra é funcional, ou seja, descritiva de seus usos
sociais na comunicação. A autora diz ainda que como norma social, “dialeto” é uma
língua excluída da sociedade polida. Para Brun (1946 apud BAGNO, 2001, p. 45), é
“[...] uma língua que não teve sucesso”.
Na estrutura de uma língua, nem todos os elementos têm valor funcional na
interpretação social que se fará do fato linguístico. Na língua inglesa, o vocabulário,
com várias possibilidades de sinonímia e o caráter polissêmico, como é o caso do
verbo to get, o qual aparece em várias expressões idiomáticas com uso e significado
diferentes (get up: levantar-se ao acordar; get over: recuperar-se de um problema;
get along: relacionar-se bem com etc.); a fonologia, em inglês a posição entre /i/ e
/I/ é importante porque permite distinguir as unidades como em hit e heat; e a
sintaxe, já que o adjetivo vem anteposto ao substantivo e não faz plural. Assim, se
diz He is a handsome boy (Ele é um garoto bonito) e They are handsome boys (Eles
são garotos bonitos), e não They are handsomes boys.
No português poder-se-ia citar o uso do me com função de sujeito, como em
Deixa-me ver isso, que praticamente já desapareceu do português não-culto.
No inglês existe uma marca da diferença entre os padrões escrito e falado da
maioria das pessoas, como, por exemplo, o uso de contrações (muito comum na
língua falada, mas não totalmente aceito na língua escrita): gonna (going to), ain’t
(contração que serve para uma quantidade genérica de verbos) e aquilo que se
conhece como double negative (permitido no discurso falado formal e informal, mas
nunca no escrito). Além disso, esses estilos que poderiam ser chamados de
dialetos funcionais oferecem riqueza e diversidade dentro de uma língua e
asseguram que a estabilidade ou rigidez da norma terá também um elemento de
elasticidade.
Aléong (1980 apud BAGNO, 2001) comenta que se é difícil falar com grande
precisão de uma gama de formas de variantes no discurso, é evidente que a
natureza do contexto e as características pertinentes dos falantes condicionam a
escolha de vocabulários em particular e a dos enunciados percebidos como
convenientes em uma situação dada. Não se fala da mesma forma em uma igreja ou
em estádio assistindo a um jogo de futebol. Todo falante está mais ou menos apto a
modificar sua linguagem conforme necessário, estabelecendo aquilo que se
denominam níveis de linguagem.
43
O mesmo autor propõe ainda uma distinção entre norma explícita e norma
implícita para a concepção de variação linguística, como a expressão possível de
processos históricos de diferenciação linguística e da função da linguagem enquanto
meio privilegiado de interação social. Segundo o autor referido, a norma explícita
[...] compreende esse conjunto de formas linguísticas que são objetos de
uma tradição de elaboração, de codificação e de prescrição. Ela se constitui
a partir de processos sócio-históricos [...]. Codificada e consagrada num
aparato de referência, essa norma é socialmente dominante no sentido de
se impor como o ideal a respeitar nas circunstâncias que pedem o uso
refletido ou monitorado da língua. (ALÉONG, 1980, p. 60)
enquanto a norma implícita trata daquelas formas que são raramente objetos de
reflexão ou codificação e que representam os usos concretos, utilizados pelos
indivíduos em sua sociedade imediata.
Observamos que uma língua completa tem seus estilos formais e informais,
seus sotaques regionais e seus jargões de classe ou profissionais, e torna-se
evidente o fato de que as pessoas transitam de um ao outro sem fazer distinção
entre eles. Logo, não podemos acreditar na existência de uma única forma
linguística.
Uma criança aprende inicialmente a língua de seu ambiente imediato, a língua
de sua família, sendo esta essencialmente oral e para fins utilitários. É uma
aprendizagem por mimetismo – a criança tenta reproduzir as cadeias sonoras que
ouve – e por condicionamento, obtendo o que deseja, por exemplo.
Assim, a criança constitui para si uma gramática interna, cujas regras
profundas lhe permitem ao mesmo tempo se expressar e interpretar fatos de
variação na fala dos outros, afirma Corbeil (1975 apud BAGNO, 2001, p. 57). Em
seguida, essa criança é submetida a alguma forma de instrução, que difere de um
país para outro.
Em nossa sociedade, isto ocorre com a entrada da criança na escola, que
privilegia o uso norma-culta como língua do ensino ou como língua ensinada. A
língua ensinada adquire assim o prestígio da escrita e um status superior pelo fato
de ser confirmada e imposta pelo aparelho pedagógico em detrimento das demais
variedades. É a língua da escola, dos livros, imposta nos exercícios e testes. A
criança, então, terá que perceber as diferenças de como se utiliza a língua ao seu
44
redor: entre o modelo familiar, o modelo proposto pela escola e o modelo realizado
por seus professores e colegas, que pode não coincidir com um ou outro.
Aléong (1980 apud BAGNO, 2001) observa que o comportamento linguístico
estabelece a existência de uma distância maior ou menor entre o sistema
socialmente dominante das prescrições linguísticas e a realidade dos desempenhos
diários. Isso significa que
[...] de um lado, um conjunto de julgamentos de valores amplamente
difundidos – uma ideologia linguística- preconiza o emprego de certas
formas com a exclusão de outras em nome da correção linguística, ao
passo que, de outro lado, as realidades concretas se apresentam sob o
aspecto de uma notável diversidade de formas. (ALÉONG apud BAGNO,
2001, p. 60).
Assim, não se deve ensinar só o sistema de cada idioma, mas também o uso
comunicacionalmente situado e culturalmente apropriado. Todos os aspectos citados
neste capítulo devem ser levados em consideração ao tentarmos estabelecer
comunicação oral, escrita ou até mesmo gestual em nossa língua materna ou em
uma língua estrangeira. A cultura é também transmitida pela língua. As pessoas não
falam ao acaso, os seus usos podem ser compreendidos e explicados tanto pelo
exame da história da língua quanto pela inserção social dos falantes.
Daí, então, surge a preocupação de que esses fatores fundamentais sejam
analisados para se conseguir estabelecer uma comunicação eficaz, bem como
traduções adequadas, afinal “[...] pode se variar tudo aquilo que não atentar contra a
eficácia da comunicação” , diz Aléong (apud BAGNO, 2001, p.65).
Portanto, até a presente data, ninguém sabe rigorosamente como um falante
aprende uma língua, embora grande quantidade de pesquisa tenha sido feita ao
longo de todos os séculos. Algumas teorias, contudo, tiveram grande impacto sobre
os conceitos de aprendizagem, este que permanece até hoje. Muitas dessas teorias
foram propostas para explicar o fenômeno da aquisição de uma segunda língua
(Second Language Acquisition – SLA).
De muitas maneiras, tais teorias apresentam muitas semelhanças com
aquelas que visam explicar a aquisição da língua mãe. Então, algumas delas dão
importância às características inatas dos falantes; outras enfatizam o papel
essencial do meio em formatar o aprendizado de uma língua; outras, ainda, tentam
45
integrar as características do falante com os fatores do ambiente na tentativa de
explicar como a aprendizagem da segunda língua acontece.
Nos últimos anos, os métodos e materiais didáticos, que são resultado dos
estudos mais recentes sobre a aprendizagem de uma segunda língua, têm buscado
mostrar falantes com uma variedade de características, aprendendo em uma
variedade de contextos. A ênfase, então, será nas teorias que se propõem a explicar
quais os mecanismos de aprendizagem que são comuns a todos os falantes
aprendendo uma segunda língua, uma preocupação que nem sempre foi tão
enfatizada pelas teorias de aprendizagem de uma segunda língua, cuja evolução se
descreve a seguir.
2.1 BEHAVIORISMO
Em um artigo publicado em 1920, dois psicólogos, Watson e Raynor,
relataram resultados de experimentos que eles tinham conduzido com um bebê
chamado Albert. Quando Albert tinha nove meses eles descobriram que a maneira
mais fácil de assustá-lo era fazer um barulho bem alto (como bater um martelo em
uma barra de metal). Em vários intervalos ao longo dos três meses seguintes eles
assustaram Albert desta forma enquanto ele estava na presença de vários animais
(um rato, um coelho e um cachorro).
O resultado destes experimentos mostrou que, após três meses, Albert
demonstrou medo quando confrontado com tais animais, mesmo quando o barulho
não era feito, e demonstrou desconforto até quando um casaco de pele era colocado
próximo a ele. Os psicólogos sugeriram que eles seriam capazes de curar os medos
de Albert, mas não o conseguiram porque ele não estava mais disponível para
experimentação, e eles até discutiram a possibilidade de Albert ter medo dos
casacos de pele até a idade de vinte anos.
O lado ético desse experimento é altamente questionável, mas as
experiências de Albert são um exemplo primitivo da ideia de condicionamento.
Watson e Raynor tinham tido êxito em condicionar Albert a ter medo de rato, coelho,
cachorro e casacos de pele quando, antes, ele tinha uma reação neutra a eles.
46
A ideia de condicionamento está baseada na teoria de que você pode treinar
um animal a fazer qualquer coisa (dentro da razoabilidade), se você seguir certo
procedimento que envolve três fases: estímulo, resposta e reforço. Na forma mais
clássica da teoria, um rato é colocado em uma caixa. Um sinal luminoso é operado
(estímulo), o rato vai até uma barra dentro da jaula e a pressiona (resposta), e
então uma bola de alimento delicioso cai próximo a ele (reforço). Se o
comportamento do rato for reforçado um número suficiente de vezes, ele sempre
pressionará a barra dentro da jaula quando a luz acender.
O reforço, nesse caso, tomou a forma de uma recompensa e, então, era
positivo. Mas, você pode treinar o mesmo rato a não fazer alguma coisa dando-lhe
reforço negativo, talvez na forma de um pequeno choque elétrico.
Assim, os behavioristas explicam a aprendizagem em termos de imitação,
prática, reforço (ou feedback para o sucesso) e formação de hábito. De acordo com
os behavioristas, todo aprendizado, verbal ou não verbal, ocorre pelos mesmos
processos.
Os aprendizes recebem input linguístico dos falantes em seu meio e formam
associações entre palavras e objetos ou eventos. Tais associações tornam-se mais
fortes à medida que as experiências se repetem. Os aprendizes recebem
encorajamento por suas imitações corretas e feedback corretivo para os erros, uma
vez que o desenvolvimento da linguagem é visto como a formação de hábitos,
assume-se que um falante não-nativo aprendendo uma segunda língua começa
pelos hábitos formados na primeira língua e que tais hábitos interferem nos novos,
necessários para a segunda língua.
O Behaviorismo era frequentemente ligado à Hipótese da Análise
Contrastiva (Contrastive Analysis Hypothesis ou CAH), desenvolvida pelos
linguístas estruturais na Europa e América do Norte. A CAH pressupõe que quando
há semelhanças entre a primeira língua e a língua alvo, o aprendiz adquirirá as
estruturas desta língua alvo com facilidade; se houver diferenças, o aprendiz terá
dificuldades.
Em seu livro Verbal Behavior, o psicólogo comportamental Skinner (1957)
aplicou essa teoria do condicionamento ao modo como os humanos adquirem a
linguagem. Nossa performance como usuários da linguagem é, em grande parte, o
resultado dos tais reforços positivos ou negativos. Nesse caso, o hábito linguístico
era obtido pela repetição constante e pelo reforço. Os erros, por sua vez, eram
47
imediatamente criticados e as manifestações consideradas corretas imediatamente
elogiadas.
2.2 COGNITIVISMO
Esse termo é geralmente empregado para definir o método no qual o falante é
levado a pensar, muito mais que simplesmente repetir, e está ligado em grande
parte a reação de Chomsky aos princípios do behaviorismo de Skinner. Essa teoria
está baseada na teoria da competência e da performance.
A teoria de Chomsky (1957) sobre a aquisição de uma língua apóia-se na
hipótese de que o conhecimento inato dos princípios da Gramática Universal (GU)
permite a todas as crianças adquirirem a língua do seu meio, durante um período
crítico de seu desenvolvimento. Chomsky não tomou posições específicas sobre as
implicações dessa teoria para a aprendizagem de uma segunda língua. No entanto,
alguns linguistas trabalhando com a mesma teoria defendem que a Gramática
Universal oferece a melhor perspectiva para se entender a aquisição de uma
segunda língua.
A linguagem não é uma forma de comportamento, afirma Chomsky (1957). Ao
contrário, é um intricado sistema de regras e boa parte da aquisição dessa língua
significa a aprendizagem desse sistema. Há um número finito de regras gramaticais
no sistema e com o conhecimento destas um número infinito de orações pode ser
realizado na língua. É a competência que a criança gradualmente adquire, e é esta
competência linguística (ou seja, o conhecimento das regras gramaticais) que
permite que a criança seja criativa como usuária da língua, isto é, experimentar a
dizer coisas que jamais houvera dito antes.
Apesar de ser considerada uma boa maneira de se entender a aquisição da
primeira língua, a gramática universal não é mais completamente aceita para guiar
as ideias sobre a aquisição da segunda língua, especialmente nos falantes que já
ultrapassaram o período crítico quando ocorre a aquisição da língua. Esta deveria
ser explicada por alguma outra teoria entre as mais recentes, como por exemplo, as
da psicolinguística.
48
2.3 AQUISIÇÃO x APRENDIZAGEM
Uma teoria inatista sobre a aquisição da segunda língua que tem tido grande
efeito sobre a prática do processo ensino-aprendizagem é aquela proposta por
Stephen Krashen. Essa teoria é composta de cinco hipóteses, as quais Krashen
(1983) originalmente denominou de “modelo monitor”. Ele afirmava que os achados
de alguns campos são consistentes com estas hipóteses, que são:
a) Hipótese da aquisição e aprendizagem.
b) Hipótese de monitor.
c) Hipótese da ordem natural.
d) Hipótese do input.
e) Hipótese do filtro afetivo.
2.3.1 Aquisição e aprendizagem
A distinção entre adquirir e aprender uma língua, estabelecida por Krashen, é
caracterizada por entender a primeira como um processo subconsciente que resulta
em conhecimento da língua; enquanto a segunda, aprender, é um processo
consciente que resulta apenas em saber sobre a língua. A aquisição dura mais
tempo e tem geralmente mais sucesso que o aprendizado.
O que se sugere aqui é que o aprendizado da segunda língua parece mais
com a aquisição da primeira língua em uma criança. Embora pareça haver certos
limites em relação ao conteúdo linguístico da língua materna a que uma criança
esteja submetida, ela nunca é conscientemente ensinada, nem conscientemente a
criança se determina a aprendê-la.
Ao contrário, ela ouve e experimenta uma quantidade considerável de
linguagem em situações nas quais ela está envolvida ao comunicar-se com adultos
(na maioria das vezes, seus pais). Sua habilidade gradual para usar a língua é o
resultado de muitos processos subconscientes, baseados nas experiências com as
quais ela começa a adquirir – sem estar consciente disto – a habilidade de entrar,
linguisticamente, em comunicação.
49
Então, a forma tradicional de aprendizagem, na qual um elemento solto era
estudado, e depois colocado em situação comunicativa parece equivocado, pois não
há garantias de que quaisquer elementos, assim aprendidos, serão usados com
sucesso para a comunicação ou mesmo lembrados por longo tempo. Nesse modelo,
o foco não era na comunicação, e sim em um segmento de linguagem que deveria
ser usado posteriormente para comunicação. Por isso, a segunda língua é adquirida
como resultado de um processo mais profundo que uma simples concentração em
um ponto gramatical, da mesma forma que a criança aprende sua língua materna.
Uma experiência realizada pelo linguísta aplicado Allwright (1977b, p. 5),
parece confirmar estas conclusões em certo grau. Ele afirma que “[...] se o falante
estiver envolvido em atividades de ensino exclusivamente direcionadas à solução de
problemas comunicativos, então a aprendizagem da língua se dará naturalmente.”
Em outras palavras, não há necessidade alguma de instrução formal, isto é, a
gramática da norma dita culta. Ao invés disto, os falantes são solicitados a realizar
atividades comunicativas nas quais a segunda língua precisa ser usada. Quanto
mais eles fizerem isso, melhor se tornarão em usar a língua.
Krashen (1983), contudo, vê a aquisição como o processo mais importante.
Ele afirma que somente a linguagem que é adquirida fica imediatamente disponível
para a comunicação fluente e natural. Além disso, também afirma que a
aprendizagem não pode se transformar em aquisição. Ele cita como evidência disto
o fato de que muitos falantes são muito fluentes sem nunca terem aprendido regras,
enquanto outros podem até conhecer as regras, mas não conseguem aplicá-las
quando sua atenção está focada muito mais no quê eles querem dizer do que no
como eles verbalizam.
2.3.2 A hipótese de monitor
Krashen (1983) alega que o sistema adquirido atua no sentido de iniciar as
frases do falante, e é responsável pela produção da fluência e dos julgamentos
intuitivos acerca da exatidão. Já o sistema aprendido, por outro lado, atua somente
como uma espécie de editor ou monitor, realizando pequenas mudanças e
refinando aquilo que o sistema adquirido produziu.
50
No entanto, Krashen (1983) diz que os falantes só se utilizam do monitor
quando estão focados mais em ser ‘corretos’ que naquilo que eles têm a dizer,
quando tem tempo suficiente para buscar em suas memórias as regras relevantes e
quando realmente sabem aquelas regras. Portanto, a habilidade de escrever
(writing) pode conduzir mais frequentemente ao uso do monitor que o falar
(speaking), pois permite mais oportunidades de concentração na forma. Ele afirma
que conhecer as regras só ajuda a complementar o que o falante adquiriu, mas que
o foco do estudo de uma segunda língua deve ser na aquisição e não na
aprendizagem. Contudo, é bastante difícil evidenciar o uso do monitor, ou seja, é
quase impossível determinar o que foi produzido como resultado de aquisição e o
que foi produzido como resultado do uso do monitor.
2.3.3 Hipótese da ordem natural
Krashen (1983) baseou essa hipótese na observação de que, como acontece
com os falantes da primeira língua, os que adquirem a segunda língua parecem
fazê-lo em sequências previsíveis. Ao contrário da intuição, as regras que são mais
fáceis de constatar (e, portanto de ‘aprender’) não são, necessariamente, as
primeiras a serem adquiridas. Por exemplo, a regra de adição do sufixo flexionado –
s, referente à terceira pessoa do singular dos verbos no presente simples, em inglês,
é relativamente fácil de constatar, mas, mesmo aqueles falantes em níveis
avançados de aprendizagem da língua estrangeira, falham em aplicá-la na
conversação do dia a dia, e até mesmo na sua produção escrita.
Além disso, Krashen (1983) observou que a ordem natural é independente
da ordem na qual as regras são aprendidas em sala de aula. A maior parte das
evidências de Krashen para este fato veio da pesquisa denominada de estudos dos
morfemas, na qual o discurso dos falantes foi examinado a fim de detectar a
exatidão de certos morfemas gramaticais. Mesmo que tenha havido muitas críticas
sobre este experimento, as pesquisas posteriores mostraram que todo falante passa
por determinadas sequências ou estágios no desenvolvimento do processo de
aquisição da segunda língua.
51
2.3.4 Hipótese do input
Krashen (1985) afirma que um falante adquire a língua de um único jeito –
pela exposição ao que ele denominou de “input compreensível”. Se o input contém
formas e estruturas levemente acima do nível atual de conhecimento do falante (ao
que Krashen chamou ‘i + 1’), então, tanto a compreensão quanto a aquisição
ocorrerão.
Assim, não obstante seja a aquisição ou aprendizagem consciente, haverá
estágios por meio dos quais a linguagem é absorvida pelo falante. Contudo, se o
falante apenas recebe esse input de linguagem, ele pode terminar por reter uma
série de itens armazenados separadamente, mas sem a habilidade de acessá-los ao
precisar. Somente quando o falante é submetido à necessidade de produzir ou usar
a linguagem é que ele se vê forçado a acessar a linguagem que houvera
armazenado. A habilidade de buscar estes itens que foram armazenados é
claramente vital para qualquer falante usuário da língua, pois ele terá que selecionar
aqueles itens que são apropriados ao seu objetivo de comunicação, combinando-os
de várias formas para uma comunicação eficiente. A isto se chama de output.
Desse modo, a atividade de aquisição ou aprendizagem de uma língua pode
ser dividida em duas grandes áreas: a que se preocupa com o input (quando o
falante recebe novos itens de linguagem que ficam armazenados em sua mente); e
outra que busca promover o que se poderia denominar de “output comunicativo”
(onde o falante é forçado a usar quaisquer itens de linguagem que ele aprendeu
para uma comunicação eficiente).
2.3.5 Hipótese do filtro afetivo
O filtro afetivo é uma barreira imaginária que não permite a aquisição da
linguagem a partir de um input disponível. ‘Afetar’ se refere a tais coisas, como:
motivos, necessidades, atitudes e estados emocionais. Um falante que está tenso,
aborrecido, ansioso, ou enfadado poderá eliminar o input, deixando-o indisponível
para aquisição. Então, dependendo do estado mental ou da disposição do falante, o
52
filtro limita o que é notado e o que é adquirido. O filtro será ‘ligado’ (bloqueando o
input)’quando o falante está estressado, consciente, ou desmotivado. Ele será
desligado quando o falante estiver relaxado e motivado.
Um problema relacionado com esta hipótese é que é bastante difícil estar
completamente seguro que os fatores afetivos causam as diferenças no processo
de aquisição de uma língua. Parece mais provável que o sucesso na aquisição
pode, em si mesmo, contribuir para uma motivação mais positiva, ou para usar o
termo empregado por Krashen (1983), contribuir para um “filtro afetivo bem
reduzido”.
Embora estas conclusões de Krashen tenham tido muita importância para o
método chamado communicative language teaching (aprendizagem comunicativa),
este tem sido seriamente criticado por não propor hipóteses que possam ser
empiricamente comprovadas.
2.4 TEORIAS PSICOLÓGICAS RECENTES
2.4.1 Processamento da informação
Alguns psicólogos cognitivistas pesquisaram um modelo, chamado de
information processing (processamento da informação), para a aprendizagem e a
performance dos falantes, tendendo a acreditar que a aquisição da segunda língua
seria a construção de certos sistemas de conhecimento que são eventualmente
buscados automaticamente com o intuito de falar e entender.
A quantidade de linguagem que um falante consegue focar, em certo intervalo
de tempo, é limitada. Assim, nos primeiros estágios, um falante provavelmente
concentrar-se-á em palavras soltas, sem levar os morfemas gramaticais envolvidos
no discurso. Gradualmente, por meio da experiência e da prática, eles conseguem
usar certas partes de seu conhecimento sem sequer dar-se conta de que o estão
fazendo.
Tal fenômeno os deixa livres para focarem em outros aspectos de linguagem,
os quais, por sua vez, gradualmente se tornam automáticos (MCLAUGHLIN, 1987).
53
Neste particular, a prática não é vista como algo mecânico, mas como algo que
envolve esforço por parte do falante.
Um dos teóricos que tem enfatizado a função de ‘notar’ no processo da
aquisição da segunda língua é Richard Schmidt (1990). Ele argumenta que tudo que
um falante venha a saber sobre a língua é primeiro observado, notado,
conscientemente. Isto vem fortemente de encontro à teoria de Krashen, claro.
Schimdt (1990), como qualquer psicólogo cognitivista, não aceita que possa haver
uma diferença entre aquisição e aprendizagem.
Outra noção nesse aspecto é a chamada reestruturação, onde certos
aspectos que o falante já sabe e usa automaticamente pode não ser resultado da
construção gradual da automaticidade. Elas parecem ser muito mais resultado da
iteração do conhecimento que já se tem, ou a aquisição de novos conhecimentos, os
quais, sem a prática extensiva, acabam se acomodando ao sistema já existente,
causando uma transformação ou reestruturação.
Tal fato pode explicar os repentinos momentos de progresso de um falante,
mas também pode ser culpado por causar retrocessos quando um aspecto
sistemático da língua é incorporado de forma exagerada, ou de forma errônea. Por
exemplo, quando um falante finalmente consegue dominar o uso do sufixo
inflexionado –ed dos verbos regulares no passado simples, os verbos irregulares, já
previamente dominados, poderão ser afetados. Assim, depois de vários meses
produzindo ‘I saw a film (eu vi um filme)’, o falante poderá produzir ‘I seed a film’ ou
até mesmo ‘I sawed a film’, o que pode causar mal-entendidos, já que seed é o
verbo plantar, ou o substantivo semente, e a palavra saw também existe como verbo
regular e quer dizer serrar.
2.4.2 Coneccionismo
Como ocorre com a discussão da aquisição da língua materna, os
coneccionistas, ao contrário dos inatistas, não veem necessidade de fazer hipóteses
sobre a existência de um módulo neurológico destinado somente à aquisição de
linguagem. Da mesma maneira que os psicólogos cognitivistas, os coneccionistas
atribuem maior importância à função do meio que a qualquer conhecimento inato do
54
falante, afirmando que o que é inato é apenas a habilidade para aprender, e não
qualquer estrutura linguisticamente especificada.
Os coneccionistas discutem que os falantes gradualmente constroem seu
conhecimento de linguagem com base na exposição a vários exemplos das
características linguísticas que eles eventualmente aprendem. Assim, enquanto os
inatistas veem o input linguístico como uma espécie de ‘gatilho’ que ativa o
conhecimento inato, os coneccionistas veem o input como a principal fonte de
conhecimento linguístico.
Após ouvir certos padrões linguísticos em contextos linguísticos e situacionais
específicos, repetidas vezes, os falantes desenvolvem ‘conexões’ mentais e
neurológicas cada vez mais fortes entre esses elementos. Então, a presença de
certo elemento situacional ou linguístico ativará o(s) outro(s) na mente do falante.
Tais conexões podem ser bastante fortes porque os mesmos elementos já
ocorreram muitas e muitas vezes, ou relativamente fracas por não ter havido
chances suficientes de experimentá-las. Por exemplo, o falante poderá absorver a
correta concordância sujeito – verbo, não porque eles conhecem uma regra e sim
por eles terem ouvido exemplos, tais como: I say (eu digo) e He says (ele diz), tanta
e tantas vezes que cada pronome sujeito ativa a forma verbal correta.
A pesquisa coneccionista tem mostrado que um determinado mecanismo de
aprendizagem, simulado por um programa de computador, não apenas pode
‘aprender’ o que ouve, mas também pode generalizar, até mesmo ao ponto de
cometer erros de generalização exagerada.
Tais estudos, até hoje, só consideraram quase que exclusivamente, a
aquisição de vocabulário e morfemas gramaticais, isto é, aspectos da linguagem que
até os inatistas concordariam poderem ser adquiridos grandemente por meio da
memorização e da simples generalização. Como esse modelo de aprendizagem
cumulativa pode conduzir ao conhecimento de estruturas sintáticas mais complexas
ainda hoje é objeto de investigação.
2.4.4 Interacionismo
55
Alguns
teóricos
interacionistas,
embora
influenciados
pelas
teorias
psicológicas de aprendizagem, têm desenvolvido pesquisas no campo da aquisição
da segunda língua. Hatch (1992), Pica (1994) e Long (1983), entre outros, têm
debatido o fato de que muito da aquisição da segunda língua acontece graças à
interação conversacional. As ideias de Long (1983) são baseadas em observações
das interações entre falantes não-nativos e falantes nativos. Ele concorda com
Krashen que o input compreensível é necessário para a aquisição da língua.
Contudo, sua preocupação maior é com o fato de como tal input se faz
compreensível. Ele considera a interação modificada como o mecanismo que faz tal
fato ser possível. Ele afirma que não há nenhum caso de falantes nativos que não
tenham modificado seu discurso nas interações de conversação com falantes nãonativos. Ele infere que a interação modificada se faz necessária para a aquisição da
língua, o que podemos sintetizar assim:
a) A modificação interacional faz o input tornar-se compreensível.
b) O input compreensível traz a aquisição. Portanto,
c) a modificação interacional promove a aquisição.
Outra visão sobre o papel da interação na aquisição da segunda língua é a
teoria sociocultural de Vygotsky (DONATO, 1994), acerca do processamento mental
humano. Essa teoria afirma que todo desenvolvimento cognitivo, inclusive o
desenvolvimento linguístico, resulta de interações entre indivíduos. Ao ampliar as
considerações de Vygotsky (DONATO, 1994) para o campo da aquisição da
segunda língua, Lantolf (1994) e outros concluíram que os falantes das segundas
línguas avançam para níveis mais altos de aprendizagem linguística quando eles
colaboram ou interagem com falantes nativos que possuem mais conhecimento que
eles.
De acordo com os teoristas vygotskyanos, a diferença entre essa perspectiva
e outros modelos interacionistas é que esta considera que a aquisição da língua
ocorre nas interações entre emissor e receptor, enquanto outros modelos afirmam
que é a modificação de input que provê o material linguístico ‘cru’ que os agentes
processarão interna e invisivelmente.
2.4.5 A teoria das inteligências múltiplas
56
“Mas, não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir
linguagens diferentes das que a escola instituiu como única e universal”
(ANTUNES, 2000)
Gardner (1999), psicólogo americano, professor de Cognição, Educação e
Neurologia, fez muitas pesquisas na área da cognição humana e escreveu a
respeito das inteligências múltiplas, em seu livro Inteligências Múltiplas: a teoria na
prática, onde também valorizou a individualidade do ser humano, especialmente
quando se fala em aprendizado. Está aí o porquê de a nomenclatura "múltiplas" ter
sido escolhida. Ele quis, com esse nome, dar a ideia de uma imensidão de
possibilidades de estratégias e/ ou estilos de aprendizado diferentes em cada
indivíduo, deixando, até em aberto, a possibilidade de haver mais inteligências do
que as sete, inicialmente propostas por ele, a que futuramente acrescentou mais
uma.
E seu livro, ao contrário do que muitos podem pensar, trouxe, sim,
implicações importantes para a educação. Aliás, foram estudiosos e profissionais
dessa área que deram mais atenção e mostraram muito mais interesse pela sua
teoria do que os próprios "colegas" seus, pesquisadores do mesmo ramo, dos quais
ele esperava o contrário. Ele, inclusive, diz que alguns gostaram, poucos não
gostaram e a maioria ignorou sua teoria sobre as inteligências. Eles alegavam que
era quase impossível tentar mudar as teorias ou definições psicológicas sobre a
inteligência.
Depois que o livro Estruturas da Mente fez bastante sucesso, com seu grupo
de pesquisa da Universidade de Harvard, Gardner começou a dar uma atenção
também maior para o seu público, que trabalha diretamente com educação,
estudando implicações educacionais da teoria das inteligências múltiplas. Ou seja,
ele passou a pesquisar como seria possível desenvolver as inteligências múltiplas
num indivíduo, no âmbito escolar, nos estudantes, como, também, planejar novos
instrumentos de avaliação, baseados na individualidade, nas diferenças de cada
aluno e na inteligência principal deles.
Para ele, quando o falante é ciente dessa questão de individualidade e sabe a
sua inteligência e que será avaliado conforme a sua inteligência, ele se sentirá mais
confortável para ser avaliado por outrem do que em situações de avaliação no
57
método tradicional. E também permitirá que o aluno aprenda a se autoavaliar e,
assim, se incentiva da mesma forma que ele tenha autonomia nos seus estudos.
Gardner (1999) conta que todo esse interesse em estudar as inteligências,
testá-las e desenvolvê-las iniciou em 1900, em Paris, na época conhecida como La
Belle Époque, em português: a Bela Época, quando muitos pais procuraram a um
psicólogo chamado Alfred Binet (GARDNER, 1999), pois queriam que ele fizesse um
teste para saber se seus filhos teriam um futuro escolar de sucesso escolar ou não.
Binet criou, então, os testes de Ql, que deram certo e se tornaram famosos em todo
o país até chegar aos Estados Unidos, onde foi utilizado para recrutar cerca de
1.000.000 (um milhão) de soldados na 1a Guerra Mundial. Daí em diante, espalhouse por todo o mundo.
Esses testes de Ql e os de SAT, que são uma versão mais sofisticada
(Scholastic Aptitude Test), possuem uma visão unidimensional, ou seja, veem a
inteligência por um só ângulo e de dimensão única e veem as pessoas como se
devessem pertencer a essa única dimensão, para serem de fato aceitas na
sociedade.
As escolas que aplicam esses testes para seleção de estudantes, também
possuem esse tipo de visão unidimensional na educação. Assim, só existe uma
forma de ensinar, de aprender e de avaliar, o que faz dessa educação, um modelo
de ensino seletivo e exclusivo.
Foi a insatisfação com esses testes que fez com que estudiosos como
Tarustone e Guilford (apud GARDNER, 1995) criticassem bastante o conceito que
se tinha a respeito de inteligência.
Gardner (1999) via que só as críticas não eram o suficiente, era necessário
deixar os testes para trás e passar para um trabalho de observação de como as
pessoas desenvolviam suas capacidades, de acordo com o seu modo particular de
vida. E por meio de todos os resultados e observações obteve muitas informações
que se sintetizaram nas inteligências múltiplas.
A teoria das inteligências múltiplas não é uma ‘receita’ pedagógica, pois não
existe nenhuma abordagem pedagógica aprovada que se baseie na teoria. Gardner
(1999), inicialmente, teve interesses grandes pela possibilidade de criar uma escola
que tem uma visão direcionada para a particularidade do ser humano, para uma
educação personalizada, para a multiplicidade de inteligências, uma escola que
58
aceita as multifacetas da cognição, que valoriza as diferenças e a implicação de tudo
isso na aprendizagem e nos seus resultados.
Porém, isso não existia na época de Binet, por não existirem, ainda,
pesquisas nas Ciências Cognitivas (estudo da mente) e na Neurociência (estudo do
cérebro). Dessa forma, para Gardner (1999), os testes, hoje, perderam sua
importância. Sua teoria não serve para fazer testes, mas para fazer com que o
professor tenha uma visão diferente, seja um observador de seus estudantes e,
assim, identifique como as pessoas desenvolvem habilidades e capacidade
importantes para seu modo de vida, para resolver seus problemas ou para elaborar
produtos importantes e valorizados no seu ou outros ambientes culturais.
2.4.5.1 A noção de diferentes inteligências na escola e seu papel na aprendizagem
O objetivo de Gardner (1995) não é tão-somente deixar clara a existência de
múltiplas inteligências, mas afirmar que todos nós temos todas as inteligências,
porém em níveis diferentes de desenvolvimento.
Uma pessoa pode, não somente usar uma, e sim várias inteligências juntas
para resolver um determinado problema. Uma pessoa, que utiliza várias inteligências
para resolver problemas ou criar produtos, teve a possibilidade de desenvolver
essas inteligências para isso. Aí entra o papel do educador. Ele deve ser, em um
primeiro passo na sala de aula, um observador. Observar quais inteligências estão
ou não desenvolvidas nos estudantes e, logo, em seguida, orientá-los, auxiliá-los a
desenvolvê-las a fim de que consigam atingir seus objetivos escolares e suas metas
na vida.
A partir desse momento, passa-se uma carga muito importante para as costas
do educador, a de entender e desenvolver o perfil cognitivo de cada um de seus
estudantes. Mas, antes disso entrar em ação, alguns pontos ou passos importantes
são necessários para realizar uma educação, baseada verdadeiramente nesses
princípios, embutidos na teoria de Gardner (1995), como:
 É importante compreender que nem todas as pessoas possuem os
mesmos interesses e as mesmas habilidades. Saber dos alunos, da vida
que levam, como se relacionam com sua família, o que gostam de fazer, entre
59
outras, são informações importantes, não só para conhecer e ter intimidade
com os alunos, e sim para utilizar isso como um recurso para a preparação de
uma aula personalizada para suas necessidades. Quando o aluno sente que
aquilo que está sendo compartilhado com ele em sala de aula contribuirá
como uma ‘ponte’ importante para o alcance dos seus próprios objetivos e
não os da escola ou do professor, terá uma motivação forte e suficiente para
que produza com eficiência diante da situação de aprendizagem.

Nem todos aprendem da mesma maneira. Assim como existem interesses
e habilidades diferentes, existem diferentes formas de aprender. Momentos a
sós com o falante ou com o grupo de falantes que possuem habilidades ou
formas de aprender, parecidas ou iguais, para conversar sobre como se
sentem mais confortáveis para aprender e sugerir-lhes formas de estudo ou
atividades que se encaixam às suas maneiras particulares de aprender, são
atitudes importantes que contribuem no processo de aprendizado do aluno e
um segundo passo valoroso para oferecer uma educação centrada no
indivíduo.
 Ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido. Gardner
(1995) diz que essa suposição de aprender tudo é que, certamente, nos faz
muito mal, porque tentamos, absurdamente, aprender tudo o que tem sido
colocado diante de nós nas escolas e temos tentado ensinar da mesma
forma. E de uma forma seletiva separamos os "bons" dos "maus" alunos,
quando os primeiros ganham espaço de crescimento social e intelectual, e os
outros ganham a exclusão e um lugar no grande banco dos que vão esperar
pela sorte para alcançar os seus objetivos de aprendizagem, outrora
frustrados.
Para a escola em geral, Gardner (1995) também propõe alguns passos
importantes, que devem acontecer antes, durante e até depois da vivência do
educando no ambiente escolar:

Uma escola centrada no indivíduo é aquela que é rica na avaliação das
capacidades e tendências individuais. Gardner (1995) não criou a Teoria
das Inteligências Múltiplas para fazer testes, e sim para avaliar as
capacidades, o desenvolvimento delas nos estudantes e as probabilidades de
progressos
individuais.
Uma
escola
centrada
no
indivíduo
precisa,
60
constantemente, acompanhar e promover situações que façam progredir as
capacidades individuais.

Uma escola centrada no indivíduo é aquela em que o mesmo é adequado
às áreas curriculares. Isso significa encaixar o falante com todas as suas
habilidades, capacidades particulares dentro do currículo e seus objetivos,
sem que sua particularidade seja alterada, nem mesmo as áreas curriculares,
mas sincronizar um ao outro.

Uma escola centrada no indivíduo é aquela que o mesmo é adequado às
maneiras de se ensinar. Essa escola e o professor estão sempre dispostos
a reelaborar materiais, mudar planos de aulas, refazerem aulas para adequar
o ensino às habilidades dos alunos e suas inteligências.
 Uma escola centrada no indivíduo é aquela que tenta adequar esses
indivíduos aos vários tipos de vida e de opções de trabalho existentes
em sua cultura. A escola precisa desenvolver e estimular os alunos a se
prepararem para a sociedade e os trabalhos que existem naquela
determinada
cultura.
Ela
precisa
estimular
o
desenvolvimento
das
inteligências dos alunos, dentro da própria cultura deles, e de como utilizá-las.
Na figura a seguir, podemos visualizar, resumidamente, o complexo
educacional de Gardner:
61
Fonte: (GARDNER, 1995).
Atenção especial às diferenças, às particularidades do FALANTE (usuário da
língua portuguesa que está aprendendo a segunda língua), fazer constante
AVALIAÇÃO das inteligências, habilidades e capacidades dele, contribuindo para o
desenvolvimento delas. Adequar o CURRÍCULO a essas diferenças dos FALANTES
de forma a criar um ensino personalizado e a prepará-lo para contribuir da mesma
forma à sua COMUNIDADE, exercendo nela funções que valorizem as suas
inteligências.
Cada inteligência possui uma operação nuclear ou um conjunto de operações
identificáveis, ou seja, possui sensibilidades que são ativadas quando se encontram
diante de sensações ou estímulos internos ou externos. Tais sensibilidades são os
instrumentos que captam os símbolos que, por sua vez, as utilizam para serem
incorporados pelo indivíduo. As inteligências sempre trabalham combinadas, ao
invés de isoladas, em cada pessoa, com exceção em indivíduos anormais.

Inteligência Musical. Gardner (1995) tenta justificar essa inteligência
empiricamente por meio da função da música na sociedade e a sua tão forte
presença desde os primórdios dela como forma de comunicação, até mesmo,
entre os animais. A música é uma faculdade presente em todas as
62
sociedades como expressão cultural. E por meio de testes pode-se perceber
que provavelmente a música se localiza no lado direito do cérebro, e mesmo
que ela não seja tão considerada como uma inteligência, como a matemática
ou a linguística, aqui ela ganha o mesmo valor.
As pessoas que possuem inteligência musical são aquelas que demonstram
grande interesse pela música, canto, instrumentos musicais e assim por diante. Elas
têm grande desenvoltura para exercer atividades relacionadas à música. Na sala de
aula, temos os estudantes que se desenvolvem mais no aprendizado quando
relacionamos certa atividade com a música. É perceptível, nos alunos de inteligência
musical, o interesse pela atividade e pela matéria quando envolvemos a música
como atividade didática.

Inteligência Corporal-Cinestésica. Como seria utilizar o corpo para resolver
um problema? Ou mesmo criar um produto? Certamente não é como resolver
um problema matemático, mas aspectos cognitivos se tornam evidentes ao
utilizarmos o corpo para realizar alguma tarefa, seja jogar um esporte, realizar
passos de dança etc. Muitas funções no cérebro são ativadas para calcular
espaço, tempo, intensidade, entre outras, para cumprir atividades como num
esporte. Também não se tem dúvida de que atividades, envolvendo o uso do
corpo, são completamente presentes em diversas culturas; dessa forma,
também pode ser considerada uma inteligência corporal-cinestésica.
Em sala de aula, as pessoas que possuem essa inteligência fazem um rápido
reconhecimento e se interessam imediatamente em atividades que exploram
exercícios do tipo ‘mãos à obra’, representações, pesquisas ou exercícios de campo,
cozinhar, mímica, atividades competitivas etc. Tudo que se torna prático e aguça o
interesse desses alunos.

Inteligência Lógico-Matemática. Pessoas com essa inteligência, geralmente
são mais valorizadas na sociedade, por terem mais sucesso nos testes de Ql,
geralmente são rotuladas como pessoas de "pensamento científico", pois
possuem poderes intelectuais de observação e dedução sobre as coisas.
Geralmente pensam, decifram e deduzem as coisas na mente para depois
organizá-las no papel de forma prática. Elas deduzem a solução de um
problema de forma rápida porque criam com facilidade numerosas hipóteses,
pois lidam com diversas variáveis.
63
Para esses estudantes, atividades que lhes propiciarão condições boas para
o aprendizado são do tipo experimentos científicos ou demonstrações científicas,
jogos do tipo que "quebram" a cabeça, materiais com explicações lógicas e
sequenciais de regras gramaticais, problemas matemáticos, trabalhos com
estatísticas, classificações, categorizações, criação de códigos etc.
Os estudantes, cuja inteligência lógico-matemática é mais desenvolvida,
interessam-se bastante pela construção do quadro estatístico e deduzem com mais
facilidade a solução para o mistério que lhes fora proposto, por meio das
informações que vão recebendo, mesmo que ainda não tenham tudo passo a passo
completo.

Inteligência Linguística. Na psicologia e nos testes de Ql, essa inteligência
sempre foi considerada, tal como a lógico-matemática, uma inteligência de
fato. Empiricamente é reconhecida, especialmente, por existir uma área no
cérebro chamada de Centro de Broca, região responsável pela produção de
sentenças gramaticais. Como também é reconhecível que a linguagem é um
fator universal, cujo desenvolvimento é rápido e surpreendente em crianças
de todas as culturas. Até deficiências não impedem a comunicação e a
criação de uma linguagem.
Falantes com a inteligência linguística, ou verbal, como também é conhecida,
têm facilidade em fazer anotações quando estão ouvindo ou assistindo a uma
palestra, gostam de leitura, contam histórias, participam de debates etc. Tudo
envolvendo, de certa forma, o exercício e a exploração da linguagem.

Inteligência Espacial. Também conhecida como inteligência visual, trata da
capacidade que uma pessoa tem de perceber o mundo espacial e visual com
precisão. É a habilidade de representar e manipular objetos mentalmente, de
perceber detalhes pequenos etc.
Um exemplo que Gardner (1995) dá para representar essa inteligência é a
habilidade que marinheiros têm de conduzir um navio rumo a uma ilha, mesmo sem
vê-la, só levando em consideração a posição das estrelas, a cor da água e as
condições atmosféricas, como o tempo. Daí ele consegue, com as informações
adquiridas visualmente, escrever um mapa que lhe fará chegar precisa e
seguramente até o local almejado. Na aprendizagem, atividades que valorizam a
inteligência visual-espacial são aquelas que se utilizam de vídeos, filmes, imagens,
64
desenhos, organização de gráficos, uso de computação gráfica, construção de
mapas etc.

Inteligência Interpessoal. Trata-se da capacidade e habilidade que uma
pessoa tem de perceber o outro, seus sentimentos, estados de ânimo,
temperamentos, motivações e intenções etc. De uma forma mais avançada,
essas pessoas podem perceber tudo isso, mesmo que a outra pessoa
esconda. Geralmente são religiosos, professores, terapeutas, pais etc.
Existem dois fatores que são reconhecidos como aspectos biológicos em
todos os seres humanos que identificam a inteligência interpessoal: um deles é a
prolongada infância, que seria o apego e afeto que todo ser humano tem pela mãe;
no caso de pessoas que não tiveram a presença da mãe, nos anos iniciais da vida,
têm um prejuízo no desenvolvimento do comportamento interpessoal. Outro fator é a
grande importância que todo ser humano dá à interação social. Desde os primórdios
da humanidade, o homem é acostumado a exercer variadas atividades em grupo. A
necessidade de se organizarem em grupo, de terem líderes, de comportarem-se
com solidariedade, demonstram a existência desenvolvida em todos os seres
humanos da inteligência interpessoal.
Atividades que contribuem na educação dessas pessoas são exercícios em
grupos ou duplas, projetos em equipes, liderança de atividades, oportunidade de
mediação e cooperação com o professor, ensinar aos colegas etc. Ou seja, eles se
desenvolvem mais na resolução de problemas quando não estão sozinhos ou
quando estão sendo cooperados ou estão cooperando com alguém.

Inteligência Intrapessoal. Um aluno que possui inteligência intrapessoal é
aquele que tem a habilidade aguçada para perceber-se a si mesmo, seus
sentimentos, personalidade, temperamentos, enfim, ele pode acessar as suas
emoções internas, discriminá-las e utilizá-las para entender o próprio
comportamento. Essa inteligência é a menos evidente de todas, por ser tão
privada, ela precisa de outras inteligências para expressar-se, como por meio
de escrita, música, filmes e outros. Por meio de um texto, um indivíduo pode
falar, descrever coisas, criticar a si mesmo, perfeitamente, a fim de formar
uma imagem de si e utilizá-la de forma efetiva. E, por utilizar símbolos de
outras inteligências, ela é reconhecida como responsável por corporificar a
interação das inteligências. Uma pessoa com essa inteligência contribui
bastante para o próprio aprendizado quando pode realizar tarefas de auto-
65
avaliação, preferindo fazê-las sozinho. Esta gosta de escrever diários ou
roteiros da própria jornada de aprendizagem, de fazer descrições pessoais, e
assim por diante.

Inteligência Naturalística. Esta foi a última inteligência adicionada ao grupo
mais recentemente, e, portanto, ainda precisa de mais aprofundamento de
pesquisa, mas, em geral, é a capacidade de reconhecer, categorizar e
descrever certas características da natureza.

Inteligência Existencial. Este é outro tipo de inteligência que tem merecido
estudos e menção como parte do grupo das inteligências múltiplas, mas,
como envolve elementos como questões de valor, por exemplo, ainda não
pode ser considerada no âmbito científico.
66
CAPITULO 3: VARIAÇÃO x ERRO: considerações
Identificar e analisar a interferência entre línguas tem sido um aspecto central
no estudo do bilingualismo. A ‘intrusão’ de características de uma língua sobre a
outra na produção do discurso, especialmente o discurso falado, de falantes não
nativos tem sido estudado ao nível fonológico, morfológico e sintático. Os sistemas
de contato que as línguas têm, em si mesmas, vêm sendo contrastados e, assim, um
importante resultado na análise contrastiva tem sido a possível antecipação de
dificuldades específicas, envolvidas no processo de aquisição de uma segunda
língua.
Segundo Lado (1964, p.2), “[...] Aqueles elementos que são semelhantes na
língua mãe (L1), serão simples para o falante nativo, enquanto aqueles que não são
tão simples serão difíceis.” Tais considerações têm recebido maior ênfase nas
últimas décadas, devido às discussões sobre interculturalidade (línguas em contato)
e também devido à importância que a linguística contrastiva passou a ter a partir do
estudo mais profundo deste fenômeno. Como se pode verificar pela afirmação de
Politzer (1970):
[...] Talvez a menos questionada e menos questionável aplicação da
linguística seja a sua contribuição da análise contrastiva. Especialmente na
aquisição de uma segunda língua, onde a análise contrastiva pode apontar
e antecipar as dificuldades dos falantes. (POLITZER, 1970, p. 151)
Alguns estudos a respeito da aquisição de uma segunda língua parecem
sugerir que a análise contrastiva seja mais eficiente ao nível da fonologia do que da
sintaxe. Algumas das pesquisas observacionais, em salas de aula, de segunda
língua, examinaram a resposta dos professores aos ‘erros’ dos alunos, seguindo a
mudança lógica de foco da análise contrastiva para a análise de ‘erros’, ocorrida
entre o final dos anos 60 para os anos 70. A análise contrastiva gerava previsões,
baseadas na comparação entre a L1 e a L2.
Os pesquisadores, porém, sabiam a partir da experiência de sala de aula que
os ‘erros’ que os falantes frequentemente cometiam em sala não eram
necessariamente sempre os que haviam sido antecipados pela análise contrastiva.
Havia ‘erros’ que não podiam ser explicados pela simples observação das diferenças
67
entre as línguas envolvidas, haja vista que alguns deles, previstos pela análise
contrastiva, não serem sequer encontrados na prática.
A análise dos ‘erros’ difere da análise contrastiva pelo fato de que ela estuda
os ‘erros’ realmente produzidos pelos falantes, levantando assim uma série de
questionamentos, tais como: 1) O que leva os falantes a cometerem ‘erros’?; 2) Os
‘erros’ são, na verdade, um problema ou uma parcela importante do próprio
aprendizado?; Como os professores reagem aos ‘erros’?; Tais respostas fazem
alguma diferença para o progresso do falante?
Antes de tudo, no entanto, é necessário estabelecermos o conceito de ‘erro’
propriamente dito. Ao contrário do que se possa pensar em princípio, a noção de
‘erro’ não é tão simples assim.
3.1 PROBLEMAS EM DEFINIR ‘ERRO’
O que se considera ‘erro’ na aprendizagem de uma língua? As definições
mais primitivas consideram a produção de uma forma linguística que se desvia da
forma ‘padrão’, ‘correta’. A versão ‘correta’, por sua vez, é geralmente associada
com a maneira pela qual um falante nativo usuário da segunda língua produziria
aquela forma. Chamamos a isso de ‘norma do falante nativo’.
Contudo, a noção de usar o falante nativo da segunda língua como norma de
partida não é nem apropriada nem muito abrangente, pois, primeiro, isto não leva
em consideração o fato de que alguns falantes não nativos têm um modelo de língua
de chegada diferente daquele do falante nativo. Grande parte da aprendizagem de
uma segunda língua por falantes usuários da primeira língua (L1) vem de modelos
que não são nativos da segunda língua (L2), (professores não nativos são a maioria
nos países em que a língua inglesa, por exemplo, é estudada como segunda língua).
Da mesma forma, as pesquisas sociolinguísticas mostram que os falantes
usuários da L1, no aprendizado da segunda língua, ao viverem na sociedade e
cultura da língua de chegada (língua objeto) - de forma naturalística (fora da sala de
aula, sem instrução formal) - nem sempre adotam uma variação ‘padrão’ ou ‘nativa’
como seu modelo para língua objeto.
68
Outros estudos revelaram que há variação até na forma linguística que os
falantes nativos de um dialeto específico produzem, em diferentes contextos. Os
estudos da sociolinguística, portanto, tem exercido profunda influência sobre os
conceitos de ‘correto’ e não ‘correto’.
Algumas mudanças na pedagogia também têm influenciado as atitudes
acerca do conceito de erro e seu tratamento. Com o surgimento recente do método
comunicativo para o aprendizado de uma língua, menos ênfase, hoje, tem sido dada
ao tratamento da norma dita ‘culta’, e mais importância tem sido dada à questão da
fluência.
O discurso dos estudantes de língua geralmente ‘desvia’, de certa forma, do
modelo que eles estão tentando absorver, e tais variações ou discrepâncias, na
forma, têm tipicamente sido vistas como ‘erro’. Porém, hoje, sabemos que mais
importância deve ser dada à habilidade do falante em passar suas ideias, conseguir
informações, e tudo o mais, do que produzir frases gramaticalmente corretas. Devese considerar mais importante para um falante conseguir alcançar suas metas
comunicativas do que criar frases perfeitamente bem formadas.
Assim, deve-se pensar no grau de sucesso comunicativo de um falante ao
reagir à sua produção, tanto escrita quanto oral. As pesquisas no campo de ‘erro’
têm sido limitadas, em grande parte, aos erros de exatidão, que são relativamente
fáceis de identificar. Porém, não se poderá dizer muito acerca do que pode ser feito
para remediar os ‘erros’ até que o tratamento das variações comunicativas tenha
sido bem estudado.
Quando se considera o ambiente de aprendizagem de uma segunda língua, a
resposta do instrutor à produção do falante aprendiz deve ser o critério mais
importante no julgamento de um ‘erro’.
Sem dúvida, uma das definições afirma que “[...] erro é uma forma indesejada
pelo instrutor” (GEORGE, 1972, p. 2). Quando se observam certas transcrições de
sala de aula, nota-se que algumas respostas são algumas vezes rejeitadas pelo
instrutor, não porque estejam erradas, mas por serem inesperadas.
Fanselow (1977b, p. 585) observou lições nas quais “[...] o objetivo aparente
do instrutor era fazer o aluno responder a uma pergunta do jeito que o professor
tinha planejado, sem nenhuma variação permitida”. Nystrom (1983) documentou um
exemplo deste fenômeno, como se mostra a seguir. As observações sobre
69
comportamento não-verbal estão em parênteses. Os comentários do instrutor estão
entre barras. P representa aprendiz e T instrutor.
Transcrição 1: ‘I see a pig’ (‘Eu vejo um porco’).
I: Eu quero que você olhe isto e diga-me UMA COISA que esteja
acontecendo nesta figura. Diga-me uma frase completa. Okay,
Dione?
P: (Engasga / quer participar).
I: Dione.
P: Um porco.
I: (Olha pelo canto do olho / hesitantemente/). Um porco. Você
poderia dizer isso em uma frase completa? Você precisa dizer mais
que simplesmente ‘um porco’. Você precisa ver, diga, ‘Eu vejo um
porco’ ou você precisa dizer, ‘O porco está fazendo alguma coisa’.
P: Um carneiro?
I: Okay, Tony?
(A transcrição 1 foi reproduzida de NYSTROM, 1983, p. 171-172,
grifos do autor)3
Como afirma Nystrom (1983), a resposta “um porco” é muito lógica. Está
realmente ‘correta’ e reflete o padrão natural de fala em um discurso oral (em frases
mais que orações completas) quando um contexto suficiente é oferecido. Contudo, o
instrutor não aceita a frase porque o aprendiz cometeu um ‘erro’ de discurso de sala
de aula, ao “não usar uma oração completa como o instrutor solicitou” (NYSTROM,
1983, p. 172).
Em um estudo das reações do instrutor aos ‘erros’ de crianças, feito em uma
turma de imersão de língua francesa no Canadá, Chaudron (1986b) também discute
as várias formas de definir ‘erro’, como:
1) formas linguísticas ou conteúdo que difere das normas ou fatos de um
falante nativo;
2) qualquer outro comportamento assinalado pelo instrutor como precisando
de melhora.
3
Transcript 1: ‘I see a pig’.
T: I want you to look at this and tell me ONE THING that’s going on in this Picture. Tell me a
complete sentence. Okay, Dione?
P: (Gasps/wants to be called on/)
T: Dione?
P: A pig.
T: (Looks out of the corner of her eye / uncertainly /). A pig. Can you tell me that in a complete
sentence? You need to say more than just, ‘a pig’. You need to see, say, uh, ‘The pig is doing
something’.
P: A goat?
T: Okay, Tony?
70
Chaudron (1986b, p. 66, grifos do autor) também usa o conceito de “reações
corretivas”, definidas, como: “[...]quaisquer reações, da parte do instrutor, que
transformem, ‘referem-se a’ de forma desaprovadora, ou exigem a ‘melhora de’ uma
produção ou comportamento de um aprendiz”.
As categorias de ‘erro’ estudadas, nesta pesquisa, incluem variações
fonológicas, léxicas, morfológicas, sintáticas, discursivas e de conteúdo. Chaudron
(1986b) resume os problemas enfrentados pelos pesquisadores e instrutores, ao
tentarem identificar os ‘erros’ dos falantes não nativos, adquirindo uma segunda
língua.
A determinação de erros é claramente um processo difícil que depende do
contexto imediato da produção em questão, bem como no entendimento do
conteúdo da lição, o objetivo do instrutor ou do aprendiz, e às vezes, o
aprendizado prévio do aprendiz. (CHAUDRON, 1986b, p. 69)
3.2 TIPOS E CAUSAS: ‘erros’ intralínguas e de desenvolvimento
‘Erros’ intralínguas são geralmente aqueles que refletem as características
gerais da aprendizagem da norma culta, tais como: generalizações falsas, aplicação
incompleta da norma e fracasso em aprender as condições nas quais a norma se
aplica. Os erros de desenvolvimento, por sua vez, ilustram a tentativa do aprendiz de
construir hipóteses sobre a segunda língua L2 (inglês) a partir de sua pouca
experiência adquirida com a sala de aula e o livro texto. Assim, podemos categorizar
os ‘erros’ em quatro grupos distintos.
3.2.1 Supergeneralização
Dentre os erros mais frequentes quando se considera as hipóteses que o
falante faz dentro do próprio sistema da L2 está o de generalizar conceitos ou
estruturas, isto é, assumir determinadas conclusões como corretas tendo como base
71
a extensão de uma estrutura a outras que parecem semelhantes, embora, na
verdade não o sejam.
Se tomarmos uma das definições do verbo generalizar a partir do dicionário
Aurélio eletrônico (2009), vemos que:
a) Verbo intransitivo: Fazer generalizações.
b) Verbo transitivo: Tornar mais amplo; dar maior extensão a (algo)
(Dicionário Aurélio 5+, 2009, em http://aurelio.ig.com.br, 23/01/2010).
Outro tipo de erro comum neste grupo é o da transferência de regras, o que
acontece pela interferência da L1 sobre a L2, ou seja, o falante transfere normas que
estariam corretas na língua materna e as aplica como se corretas fossem na L2.
Novamente, se virmos o conceito de transferir a partir de considerações do
dicionário Aurélio, temos:
a) Verbo transitivo direto e indireto: Pôr a cargo de; passar ou fazer passar
a outrem; passar:
"Rousseau é o gênio que deu forma às democracias, transferindo de Deus ao
povo a origem do poder." (Tarqüínio J. B. de Oliveira, As Cartas Chilenas, p. 13.)
(Dicionário Aurélio 5+, 2009, em http://aurelio.ig.com.br, 23/01/2010).
Ainda mais, Jakobovits (1969a) define generalização ou transferência, como:
[...] o uso de estratégias previamente disponíveis em novas situações. No
aprendizado de uma segunda língua, algumas destas estratégias serão
úteis para organizar os fatos da segunda língua, mas outras, talvez, por
causa de semelhanças superficiais, sejam enganosas e inaplicáveis.
(JAKOBOVITS, 1969a, p. 32)
A supergeneralização refere-se a exemplos, onde o falante não nativo cria
uma estrutura variacional com base na sua experiência de outras estruturas na
língua de chegada, como, por exemplo: He can sings; we are hope; it is occurs; He
come from. A supergeneralização geralmente envolve a criação de uma estrutura
variacional em lugar de duas estruturas padrão. Pode ser o resultado da tentativa do
aprendiz de reduzir seu fardo linguístico. Por exemplo, a omissão do sufixo
flexionado da terceira pessoa do singular do presente simples –s remove a
72
necessidade de concordância, aliviando, assim, o aprendiz, de um esforço
considerável.
A supergeneralização está associada com a redução de redundâncias. Pode
ocorrer, por exemplo, com itens que têm contraste na gramática da língua, mas que
não carregam contraste óbvio e significativo para o aprendiz. O sufixo flexionado do
passado simples dos verbos regulares, -ed, em narrativas ou outros tipos de
contexto de passado parece carregar nenhum significado, pois a noção de passado
é normalmente indicada lexicalmente nas estórias e a noção essencial de
sequenciamento na narrativa também pode ser expressa, igualmente bem, no
presente, como Yesterday I go to the university and I meet my new professor (Ontem
eu vou a universidade e encontro com meu novo professor). Assim, o aprendiz corta
as tarefas envolvidas com a produção de orações. Ervin-Tripp (1969) sugere que
[...] possivelmente as simplificações morfológicas e sintáticas do aprendiz
de uma segunda língua correspondem a alguma simplificação comum entre
as crianças (falantes nativos) aprendendo a mesma língua. (ERVIN-TRIPP
1969, p. 33)
Naquilo que se conhece como superaprendizado de uma estrutura (WOLFE,
1967, p.3-4, grifos do autor), o exemplo “[...] ‘he walks’ pode ser contrastado com ‘he
is walking’; ‘he sings’ com ‘he can sing’ e, uma semana depois, sem nenhum
aprendizado consciente ter acontecido, o falante produz ‘he can sings’ e ‘he is
walks’”.
3.2.2 Ignorância das restrições da norma
Muito relacionado com a generalização de estruturas variacionais está o
fracasso em observar as restrições das estruturas existentes, isto é, a aplicação das
regras a contextos onde elas não se aplicam: The man who I saw him (O homem
que eu vi ele) viola a limitação dos sujeitos nas estruturas com o relativo who. I
made him to do it (Eu o fiz fazê-lo) ignora as restrições do uso do infinitivo com o
causativo make.
73
Estes, novamente, são exemplos de generalização ou transferência, visto que
o aprendiz está usando uma norma previamente adquirida em uma situação nova.
Alguns ‘erros’ de restrição de norma podem ser explicados em termos da analogia;
outros exemplos podem resultar do aprendizado ‘errado’ das normas.
A falha em observar restrições no uso do artigo pode derivar da analogia, com
o aprendiz racionalizando um uso variacional a partir de sua experiência prévia de
inglês. Isto pode ocorrer mesmo quando a língua materna é próxima ao inglês.
Por exemplo, em inglês diz-se: The sparrow is a small bird. Sparrows are
small birds (A gaivota é um pequeno pássaro. Gaivotas são pequenos pássaros).
Como as duas orações são exatamente paralelas, uma substituição bastante lógica
na segunda língua seria The sparrows are small birds. Ao invés de seguir o ‘modelo’
da língua materna, o aprendiz, já tendo primeiro produzido The sparrows are a partir
de The sparrow is, vê um paralelo entre sparrows e birds e, então, produz o ‘erro’
comum The sparrows are the small birds (As gaivotas são os pequenos pássaros).
3.2.3 Aplicação incompleta das normas
Aqui, nota-se a ocorrência de estruturas, cuja variação representa o grau de
desenvolvimento das normas requeridas para produzir frases aceitáveis. Por
exemplo, nas línguas básicas, dificuldades sistemáticas no uso de perguntas podem
ser observadas. Uma forma afirmativa pode ser usada como pergunta, uma das
transformações em uma série pode ser omitida, ou um advérbio interrogativo pode
simplesmente ser adicionado a uma forma afirmativa.
Não importa o intenso estudo tanto das formas interrogativas quanto das
afirmativas, uma forma interrogativa gramatical jamais poderá tornar-se parte da
competência de um falante não nativo na aquisição de uma segunda língua. A
redundância poderá ser um fator explicativo.
O falante usuário de língua portuguesa, adquirindo a segunda língua,
interessado primariamente na comunicação, poderá alcançar uma comunicação bem
eficiente sem precisar dominar mais que as normas bem elementares do uso da
interrogativa. A motivação para atingir a comunicação pode ser mais forte que a
motivação para produzir orações gramaticalmente corretas.
74
3.2.4 Conceitos falsos hipotéticos
Além da enorme gama de ‘erros’ intralínguas que tem relação com o
aprendizado falho da norma em vários níveis, há também uma classe de ‘erros’ que
derivam de uma compreensão falha das distinções na língua objeto. Estas, algumas
vezes, resultam de uma gradação pobre dos itens aprendidos.
A forma was, por exemplo, pode ser interpretada como marcador de passado,
como em One day it was happened (Um dia ele foi aconteceu); e is poderá ser
entendido como o marcador correspondente do presente, como em He is speaks
French (Ele está falar Francês). Também, pode-se encontrar a forma do progressivo
(contínuo) ao invés do passado simples, em narrativas.
Ainda, encontra-se certa confusão entre too, so e very; entre come e go, e
assim por diante. Já foram identificados certos ‘erros’ desta natureza em situações
formais de sala de aula, e em situações baseadas na análise contrastiva do inglês
com outra língua, ou contrastes dentro do próprio inglês.
Uma análise mais detalhada dos principais ‘erros’ intralínguas ou de
desenvolvimento – supergeneralização, ignorância das restrições da norma,
aplicação incompleta da norma e a construção de conceitos e sistema falsos – pode
conduzir a um exame dos procedimentos de aprendizagem em busca de evidências
das suposições por trás destes. Tem-se reiteradamente repetido que
[...] surpreendentemente há muito poucas descrições publicadas acerca de
como e do quê as crianças aprendem. Há muitas descrições do que o
instrutor faz e que materiais são apresentados para as crianças, mas muito
pouco sobre que erros as crianças fazem e como eles podem ser
explicados, ou que generalizações e estratégias de aprendizagem as
crianças parecem desenvolver. Pode ser que a estratégia de uma criança
para aprender seja parcialmente ou totalmente independente dos métodos
pelos quais ela esteja sendo instruída. (DAKIN 1969, p. 107-111)
A interferência da língua materna é claramente uma fonte importante das
dificuldades de aprendizagem de uma segunda língua e a análise contrastiva provou
ser uma valiosa aliada em localizar áreas de interferência interlínguas. Muitos ‘erros’,
no entanto, derivam das estratégias empregadas pelos falantes durante a aquisição
de uma língua assim como também da interferência mútua de certos itens dentro da
própria língua.
75
3.3 NOÇÃO DE ‘ERRO’: o que é considerado ‘certo’ ou ‘errado’ ao aprender uma
língua estrangeira?
Mesmo com todo o avanço das últimas décadas a definição de erro ou desvio
da norma culta continua sem uma formulação precisa. As opiniões de gramáticos e
de linguistas diferem quanto aos aspectos de competência e de fluência de
comunicação.
Se tomarmos o conceito do dicionário eletrônico Aurélio 5+, 2009, erro é:
(ê) [Dev. de errar.]
Substantivo masculino.
1.Ato ou efeito de errar.
2.Juízo falso; desacerto, engano.
3.Incorreção, inexatidão.
4.Desvio de bom caminho; desregramento, falta.
5.E. Ling. Desvio em relação a variedade padrão de uma língua.
6.E. Ling. No aprendizado de língua estrangeira (q. v.) ou de segunda língua
(q. v.), o uso sistemático de uma forma de modo diverso daquele que seria
o de um falante nativo.
(Dicionário Aurélio 5+, 2009, em http://aurelio.ig.com.br, 23/01/2010)
Como se vê, são muitas as definições de ‘erro’, o que traz um grau de
dificuldade ainda maior para o seu tratamento, especialmente quando se trata do
aprendizado de uma língua, onde os desvios podem ser de várias naturezas e
podem ter características muito semelhantes.
Conforme destaca Ellis (1994)
[...] o 'erro' é um aspecto flagrante e bastante comum em língua estrangeira.
Vários estudos mostram, de maneira descritiva, os ‘erros’ presentes na fala
de falantes não-nativos. Além disso, todos nós cometemos ‘erros’ na
produção linguística, e tais ‘erros’ (na maior parte das vezes) tendem a
variar (em intensidade e tipo) à medida que vamos ficando mais
"proficientes" na língua estrangeira (LE). (ELLIS, 1994, p.57, grifos do autor)
Ellis (1994) aponta ainda que é importante diferenciar ‘erros’ e lapsos
linguísticos (error e mistake, na terminologia inglesa usada pelo autor). Os ‘erros’
refletem a natureza (ou estado/estágio) atual de nossa estrutura psicológica da
língua (i.e., nosso conhecimento linguístico) ou ainda lacunas ou inadequações
(sistemáticas) em relação à língua estrangeira estudada, ao passo que os lapsos
são falhas ocasionais na produção, provocadas por fatores afetivos e circunstanciais
presentes no uso da linguagem.
76
Aprender um idioma estrangeiro vai muito além de apenas ler e escrever, é
preciso antes de tudo vencer as interferências negativas da língua materna, embora
essas interferências estejam presentes com mais força na pronúncia. Na gramática,
as interferências também se manifestam, porém de uma maneira mais sutil,
entretanto isso não significa que a interferência negativa da língua materna na
gramática não exista.
Mas então o que é que a palavra ‘erro’ tem a ver com a interferência negativa
da língua materna? Muita coisa, visto que ambas estão tão intimamente ligadas e
que são confundidas umas com as outras.
Mas quando o assunto envolve o aprendizado de uma língua estrangeira,
independentemente de qual for essa língua, o aluno tende a usar a língua materna
de forma negativa como referencial para tentar se expressar e isso não está errado,
visto que, com exceções à parte, toda língua tem um verbo, um pronome, um
adjetivo, um sujeito, etc. O que pode variar é a maneira com que esses elementos
de um sistema (língua estrangeira) se organizam na hora de se expressar (são os
padrões linguísticos de cada língua). Assim, esse fator é tão relativo quando a
variedade de dificuldades que o aluno pode encontrar dentro desse sistema e que
dificuldades são essas?
A falta de exemplos semelhantes na língua materna é um dos maiores
indutores de ’erros‘, pois é exatamente nesse momento que a influência negativa da
língua materna age, induzindo o aluno a improvisar seu raciocínio de acordo com
necessidade da situação, comprometendo de tal forma a capacidade do aluno de
aprender um idioma estrangeiro com naturalidade.
Existe uma diferença de ‘erro’ por falta de prática e o costume de fazer algo
interferir na hora de tentar algo novo, em outras palavras: a força do hábito impede
que as pessoas assimilem novos mecanismos.
Dois especialistas em Programação Neurolinguística (PNL), Joseph O´
Connor e John Seymour, afirmam que “[...] o inconsciente é muito mais sábio que a
mente consciente” (1990, p. 72). Segundo eles, em PNL, algo é consciente quando
está presente na nossa percepção presente; e algo é inconsciente quando não está
presente na nossa percepção atual.
Vivemos numa cultura que acredita que a maior parte de nossos atos são
conscientes. Contudo, a maior parte de nossas ações é produzida de maneira
inconsciente. O fator inconsciente tem mais força do que muitas pessoas imaginam,
77
e isso não está recebendo a atenção necessária na hora de lidar com o ensino da
língua estrangeira. Por exemplo, a formulação de ideias interrogativas e negativas:
(‘erro’ bastante comum apenas no início do aprendizado) é algo quase que
automático no falante usuário de uma determinada língua.
A primeira grande dificuldade que o brasileiro, falante usuário de português,
enfrenta ao iniciar seu aprendizado em inglês, é normalmente a estruturação de
frases interrogativas e negativas. Frases interrogativas em português são
diferenciadas apenas pela entonação, não exigem alteração da estrutura da frase,
sendo um modelo estrutural bem mais simples que no inglês, pois, para a
formulação de perguntas no português, é completamente desnecessário o uso de
verbo auxiliar, diferentemente do inglês, fato que causa muita confusão quando o
falante tenta se expressar.
No inglês, além da entonação, temos, no caso das Be Phrases (frases com o
verbo to be ou com qualquer outro verbo auxiliar ou modal), a inversão de posição
entre sujeito e verbo.
He's a student
Ele é estudante.
Is he a student?
Ele é estudante?
I can speak English
Eu sei falar inglês.
Can I speak English?
Eu sei falar inglês?
Fonte: (JACOBS, 1999, p. 129-142).
Note que a estrutura das sentenças em português praticamente continua
intacta, enquanto em inglês a estrutura sofre algumas mudanças de posição do
verbo. E, no caso de Do Phrases, frases em que não há verbo auxiliar, surge a
necessidade de uso do verbo auxiliar DO/DOES para formular perguntas ou frases
negativas.
He speaks English
Ele fala inglês.
Does he speak English?
Ele fala inglês?
He doesn't speak French
Ele não fala francês.
Fonte: (JACOBS, 1999, p. 129-142).
78
Além de contrastarem profundamente em relação ao português, esses dois
tipos de estruturas contrastam entre si. O contraste entre Be Phrases e Do Phrases
aparece nos modos interrogativo e negativo. Be Phrases faz a inversão de posição
entre sujeito e verbo para formação de frases interrogativas ou negativas, não
precisando de verbo auxiliar, enquanto Do Phrases precisa do verbo auxiliar
DO/DOES. Isto representa uma dupla e acentuada dificuldade para os falantes
usuários do português, por não haver necessidade do uso de verbo auxiliar nestas
circunstancias e a formação de frases não é afetada pelos modos afirmativo,
negativo e interrogativo.
O modo interrogativo, em português, como visto nos exemplos, consiste
apenas em uma diferente entonação, enquanto em inglês exige uma significativa
alteração na estrutura da frase, além da entonação. A dificuldade não é de entender,
e sim de assimilar e automatizar. Quem fala o português como língua materna não
está acostumado a estruturar seu pensamento dentro dessas normas e precisará
praticar para conseguir "internalizar" essas estruturas.
Um dos erros gramaticais mais comuns é o mau uso das preposições FOR e
TO. O fato de ser o infinitivo em inglês formado pelo verbo precedido da preposição
TO, aliado ao fato de ser comum em português a colocação de ideias do tipo
VERBO + PARA + VERBO NO INFINITIVO, induz o aluno frequentemente a colocar
a mesma ideia em inglês, usando a combinação das preposições FOR + TO. Esta,
entretanto é uma combinação impossível, não ocorrendo jamais em inglês. Observe
nos seguintes exemplos as alternativas corretas:
I came to talk to (with) you.
Eu vim para falar contigo.
She offered to help me.
Ela ofereceu-se para ajudar-me.
It's necessary to study, in order to
learn.
This is an instrument for measuring
speed.
Para aprender, é necessário estudar.
Isto é um instrumento para medir
velocidade.
Fonte: (JACOBS, 1999, p. 129-142).
Como regra geral, sempre que houver tendência de colocar FOR + TO, o
aluno deve lembrar-se de simplesmente eliminar a primeira preposição.
79
Veremos agora alguns erros fonológicos que atrapalham na hora de
pronunciar ‘corretamente’. O primeiro problema, e talvez o mais evidente deles,
ocorre na área das vogais anteriores altas. Os fonemas /iy/ e /I/, do inglês, muito
provavelmente serão percebidos e reproduzidos como o /i/, do português,
neutralizando, portanto, o único contraste entre palavras, como:
beach /biytsh/
bead /biyd/
beat /biyt/
cheap /tshiyp/
eat /iyt/
feel /fiyl/
feet /fiyt/
heat /hiyt/
heel /hiyl/
lead /liyd/
leap /liyp/
least /liyst/
bitch /bItsh/
bid /bId/
bit /bIt/
chip /tshIp/
it /It/
fill /fIl/
fit /fIt/
hit /hIt/
hill /hIl/
lid /lId/
lip /lIp/
list /lIst/
leave /liyv/
meal /miyl/
neat /niyt/
peel /piyl/
reach /riytsh/
seat /siyt/
seek /siyk/
sheep /shiyp/
sheet /shiyt/
sleep /sliyp/
steal /stiyl/
wheel /wiyl/
live /lIv/
mill /mIl/
knit /nIt/
pill /pIl/
rich /rItsh/
sit /sIt/
sick /sIk/
ship /shIp/
shit /shIt/
slip /slIp/
still /stIl/
will /wIl/
Fonte: (SCHUMACHER, 1999, p. 133-148).
Pelo fato dos fonemas /iy/ e /I/ do inglês terem uma carga funcional muito
ampla, isto é, ocorrem com muita frequência como único elemento diferenciador,
qualquer neutralização nessa área pode representar um sério problema.
Outro problema de provável ocorrência situa-se na área dos fonemas /æ/ e /e/
do inglês.
Ambos serão percebidos como /é/ do português, cuja posição de
articulação é intermediária, um pouco mais próxima de /e/ do que de /æ/. Este
desvio neutraliza o contraste entre palavras, como:
bed /bed/
beg /beg/
dead /ded/
end /end/
flesh /flesh/
gem /dzhem/
guess /ges/
head /hed/
bad /bæd/
bag /bæg/
dad /dæd/
and /ænd/
flash /flæsh/
jam /dzhæm/
gas /gæs/
had /hæd/
lend /lend/
men /men/
met /met/
pen /pen/
said /sed/
send /send/
shell /shel/
then /ðen/
land /lænd/
man /mæn/
mat /mæt/
pan /pæn/
sad /sæd/
sand /sænd/
shall /sæl/
than /ðæn/
Fonte: (SCHUMACHER, 1999, p. 133-148).
A vogal média-central neutra /ə/ do inglês, especialmente quando tônica, não
tem equivalente em português, o que significa possibilidade de erro fonológico em
80
palavras como but /bət/ e rubber /'rəbər/. Também a forma reduzida e atônica deste
fonema, denominada "xuá" (de alta ocorrência no inglês) representa uma notória
dificuldade até mesmo a longo prazo. Isto porque, no português, as vogais atônicas
não são reduzidas e neutralizadas como em inglês. É muito provável que o aluno
brasileiro venha a ser influenciado pela ortografia nesse caso.
A palavra
photographer, por exemplo, poderá vir a ser pronunciada /fô'tógrafêr/ em vez do
‘correto’ /fə'tagrəfər/.
Brasileiros encontrarão dificuldade para distinguir entre os sons de /a/ e /o/ do
inglês. Na maioria das vezes, /a/ será percebido como /ó/ do português. Este
problema é agravado pelo fato de que o fonema /a/ do inglês é, muitas vezes,
representado na ortografia pela letra “o”, a qual frequentemente corresponde, em
português, a /ó/, como na palavra pó. Sendo /ó/ do português muito parecido com
/o/ do inglês, como por exemplo, na palavra law, haverá possibilidade de erro
fonológico, como nos seguintes exemplos:
collar /'kalər/
cot /kat/
are /ar/
caller /'kolər/
caught /kot/
or /or/
Fonte: (SCHUMACHER, 1999, p. 133-148).
As fricativas /s/ e /z/, quando em posição de final de palavra, têm carga
funcional em inglês, isto é, são responsáveis por diferenciação entre palavras. Em
português, entretanto, /s/ e /z/ não têm a mesma carga funcional quando em final de
palavra. A ocorrência de um ou de outro vai ser determinada pela característica
fonética do meio em que ocorrerem. A dificuldade daí resultante pode produzir
‘erros’, conforme os seguintes exemplos:
ice [ays]
peace [phiys]
rice [rays]
eyes [ayz]
peas [phiyz]
rise [rayz]
Fonte: (SCHUMACHER, 1999, p. 133-148).
A retroflexa /r/ do inglês, de forma semelhante às interdentais, não tem
qualquer fonema semelhante na maioria dos dialetos do português (a única exceção
é o dialeto da região de Piracicaba - SP). Portanto, alunos brasileiros não
acostumados com a retroflexão da língua, terão que exercitar a articulação desse
81
fonema. Devido à interferência ortográfica, a retroflexa /r/ do inglês, quando ocorre
no início da palavra, é facilmente interpretada como se fosse a fricativa velar /rr/ do
português, uma vez que ambas são representadas pelo grafema "r". Por outro lado,
a fricativa glotal /h/ do inglês é muito próxima e semelhante à fricativa velar /rr/ do
português. A confusão resultante disto poderá causar a neutralização do contraste
entre palavras como:
hat [hæt]
head [hed]
high [hay]
hoe [how]
rat [ræt]
red [red]
rye [ray]
row [row]
Fonte: (SCHUMACHER, 1999, p. 133-148).
.
Uma das atitudes mais comuns entre os falantes usuários do português, que
estão aprendendo uma língua estrangeira, é a transferência da estrutura da língua
materna para a língua estrangeira, o que significa fazer uma transferência literal,
neste caso, do português para o inglês, o que consiste em expressar-se em uma
língua estrangeira sem levar em consideração a sua estrutura gramatical e outras
regras que a compõe, transferindo dessa forma, diretamente para a língua
estrangeira, a mesma estrutura da língua materna.
Os ‘erros’ que os alunos cometem ao aprender inglês não são um mero
resultado da transferência de "regras" que caracterizam sua língua materna. São,
portanto, índices das reações que os alunos têm para atribuir um sentido ao novo,
seja com base no conhecimento linguístico do português, de outra língua ou mesmo
do repertório que já possui em relação ao próprio inglês.
Quando os alunos de inglês que são falantes nativos da língua portuguesa
aprendem inglês, mostram bastante dificuldade no uso do verbo there to be (haver,
existir). Ao procurarem dizer "houve uma festa na minha casa ontem", dizem had a
party at home yesterday, em vez de dizerem there was a party at home yestarday.
Isso acontece porque o aprendiz está usando como referência o uso que ele faz da
língua portuguesa para compor seu enunciado. É bastante evidente que a referência
seja "teve uma festa na minha casa ontem", maneira como nos expressamos, em
português, nas situações mais informais.
No português, normalmente, colocamos dupla-negação na mesma frase.
Pronomes indefinidos como NADA, NENHUM, NINGUÉM podem ser usados
82
livremente em frases negativas, entretanto, quando levamos a mesma regra para o
inglês, estamos transferindo costumes da língua materna para a língua estrangeira,
pois isto em inglês é gramaticalmente incorreto. Exemplos:
There's nothing I can do. / There isn't anything I can do.- Não tem nada que
eu possa fazer.
I have no problems. / I don't have any problems.- Eu não tenho nenhum
problema.
There's nobody home. / There isn't anybody home.- Não tem ninguém em
casa.
Possíveis casos de transferência de ideias:
There isn’t nothing I can do.
I don’t have no problem ou I haven’t no problem.
There isn’t nobody home.
Torna-se necessário colocar o problema dos ‘falsos cognatos’ ou ‘falsos
amigos’, os quais se caracterizam como vocábulos de igual ou parecido significante
em duas línguas, mas que possuem significados distintos.
Definimos, ainda, os cognatos como palavras semelhantes em forma e
sentido, independentemente da origem; e ‘falsos cognatos’ como palavras
semelhantes na forma, mas de significados diferentes. Os cognatos têm uma
importância significativa quando os ‘erros’ envolvem transferência e generalização.
Cognatos são aquelas palavras, termos, vocábulos ou signos linguísticos que,
apesar de terem uma origem comum e uma grafia idêntica ou semelhante, em duas
línguas, evoluíram de forma diferente, total ou parcialmente, quanto ao significado
sem que tivessem mudado substancialmente a grafia.
O conceito de “falsos amigos” foi estabelecido em 1928 pelos linguistas
franceses Maxime Koessler e Jules Derocquigny no livro Les Faux-Amis ou Les
trahisons du vocabulaire anglais.
Outro conceito relacionado são os heterossemânticos. Estes são pares de
palavras de origem comum, ou seja, verdadeiros cognatos, mas que ‘sofreram’
evoluções semânticas distintas nas duas línguas, acabando por apresentar
significados distintos. As listas a seguir apresentam tanto os heterossemânticos
quanto os ‘falsos cognatos’. Ambos os tipos de cognatos podem ser usados como
83
exemplos de transferência de vocabulário pela escrita semelhante adotada pelos
dois idiomas.
‘Falsos cognatos’ entre a língua portuguesa e a língua inglesa:
Palavra em
inglês
Anthem
Ingenious
Pregnant
Spectacles
Falso cognato em
português
Antena
Ingênuo
Impregnada
Espetáculos
Significado real
Hino
Engenhoso
Grávida; prenhe
Óculos
Fonte: (JACOBS, 1999, p. 129 – 142).
Heterossemânticos entre a língua portuguesa e a língua inglesa:
Palavra
em inglês
Actually
Alias
Advert
Appoint
Argument
Assign
College
Comprehensive
Conceit
Deception
Devolve
Exquisite
Eventually
Graduate
Inhabitable
Injury
Intend
Library
Prejudice
Pretend
Push
Realize
Retribution
Scholar
Sensible
Silicon
Sympathy
Heterossemântico em
português
Atualmente
Aliás
Advertir
Apontar
Argumento
Assinar
Colégio
Compreensivo
Conceito
Decepção
Devolver
Esquisito
Eventualmente
Graduação
Inabitável
Injúria
Entender
Livraria
Prejuízo
Pretender
Puxar
Realizar
Retribuição
Escolar
Sensível
Silicone
Simpatia
Fonte: (JACOBS, 1999, p. 129-142).
Significado real
Na verdade; realmente
Pseudônimo; apelido
Menção; propaganda
Marcar
Discussão; debate
Atribuir; designar
Faculdade
Abrangente
Vaidade; presunção
Ilusão; fraude
Transferir
Requintado; agudo;
sensível
Mais cedo ou mais tarde
Pós-graduação
Habitável
Lesão
Pretender
Biblioteca
Preconceito
Fingir
Empurrar
Perceber
Represália; punição
Erudito
Sensato
Silício
Compaixão; pena
84
Esses exemplos mostram algumas das diversas possibilidades de ‘erros’,
envolvendo transferência de vocabulário do português para o inglês, entretanto é
possível que o aluno inverta o processo de transferência, isto é, o equívoco pode
ocorrer do inglês para o português.
Rumelhart e McClelland (1982) desenvolveram um modelo conexionista (um
programa de computador) para o processamento de verbos da língua inglesa que
reproduz o fenômeno da curva do U observado na aprendizagem do passado dos
verbos em inglês.
O processo de aprendizagem revela, basicamente, três estágios:
1) inicialmente o uso, pela criança, de um número limitado de verbos de alta
frequência, geralmente verbos irregulares, e o uso correto do passado de cada
verbo (isto é, as crianças parecem usar os verbos separadamente, tratando-os item
por item);
2) neste segundo estágio a criança tende a generalizar, tratando todos os
verbos como regulares. Nesse estágio há um processo de super-generalização de
regras/padrões abstratos subjacentes aos verbos, ou seja, busca de aprendizagem
sistemática. Nessa fase, muitos erros ocorrem resultantes de uma busca constante
por sistematização por meio da generalização de padrões diferentes;
3) o último estágio revela a coexistência de formas verbais regulares e
irregulares, consequência de um processo de categorização a partir da
sistematização de padrões diferentes. O quadro a seguir, adaptado de Ellis (1994,
p.23), ilustra bem o fenômeno relatado no estudo aqui descrito:
Estágio
Descrição
Exemplo
1
Os aprendizes inicialmente não usam o verbo no
tempo passado.
'eat'
2
Os aprendizes começam a produzir formas do
passado irregular dos verbos.
'ate'
3
Os aprendizes supergeneralizam a forma do passado
regular dos verbos.
'eated'
85
Às vezes, os aprendizes produzem formas híbridas.
'ated'
Os aprendizes finalmente produzem as formas
corretas do passado irregular dos verbos
'ate'
Fonte: (ELLIS, 1994, p.23).
Observe, agora, um exemplo de um ‘erro’, envolvendo generalização.
Sabemos que, ao formularmos um enunciado na 3ª pessoa do singular do presente
simples, os verbos ganham, em geral, um -s ou -es. Assim, dizemos I usually wake
up early e he usually wakes up early.
Ao analisarmos os ‘erros’ dos aprendizes, é comum encontrarmos a
generalização do uso do -s do presente simples quando se expressam por meio dos
verbos modais. Em vez de dizerem He can drive a car, os alunos dizem he can
drives a car. Em enunciados em que figuram os verbos modais (can, must, should,
may, etc.) não empregamos as regras do presente simples.
Os verbos SAY e TELL, embora praticamente sinônimos no significado
(transmitir informação), gramaticalmente são diferentes, porém os alunos de língua
inglesa tendem a generalizá-los, desprezando de fato essa diferença gramatical que
existe entre os verbos SAY e TELL. Ambos podem ser traduzidos, respectivamente,
em português pelos verbos DIZER e FALAR, sendo que TELL pode ser também
traduzido por CONTAR no sentido de NARRAR..
A diferença reside no fato de que com o verbo SAY, normalmente, não há na
frase um receptor da mensagem (objeto indireto); enquanto com o verbo TELL, o
receptor da mensagem está normalmente presente na frase. Veja os exemplos:
He said that inflation will decrease. - Ele disse que a inflação vai diminuir.
He told the reporters that inflation will decrease. - Ele disse aos jornalistas que
a inflação vai diminuir.
What did he say when you told him this? - O que é que ele disse quando tu
disseste isso para ele?
OBSERVAÇÃO: O que não pode acontecer é o aluno generalizar a situação
como mostraremos a seguir:
86
She Said me [that] she was really tired ou she told [that] she was really tired.
Outro caso que envolve generalização são os verbos modais (auxiliary
modals) em inglês (can, may, might, should, shall, must), que nunca ocorrem
isoladamente, ou seja, ocorrem apenas na presença de outro verbo. Ao contrário
dos demais verbos, entretanto, os modais ligam-se ao verbo principal diretamente,
isto é, sem a partícula TO. No entanto, existe uma insistência dos alunos para usar o
TO, após os modais verbs, logo que a maioria dos verbos em inglês aceita a
partícula TO após estes. Como podemos observar nos seguintes exemplos:
He can speak English. - Ele sabe falar inglês. He likes to speak English. - Ele
gosta de falar inglês.
Can I smoke here? - Posso fumar aqui?-Do you want to smoke? - Você quer
fumar?
Possíveis casos de generalização de ideias:
He can to speak english.
Can I to smoke?
I could to speak japanese whe I was a child.
I think Johnny should to spend less time watching TV.
E para concluir, os ‘erros’ de transferência ou de interferência são
classificados como ‘erros’ interlínguas. Eles refletem a interferência da língua
materna durante a produção da língua estrangeira. E o ‘erro’ de generalização está
caracterizado como um ‘erro’ de cunho intralínguas, isto é, aqueles resultantes da
aprendizagem de uma língua estrangeira que não refletem a influência da língua
materna do indivíduo.
87
CAPÍTULO 4: A PESQUISA
Durante o desenrolar de nossa pesquisa, utilizamos as seguintes estratégias de
produção e análise para geração de dados, os quais vamos expor, mostrar
estatisticamente e analisar, como agentes de interferência da língua materna
na aprendizagem da língua estrangeira.

Seleção dos sujeitos (alunos do Curso de Língua Inglesa do CCBEU e
dos Cursos de Graduação de Letras, Secretariado Executivo Bilingue e
Relações Internacionais), no total de 300, selecionados de acordo com a
metodologia já explicitada, sendo a produção de dados referente a esta
amostra feita através de observações in loco, registro e contagem
do número de vezes que uma determinada ocorrência acontecia.

Também foram feitos registros em fotografias (na van de turismo
receptivo e nos posters do Projeto Tamar, em Salvador), para
ocorrências fora da amostra em investigação, a fim de corroborar com o
estudo proposto, bem como registro de um e-mail com autorização
do emitente.

Análise comparativa e contrastiva dos registros nas duas línguas,
levando-se em conta a norma considerada “culta” da L2.

Identificação dos desvios morfo-sintático-semânticos e sua frequência
de ocorrência, através de contagem simples e cálculo de porcentagens.

Análise da natureza dos desvios encontrados, de acordo com a norma
considerada padrão e não padrão na L1 e L2.
Nossa investigação busca avaliar qual o grau de influência da Língua Materna
(L1), neste caso o Português, sobre a produção do discurso, aqui o escrito, da
Segunda Língua (L2), especificamente o Inglês. O aporte teórico-metodológico é
colocado nas áreas da Sociolinguistica Quantitativa e da Gramática Funcional, mais
precisamente no modelo sugerido por Labov (1977) e seguido por Tarallo (2006), o
qual tem por finalidade principal registrar, descrever e analisar sistemática e
estatisticamente o uso pelos falantes de duas ou mais formas linguísticas. Utiliza
como referenciais teóricos principais os postulados de Chomsky (1957) –
88
competência e performance, bem como os princípios da Linguística Contrastiva
defendidos por Robert Lado (1945), no qual a identificação e a análise da
interferência entre línguas em contato é um ponto central para o estudo do
bilinguismo. A intrusão de características de uma língua sobre a outra, no discurso
de falantes bilíngues, deve ser estudado ao nível da fonologia, morfologia e sintaxe.
Os dois universos escolhidos para a realização da pesquisa foram a Escola
de Línguas (Centro Cultural Brasil-Estados Unidos) e a Universidade da Amazônia
(UNAMA). O CCBEU possui um Curso de Língua Inglesa regular, composto de 10
semestres (5 anos), dentre os quais 3 são básicos, 3 são intermediários e 4 são
avançados. A progressão entre os níveis é semestral. Já nos Cursos de Graduação
da UNAMA, escolhidos para a pesquisa - Letras, Secretariado Executivo Bilíngue, e
Relações Internacionais, a progressão é também semestral e os conteúdos de cada
curso são similares aos níveis de estudo associados ao CCBEU, tornando a análise
contrastiva dos desvios produzidos no discurso em ambos os universos, consistente
e lógica, a fim de estabelecer um quadro estatístico de frequência das interferências
do sistema da Língua Materna que causaram desvios na produção do discurso
escrito na Segunda Língua (L2).
A coleta de dados foi iniciada há mais ou menos cinco anos, em 2005,
quando a Embaixada dos Estados Unidos da América do Norte, em Brasília, através
do Escritório de Projetos de Inglês, convidou-me a tornar-me um In-Country
Speaker, isto é, um especialista em ensino de Inglês como língua estrangeira, para
participar de Seminários e Conferências, Brasil afora, para discutir problemas
relacionados à aprendizagem do Inglês como língua estrangeira.
Então, a partir do Referencial Teórico adotado (Linguística Contrastiva e a
Linguística Descritiva), realizamos uma pesquisa de campo, através de um estudo
descritivo, de abordagem quanti-qualitativa, por meio de um estudo comparativodescritivo-contrastivo, a partir da seleção e análise das manifestações do discurso
escrito dos sujeitos selecionados, de acordo com as variáveis estabelecidas,
apresentando as manifestações linguísticas da Segunda Língua (L2), nesse caso, o
inglês, as quais apresentavam desvios da norma dita culta, manifestações estas que
indicavam ser resultado da influência da Língua Materna (L1), aqui o Português,
comparando as manifestações nas duas línguas, na tentativa de mostrar que tais
desvios eram resultado desta interferência, considerando especialmente o contraste
entre FLUENCY (FLUÊNCIA) x ACCURACY (EXATIDÃO).
89
Portanto, nosso objeto de estudo serão os desvios linguísticos na produção
do discurso de falantes usuários da língua portuguesa, durante o processo de
aprendizagem da segunda língua, especificamente o inglês, a fim de reconhecer a
interferência dos fatores intervenientes na aprendizagem da segunda língua,
mostrando que certos desvios, aparentemente irrelevantes, em nossa pesquisa
indicaram que podem influenciar ou não o processo de comunicação.
Durante o transcorrer da pesquisa, encontramos alguns exemplos dos desvios
mencionados, fora do universo da pesquisa, mas que apontavam na mesma direção.
Alguns destes exemplos foram registrados apenas para reforçar a necessidade da
pesquisa, bem como a análise dos dados colhidos na mesma. Entre eles temos
fotografias e um e-mail, este recebido de um sujeito de fora da amostra delimitada
(ANEXO A).
Na primeira fotografia, aparece um aviso em forma de poster, contendo uma
oração em língua portuguesa e sua correspondente em língua inglesa, colhido em
uma van de turismo receptivo de passageiros na cidade de Salvador, Bahia, cujo
conteúdo é a análise comparativa entre as frases escritas na língua materna (L1) e
na segunda língua (L2), e mostra claramente dois desvios provenientes da
interferência da L1 sobre a produção da L2, como se pode observar abaixo:
Van da empresa PRIVÊTUR, de turismo receptivo em Salvador, Bahia, em 23/04/2009.
Fonte: Pesquisa de campo 2009.
90
O primeiro, de ordem estrutural, é o uso do artigo definido the antes de um
nome próprio, não usado na língua inglesa, fato que se explica pela existência do
artigo definido a na oração em L1; o segundo se refere à grafia da palavra
responsible, em que aparece um a no lugar do i, fato também explicado pela grafia
da palavra na L1.
Uma outra foto, em outra van da mesma empresa, com o mesmo tipo
de pôster, apresentando o mesmo tipo de manifestação, como se vê abaixo:
Fonte: Foto tirada pelo autor em Abril de 2009, em Salvador/BA. Pesquisa de campo 2009.
NOTA: observa-se o uso do artigo definido the antes de nome próprio, vem como a eliminação do
verbo da oração, neste caso, is, além da grafia da palavra responsible, grafada como responsable.
Segundo informações da própria empresa, a redação das frases estava a
cargo de pessoas que trabalhavam na mesma e foram elaboradas por um guia da
empresa em questão, que já havia passado por todos os níveis de instrução formal
da segunda língua (L2).
A outra foto, em forma de um poster, é informativa, registrando um texto em
português e seu equivalente em inglês, também em Salvador, na área onde está
situado o PROJETO TAMAR, na Praia do Forte. No cartaz, pode-se identificar o uso
91
do artigo definido antes do nome próprio PROJETO TAMAR. No segundo parágrafo
do texto em Inglês, visualiza-se a frase seguinte: [...] The Projeto TAMAR BAHIA [...],
em que o uso do artigo definido the seria considerado um desvio da norma dita culta,
do mesmo tipo observado na van da empresa de turismo anterior. Vale salientar que
o texto neste, e em vários outros posters do projeto TAMAR, de preservação
ambiental, foi de responsabilidade da Secretaria de Cultura de Salvador, e
produzidos por alunos voluntários da UFBa, do Curso de Letras ou Turismo, os
quais, portanto, também já tinham completado as fases esperadas de aprendizagem
formal da L2 (anexo A), portanto sedimentado o seu conhecimento da normas da
mesma.
Cartaz explicativo-indicativo no PROJETO TAMAR, Salvador, Bahia abril/2009
Fonte: Pesquisa de campo 2009.
Outros posters, contendo mais exemplos dos mesmos tipos de desvio,
colhidos neste universo, podem ser encontrados a seguir:
92
Fonte: Foto tirada pelo autor no Projeto Tamar, em Salvador /BA, em Abril de 2009. Pesquisa de
campo/2009.
NOTA: nota-se, na segunda linha, a falta do particípio, na voz passiva, isto é, onde se lê protect,
deveríamos ter protected.
93
Fonte: Foto tirada pelo autor, no projeto Tamar, Salvador/BA, em Abril de 2009. Pesquisa de
campo/2009.
NOTA: observa-se a falta da inflexão da terceira pessoa do singular, o sufixo –s, na primeira linha,
onde se lê strengthen, deveríamos ter strengthens.
Além destes registros fotográficos, também segue abaixo um e-mail recebido
pelo autor de uma pessoa que, mesmo com grau de instrução superior completo,
todo o processo de instrução formal de língua inglesa finalizado, intercâmbio feito no
exterior, apresenta desvios devido à interferência da língua materna, alguns
94
dos quais estão sinalizados em cor vermelha. O autor do e-mail nos autorizou a
utilizá-lo de forma nomeada.
RES: Aluguel SP
albertomartins ([email protected])
De:
Enviada:quarta-feira, 2 de dezembro de 2009 12:37:05
Edila Porto ([email protected]); Jorge Resque
Para:
([email protected]); [email protected]
([email protected])
albertomartins ([email protected]);
[email protected] ([email protected]);
Cc:
[email protected] ([email protected])
Folks, hello!!!
I´m answering all 4 msgs here okay...
I see Edilinha is way too much worried about how to locate Arthurzinho and obviously
I don´t blaim her...; anyhow, please let´s not antecipate any suffer on this matter okay
- not because it isn´t something to be worried about, but because it won´t do any
good and I´m sure it will be solved soon.
Well, I´ve already talked with Edilinha and need to tell all the others that to me and
my family the possibility of Arthurzinho and some roomate live at our apartmente is
a great new, so we´ll do whatever is on our hands to help so I would like to tell
Arthurzinho thay probably we´ll not come back to this apartment because after a
5 years period we will be living in Sto Andre, we´ll return to São Paulo (that´s for
sure!) but probably to any place very near to Paola´s school, so they can be here for
a long period, if they need and want to, besides we won´t mind if they paint the walls,
the ceilling or the floor...
Other thing - that has no relation on coming or not to live in our apartment - is that all
you guys are invited to stay at our home during while you´ll be in São Paulo - to bad
we´ll travel to Belem at the very same day you´ll arrive here; other thing is that it
would do some good if you guys should visit the 2 apartments in our building - one is
for rent and the other for sale - as well as talking to Fernando, that guy Edilinha meet
and that told us (and keep on saying it) that was preparing to move because I would
like very much if we could by one of these apartments together (so I rent ap 41 to
anyone and Arthur and his roomate move to this other building unit).
note: I decided to test my writen English; probably there are many mistakes!!! (don´t
mind to point them, only answer in English, so I get some practice)
kisses,
Alberto Filho, Miriam & Paola
Keeping in Touch - answering Jorge´s & Edila´s msgs
albertomartins ([email protected])
De:
95
Enviada:quarta-feira, 2 de dezembro de 2009 15:46:03
[email protected] ([email protected]); [email protected]
Para:
([email protected]); [email protected] ([email protected])
albertomartins ([email protected]);
[email protected] ([email protected]);
Cc:
[email protected] ([email protected])
Hi Jorge,
Please do use my messages (the one I sent this morning and all other, inc this very
one) as data for your academic work, as well as for your classes, if it would fit for
some reason; I will be happy to take part (a veru tinny part, of course) on the
best English academic work in Para (or should I write in Brasil - rsrsrs). Thanks for
the correction on the "blaim" and for offering to exchange e-mails in English; I think
I worte as I spelled the word; thanks for your words too - actually I understand
basically everything, writen or spoken, write regular as you are seeing, but
unfortunatelly lost most of my English spoken skills, what is a shame.
Well, reading all the messages Edilinha wrote I was wondering how you (didn´t)
slept yesterday - you should had called me.
Be sure that if it happens that Arthurzinho live in our home, we will be doing
something good to all concerned - I learned only to do business like that, so it´s only
the case keep in touch and finding someone to live with Arthur (by the way, I think
that sharing a place is the best option to him). So, I hope and believe that Proenças
won´t do anything else to let the situation worst - especially related to the date
Arthurzinho will move - but if something happen that make you guys (or himself)
prefer to move, don´t concern too much either - he can stay with us for a while and
I also can rush renting the apartment in Sto Andre (actually we already have onde in
mind and it´s owned by a Miriam´s client that is keeping it for us, so we really can
move soon) and I´ll also understand if for sometime Arthurzinho have to live alone
(naturally paying only his part on the deal) so DON´T WORRY!
Being father is an excellent experience; in my case, my feelings for Paola grow
everyday and we keep on learning each other more and more so its getting easier
too. All messages I send (and sent) are being copyied to Miriam but I will know how
much she´s understanding only at night; by now I only want to say that she was at
home when Edilinha called and I told her about our conversation and she´s as happy
as I am; also need to say that she loves being mom too (if I don´t write this, she´ll
probably get mad).
We hope you enjoy your stay in São Paulo and in our home; I remind you we have 2
places to park and only one will be occupied, so be our guests to use a car and park
it here (by my office´s window).
p.s.: I was almost sending this msg when I saw Edila´s msg, so I add to what I
wrote above to say that Miriam´s client apartment is brand new, they are with the
keys since middle of november and just waiting for us; by the other hand, it would
bee way too crasy for me and Miriam move before we come back from Belem and at
96
that time we´ll need somedays to move all the things - but to our commodity,
moving during the beggining of 2010 is the best option, because work will be
lighter; anyhow we decorated Paola´s room with wall paper and I think it´s my
obligation to remove it and paint and I only have to do that after Paola has moved,
so, as our conversation is getting more specific, a option that is clearing in my mind
and that I would share with you is:

Arthurzinho comes to our apartment whenever he needs (eventually stays
with us a couple of days - depending on the day he comes, for a couple of weeks);

As soon as Paola has moved, I begin whatever will be done (painting, etc...),
maybe with Arthurzinho already living in the apartment (I think there isn´t much
to be done, but you´ll guys have to see and talk to me about that);

During the time Arthurzinho will be living alone, you pay me his part on the
deal and I get using the garage and sleeping at the apartment (probably won´t
happen but might happen one day or the other, specially during the painting).
Some other thing is that I would like to know what he has in common with Caio
before they start sharing these goods, because (i) there are some spaces that were
thought according to our things (for example: the washing machine spot) and
(ii) the place we probably will move to is as big as our apartment, bus we may have
to leave some of our things and we´ll be help to leave to him.
After all, I need to remind that my folks (Alfredo, excluded) don´t know about our
plain yet, so I need to ask you how decided you are to do this thing, because if it will
happen I must (i) talk with Miriam´s cliente as soon as posible and (ii) talk to my
folks, so that my mom won´t run naked & crying at Doca.
Best regards (your message remind me this ending...)
Alberto de Oliveira Martins Filho
OAB/SP 141.536 B
Estas ocorrências apontam no sentido de que, mesmo tendo-se concluído o
processo de aprendizado formal da segunda língua, essas manifestações tendem a
permanecer.
Na fase investigativa da pesquisa colhemos dados a partir de observações e
registros feitos nos universos escolhidos, por análise visual e contagem de
frequência de ocorrência das manifestações investigadas, a partir da produção
do discurso escrito dos alunos selecionados como amostra.
A princípio foram escolhidos 150 sujeitos, de forma aleatória, 50 em
cada grupo de três níveis que compunham os ciclos de estudos definidos como
BÁSICO (Básico 1, Básico 2 e Básico 3); 50 no ciclo INTERMEDIÁRIO
(Intermediário
1, Intermediário 2 e Intermediário 3); e 50 no ciclo AVANÇADO
(Avançado 1, Avançado 2 e Avançado 3) do CCBEU, em turnos de estudos
diferentes (manhã, tarde e noite), o que garantiu a análise da variável relacionada
97
à faixa etária, posto que, neste universo, nos turnos da manhã e da noite os
sujeitos possuem idade cronológica variada, sendo o turno da noite composto na
maioria por adultos; já no da tarde os sujeitos encontram-se na faixa etária dos 10
aos 18 anos de idade.
A distribuição dos níveis de estudo é total nos vários turnos, isto é, o CCBEU
tem todos os níveis, em todos os horários, exceto o noturno, onde a frequência dos
adolescentes é muito pequena, o que garante a confiabilidade da variável
denominada nível de aprendizagem da Língua Inglesa (L2), bem como aquela que
chamamos grau de instrução, posto que, no horário matutino e noturno temos
também estudantes universitários e profissionais de diversas áreas.
Como o CCBEU tem progressão semestral e, levando-se em conta a
desistência e a reprovação, o número correspondente a este total era descartado, a
cada semestre, e a diferença deste era recomposta, também de forma aleatória,
para garantir a variável continuidade dos estudos, mantendo-se a amostra sempre
com um total de 150 sujeitos, em cada ciclo de estudos. Também foi preciso verificar
quais destes sujeitos já estavam na Universidade para garantir que os mesmos não
seriam escolhidos em duplicata no segundo universo estudado, a UNAMA.
No quadro abaixo encontramos a evolução do total dos alunos matriculados
no CCBEU ao longo de 2005 a 2009, por nível de aprendizagem.
Quadro 1 - Evolução do total de alunos, por nível, de 2005 a 2009, no CCBEU
Nº alunos
2005
2006
2007
2008
2009
SEMESTRE
1º
2º
1º
2º
1º
2º
1º
2º
1º
2º
BASICO 01
111
41
121
30
141
34
82
33
80
95
BÁSICO 02
*
105
56
121
53
134
45
70
43
45
BÁSICO 03
63
21
99
47
100
54
161
153 126 112
INTERMEDIÁRIO 01
180
167
153
146
107
143
134
144 132 125
INTERMEDIÁRIO 02
149
153
137
137
136
104
148
132 137 118
INTERMEDIÁRIO 03
*
140
147
136
123
133
88
122 105
AVANÇADO 01
161
124
241
167
164
164
192
138 158 150
97
98
AVANÇADO 02
132
141
119
221
155
140
151
178 125 110
AVANÇADO 03
157
110
128
114
192
139
143
125 152 145
AVANÇADO 04
99
127
97
110
94
165
126
123 103
96
Fonte: Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, Dept. Pedagógico, Maio/09.
No segundo universo escolhido para a pesquisa, a Universidade da Amazônia
(UNAMA), nos cursos anteriormente mencionados, em que o aprendizado da língua
inglesa é considerado essencial para a formação de graduação dos alunos,
constando de quatro a seis semestres letivos, em diversos níveis de aprendizagem,
da mesma forma, foram escolhidos 150 sujeitos, aleatoriamente, 50 em cada curso,
em vários semestres, tendo-se o cuidado de confirmar que os mesmos não
estudavam no CCBEU. Como muitos alunos destes cursos já estudaram Inglês
como Língua Estrangeira (L2), também foi preciso escolher alguns sujeitos que
nunca houvessem feito um Curso de Inglês de forma regular, os quais foram
considerados Nível Básico, no primeiro semestre (ingressantes do vestibular), e
corresponderam a aproximadamente 50% da amostra total. Como a progressão dos
Cursos citados é semestral, aqueles sujeitos que não continuaram seus estudos, ou
foram reprovados, foram descartados e o restante da amostra recomposto de forma
aleatória por outros sujeitos, procedimento este semelhante ao adotado para o
primeiro universo pesquisado. O total deste universo está representado nos quadros
a seguir:
Quadro 2 - Evolução do total de alunos, por semestre, de 2005 a 2009, no
CURSO DE LETRAS, da Universidade da Amazônia (UNAMA)
SÉRIES
SEMESTRES
2005.1
2005.2
2006.1
2006.2
2007.1
2007.2
2008.1
2008.2
2009.1
2009.2
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
108
30
116
41
87
43
42
45
-
56
74
31
73
18
53
35
43
51
159
56
67
28
68
21
44
32
28
-
99
70
134
26
17
62
20
43
25
43
62
47
58
11
54
12
35
29
70
43
59
18
54
16
42
78
49
56
19
60
27
66
61
68
43
75
Fonte: Secretaria Geral da Universidade da Amazônia – Set/2009.
99
Quadro 3 - Evolução do total de alunos, por semestre, de 2005 a 2009, no
CURSO DE SECRETARIADO EXECUTIVO BILINGUE, da Universidade da
Amazônia (UNAMA)
SÉRIES
SEMESTRES
2005.1
2005.2
2006.1
2006.2
2007.1
2007.2
2008.1
2008.2
2009.1
2009.2
1º
2º
3º
4º
5º
6º
52
28
47
46
23
31
-
46
26
32
35
29
27
63
41
23
28
28
18
-
23
35
30
30
27
25
22
31
24
25
28
-
20
30
23
28
27
Fonte: Secretaria Geral da Universidade da Amazônia – Set/2009.
Quadro 4 - Evolução do total de alunos, por semestre, de 2005 a 2009, no
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, da Universidade da Amazônia
(UNAMA)
SÉRIES
SEMESTRES
2005.1
2005.2
2006.1
2006.2
2007.1
2007.2
2008.1
2008.2
2009.1
2009.2
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
95
39
82
42
76
56
-
52
28
55
26
63
45
47
23
44
17
54
-
39
28
36
15
45
36
24
31
12
33
26
32
32
22
32
Fonte: Secretaria Geral da Universidade da Amazônia – Set/2009.
A intenção ao escolhermos dois contextos diferenciados para nossa
investigação se deve à necessidade de comparar nossas observações no intuito de
encontrar maior segurança para a avaliação de nosso objeto de estudo, dentro de
nosso universo, na mensuração e análise de nossas variáveis, que são as
seguintes:
100
a) faixa etária dos sujeitos;
b) nível de aprendizagem da Língua Inglesa;
c) grau de instrução;
d) nível de autonomia e criatividade;
e) continuidade dos estudos.
Essa comparação é possível porque em ambos os contextos, a progressão
dos níveis de aprendizagem ocorre de forma semestral, e os cursos levam
aproximadamente o mesmo tempo para serem concluidos, isto é, na UNAMA, os
cursos de Letras, Secretariado Executivo e Relações Internacionais têm duração de
8, 6 e 8 semestres, respectivamente; no CCBEU, a progressão se dá da mesma
forma, e o curso tem duração média de 4 anos, ou seja, 8 semestres. Os conteúdos
programáticos, em cada semestre, têm equivalência quase total, o que garantiu a
confiabilidade dos contrastes realizados, em cada amostra, bem como a contagem
total das manifestações como estatística única.
O objetivo é mostrar, mediante os registros de observações que as
interferências da Língua Materna (L1) sobre a aprendizagem da Segunda Língua
(L2) tendem a permanecer ao longo do tempo, independente dos conteúdos já
alcançados, e são recorrentes, isto é, do mesmo tipo, provocando os mesmos
desvios, podendo resultar no fenômeno chamado de fossilização, gerando
dificuldades tanto para a obtenção da competência linguística quanto na obtenção
da competência comunicativa, isto é, tal influência não se dissipa, mesmo depois de
um longo período de aprendizagem e exposição ao segundo sistema.
Assim, podemos observar, a seguir, algumas manifestações produzidas pelos
sujeitos aqui descritos:
 universo investigado: UNAMA
Data: 16/03/2009
Nível de Aprend. na L2: Básico
Prof. A
Manifestação – falante 1.
“I’M A SECRETARY EXECUTIVE”.
x
“Eu sou uma Secretária Executiva”
CORRETO: I’m an executive secretary.
Nesse exemplo, como se pode observar, o falante utiliza uma sintaxe
equivocada, na L2, isto é, o substantivo vem antes do adjetivo, como é o ‘correto’ na
101
L1, embora não sendo assim na L2, onde o adjetivo deve vir na frente do
substantivo, ocasionando assim um desvio da norma dita culta na L2.
No segundo exemplo, a seguir, podemos observar um problema semelhante:
 Universo Investigado: CCBEU
DATA: 16/03/2009
Manifestação – falante 1
“MY JOB IS TEACHER”
Nível de Aprend. na L2: Básico
Prof. B
x
“Meu trabalho é professor”
CORRETO: I am a teacher.
Nesse caso, houve o emprego de uma estrutura que não se utiliza na L2 para
expressar atividade de trabalho, quando se deve usar o verbo ser (TO BE - AM) com
o pronome pessoal reto (I). Mais uma vez, a L1 ocasionou um desvio na norma ‘dita’
culta da L2, embora neste caso, não tenha havido prejuízo de sentido, isto é, a
comunicação se fez sem maiores comprometimentos.
 Universo Investigado: UNAMA
Data: 26/05/2009
Manifestação – falante 2.
HAVE/HAS A LOT OF EMPLOYEES HERE.
Nível de Aprend. na L2: Básico
Prof. A
x
“Tem muitos funcionários aqui”.
CORRETO: THERE ARE A
LOT OF EMPLOYEES HERE.
No supra, houve a utilização do verbo ter (em Inglês HAVE/HAS) como
sinônimo do verbo haver (em Inglês THERE IS/ARE), o que é possível em Português
(L1), mas não é aceito na Língua Inglesa (L2), o que novamente acarreta um desvio
da norma ‘dita’ culta da L2 pela interferência da L1.
 Universo Investigado: CCBEU
Data: 26/05/2009
Nível de Aprend. na L2: Básico
Prof. A
Manifestação – falante 2.
Is good business.
x
“É um bom negócio”.
CORRETO: IT IS GOOD BUSINESS.
102
Neste caso particular, o falante omitiu o sujeito da frase e começou a mesma
com o verbo SER conjugado, como é possível em Português. Contudo, em Inglês,
tal uso não é correto e a aplicação do pronome neutro IT é essencial. Embora não
haja comprometimento da comunicação, nota-se claramente a influência da L1 sobre
a L2.
Como se pode observar, alguns desvios provocados pela interferência da
Língua Materna (L1) sobre a Língua Estrangeira (L2), podem ser causados pela
sedimentação das regras do sistema da Língua Materna (L1), trazendo ou não
problemas de comunicação.
Temos a seguir uma lista das principais manifestações observadas em nossa
investigação, quando da performance de, pelo menos, 90% dos falantes observados
nos
dois
universos
considerados,
porcentagem
bastante
significativa
se
considerarmos as noções de autonomia e criatividade já mencionadas como
variáveis possíveis destas manifestações, as quais puderam ser dimensionadas pela
extensão dos trabalhos considerados para efeito de nossa investigação, onde houve
a seleção de produção escrita com um mínimo de 15 linhas, o que para os
parâmetros da aprendizagem da Língua Estrangeira representa uma boa dose de
exploração dos conteúdos linguísticos estudados.
a) WHAT’S YOUR DEPARTAMENT?
b) WHAT’S YOUR RESPONSABILITY?
c) I’M A SECRETARY EXECUTIVE.
d) WHAT’S DOES YOUR JOB INVOLVE?
e) MY JOB IS SECRETARY.
f) WHAT’S YOUR JOB? SECRETARY EXECUTIVE.
g) WHAT DOES YOUR JOB INVOLVES? IT’S INVOLVES...
h) WHAT’S YOUR NAME?
i) I WORK IN/AT UNAMA.
j) I’M GO TO THE OFFICE.
k) I’M WENT TO THE OFFICE.
l) IS GOOD BUSINESS
m) MY COMPANY IT’S BIG.
n) HAVE/HAS A LOT OF EMPLOYEES IN MY COMPANY.
o) WE WILL/CAN BUY NEW EQUIPMENT.
103
p) WE SHOULD DOES MORE PRODUCTION.
q) I WORK FOR INDUSTRY OF FOOTWEAR.
r) WHEN IS A SECRETARY CONFERENCE?
s) IN EXAMPLE OF MEXICO IS IMPORTANT...
A frequência de cada um dos desvios listados antes, em função de cada uma
das variáveis determinadas para análise do objeto, dentro de cada uma das
amostras, é apresentada nas tabelas e nos gráficos (elaborados a partir dos
resultados da pesquisa de campo) a seguir:
a) Faixa etária dos sujeitos.
Tabela 1 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com a
faixa etária
UNIVERSO
CCBEU
UNAMA
A, b, c, d
90%
87%
e, f, g, h
85%
92%
VARIAÇÃO
i, j, k, l
80%
84%
m, n, o, p
89%
80%
q, r, s
70%
70%
Gráfico 1 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com a
faixa etária
104
b) Nível de aprendizagem da Língua Inglesa.
Tabela 2 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com o
nível de aprendizagem da L2
UNIVERSO
CCBEU
UNAMA
A, b, c, d
70%
57%
e, f, g, h
65%
42%
VARIAÇÃO
i, j, k, l
50%
34%
m, n, o, p
39%
20%
q, r, s
20%
10%
Gráfico 2 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com o
nível de aprendizagem da L2
c) Grau de instrução.
Tabela 3 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com o
grau de instrução
UNIVERSO
CCBEU
UNAMA
A, b, c, d
80%
77%
e, f, g, h
75%
52%
VARIAÇÃO
i, j, k, l
80%
34%
m, n, o, p
59%
20%
q, r, s
70%
20%
105
Gráfico 3 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com o
grau de instrução
d) Nível de autonomia e criatividade.
Tabela 4 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com o
nível de autonomia e criatividade
UNIVERSO
CCBEU
UNAMA
A, b, c, d
92%
88%
e, f, g, h
85%
90%
VARIAÇÃO
i, j, k, l
85%
84%
m, n, o, p
80%
80%
q, r, s
80%
75%
106
Gráfico 4 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com o
nível de autonomia e criatividade
e) Continuidade dos estudos.
Tabela 5 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com a
continuidade de estudos
UNIVERSO
CCBEU
UNAMA
A, b, c, d
50%
37%
e, f, g, h
45%
42%
VARIAÇÃO
i, j, k, l
30%
34%
m, n, o, p
20%
10%
q, r, s
20%
15%
107
Gráfico 5 - Frequência de ocorrência dos desvios analisados de acordo com a
continuidade de estudos
108
109
110
111
112
113
114
115
116
117
118
4.1 ANÁLISE DOS DADOS
Todos os resultados da frequência de manifestação dos desvios investigados
demonstram que, independente da faixa etária e, portanto, do nível de instrução na
Língua Materna (L1), isto é, do maior ou menor grau de solidificação do sistema
linguístico da L1, este causa os mesmos tipos de desvio por interferência da L1
sobre a produção da L2. Pode-se observar também que, quanto maior é a
experimentação com a L2 (autonomia e criatividade), maior é a frequência da
manifestação investigada. Em contrapartida, se o sujeito permanece no estudo da
L2, ou seja, se existe continuidade de estudos, a frequência das manifestações cai
consideravelmente, embora continue ocorrendo. Tal fato nos leva a crer que é
possível criar mecanismos remediais para tentar minimizar ou até mesmo eliminar a
interferência da L1 sobre a produção da L2. A investigação também aponta no
sentido de que os desvios mais básicos, isto é, aqueles relacionados com as
estruturas mais básicas da Língua são mais frequentes em todas as análises feitas,
de acordo com todas as variáveis.
E, ainda com relação aos mecanismos de correção que os alunos possam
empregar no sentido de eliminar as interferências e a ocorrência dos desvios
registrados, podemos dizer que:

Os alunos não produzem mecanismos de autocorreção por entenderem,
automaticamente, que sua produção esteja correta;

Os
métodos
de
ensino-aprendizagem
não
estabelecem
análises
contrastivas sobre o que pode ser considerado um desvio;

Os livros e outros materiais didáticos não levam em conta as
manifestações linguísticas inerentes a cada realidade de aplicação dos
mesmos.
Alguns outros exemplos das amostras do objeto de nossa investigação estão no
anexo A.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda e qualquer pesquisa relacionada ao aprendizado de uma segunda
língua é difícil pois até hoje não se conseguiu chegar a respostas convincentes
sobre uma série de perguntas, dentre as quais, por exemplo, está a de como se dá a
interferência de uma língua sobre a outra e quais suas consequências. Sempre que
se pensa, avalia, ou debate a produção linguística, até hoje, esta e outras perguntas,
como com que frequência os desvios ou erros provocados por esta interferência
acontecem, continuam sem resposta. Apesar de toda a evolução da sociolinguística,
da psicolinguística, dos estudos da mente humana e do funcionamento do cérebro
humano, ainda há uma série de pontos não totalmente esclarecidos com relação às
etapas de aprendizagem de uma segunda língua, por exemplo.
O que se pode dizer com certeza (análise contrastiva) é que a língua materna
exerce influência sobre a produção da segunda língua, até ao ponto de produzir
manifestações que podem se fossilizar, caso não se dê a elas o devido tratamento.
Os resultados encontrados nesta pesquisa conduzem a uma reflexão
bastante profunda sobre não como as coisas acontecem, mas o que se pode fazer
no sentido de minimizar este impacto. Ao observar a frequência de determinadas
manifestações, claramente concretizadas pelo forte pensamento na língua materna,
e não na segunda língua, deve-se concluir sobre a necessidade de preparar
materiais didático-pedagógicos que combatam tal tendência. Ao constatarmos que,
mesmo depois de concluído o processo de aprendizagem, as manifestações
continuam a ocorrer, mesmo diante de todas as informações ao dispor dos autores e
estudiosos da língua, os pensamentos metodológicos na condução dos programas
de aprendizagem da língua inglesa continuam ineficazes na direção de remediar os
desvios resultantes da influência da língua materna.
Parece-nos de extrema importância que os estudiosos do processo de
aprendizagem de uma segunda língua, especialmente o inglês, e, portanto, autores
e escritores de material didático-pedagógico busquem formas de incluir em seus
programas cada vez mais informações que proporcionem ao falante usuário da
língua materna fazer comparações que o ajudem a desenvolver um pensamento
cognitivo dentro da língua que esteja aprendendo, buscando eliminar, ou minimizar,
a interferência da língua materna no aprendizado da segunda língua.
120
Então, a importância de qualquer pesquisa que busque investigar e esclarecer
a real interferência de um sistema linguístico sobre o outro, ou seja, que os padrões
lingüísticos de uma determinada língua não se transferem para a outra, bem como
os desvios que tal interferência provoca e sua freqüência, é irrefutavelmente
relevante para a aprendizagem bem sucedida de uma segunda língua. Esperamos,
assim, que este trabalho tenha trazido alguma ‘luz’ sobre esta questão e possa ser
útil para todos os que estão neste campo de trabalho.
Sabemos que alguma definição sobre este assunto ainda está longe de ser
alcançada. Os grandes linguistas e estudiosos da atualidade continuam aprimorando
seus estudos sobre o assunto e seu fascínio sobre as teorias da aprendizagem
continua vivo.
Assim, nossa intenção é oferecer aos pesquisadores, professores e alunos
um material que conduza a uma reflexão profunda sobre o tipo de ‘remédio’ que
podemos aplicar, de forma antecipatória, sobre o processo de aprendizagem da
língua inglesa, a partir do conhecimento das teorias de aprendizagem da primeira
língua, embora saibamos que, conforme nos diz Celani (2009)
1. Já baseamos as aulas em tradução e em gramática, mas hoje sabemos
que cabe ao professor analisar a turma para atuar bem;
2. Não há uma receita no ensino de Língua Estrangeira;
3. Não existe um método perfeito. A saída agora é entender por quê, para
quê, como e o que ensinar – nessa exata ordem;
4. O professor precisa estar preparado para enxergar como um pesquisador
da própria prática. A reflexão proporciona isso. (CELANI, 2009, p. 40-44).
Concluindo, podemos dizer que um falante só consegue dominar uma
segunda língua quando efetivamente pensa nesta língua.
121
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